Cartas a MV – 11

Francisco Martins Rodrigues

Carta a MV (15)

22/3/1988

Caro M:

Tenho recebido os teus bilhetes. Quanto à publicação da carta aberta aos ex-presos políticos, tudo bem. Por mim, alivia-me muito essa solução, pois estou tão sobrecarregado de tarefas que não pode­ria cumprir a promessa do artigo sobre salários em atraso. Estamos a preparar o nº 14 da P.O., para sair em meados de Abril e desta vez queremos dar maior cobertura às questões do trabalho, o que exige me­xermo-nos mais. Deves ter lido na imprensa que por aqui há uma certa agitação contra o pacote laboral do governo e está tudo em marcha pa­ra uma greve geral no dia 28, convocada pelas duas centrais, pela pri­meira vez unidas. Vai ser provavelmente bastante seguida mas sem com­batividade, uma espécie de protesto simbólico para pressionar o Mário Soares a não assinar a lei. a situação do movimento operário continua difícil, muita desmoralização e falta de confiança nas próprias forças. O PCP parece ainda mais paralisado devido às divergências internas, e assim deve continuar até ao congresso, em Dezembro. O Cunhal mais uma vez faz papel de “esquerdista contra os renovadores e o sentimento da base operária é de acreditar nele. Uma miséria portuguesa.

O nosso trabalho continua a romper contra ventos e marés, mas sempre os mesmos. Equilibrámos a situação financeira, que se estava a tornar uma preocupação absorvente, e estamos a tentar abrir-nos um pouco mais. Apesar do ambiente de derrotismo, há algumas pontas a ex­plorar. É preciso porque a expansão da revista continua bloqueada e a nossa influência não sai dum círculo muito restrito de amigos.

Recebeste a P.O. 10 que te faltava? Quanto às contas que pedis­te, a situação é a seguinte: (…). Agora, desta importân­cia deverias deduzir as revistas não vendidas, assim como despesas que tens feito com o envio do “Monde”, etc. Conclusão: tu verás se podes mandar mais alguma massa. (…).

Quanto a encomendas: poderias obter-nos “L’état du Monde” 1987? Envia sempre o “Monde”, tem interesse. O ZM telefonou-me a di­zer que vai aí no fim deste mês, será uma oportunidade de fazerem o ponto da situação na emigração. Um abraço

 

 

Cartas a MV – 2

Francisco Martins Rodrigues

Carta a MV (4)

20/6/1985

Camaradas M e R:

Como vão? Cá estamos mais uma vez a pedir resposta às nossas cartas, mesmo que seja resumida, para termos a certeza de que não estão zangados connosco. Sabemos que o M fez um telefonema para o R, mas há várias coisas a concretizar. Por isso vos pe­dimos que nos escrevam antes de partirem para férias. (Por acaso não lhes calhava fazer férias em Portugal? 0 clima é excelente, co­mo sabem, e era uma bela oportunidade para debatermos de viva voz os nossos problemas). Vamos aos factos.

Aparelho técnico – Estamos neste momento a legalizar uma sociedade e a montar um atelier de artes gráficas. Comprámos uma máquina de fotocomposição em segunda mão, a prestações, e vamos dedicar-nos a trabalhos de composição e montagem (asseguramos também a impressão, por acordo com uma tipografia). Esta vai ser a base económica e técnica para a sobrevivência da revista, mas exige que se obtenham clientes para rentabilizar a máquina, sustentar os funcionários, pagar a renda da casa, etc. Já temos alguns clientes e vamos empe­nhar-nos em singrar. Uma pergunta: não seria possivel canalizar para nós trabalhos de fotocomposição aí de Paris? A ideia pode parecer disparatada à primeira vista, mas justifica-se pela barateza da mão-de-obra portuga, o que nos permitiria competir com os preços aí praticados. A Grua[i] fazia uma pequena revista (de karate) que era redigida em Paris, impressa em Portugal e vendida em Paris. Nós po­deríamos. fazer o mesmo quanto a parte da composição e montagem. Po­derão vocês enviar-nos algum trabalho que aí obtenham? Garantimos preços vantajosos, cumprimento dos prazos, boa qualidade. Em breve vos enviaremos o cartão de apresentação da nossa sociedade. Vejam o que se pode fazer, tendo em conta que é neste momento uma das formas principais de criar base financeira para a edição da revista.

Atenção – O nosso atelier de artes gráficas está a funcionar na rua (…)Pedimos que nos digam como se encontra o plano para a compra e envio da PB Dick. Vai ser ume pedra essencial para a feitura da re­vista. Inicialmente imprimiremos fora, mas precisamos de dar andamento a essa questão, para nos tornarmos independentes e pouparmos dinheiro.

O título da revista está legalmente registado, temos apartados de correio em Lisboa e Porto, estamos a tratar do porte-pago e de outras questões burocráticas.

Revista – Como já tínhamos informado, estamos a trabalhar para a saída do nº 1 em fins de Setembro-princípios de Outubro. O projec­to para um nº experimental, como ensaio e só para consumo interno, não passou além de alguns pequenos artigos; temos andado todos ab­sorvidos nas actividades práticas e as capacidades de redacção es­tão pouco treinadas. Este é um dos aspectos mais sérios das dificuldades que vamos enfrentar.

Para o nº 1, estão em preparação alguns artigos de fundo, já em fase de redacção e discussão:

  • Portugal: revolução democrática e nacional ou revolução socialista?
  • Disciplina e liberdade de discussão no Partido Bolchevique – um exemplo.
  • Lições do Verão quente de 1975 no seu 10º aniversário.
  • O Partido Bolchevique e o movimento operário às vésperas da revolução de Outubro.
  • Cometna: um exemplo das novas realidades na luta de classes nas empresas.
  • A viragem à direita do PCE e o começo da guerra de Espanha.
  • Situação política – tendências de classe por detrás dos ali­nhamentos dos partidos.

Para além destes artigos (como vêem, ambição não nos falta), completaremos o nº inaugural com um Editorial, diversos comentários curtos, crítica de livros e revistas, etc. Pergunta: podemos contar com uma carta de Paris, feita por vós, sobre tema à vossa escolha? Para ser actual, deveria ser redigida em Setembro e enviada para cá até 15 de Setembro o mais tardar. Decerto compreendem a importância que terá para este começo da revista o aparecimento da vossa cola­boração. De acordo? Fizemos um pedido semelhante ao PA mas até agora não tivemos resposta. Se puderem, dêem-lhe um aperto.

Com vista ao nº 2, já temos um artigo feito sobre as medidas re­volucionárias da libertação da mulher na revolução russa e o recuo posterior. Como sairá em Dezembro, 10º aniversário da fundação do PC(R), terá um artigo desenvolvido de balanço à experiência do PC(R) e da corrente ML em Portugal. Para o preparação desse trabalho, fi­zemos no dia 16 um encontro, aberto a diversos amigos, em que se discutiu o tema na base de teses redigidas previamente por um bom número de camaradas. O debate prossegue no dia 30 do corrente.

Como apoio para c estudo, tendo em vista futuros artigos, pre­cisaríamos que nos mandassem mais fotocópias dos livros que nos in­dicaram poder obter. A ignorância é grande por estas bandas. Também estamos à espera que nos digam se podemos contar com uma assinatu­ra feita por vós de uma revista de informação internacional, que poderia ser, supomos, a “Afrique-Asie”.

Outra forma de apoiar o lançamento da revista será a subscrição dos boletins de assinatura antecipada, a preço muito baixo, de pro­moção. Enviamos junto alguns, pedindo a vossa atenção.

Anti-Dimitrovleram? Qual a vossa opinião global? A reacção aqui, naturalmente, foi para considerar o trabalho esclarecedor na nossa área e para o considerar como uma manifestação de esquerdismo incurável, na área dos arrependidos da esquerda, que são a lar­ga maioria. Em todo o caso, foi bastante falado na imprensa e a ti­ragem está quase toda vendida. A casa distribuidora (“Ulmeiro”) só tem umas dezenas e nós outros tantos como reserva. Ao todo, .já co­brámos 250 contos, que foram uma ajuda importante para nos abalan­çarmos à compra da máquina de fotocomposição, somados às quotiza­ções, donativos e empréstimos.

Esperamos que tenham recebido os 20 exemplares que vos enviámos em dois pacotes de 10 e que já tenham feito alguma massa com eles. Se tiverem possibilidades de colocar mais alguns aí nos meios da emigração, podemos arranjar-vos mais uns tantos. Se tiverem recei­tas da venda do livro, pedimos que mandem para cá tudo o que pude­rem, pois neste momento é vital para nós concentrar todo o dinheiro possível para fazer face às despesas de lançamento da empresa grá­fica. Ainda temos cerca de cem contos a receber de livros.

Quanto à hipótese de reedição do livro, pusemo-la de parte, pois implicava una grande despesa. Agora o meu plano, já aprovado em debate, é começar a trabalhar numa espécie de balanço histórico sobre a evolução do PCP: fazer a tal crítica as origens do revi­sionismo que o PC(R) nunca se atreveu a fazer. Seria ideologica­mente útil para o reforço da nossa corrente e comercialmente pode­rá ser uma boa ajuda para financiar a revista. O projecto é ter esse livro na rua no Outono do ano que vem, mas terei que me dedi­car muito mais ao estudo e combater a dispersão das tarefas urgen­tes que agora puxam de todos os lados.

PC(R) – dois últimos acontecimentos espectaculacres desta banda são a estrondosa adesão de Frederico Carvalho (o pequeno Fred) ao PCP e a demissão colectiva de 37 membros da UDP do Porto, quase todos operários. O ex-membro do CC do PC(R) José Magalhães, aderiu à OC-PO e consti­tuiu-se como núcleo de apoio à revista. Seguem junto recortes de imprensa sobre um e outro caso, assim como uma carta que dirigimos aos membros do PC(R) sobre o caso Fred, lembrando-lhes que ele foi o nosso principal inimigo no 4º Congresso. Afinal quem tinha razão? Prevemos um agravamento da crise interna do PC(P.) devido ao desen­rolar dos acontecimentos, assim como a complicada situação eleito­ral em que se está a meter. Vamos fazer trabalho de esclarecimento junto de todos os membros que pudermos contactar. Da Grua já saíram ou estão despedidos, prestes a sair, todos os que formavam a velha equipa, à excepção da mulher do EP.

Organização – fizemos a 12 de Maio um encontro para debater inter­venção operária e sindical, frente de trabalho que estamos a tentar impulsionar em paralelo à edição da revista, porque oferece perspectivas e é uma peça essencial para a reconstrução; a 2 de Junho fizemos a nossa 2ª Assembleia, para tomar decisões sobre a cohstituição da empresa, dadas as grandes responsabilidades finan­ceiras que envolve, e para debater o andamento geral do nosso tra­balho; verifica-se que a vida dos núcleos e a participação de bas­tantes camaradas é irregular, recaindo o grosso dos esforços sobre um pequeno número; não se pode dizer que a nossa situação quanto a mobilização e militância seja satisfatória. Está espalhada urna certa falta de confiança quanto à realização do nosso objectivo, dado o ambiente desfavorável na classe operária. Vamos ter que avançar a pulso, porque o tempo não é de facilidades.

Segue junto o boletim interno nº 1, agora baptizado ” Tribuna Comunista”. Continuamos a lutar por lhe elevar o nível como ponto de encontro de experiências e pontos de vista. Continua em aberto o pedido de críticas e colaborações vossas.

Movimento ML internacional – Embora não tendo ainda recebido nenhuma resposta è mensagem de Março aprovada pela 1ª Assembleia (deve haver uma atitude geral de retraimento, a ver em que param as mo­das), vamos enviar por estes dias uma segunda carta, informando sobre o caso do Fred. Segue junto cópia desta carta (que distribuímos em inglês para todos os partidos). Se puderem pô-la em francês e fazê-la chegar à “Avant-garde communiste”, ao PCOF, Kessel, etc., será uma boa ajuda.

Recebemos regularmente as publicações eu inglês do PC do Japão (Esquerda).

 

 

 

[i] Empresa gráfica que pertencia ao PC(R), onde FMR trabalhou. (Nota de AB).

Cartas a LN

Francisco Martins Rodrigues

Carta a LN (1)

28/8/1998

Caro Amigo:

Agradeço a sua carta. Das suas observações, creio que se destaca a preocupação com a questão do Partido Comunista. Eu também o considero a questão política central, para que possamos passar de meros espectadores a interventores activos. Mas por isso mesmo, porque o assunto tem uma importância decisiva, receio a repetição das experiências de partidos que se fizeram no nosso país nos anos 70. No próximo número da P.O., que receberá em Outubro, volto à carga sobre o assunto, para falar das experiências negativas em que participei. Hoje não tenho dúvida que se tivesse sido possível uma perspectiva mais amadurecida do partido nesses anos, os acontecimentos políticos poderiam ter seguido outro rumo. Não digo que a revolução pudesse ser vitoriosa (faltavam imensas condições para isso) mas de certeza o proletariado teria saído da prova sem o sentimento de frustração e desmoralização em que se encontra. E se, da esquerda m-l, que então parecia tão pujante, nada restou, creio que isso se deve em grande medida às falsificações que se praticaram em nome do partido leninista, que de leninista pouco tinha.

Se dou portanto alertas contra o perigo de um partido prematuro é porque já me pareceu detectar aqui ou além tendências de “criar o partido” sem querer saber da crítica ao que esteve mal na fase anterior. Talvez não haja razão para os meus alertas; o abatimento é tanto que se calhar ainda vão passar muitos anos antes de um núcleo de gente capaz tomar o assunto em mãos. Se assim for, fica pelo menos a crítica aos erros anteriores (aquela que eu sou capaz de fazer), poderá ser uma ajuda para os que venham mais tarde. Francamente, se for para fazer um novo PC(R) ou um novo MRPP, acho que é tempo perdido.

Aqui afasto-me de si, julgo, no que toca à tradição stalinista de partido. Foi essa que conhecemos no passado, apoiámo-la como uma alternativa positiva aos partidos revisionistas, mas hoje, com maior distanciamento, acho que era preciso ter dado o salto que não se deu para o partido inspirado no leninismo. E que, de facto, o partido bolchevique que sob a direcção de Lenine lutou pela revolução tinha métodos muito diferentes dos que depois adoptou com Staline, embora nos fizessem crer o contrário. Compreende-se porquê: exercendo o poder em nome de uma ditadura do proletariado que de facto não existia na Rússia (nem podia ainda existir), o partido foi deformado, tornou-se muito diferente do que era nos seus tempos revolucionários, estagnou sob o monolitismo e a “caça às bruxas”. É a repetição desse estilo que eu procuro evitar, porque um partido desses será absolutamente incapaz de conduzir uma luta revolucionária coerente.

Quanto às questões teóricas, reconheço que temos muitas limitações, mas creia que, ao longo dos 13 anos que já leva a nossa revista, tem abordado diversos temas marxistas. É verdade que não fazemos muitas citações dos textos clássicos mas procuramos aplicar e desenvolver as suas ideias em torno das questões políticas actuais. Também aí, estou de pé atrás com o “marxismo-leninismo” de citações que se praticava há vinte ou trinta anos. Verifiquei como muitos dos que papagueavam com mais ardor essas citações e estavam sempre com o Lenine e o Staline na boca viraram a casaca assim que viram as coisas a correr para o torto. Era “cultura marxista” só para enfeitar… Num ponto lhe dou inteira razão: a necessidade de fazer uma análise das classes em Portugal e de fundamentar o carácter da nossa revolução (também eu penso que só pode ser socialista). Somos poucos e faltam-nos os elementos para produzir essas análises com um mínimo de seriedade marxista. Mas espero que ainda o conseguiremos. Não estamos cansados e a revista vai continuar a batalhar.

Sobre a Marinha Grande. Não pretendemos promover as pessoas a que se refere a militantes comunistas. Simplesmente, apoiamos e divulgamos as poucas críticas de esquerda ao PCP que ainda aparecem. No ponto a que chegámos, e que o meu Amigo deve conhecer tão bem como eu, seria insensato abafar essas críticas a pretexto de que os seus autores têm algumas contradições e o seu passado contém muitos erros. Em números anteriores da P.O. temos publicado entrevistas com operários, alguns mesmo da orla do PCP, quando eles fazem críticas de esquerda que merecem ser divulgadas. Publicamos o que há, não é por nossa culpa que não ocupamos as páginas da revista com tomadas de posição de revolucionários comunistas.

Refere-se a José Gregório e a um trabalho meu de há trinta anos (ou mais) sobre o assunto. Continuo a achar que Gregório deve ser respeitado e apresentado como exemplo de militante comunista mas a minha opinião sobre ele e sobre o PCP do seu tempo é hoje diferente da que tinha há trinta anos. Se devemos valorizá-los em oposição ao revisionismo cunhalista que veio depois, não devemos idealizá-los nem ocultar as suas limitações. O PCP dos anos 30-40, com a sua abnegação e combatividade antifascista, sofreu dos mesmos problemas que todo o movimento comunista, forçado pelas circunstâncias a apoiar a URSS de Staline e a calar tudo o que aí corria mal, envolvido numa desastrosa política de “frente popular”, etc. O caso de Manuel Domingues é apenas um episódio na história desse tempo; evoquei-o não para minimizar Gregório mas para mostrar a duplicidade de Cunhal, que continua a fazer silêncio sobre o assunto.

E por agora é tudo. Creio ter tocado os tópicos principais da sua carta. Espero que poderemos continuar a corresponder-nos e aguardo com muito interesse todas as críticas e sugestões que a leitura da P.O. lhe vá suscitando. Aceite as minhas saudações comunistas.

 Carta a LN (2)

29/12/1988

Caro Amigo:

Já deve ter recebido por esta altura a P.O. 67 e por ela verá a solução que encontrei para os extractos da sua carta, em que procurei conservar aquilo que há de mais significativo quanto ao estilo de partido e ao problema da vigilância de classe. São questões que tendem a ser esquecidas no clima democrático-pacífico actual e a sua carta vem lembrá-las. Também alterei o nome, tendo em conta as suas reservas a esse respeito. Espero que lhe tenha agradado a solução. Se de futuro nos quiser enviar para publicação as suas reflexões sobre o problema do Partido, ou outros, teremos muito gosto nisso.

Tem acompanhado as notícias sobre a aproximação entre a UDP, PSR e Política XXI, com vistas a uma candidatura conjunta às próximas eleições? Há quem fale num projecto de fusão para criação de um novo partido da esquerda. Pessoalmente, sou muito céptico quanto à viabilidade e sobretudo quanto aos reflexos políticos de um tal partido. Só será útil na medida em que, percorrendo até ao fim o seu reformismo intrínseco, esse novo partido apressará a abertura de um espaço na esquerda para um real partido revolucionário. Em todo o caso, a curto prazo, talvez cause alguma ilusão em pessoas de esquerda que têm estado isoladas.

Aceite as minhas saudações e votos de bom Ano Novo.

 Carta a LN (3)

9/3/1999

Caro Amigo:

O seu artigo saiu, como deve ter visto. Não me incomodou absolutamente nada a discordância, pois o tom é correcto. Temos por norma dar espaço à polémica na nossa revista, polémica que sentimos como absolutamente indispensável para a corrente marxista sair da crise em que se encontra e que foi devida, em boa medida, à supressão do debate. Não sei ainda se redigirei algum artigo de resposta ao seu, mas por agora parece-me preferível deixar os leitores interessados compararem as duas posições. Em todo o caso, gostaria de lhe sublinhar o seguinte: 1) não pretendi pôr em causa a política de vigilância do tempo de José Gregório nem o documento dos Espiões e Provocadores, mas apenas chamar a atenção para o mistério da morte de Manuel Domingues; 2) é um facto incontestável que o documento relaciona o Domingues com os titistas; leia-o atentamente e verá a importância que é dada a esse assunto; 3) parece hoje fora de dúvida que não foi a P1DE que matou Domingues; 4) quando falo em “paranóia da perseguição” refiro-me, não à vigilância necessária, mas a suspeitas infundadas que no início dos anos 50 levaram ao afastamento de bastantes militantes honestos; em todo o caso, refiro que essa paranóia é inseparável da perseguição bárbara a que o partido era submetido na época; 5) não pretendi omitir nada quanto a Militão Ribeiro, só não o referi porque não é o caso dos militantes assassinados no momento da prisão ou sob a tortura nos interrogatórios; 6) agitar hoje o caso Manuel Domingues não é favorecer de modo nenhum o cunhalismo (que aliás venho criticando em dezenas de artigos), mas justamente desafiar Cunhal a fazer luz sobre o assunto, ele que tanto fala em transparência e em “paredes de vidro”. Enfim, o assunto ainda tem muito que se lhe diga e se calhar durante muitos anos, porque os principais envolvidos não querem falar.

Quanto ao seu outro artigo, acho-o, como aliás você diz, um bocado “complicado”, isto é, não ressaltam claras as conclusões a que se pretende chegar. Se não se importa que lhe faça uma sugestão, proponho que o trabalhe melhor e o reformule, com vista a publicação futura. Continuamos abertos à sua colaboração. Extraí uma passagem da sua carta, que publico sob o mesmo pseudónimo anterior. Aceite as minhas saudações.

 Carta a LN (4)

 17/9/2000

Caro Camarada:

A sua resposta vai ser publicada, e na íntegra, como pede, no próximo n° da PO. a sair em meados de Outubro (em Agosto, como de costume, fazemos a pausa das férias). Não queremos que suspeite de qualquer discriminação da nossa parte. Se efectivamente somos obrigados muitas vezes a fazer cortes nas cartas que nos são enviadas é sempre por razões de espaço e não para mutilar ou deturpar as opiniões dos nossos colaboradores. Neste caso em debate, que gira em torno da apreciação do PREC, não creio que haja mal entendidos entre nós; há sim perspectivas diferentes no balanço à luta de classes que se travou naquela altura em Portugal e ao papel social desempenhado pelo PCP, como de resto esta sua última colaboração confirma, quanto a mim. Você argumenta como se eu fosse inclinado a poupar e a desculpar o PCP, o que me deixa… sem palavras, já que há quase 40 anos que não faço outra coisa senão escrever que ele é um falso partido comunista, um partido burguês para operários. A nossa grande divergência é em saber se os PCs são uma peça subalterna da sociedade burguesa ou se são aparelhos de tipo fascista vocacionados para a tomada do poder. Aqui é que está o ponto a esclarecer. Essa diferença de opiniões manifestou-se desde que nos começámos a corresponder e possivelmente nenhum de nós consegue convencer o outro dos seus pontos de vista. Infelizmente não será possível dar-lhe a conhecer a grande quantidade de artigos que temos publicado desde o começo da revista, nem os debates que fizemos sobre o assunto, sobretudo nos primeiros anos, após sairmos do PC(R). Também seria bom que outros colaboradores se manifestassem e que o debate se alargasse. Veremos se isso acontece. Eu, pela minha parte, ainda gostaria de voltar a comentar, mais tarde, o que você escreve nesta carta.

Agora uma questão prática. Do seu artigo sobre o Joaquim Carreira, não se poderia extrair para a próxima P.O., na secção de Cartas dos Leitores, a lista de abusos e prepotências do PC na Marinha Grande? Tem o mérito de ser muito concreta e poder elucidar os nossos leitores mais simpatizantes do PC (também os temos). Diga-me, o mais breve possível, se está de acordo, em que termos, que nome se deve pôr a assinar a carta, etc.

Fico a aguardar a sua resposta. Aceite as minhas saudações

 Carta a LN (5)

 30/7/2002

Caro Camarada:

Depois de alguns dias de férias, encontrei a sua carta com os 25 euros, para duas assinaturas da PO por um ano. Ficou registado, receberá o próximo número em Outubro, como habitualmente. O seu reparo sobre a fraca cobertura dada às medidas do novo governo tem toda a razão de ser: vamos ver se no próximo número corrigimos o tiro.

No que se refere à “Voz do Trabalho”, é uma folha iniciada há cerca de um ano por um grupo de activistas da Margem Sul. Inicialmente participavam alguns elementos do Bloco de Esquerda mas, passado pouco tempo, por indicação dos seus dirigentes, afastaram-se. De modo que a folha é editada só por camaradas sem organização partidária, a maioria antigos membros do PC(R), uns mais próximos do colectivo da PO, outros mais afastados. O interesse desta iniciativa é que tem tido um acolhimento muito bom na Lisnave, Autoeuropa e outras grandes empresas da região. A edição de mil exemplares esgota-se em poucos dias e os apoios recolhidos junto dos operários cobrem as despesas de edição. Creio que é uma iniciativa válida e de apoiar. Se lhes quiser enviar pequenas crónicas, em estilo simples, ou mesmo recortes da imprensa do Norte, será uma forma de ajuda. Já agora, digo o mesmo para a nossa P.O.: se tiver materiais que ache de interesse não hesite em enviá-los.

Por agora é tudo. Aceite as saudações do nosso colectivo

 Carta a LN (6)

26/8/2004

 Caro camarada:

Recebi o dinheiro que enviaste e registei a renovação da tua assinatura (entendo que queres continuar a receber dois exemplares, como até aqui). As observações e reparos que fazes sobre artigos da P.O. sairão no próximo número.

Levantas na tua carta uma série de questões de cuja importância não duvido, mas que infelizmente, ainda não se aplicam àquilo que somos neste momento, e não sei por quanto tempo mais. O colectivo que edita a “P.O.” não é ainda um grupo político estruturado, porque para tal não temos encontrado condições. É um grupo que se dedica a fazer propaganda através da revista e de livros, tentando ajudar a criar uma corrente de opinião para a existência de um partido comunista revolucionário neste país. Participamos em acções pontuais (por exemplo contra a invasão do Iraque, no Io de Maio, etc.), mas até agora os ecos da nossa propaganda têm sido pouquíssimos. E se continuamos dispostos a prosseguir nesta actividade, que julgamos indispensável, não pretendemos fazer-nos passar por aquilo que não somos. Devido à fase incipiente em que nos encontramos e ao nosso pequeno número, as questões relativas à vigilância de classe e ao perigo de infiltrações que tu colocas põem-se num plano ainda bastante restrito. Naturalmente, procuramos afastar de nós indivíduos que nos sejam suspeitos, mas não temos questões organizativas internas que seja preciso defender. Em relação à pessoa que julgo que referes em particular, houve apenas uma troca de correspondência e o aproveitamento de umas notas que nos enviou sobre antigos militantes comunistas. Mesmo que seja pessoa pouco recomendável, como dizes, não vejo que esse contacto esporádico nos tenha causado nenhum prejuízo. De qualquer modo, tomo em conta os teus alertas.

E é tudo por agora. Aceita um abraço

 Carta a LN (7)

31/8/2004

 Caro Camarada:

Devolvo por correio separado o teu trabalho que puseste à nossa consideração, para se ver a hipótese de ser publicado. Como tu próprio dizes, o texto ainda precisa de ser trabalhado. Mas a nossa dúvida (minha e de outro camarada que também leu) é se, mesmo melhorado, o texto se presta a uma edição em livro. Como deves saber, existe uma inflação tremenda de edições e os distribuidores e livreiros rejeitam à partida todos os livros que lhes parecem pouco vendáveis, argumentando que não têm espaço para tanto livro, etc. Nós, na Dinossauro, somos obrigados a entremear certos livros mais teóricos com novelas e textos mais ligeiros, para tentar ir andando. Mesmo assim, o nosso distribuidor recusou-se há três meses a continuar a aceitar os nossos livros, porque lhe davam pouco lucro. Estamos agora a tentar um novo distribuidor, sem saber ainda o que vai acontecer.

Falaste na hipótese de pagares 100 exemplares mas os custos da edição seriam tão pesados, mesmo que se fizessem só 300 ou 400 exemplares, que haveria sempre um prejuízo enorme que não podemos suportar, nem tu provavelmente.

Existe no teu livro um relato de uma experiência directa que viveste na Marinha Grande, na fase final do fascismo. Essa experiência não se deve perder. Porque não tentas abordar o tema por outra forma, fazendo um relato não romanceado, bastante mais curto, dos acontecimentos? Poderia dar um caderno de que tirarias fotocópias e que se poderia fazer circular nos meios que conservam interesse pela história da luta de classes no nosso país. Seria um registo válido de acontecimentos que hoje se procuram fazer esquecer. É a sugestão que te podemos dar.

Com as nossas saudações

 Carta a LN (8)

30/8/2007

 Caro Camarada:

 Respondo à tua carta. Quanto aos materiais que comentas, algumas informações:

Foi de nossa iniciativa o projecto de criação de uma organização “anticapitalista” que foi lançado em Novembro do ano passado e que levou à Declaração “Mudar de vida” e ao projecto de um jornal com o mesmo nome. Fizeram-se várias reuniões juntando camaradas da PO com alguns amigos como o cantor José Mário Branco, com vista à preparação desse jornal. Todavia, desde Julho deixámos de ter qualquer relação com esse projecto devido a um conflito surgido com José Mário Branco. Este exigia que os comunistas não falassem das suas actividades nas reuniões do colectivo. Praticamente, quis pôr a PO fora do projecto e conseguiu porque nos retirámos. Seguem junto alguns documentos que te ajudarão a entender o que aconteceu. Na próxima PO sairá um artigo de polémica com as opiniões de J. Mário acerca das relações entre a vanguarda e as massas (artigo dele que saiu na PO 109).

Neste momento, portanto, a PO retomou a sua intervenção independente. Continuamos com a edição da revista e damos passos para lançar um jornal mensal, a que chamámos provisoriamente “Visor”. Não se sabe por enquanto quando poderá esse jornal sair para a rua, ainda poderá demorar alguns meses a definir melhor o modelo e a reunir as condições quanto a colaboradores, distribuição, apoio financeiro, etc. Entretanto, a PO sairá como normalmente. O próximo número em fins de Setembro.

Sobre as tuas sugestões de trabalho – Como creio que já te disse na nossa troca de cartas anterior, as tuas propostas para criarmos uma comissão de organização, que apure os currículos dos futuros membros, aprove um programa, crie um jornal interno, prepare a criação do partido comunista, não corresponde à situação real. Continuamos sem condições para criar uma organização comunista. A prática totalidade dos camaradas que se aproximam da PO aceitam fazer alguma acção sindical, anti-imperialista, etc. mas não querem organizar-se numa base comunista. Por isso tentámos esta experiência da organização anticapitalista, mas mesmo assim logo apareceram os fantasmas contra os comunistas que “querem controlar tudo”, etc. Mantemos por isso o comité editor da PO, com as actividades limitadas que conheces e assim nos vamos manter até que surjam outras perspectivas.

Visor – Este é o nosso projecto de jornal. Depois do primeiro número experimental, lançaremos um outro melhorado em Outubro, que te será enviado e para que pedimos as tuas críticas e sugestões. O título é provisório, tal como a ficha técnica.[i]

“Erguer o trabalho contra o Capital” – Essa foi a Declaração (que eu próprio redigi e a que depois foram acrescentadas algumas ideias) e que agora se chama “Mudar de Vida”. O grupo que se mantêm em tomo dessa Declaração inclui dois anteriores colaboradores da PO que a abandonaram, Manuel Raposo e Vladimiro Guinot.

Envio junto vários documentos para te pôr em dia com a situação. Fico à espera das tuas opiniões sobre tudo isto e propostas de trabalho.

Saudações

 ———–

[i] Este projecto do jornal Visor não foi para a frente porque, em Setembro de 2007, FMR começou a manifestar sintomas graves da doença que o vitimou em 22/4/2008. (Nota de AB).

Cartas a AV – 3

Francisco Martins Rodrigues

Carta a AV (22)

28/2/1995

Caro Camarada:

 Recebi a tua carta e recolhi os dados sobre Sines para uma correspondência a sair no próximo número. Como só fechamos a redacção a 20 de Março, se entretanto tiveres mais informações ainda podes mandar.

Escrevo-te pelo seguinte: soubemos que está aí na tua escola de Sines um professor chamado JR, que nos dizem estar interessado em ler a P.O. Podes abordá-lo e ver se o tornas assinante? Envio junto ficha e envelope de resposta paga, para ajudar a convencê-lo… Além disso, não sei se estás a fazer alguma actividade conjunta com ele. Conta.

Espero que tenhas recebido o n° 48 e que tenha agradado. O lançamento do livro “Coração Forte”, sobre a guerra colonial, foi na Casa de Moçambique em Lisboa e correu muito bem, com bastante gente, moçambicanos e portugueses. Esteve lá a embaixadora de Moçambique e vendemos logo umas dúzias de livros. Segue-se agora a História da Comuna de Paris, cujo lnaçamento será no Io de Maio, espero. E se tu cá viesses nessa data?

Um abraço

Carta a AV (23)

9/5/1995

Caro Camarada:

Estamos neste momento a preparar o n° 50, que completa os dez anos de publicação, pelo que pretendemos seja um número especial, com mais páginas e maior variedade de temas. Dado o interesse com que nos tens acompanhado, fazemos-te um pedido: poderás contribuir para este número, com as tuas habituais notas mas também com críticas, sugestões, proposta de temas a tratar, etc.? Junto uma circular sobre o assunto. Atenção! Para poder ser incluídos, os elementos que nos envies deverão estar na redacção até 25 do corrente, o mais tardar.

A apresentação da “História da Comuna” foi um acontecimento social de esquerda. A imprensa, rádio e televisão não quiseram saber dos nossos convites mas apareceram amigos em barda e estivemos umas horas a comer e a beber e a debater os altos problemas da revolução. E claro que a manifestação do Io de Maio ajudou. Lá fomos, com uma faixa que dizia “Com PS ou PSD quem se lixa é você” – ideia óbvia e elementar mas que surpreendeu o público ao longo da Almirante Reis, só habituado ao paleio seminarista dos pcs e que aderiu frequentemente com aplausos e acompanhando-nos no entoar do estribilho. Fiquei rouco mas valeu a pena.

Quando nos vemos? Aceita um abraço

Carta a AV (24)

12/9/1995

Caro Camarada:

As notícias laborais da tua carta já estão aproveitadas para a próxima P.O. Se entretanto tiveres mais alguma coisa, sobretudo relativa à campanha eleitoral por esses lados, manda. É bom que venhas para Rio Maior, porque permitirá contactarmos. E temos já uma proposta a fazer-te: no dia 22 de Outubro vamos realizar em Lisboa uma sessão comemorativa do 10º aniversário da revista. Constará de um encontro-convívio, com a actuação de algum artista, e uma outra parte, menos concorrida, para as pessoas interessadas em debater a situação e perspectivas do comunismo, trabalho feito pela revista, ctc. Sobre este assunto será distribuído previamente um curto texto. Vamos enviar-to, assim que esteja pronto (em começos de Outubro), com o convite para compareceres, indicação do local e hora, etc. Que dizes? Reserva já o dia, de acordo?

Quanto às eleições, como já calculas, a nossa posição é a mesma de sempre: abstenção, como única maneira de nos demarcarmos da palhaçada a que se resume esta pretensa “escolha democrática dos representantes do povo”. Um abraço.

 Carta a AV (25)

31/1/1996

 Caro Camarada:

A tua carta veio mesmo a horas para ser incluída no noticiário da P.O., que vais receber dentro de dias.

A nossa vida continua como de costume. O LGo foi afastado do colectivo por termos descoberto que há bastante tempo vinha gastando em proveito próprio dinheiros obtidos na nossa actividade gráfica (ele era o gerente). Fizemos algumas reuniões e já o obrigámos a repor a maior parte do dinheiro. Um caso lamentável, que seria bom que não existisse entre nós, mas o que se lhe há-de fazer? Agora estamos a preparar mais algumas edições Dinossauro.

A tua vida continua na mesma? Manda notícias. Aceita um abraço.

 Carta a AV (26)

7/9/1996

 Caro Camarada:

Espero que tudo corra bem por aí. A P.O. 56 está a sair mas as tuas informações laborais desta vez ficaram de fora porque houve uma concentração de textos grandes e tiveram que saltar várias colaborações. Se ainda tiverem actualidade, entram no próximo número, mas o melhor era mesmo tu mandares uma nova correspondência lá para meados de Novembro. Apesar da tua escrita hieroglífica, suponho que as tuas aulas agora são em Tomar, que não é de facto terra de muita abertura de ideias. É donde saem os empreiteiros todos deste país e isso basta.

Como verás na revista, a Dinossauro lançou mais um livro, desta vez uma novela do célebre capitão Fernandes sobre a guerra em Angola. Na próxima quinta-feira é a apresentação, na Biblioteca-Museu da Resistência, pelo Pezarat Correia, vamos a ver se não diz muitas asneiras. Da política não te digo nada, está na pior e assim continuará enquanto os desgraçados não se cansarem de amochar e não fizerem por aí algum borborinho.

Aceita um abraço

 Carta a AV (27)

14/2/1997

 Caro Camarada:

 Como habitualmente, agora que mandámos a P.O. 58 para a tipografia (com atraso, diga-se), venho pôr a correspondência em dia. Os teus apontamentos sobre Tomar e as fábricas de Coimbra têm sido aproveitados, como deves ter visto. Contamos com a continuação da tua colaboração, porque a revista precisa de reflectir melhor o “país real”. Sempre que tenhas recortes de jornais regionais com noticias significativas ou comentários manda, alguma coisa se aproveita. Quanto aos livros que pediste, espero que tenham chegado em boa ordem e que te tenham interessado.

O Claude Bitot é uma boa cabeça e o “Inquéri­to” é um livro com muito interesse. Nesta última P.O. entro em polémica com ele a propósito do outro livro que ele publicou e de que já demos referências em números anteriores da revista (“O comunismo ainda não começou”). Na preocupação de retomar a Marx, o homem deita abaixo tudo o que diz respeito a Lenine, e aí parece-me que entra por maus caminhos. Veremos se ele dá resposta e se a discussão serve para esclarecer alguma coisa.

Como deves ter visto, também tem havido debate entre Ângelo Novo e Manuel Raposo acerca da guerra da Jugoslávia, e embora o tom tenha aquecido um pouco demais entre eles, acho que foi útil. Não queres meter-te ao barulho sobre os assuntos polémicos? Nem que seja com uma simples carta de leitor?

E as tuas actividades sindicais, pararam? Também nesse capítulo, se tiveres jornais ou boletins que não queiras, manda, basta que juntes uma anotações.

 Carta a AV (28)

29/12/1997

 Caro Camarada:

Tenho aqui várias cartas tuas para responder, espero que me desculpes. O atraso deveu-se à acumulação de trabalho por termos mudado de instalações (agora estamos na R. do (…). tel (…)), além de termos preparado dois livros novos que estão na tipografia e a PO 62, que já deves ter recebido. Como deves ter visto, metemos algum do teu material em vários sítios. E bom que nos mandes sempre notícias e impressões da região, recortes de jornais, etc.

A tourada autárquica chegou ao fim e, para minha surpresa, o PSD ficou com boas posições. Julguei que sofressem mais pela triste exibição que têm dado mas enganei-me: o eleitorado de direita, na falta de melhor opção, mantém-se-lhe fiel. Foi uma campanha vergonhosa. E a confirmação de que não há alternativas políticas em disputa mas apenas equipas de administradores a empurrar-se, a pisar-se e a insultar- se para conseguir dar nas vistas e ser escolhidos para os cargos.

Desta vez, mesmo a anémica extrema-esquerda (?) se deixou arrastar na onda do marketing, até o MRPP abandonou as suas tiradas antiburguesas, e foram castigados por isso, porque a votação baixou: perderam os votos de protesto contra o sistema e não ganharam outros em troca porque toda a gente sabe que, como governo autárquico, são inviáveis. Sei que tem havido lá dentro fortes divergências entre uma “linha negra” a aproximar-se do PS (o Arnaldo e o Garcia Pereira estariam nesta onda) e uma “linha vermelha” a reclamar mais radicalismo; vamos a ver o que dá. Quanto aos tristes do PC, apesar de fazerem o reclame da sua administração honesta, levaram uma banhada de todo o tamanho (Amadora, Vila Franca!).

O que dominou foi a polarização nacional entre PS e PSD como os dois únicos candidatos credíveis à gerência da firma Portugal, SA. Toda a conversa sobre a importância cada vez maior do “poder local” e da “regionalização” é só conversa. O que conta é o aparelho central.

E as tuas actividades sindicais? Conta o que houver de novo. Um abraço.

 Carta a AV (29)

30/9/1998

 

Caro Camarada:

Envio por correio separado o livro “O Império a preto e branco”. O outro ainda está na tipografia, assim que chegar mando um exemplar. Junto também cópia da tua ficha de sócio do Clube onde verás que ficas com um crédito de 1.220500, visto que os preços dos livros são mais baratos para os sócios; saiu errado no anúncio da PO.

Por aqui estamos todos felizes com a nova região que vamos ganhar. E tu não deixes que ponham capital da tua região em Aveiro, Coimbra é que é. Fui ontem assistir a uma sessão do MRPP com o Garcia Pereira, pouca gente e poucas ideias, mas a posição deles pelo “não”[1] não está mal. Se tiveres alguma colaboração para a práxima PO manda até dia 20. Um abraço

 Carta a AV (30)

29/12/1998

 Caro Camarada:

(…)

Por aqui fala-se na necessidade de tomar alguma iniciativa pública a propósito do 25° aniversário do 25 de Abril, como por exemplo um manifesto assinado por antigos activistas do movimento popular. Que achas? Podes dar alguma contribuição? Também já deves ter visto nos jornais o intenso namoro entre a UDP, PSR e Política XXI, com vistas a concorrer juntos às eleições e, segundo se diz, associarem-se mesmo num único partido. Vão os três realizar congressos em Janeiro. O Fernando Rosas já escreveu dois grandes artigos no “Público” defendendo a “união da esquerda” e parece ser um dos inspiradores do projecto. O que vai sair é uma salada reformista “de esquerda” que não sei se terá longa vida.

Por agora é tudo. Boas entradas em 1999. Um abraço para ti e cumprimentos à tua companheira

Carta a AV (31)

5/5/1998

Caro Camarada:

A segunda reunião correu bem e apareceram mais caras novas. Agora estão a reunir comissões para concretizar as iniciativas. A sessão será na tarde de 24, sábado. Peço que devolvas o texto que aqui te envio em versão definitiva com as assinaturas que puderes recolher até ao fim deste mês.

Como foi a reunião do Bloco da Esquerda? Fiquei surpreendido por escolherem o Miguel Portas para cabeça de lista à Europa, não me parece pessoa para ganhar muitos votos para o Bloco. Falta sobretudo um debate que seria de esperar quando três organizações de esquerda se agrupam, numa época destas e com tudo o que aconteceu. Parece-me claro que a motivação central deles é eleger um deputado por Lisboa, o que até poderá acontecer, mas não sei se com algum proveito para o avanço da esquerda. Diz-se que já está escolhido o Louçã para cabeça de lista. De qualquer maneira, o desafio vai ser duro, com o Bochechas a concorrer na Europa e o duelo PS-AD a polarizar os votos.

Se tiveres mais algumas informações ou comentários para a PO, convém mandares até dia 20 deste mês. Um abraço.

Carta a AV (32)

9/2/2002

Camarada:

As tuas últimas notícias já chegaram depois da PO estar na tipografia, por isso não as pude aproveitar. Mas eu compus com o que me tinhas enviado antes e com notícias dos jornais um artigo sobre a “Hecatombe industrial em Coimbra”, que assinei como de “Correspondente”. Deve chegar-te dentro de dias.

Traz também uma Declaração sobre as eleições justificando porque não propomos o voto em partido nenhum. As pessoas da esquerda mobilizam-se como de costume para ver se conseguem bons resultados para o Bloco. Nós dizemos-lhes que a sua boa vontade as leva a cair numa armadilha porque estão a trabalhar para aquilo que não desejam: tomar o Bloco um partido institucional, que amanhã será chamado a apoiar um governo PS, fazendo o seu discurso de esquerda mas abandonando e mesmo opondo-se à mobilização independente dos trabalhadores.

E não é só com o Bloco. Nos últimos anos, com os subsídios e apoios financeiros a toda a espécie de iniciativas, o sistema tem conseguido domesticar muita gente de esquerda que está ansiosa por fazer qualquer coisa e acaba por se agachar para não perder o direito ao subsídio. Deves conhecer aí casos destes.

Julgo que conheces a folha “Voz do Trabalho”, de que temos transcrito alguns artigos na PO. Tem custado a tomar balanço mas esperamos que se aguente e enraíze. Tem boa venda sobretudo na Margem Sul do Tejo, em algumas grandes empresas. Vou pedir que te mandem o n° 5, que está para sair, e seria bom se fizesses circular entre gente tua conhecida e também enviares para lá algumas notícias de empresas de Coimbra, ou recortes de jornais, como fazes para a PO.

Mando-te o último número que recebemos do jornal “Abrente” dos camaradas galegos, para fazeres uma ideia do estilo deles. Eles são pelo menos bastante activos. Agora nos dias 13-15 Fevereiro há lá uma Cimeira dos ministros da União Europeia sobre a “segurança” e eles promovem uma Contracimeira com debates, manifestações, etc. Vão lá intervir dois camaradas nossos.

E tudo por agora, um abraço, até breve.

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[1] Referendo sobre a regionalização. (Nota de AB)

Informe à Assembleia de 1/7/1988

Francisco Martins Rodrigues

Estado da OCPO – Depois de uma primeira fase, em que nos concentrámos no trabalho ideológico e falhámos no projecto paralelo de uma corrente sindical em torno da “Tribuna Operária”, e de uma segunda fase (o úl­timo ano), em que fomos forçados a fechar-nos na empresa, as nossas forças encontram-se muito desgastadas. Continuar a ler

Trabalhadores

Em Marcha, 19 de Janeiro de 1983

A imprensa comentou os dados recentemente divulgados pelo Ministério do Trabalho acerca dos salários médios em Março de 1981. Os números vieram desfazer algumas mentiras mantidas pelos meios oficiais acerca do nível de vida dos trabalhadores portugueses. Vejamos quais eram, em Março de 1981, os salários médios por grandes grupos de categorias:

  • 10% eram aprendizes com 8 contos
  • 45% eram não-qualificados com …. 11 contos
  • 40% eram qualificados com 14 contos
  • 5% eram quadros com 25 a 35 contos

O quadro, mesmo desactualizado, mostra aquilo que todos os operários sabem mas nunca é dito em público: há uma sucessão de pequenos degraus entre as categorias operárias e depois um enorme salto para os vencimentos dos quadros. A imagem que se procura criar de uma massa de “colaboradores” da empresa, do aprendiz ao engenheiro e ao chefe, não tem nenhum fundamento.

Os chamados “trabalhadores” da indústria compõem-se de uma enorme massa operária mal paga e uma nata de quadros e especializados, a ganhar 2, 3 e 4 vezes mais. Há dentro das empresas uma elite encarregada de chefiar, enquadrar, controlar e espremer os operários, elite que é recompensada por este serviço com vencimentos muito “interessantes”.

Isto quer dizer que os operários defrontam dentro da empresa dois inimigos: o capitalista, o patrão, e o quadro, agente do capital. Isto quer dizer que os operários, para defenderem os seus interesses imediatos, não podem abrir as suas comissões aos quadros, nem unificar a sua luta com as reivindicações dos quadros. Isto quer dizer que a aliança ou a neutralização daqueles quadros que não querem ser sabujos do patrão tem que se fazer com rigorosa independência dos operários. Perguntem ao PCP o que pensa disto.

Desembaraçar o movimento operário da ideia venenosa de que a nitidez dos contornos das diversas classes seria “sectarismo” é um passo indispensável para qualquer avanço. Para poderem chegar um dia a conduzir a luta de todo o povo, os operários têm que começar por diferenciar-se resolutamente. Essa conversa de “trabalhadores” tem água no bico.

Palavras de amor

Em Marcha, 29 de Dezembro de 1982

PALAVRAS DE AMOR

Atendendo inúmeros pedidos de leitores desejosos de uma trégua no ódio de classes nesta quadra festiva do Natal, troco hoje o “Tiro ao Alvo” por um apelo ao Amor.

Aos operários da Lisnave, Setenave, Messa, etc., que receberam uns escudos por conta dos salários em atraso e que esperam a vez de ser despedidos, aconselho vivamente resignação e paciência. Trabalhai mais e melhor para mostrar ao vossos exmos. gestores e patrões e ao Sr. Presidente da República o vosso desejo de recuperar a economia nacional. Não vos deixeis cair na tentação do protesto, da greve ou da manifestação ruidosa, que semeiam a perturbação na ordem pública. Muito menos vos deixeis arrastar para actos irreflectidos e criminosos como o sequestro dos vossos superiores.

Aos moradores despejados com os seus tarecos pela autoridade, peço moderação e comedimento. Por duro que vos pareça passaras noites ao relento com as crianças debaixo das pontes, lembrai-vos que o direito de propriedade é o mais sólido alicerce desta nossa sociedade democrática.

Aos jovens contratados a prazo, amargurados pela incerteza do dia de amanhã, peço que ponderem as dificuldades dos vossos patrões. Procurai merecer pela vossa diligência o lugar que vos deram e, se tiverdes que ser dispensados, pensai que muitos outros conhecem os horrores do desemprego.

Aos desempregados sem subsídio, forçados a viver à custa de esmolas, aos assalariados do Alentejo, desiludidos dos sonhos vãos na Reforma Agrária, aos camponeses arruinados, a todos exorto a que não se deixem arrastar para marchas da fome e desacatos que ofendem os corações bem formados.

Aguardai serenamente que as instituições democráticas escolham um homem recto para governar o país, seja ele o prof. Victor Crespo, o prof. Mota Pinto ou o prof. Freitas do Amaral. Embora muitos de vós possam descrer, há nesta quadra do Natal quem se debruce com sincera piedade sobre os vossos sofrimentos. Confiai no general Ramalho Eanes e no dr. Álvaro Cunhal.

Por último, pensai que talvez aquilo que hoje sofreis seja a expiação pela vossa soberba e arrogância de 1975, quando julgastes poder ditar a vossa vontade à sociedade estabelecida. Sabei que a voz dos pobres jamais prevaleceu neste mundo. A não ser quando pegaram em armas contra os ricos. Mas isso é um grande pecado. Amén. (Tiro ao alvo, 29 Dez 1982)