História triste (História do PCP 12)

Francisco Martins Rodrigues

“O PCP E O 7º CONGRESSO DA INTERNACIONAL COMUNISTA” (Documentos). Ed. Avante. 1985, 66 págs. EM COMEMORAÇÃO mais do que discreta do cinquentenário do 7.° congresso da Internacional Comunista (IC), o PCP acaba de editar um folheto com trabalhos de Bento Gonçalves, Álvaro Cunhal e Sérgio Vilarigues, que merece algumas observações.

Foi preciso esperar 50 anos pela primeira edição oficial do relatório do PCP ao célebre congresso das Frentes Populares. E ainda hoje continua a não se dizer uma palavra sobre um facto da maior importância — a censura feita pelo comité executivo da Internacional a esse relatório, o que levou B. Gonçalves a ler numa versão abreviada e depurada, dando origem a um conflito na direcção do partido.

Se este é o relatório original, como supomos (ainda assim cortado — ver o salto de sequência do texto entre as págs. 19 e 20), o desagrado que suscitou nos meios dirigentes da IC pode explicar-se, a uma leitura mais atenta: exalta os méritos do congresso mundial anterior, faz uma apreciação positiva dos sindicatos vermelhos ilegais, critica as “grandes ilusões republicanas que continuam a existir nos trabalhadores do nosso país” e, sobretudo, conclui que a táctica da frente única em Portugal deveria aplicar-se “só na base da luta pelas reivindicações imediatas da classe operária e das camadas laborais da população’’. Tudo isto entrava em choque com a linha do relatório de Dimitrov, apontada para a criação de Frentes Populares por acordo com os partidos social-democratas e liberais e à custa, entre outras concessões, da dissolução dos sindicatos vermelhos.

Os dirigentes do PCP foram a Moscovo em 1935 ainda não sintonizados com o novo espírito democrático unitário e reformista que triunfou no 7.° congresso. Essa a origem do embaraço e da reserva que ainda hoje o PCP manifesta sobre o assunto. O que leva inclusive, além do silêncio sobre o caso do duplo relatório de B. Gonçalves, a omitir escandalosamente que nesse congresso foi lido um outro relatório por Paula de Oliveira (“Pável”, “Queirós”), precisamente no ponto da ordem de trabalhos em que se discutiu o relatório de Dimitrov. E ainda que da delegação fazia parte um terceiro elemento, Manuel Roque, mais tarde expulso.

Que difícil é estudar a história do PCP nas publicações do PCP!

Quanto ao texto de A. Cunhal, somos informados em nota que se destinava a ser lido numa reunião internacional em Praga, em 1965, mas que tal não foi possível devido à ausência da delegação do PCP ’’por razões técnicas”.

Novo enigma! Em 1965, Cunhal e outros dirigentes do partido estavam na União Soviética, com todas as condições, portanto, para se deslocarem a Praga. O que leva a suspeitar que as alegadas “razões técnicas” tenham sido simplesmente políticas. Com efeito, nesta intervenção Cunhal pretendia justificar-se contra a onda de ataques “sectários” e “esquerdistas” que por essa altura choviam sobre o PCP. Confrontado pelas críticas da Revolução Popular e de outros dissidentes, admitia a necessidade de uma “insurreição popular armada” para derrubar Salazar. Ora, isto era visto como uma provocação pelos dirigentes do PC de Espanha, Carrillo e Ibárruri, empenhados na “união nacional para o afastamento pacífico de Franco” e que portanto não admitiam que se falasse em insurreições na Península. Já um artigo que Cunhal enviara em 1963 para publicação na revista Problemas da Paz e do Socialismo fora rejeitado pelo mesmo motivo. Daqui a pergunta: não será que a “razão técnica” que impediu a leitura desta intervenção foi o veto do PCE e do PCUS? Não será que ao divulgá-la agora Cunhal procura tirar uma desforra tardia do seu rival Carrillo, hoje caído nas ruas da amargura? Que as desconfianças eram injustas e que Cunhal nada tinha de “esquerdista”, basta ler a intervenção para o constatar:

— a referência à “insurreição popular” corresponde apenas a necessidades de consumo interno de ocasião, visto que toda a linha política exposta aponta na direcção do levantamento nacional-militar por que Cunhal sempre lutou;

— as guerras de libertação que então já decorriam em Angola e Moçambique exigiam do PCP uma luta frontal pela derrota do governo na guerra, mas não existe uma linha a esse respeito;

— gabando os “méritos” do 7.° congresso, cala-se a tentativa para criar uma Frente Popular em Portugal e o período de desagregação que o partido viveu a seguir;

— diz-se que “em Portugal ninguém acredita que se possa pôr fim à ditadura de Salazar por meios pacíficos” (pág. 39), omitindo que poucos anos antes a direcção do PCP defendia precisamente o “afastamento pacífico de Salazar”‘;

— por fim, note-se a sinuosidade escorregadia com que se refere à Internacional. A IC teve um papel importante no avanço do movimento; a redução dos seus poderes em 1935, também; e o seu desaparecimento em 1943 foi “um importante factor dos sucessos desde então registados”… Da criação do partido mundial dos trabalhadores até à sua liquidação a linha teria sido sempre a mesma!

Do pobre texto de Vilarigues, simples montagem de frases feitas, não vale a pena falar.

Política Operária nº 3 Jan-Fev 1986

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