Cartas a HN – 1

Francisco Martins Rodrigues

Carta a HN – 1

19/3/1995

Caro Amigo:

A sua carta foi uma agradável surpresa. Não é todos os dias que nos chegam saudações tão amigas e calorosas como a sua. O nosso pequeno núcleo editor da P.O. conta com apoios e colaborações preciosas mas infelizmente escassas e, ao longo destes dez anos que já levamos de caminho, cada vez mais escassas. Vivem-se tempos em que o comunismo não está na moda e as pessoas arredam-se de nós, umas por preconceito, outras intimidadas com a campanha da comunicação social, todas achando-nos mais ou menos excêntricos ou antiquados, por teimarmos em dizer coisas óbvias. Mais saborosa por isso a sua carta, que espero não seja a última.

Pelo que me relata fico com uma ideia dos baldões que deve ter sofrido, aliás como quase todos os aderentes dos grupos ML. Foi uma corrente de ideias que não vingou, embora tenha dito muita coisa acertada e desempenhado um certo papel durante a agitação de 74/75; tendo sido um dos seus iniciadores no nosso país, custa- me reconhecê-lo mas não posso deixar de o fazer.

O mal de partida (em que tenho a minha pesada parte de responsabilidade) foi pensar-se que a crítica à degeneração evidente da URSS devia traduzir-se pelo apoio incondicional ao período anterior (Staline) e aos que mantinham essa bandeira: a China, primeiro, a Albânia, depois. Ora, isso continha um compromisso no qual se deixou ir por água abaixo a capacidade de crítica marxista radical com que tínhamos partido e nos fomos cegando aos poucos, até que a corrente ML se desagregou no meio duma confusão tremenda, que não teria sido inevitável, mesmo que houvesse um recuo temporário.

Houve, é claro, os estragos causados pelos oportunistas. Houve quem fizesse muita trampolinice com o marxismo-leninismo enquanto se julgou que era produto com saída assegurada no mercado, que permitia agrupar umas tantas pessoas, fazer uns comícios e ganhar o apoio de algum país “socialista”. Isto aplica-se a quase todos os grupos, uns em maior, outros em menor grau. Quando veio a derrota do movimento e a desilusão, os que mais se tinham destacado em declarações inflamadas contra a burguesia e o imperialismo sentiram-se obrigados a renegar bem alto, para terem direito a sentar-se à mesa…

Mas misérias destas são inevitáveis em período de agitação, todo o processo revolucionário tem os seus parasitas. Pior foi a falta de lucidez marxista dos sinceros marxistas (e aqui contra mim falo). Tardámos muitíssimo em compreender as chamadas sociedades socialistas, em saber combinar a defesa intransigente das revoluções que lhes deram origem (russa, mas também chinesa, cubana, etc.) com uma crítica igualmente intransigente aos regimes que delas resultaram. Não percebemos que esses regimes eram transitórios, híbridos, e, como tal, iriam desaguar no grande rio do capitalismo. Tardámos em compreender que o fracasso dessas revoluções não foi culpa dos comunistas ou devido a traição deste ou daquele dirigente, mas porque as condições de atraso desses países não lhes permitiam dar o salto que os explorados e os comunistas desejavam. Marx já tinha dito que não se podia esperar a transformação comunista antes de se passar pela explosão produtiva que o capitalismo traz e o próprio Lenine fartou-se de fazer avisos sobre as limitações da revolução bolchevique, que foram depois considerados pessimistas.

Como não chegámos a uma visão de conjunto, coerente, do que eram essas sociedades, oscilámos entre posições igualmente erradas – uns desculpando tudo o que vinha da “pátria do socialismo”, outros considerando-a como “o inimigo principal dos povos”, outros ainda convencendo-se de que a China “boa” jamais seguiria as pisadas da URSS, etc. Foi preciso a derrocada do “campo socialista” para olharmos todo o processo com maior distanciamento e frieza. Agora que se fechou o parêntese, verifica-se que era Marx que tinha razão e que os marxistas não lhe deram ouvidos. Escrevo um pouco sobre tudo isto num artigo que Fiz para a próxima P.O. e que espero que leia. Temos muito orgulho na nossa P.O., em que andamos a batalhar desde 1984, mas não temos ilusões de que o nosso trabalho nestes dez anos no campo do marxismo-leninismo tenha sido alguma coisa do outro mundo. Temos progredido muito mais devagar do que seria necessário. E nestes períodos de refluxo da revolução que se pode aproveitar melhor o tempo para fazer balanços e traçar ideias gerais úteis num próximo ascenso, mas os nossos balanços e programas estão muito inacabados. Se daqui amanhã rebentasse uma nova grande comoção proletária e popular neste país (do que estamos bem livres pelos anos mais chegados…), os comunistas iam ver-se outra vez em palpos de aranha: como assegurar no partido comunista uma boa combinação de centralismo com democracia? como fugir à inevitável tendência de apodrecimento do movimento sindical? como explorar em nosso proveito a farsa das eleições burguesas? como evitar a hegemonia pequeno- burguesa sobre as massas proletárias? como conduzir o movimento revolucionário a fazer frente à repressão burguesa e a encaminhar-se para a conquista revolucionária do poder? como fazer vingar uma autêntica democracia proletária que não se deixe cair sob a pata da burocracia?

Já se sabe que estes problemas são para resolver na luta, não em gabinete, mas é preciso que os erros do passado estejam devidamente apontados e “catalogados”, para evitar que o movimento os repita por falta de conhecimentos. Uma das manifestações mais duras que encontrei do atraso do marxismo no nosso país e na nossa extrema-esquerda foi ver a ingenuidade arrogante com que militantes nascidos no calor da luta achavam que o caminho se descobre espontaneamente e olhavam desconfiados para as minhas preocupações “teoricistas” e “livrescas”. Enquanto o nosso movimento operário for dominado por esse culto da ignorância não poderá ir muito longe. Falta-nos ainda muito para chegar a algo que se possa chamar a “fusão do marxismo com o movimento operário”.

É claro que é preciso acompanhar o sentir do movimento, manter laços com ele, aprender com as suas lutas e nesse aspecto o balanço do nosso grupo também é modesto. Como somos um grupo reduzido (mais reduzido agora do que quando começámos), temos dificuldade em estar presentes nas lutas que se travam e em fazer agitação nos meios operários. A esse propósito, não sei se tem alguma disponibilidade para recolher alguma entrevista ou depoimento de trabalhadores emigrados aí na Suíça, seria uma boa ajuda para nós. Temos aí em Genève um camarada que já nos tem obtido algumas colaborações interessantes mas há muito tempo que não dá sinal de vida.

Para além da revista, cuja distribuição é outra luta que enfrentamos a cada número, lançámo-nos no ano passado no campo da edição de livros. Junto um catálogo para lhe dar a conhecer o que já fizemos e o que temos em preparação. Fora disso, há intervenções no plano sindical, na luta contra o racismo (que vai crescendo a olhos vistos), mas tudo em escala muito incipiente.

Agradeço muito a oferta do livro “Fin del capitalismo”, de que nunca tinha ouvido falar; vou lê-lo atentamente e passá-lo aos outros camaradas do comité de redacção para se analisar da vantagem e possibilidade duma edição portuguesa.

Não sei se esta carta, escrita a correr, lhe deixa alguma impressão de pessimismo, mas se for esse o caso, não se preocupe; é jeito meu ver mais os erros do que os acertos. No balanço final, sou firmemente optimista quanto à inevitabilidade de deitarmos para o lixo o capitalismo e passarmos a viver como seres humanos, em comunismo. E esse de facto o único assunto que me interessa, de há uns 50 anos para cá.

Aceite as minhas saudações calorosas.

Cartas a JC – 3

Francisco Martins Rodrigues

Carta a JC – 3

10/1/1993

Caro Camarada:

Antes de mais, parabéns a ti e à tua companheira pela bebé. Encontrei o teu pai e soube por ele que está tudo bem com vocês. Só está mal não teres telefonado para nos encontrarmos. E a passagem do ano, foi boa? Recebi há dias o nº 19 da «Lutte de Classe» e notei a maior variedade e politização dos artigos, dando a ideia de que os vossos contactos têm progredido. Estou enganado? Se conseguissem imprimir o boletim, isso ajudaria decerto à expansão. Tens recebido a P.O.? Tens tido tempo de dar uma vista pelos nossos artigos? Não temos feito grandes avanços teóricos, mas manter e fundamentar uma plataforma comunista nos tempos que correm já não é mau. Também temos estado a ganhar alguns novos colaboradores, talvez porque, ao fim destes anos, e no vazio a que chegou a esquerda, pessoas que anteriormente nos olhavam com desconfiança agora tomam apreço pela nossa persistência. Também temos alargado a distribuição, em Lisboa e no Porto.

Estou a fazer uma série de artigos sobre os primeiros anos da URSS, passagem do poder de Lenine para Staline, etc., que ainda era um buraco na nossa explicação para a perda da revolução. Continuamos leninistas a cem por cento mas já não acreditamos que se possa dizer que a URSS ia bem até cair nas mãos de Staline. Estava tudo perdido, ainda em vida de Lenine, mas a culpa também não pode ser atribuída a ele. Se a leitura dos artigos te sugerir algum comentário, gostaríamos de o conhecer e de o publicar, se isso te interessasse.

Um pedido: lemos e apreciámos o último livro de Tom Thomas sobre ecologia, que foi editado pelo Albatroz. Fiz um resumo-comentário que sairá na próxima P.O. e gostava de entrar em correspondência com o Thomas. Como julgo que estás em contacto com ele, peço que me mandes a morada, para eu lhe escrever.

Escreve alguma coisa, mesmo que sejam só duas linhas. Abraços.

Carta a MB (1)

Francisco Martins Rodrigues

Carta a MB – 1

16/11/1988

Caro Camarada:

Espero que estejas bem de saúde. Mando-te em carta separada alguns suplementos da PO em inglês. Brevemente enviaremos outros, entre os quais o artigo sobre Staline que te tínhamos pedido que traduzisses, portanto, se já começaste, não vale a pena continuar.

Mas não quer dizer que fiques isento da tarefa. Neste próximo número vai sair um artigo sobre o Trotsky, que espero que traduzas, sem falta,  para inglês. Estamos a fazer um sério esforço para tornar mais conhecidas as nossas posições junto de outros partidos e grupos. Indico também alguns livros que muito te agradecia obtivesses aí. Evidentemente, pagaremos a despesa que for necessária. Temos sobretudo urgência no livro do Tony Cliff. Quando é que cá voltas? Um abraço amigo

——-

  • Cliff, Tony – State Capitalism in .Russia. London, Pluto, 1974
  • Dobb , Maurice – Soviet Economic Development after 1917. London, 1951
  • Love, Alexander – An Economic History of the USSR. London, Allen & Unwin, 1969
  • Pethybridge, Roger – The Social Prelude to Stalinism. New York, St. Martin’s, 1974
  • Piltzer, Donald – Soviet workers and Stalinist Industrialisation. New York 1966
  • Schwarz, Solomon L. ~ Labour in the Soviet Union.
  • London, Creasefc, 1953
  • Fainsod, Merle and Hough – Smolensk under Soviet rule. Macmillan, 1956

 

 

Cartas a PA – 6

Francisco Martins Rodrigues

Carta a PA (6)

14/12/1986

Caro Camarada:

Há muito que não nos escrevemos. Como vais? A nossa revista tem continuado a sair, vai ser posto agora à venda o nº 7. Decidi enviar-te este número, até porque gostaria de conhecer as tuas opiniões acerca de um artigo sobre Staline que publicámos. Esforçámo-nos por fazer uma crítica pela esquerda ao stalinismo, sem concessões à posição habitual de social-democratas, trotskistas, etc. Veremos se o conseguimos.

Não te temos enviado a revista regularmente porque as despesas são muitas e esperávamos que tu fizesses uma assinatura. Infelizmente, aquele amigo de que tinhas falado que estava em Lisboa e tinha umas libras para nós não nos contactou. Não podes enviar-nos a importância de uma assinatura?

 Também gostaríamos de continuar a receber a “New Left Review” que há muito não vemos. E também, se possível, o seguinte que vimos anunciado num jornal inglês:

The revolutionary road to communism in Britain (Manifesto do Revolutionary Communist Group, Larkin Publications – BCM Box 5909, London VCIN 5xx

Eizemos o pedido pelo correio mas até agora não obtivemos resposta.

Enviamos juntamente com a “PO” nº 7 exemplares do jornal “Tribuna Operária”, cuja publicação iniciámos, e do boletim “Denúncia”, de solidariedade com os presos políticos, iniciativa em que colaboramos.

Quando teremos ocasião de nos ver? Pensas vir a Lisboa? Escreve a dar notícias da tua vida e actividades. Com os desejos de um bom Ano Novo, aceita um abraço

Cartas a PA – 1

Francisco Martins Rodrigues

Carta a PA (1)

22/11/1984

Amigo A.

Não tenho recebido notícias tuas e não sei se me conseguiste obter alguns dos livros que te tinha pedido, é natural que as tuas ocupações não te deixem tempo para respirar, mas temos que procurar manter contacto.

Tenho uma novidade que não sei como receberás, saí do PC(R) ontem mesmo, outros camaradas, entre eles o ZB e o JME, antigos dirigentes do partido, também saíram ou foram demitidos. Não foi uma decisão leviana, como calculas, mas fomos forçados a ela pela campanha de perseguições a que vínhamos sendo sujeitos desde há ano e meio. O conflito gira à volta de nós exigirmos que se levasse à prática a viragem à esquerda decidida pelo 4º congresso, de Março 83, e o CC estar a encostar-se cada vez mais aos elementos direitistas. Actualmente, todos os elementos “esquerdistas” estavam metidos em células de base, marginalizados e sujeitos a uma série de ataques. Já não nos davam o mínimo espaço para travar uma luta interna, os atropelos ao centralismo democrático por parte do CC eram diários e, em nome do perigo de fraccionismo, impunham-se as proibições mais absurdas à discussão, mesmo só dentro das células.

Lima das coisas que mais contribuiu para a agudização do conflito era um estudo que tenho andado a fazer sobre o 7º congresso da IC, reavaliando o relatório de Dimitrov e a linha de Staline nos anos 30-50 como fontes donde nasceu o revisionismo. Consegui acabá-lo, com grande dificuldade, e ontem mesmo o entreguei ao CC, para ver se é capaz de o criticar com o mínima de seriedade. É absurdo tentar congelar a crítica rnarxista-leninista em nome dos “princípios”, como vem fazendo o CC. Está a conduzir o PC(R) a um definhamento desastroso, no que têm graves responsabilidades, na minha opinião, o PTA e o PC do Brasil.

Gostaria que lesses o meu estudo e me desses uma opinião. Eu e outros camaradas que se afastaram ou foram afastados neste processo estamos dispostos a dar corpo organizada à nossa corrente de ideias. Somos marxistas-leninistas, queremos um partido comunista em Portugal e não nos resignamos à confusão, impotência e esvaziamento de ideias a que se chegou. A acusação de “anarco-trotskismo” que nos é feita não tem pés nem cabeça.

Gostaria de saber o que pensas disto tudo e se estás disposto a continuar a corresponder-te comigo, Isso depende naturalmente da tua atitude face ao PC(R). Poderias dar opinião sobre o meu estudo e outros materiais que temos em preparação, obteres aí livros e jornais, dares-nos contactos para grupas ou organizações estrangeiras, contactares camaradas da emigração, etc. Duma coisa te posso dar a certeza; vamos fazer um trabalho sério para renovar a corrente marxista-leninista, crítico, revolucionário, e virado para os operários avançados. Vamos fazer um trabalho preparatório para reorganizar o partido comunista no nosso país.

Seja o que for que pensares do sucedido, peço que me escrevas a dar a tua opinião. Se tiveres algum dos livros de que te falei, peço que mo envies. Se pensas vir a Portugal proximamente, gostaria de conversar contigo.

Um abraço

Cartas a MV – 19

Francisco Martins Rodrigues

Carta a MV (26)

7/10/1990

Caro M:

Tens razão, não é normal eu estar tanto tempo sem te escrever. Como desculpa só posso invocar a minha velhice… Espero que com um argumento destes me desculpes tudo. 0 que acontece nestas situações em que não temos mãos a medir é que periodicamente escolhemos uma frente principal de combate e tudo o resto vai por água abai­xo. É o que tem acontecido. Deixei praticamente de tratar da corres­pondência, não porque isso fosse de todo impossível mas porque me pus a tentar fazer um documento sobre a revolução russa (ainda outro !) e fiquei bloqueado no meio de livros a reler, dúvidas, sentimento de ignorância, escrever e deitar fora… A ideia era de publicar na PO 26 (acaba de sair) uma longa “Resposta aos comunistas americanos” fazendo polémica com a posição do Marxist-Leninist Party com quem es­tamos em contacto e aproveitando para uma perspectiva global sobre o ciclo das revoluções do século XX. Tarefa atrevida e que ameaça dar cabo de mim. Tínhamos previsto uma reunião de debate geral sobre o tema durante as férias de Verão, mas só se discutiu o esboço inicial a que eu consegui chegar e já não pôde ser acabado para este nº da PO. Está agora previsto para o próximo, havendo uma discussão geral prévia em fins de Outubro ou começo de Novembro. Assim que tiver o projecto pronto envio-to. Se tu pudesses cá estar para participar no debate era óptimo. Se não, pelo menos manda críticas por escrito. De maneira geral posso-te dizer que à medida que vou deitando fora as roupagens stalinistas tradicionais vou descobrindo que havia muitos argumentos justos no que diziam os “anarco-comunistas”, embora a sua posição final fosse sempre de cair para o lado da social-democracia. Refiro-me ao poder dos sovietes, relação entre partido e classe, etc. Enfim, tu verás! Se entretanto não te chegar o texto é porque eu fui internado no manicómio…

A PO 26 saiu, não tem nada de muito especial, mas iniciámos uma polémica com uns camaradas brasileiros, que são o resto da extrema esquerda do PRC, mas, para o nosso gosto, pendem muito para o reformismo.

Na crise do Golfo, é claro, estamos isolados e em luta contra todos. A onda de chauvinismo imperialista é espectacular, não me lembro de ver neste desgraçado país do Terceiro Mundo uma unanimidade tão geral quanto àvantagem de “dar uma lição ao Saddam Hussein”. É verdade que nas fábricas encontras operários a simpatizar com o Iraque e até a exaltar o bandido do Saddam como um herói, nas o que sai a público, para a rua, é só prõ-americanismo. A imprensa então ê re­pugnante. 0 PS atacou severamente o governo… acusando-o de falta de clareza no apoio aos EUA! O PC critica suavemente os americanos mas sem fazer ondas. Estamos a servir de porta-aviões aos americanos numa agressão anti-árabe mas toda a gente acha natural. Depois de uma discussão com jornalistas de esquerda que apoiavam o Bush fiquei tão irritado que mandei um artigo para o Diário de Lisboa. Segue fotocópia. Seguem também dois outros artigos que publiquei recentemente. Nós gostaríamos de convocar uma acção qualquer de rua contra o envolvimento de Portugal como criado dos EUA mas fal­tam-nos pernas para isso. Aí em França deve ser pior ainda, calculo. Li um recorte de imprensa daí com uma declaração do Garaudy e Ben Bella que me pareceu correcta. Até o Garaudy já é esquerdista?!

Por que é que tu não nos mandas um comentário para a pró­xima PO sobre a crise do Golfo vista de Paris pelo nosso correspon­dente? Gosto muito de receber os teus jornais e bilhetes mas gosta­va muito mais de receber artigos.

Estive recentemente com o CF e o V que por aqui passaram e se encostam um pouco a nós, já que nas áreas anarquistas está tudo de rastos. O V é um tipo esperto, publi­camos uma carta dele acerca da revolução russa, prometeu emprestar-me alguns livros sobre o assunto.

Como vai o Albatroz? Confirma-se a crise ou conseguem dar a volta? Agora que já tens carta minha, é a tua vez de escreveres a contar coisas daí. Está atento porque brevemente seguirá o meu projecto de artigo para discussão. As opiniões que tiveres tens que transmitir rapidamente visto que a ideia é publicar já na próxima PO.

De contactos internacionais, continuamos na mesma, só com uma baixa dum grupo sueco que começou a estudar e aderiu ao trotskismo e agora resolveu integrar-se num grupo social-democrata. É fatal!         

M, um grande abraço.

Se vieres a Portugal não te esqueças de te encontrar connosco ! Abraços para a R e miúdos

Cartas a MV – 8

 Francisco Martins Rodrigues

Carta a MV (12)

12/12/1986

Caríssimos:

Respondemos à vossa carta de 15 Novembro (…).

A PO nº 7 sai amanhã. Vamos enviar-vos 10 exemplares, conforme combinado. Seguem também os 5 exemplares que faltavam da PO nº 5 e 25 da PO nº 1. O artigo de fundo desta PO é sobre Staline e os processos de Moscovo. Por ter sido acabado à última hora, já não foi possível enviar-vos o projecto para darem opinião. Mas queremos muito que digam o que vos parece. Julgo que, de qualquer maneira, alguma coisa avança quanto à posição ML sobre Staline. Pôs-se aqui a hipótese de se seria possível vocês passarem para francês o arti­go ou extractos, a fim de poder ser distribuído a MLs de diversos países. Tu dirás o que te parece.

Com vistas à PO n° 8 (Janeiro-Fevereiro), pedimos que prepares uma “Carta de Paris” – a crise estudantil e as dificuldades do governo Chirac parecem coisas importantes que mereceriam um bom comentário. Ao teu cuidado. Com fotos boas, se possível. Pedimos também que nos envies logo que possível o artigo teórico que saiu na “Pravda” sobre a actualização do marxismo e o perigo das guer­ras de libertação nacional. Foi aqui referido na imprensa mas muito brevemente. Gostaríamos de ter o texto para comentar e supomos que terá saído aí no “Monde” ou noutros jornais. Nesta PO 8 vamos tra­tar com certo desenvolvimento o 9º congresso do PTA e o 5º congres­so do PC(R), que acaba de ter lugar. Seria um número um pouco cen­trado na crítica à corrente ML. Para o nº 9, estamos a iniciar o estudo colectivo da revolução cultural chinesa. Como sempre, pedimos que colabores com tudo o que queiras e possas, inclusive em polémica com artigos que têm saído.

Contactos europeus – chegaste a encontrar-te com dirigen­tes da OCML-VP em 28 de Novembro? Há alguma reacção à circular em francês que lhes enviaste? E do MM, há alguma resposta? A hipótese de eu ir aí em Janeiro por enquanto é muito hipótese, seria preciso que se confirmasse o projecto dos iranianos sobre o seminá­rio internacional, o que até agora não é o caso porque não soubemos mais nada. Não sabemos se andam nas diligências “diplomáticas” jun­to dos diversos grupos ou se desistem da ideia por agora. Aguardamos notícias.

Encontro sindical – Foi bastante positivo e deu uma po­lémica esclarecedora, como poderás ver por um longo artigo que vem nesta PO 7. A polémica polarizou-se entre nós, à esquerda, e o PSR à direita. Estamos a preparar a Tribuna Operária nº 2, que publicará uma versão final das nossas teses sobre a corrente sindical de es­querda. Está-se a formar em volta da “TO” uma rede de amigos e cor­respondentes espalhada por diversos pontos do país, muitos deles ex-UDPs que andavam à deriva. Só não avançamos mais depressa por escassez de forças mas estamos animados.

Presos – deves ter visto que foi pedida uma pena de 20 anos para o Otelo. Continuamos a participar na comissão de soli­dariedade e em breve enviaremos o boletim “Denúncia” nº 3, para fa­zeres aí a circulação que te for possível. Tem havido mais prisões e as perspectivas das FP-25/ORA parecem sombrias. Embora critique­mos a ideologia da “acção directa” como uma variante “explosiva” do oportunismo (deves ter visto na PO), continuamos a desmascarar a campanha antiterrorista e a solidarizarmo-nos com os presos.

Infraestruturas – continuamos a lutar desesperadamente para pagar as dívidas da máquina e obter o máximo de trabalho para a rentabilizar. Só nos falta pagar uma letra mas temo-nos endivida­do junto de vários amigos porque a carga é pesadíssima. Esperamos lá para Março-Abril estarmos donos definitivos da máquina e com a situação financeira mais desafogada. De toda a maneira, estamos a fazer o que julgávamos impossível: pagar a máquina no prazo de pou­cos meses. O FM veio-nos pedir orçamento para a revis­ta mas quando lho demos desistiu logo, porque julgava que nós fa­zíamos um “preço de amigos” – quase de borla. A expansão da PO não tem progredido e tivemos que adiar o plano que tínhamos de uma cam­panha de publicidade na imprensa por ocasião do 1º aniversário – os preços são exorbitantes. Fizemos cartazes e tarjas de propaganda que temos colado nas paredes. Vimos a tua boa iniciativa do dossier de propaganda.

O resto do trabalho vai andando. Não alargamos mas man­temos. A Tribuna Coumnista não tem saído por absoluta falta de for­ças. Fazias-nos jeito cá. Mais dois pedidos: da colecção de Documen­tação sobre o Leste, um volume sobre a escala salarial na URSS. E a defesa da srª Chiang Ching em tribunal, que. nos seria útil para o artigo sobre a revolução cultural. Vi a revista que mandaste “Archimède et Leonard” mas é complexa demais para o meu entendimento. Também vi a tua poesia vicentina mas está num português di­ficílimo.

Um último pedido: podem enviar-nos alguma contribuição financeira nesta altura de fim de ano, subsídios de Natal, etc.? Precisamos de todo o apoio possível.

Abraços de todos nós

Cartas a MV – 7

Francisco Martins Rodrigues

Carta a MV (11)

28/10/1986

Temos recebido as vossas encomendas com a “Afrique-Asie” e o “Flash”. Esperamos que a esta hora já tenham recebido a PO nº 6, de que enviámos 10 exemplares. A segunda carta de Paris, sobre os aten­tados, teve que sair na secção de comentários porque o material já es­tava paginado. Fizemos alguns cortes na outra carta, que esperemos não aches mal. E saíram finalmente os emigrantes às postas (bastante elogia­dos por alguns leitores, criticados por outros). Esperamos mais cartas de Paris e mais bonecos.

Aguardamos opiniões críticas sobre a PO 6. Não estamos muito sa­tisfeitos com o conteúdo, porque continuamos a adiar uma série de pro­blemas de fundo, por falta de tempo para estudar, discutir, elaborar.

De toda a maneira, não parece mau. Chamamos a vossa atenção para o ar­tigo de MR, bastante polémico. A capa também se tornou polémica, devido à ideia original do rectângulo branco. 0 autor (MR) assegu­ra que se vê logo que aquilo representa Portugal mas muitos pensaram que era defeito de impressão… Mandem impressões críticas e sugestões. Tencionamos dar mais qualidade à secção de comentários (nacionais e internacionais), mas as dificuldades são grandes. Venha colaboração!

Estou a trabalhar num artigo sobre os processos de Moscovo e as repressões de Staline, para o nº 7. Calculam como são grandes as mi­nhas dores de cabeça. Se conseguir aprontá-lo a tempo, enviarei cópia para aí, para darem a vossa opinião antes de ser publicado.

A “Tribuna Operária” sai dentro de dias, enviaremos alguns exem­plares. Continua em preparação activa o Encontro sindical, marcado pa­ra 22 de Novembro. Elaborámos teses que serão publicadas dentro de duas semanas.

Já mudámos para a nova sede (um assombro!) e vamos fazer no dia 8 de Novembro um lanche-convívio com camaradas e amigos. A nova máquina é excelente e cá vamos pagando as prestações ao banco, com grandes apertos mas sem nos deixarmos ir ao fundo (por enquanto). No fim do ano será nossa, embora ainda fiquemos a pagar diversos empréstimos. Consegues arran­jar-nos trabalhos?

Quanto à vida organizativa, continua assim, assim… 0 ZB já regressou e vai dar um empurrão ao trabalho sindical, que é bastante prometedor.

Isto quanto às nossas actividades. Quanto aos contactos que propu­semos que fizesses aí, temos estranhado não haver nenhuma referência tua nos bilhetes que tens mandado. Admitindo a hipótese de um extravio, mandamos junto fotocópia da nossa carta de 28 de Agosto.

O teu contacto com o amigo dos iranianos () parece-nos agora mais urgente porque vimos no último nº da “Bolshevik Message” (Setembro) que o PCI prepara um encontro de debate preparatório internacional entre grupos da ala esquerda ML. Ad­mitindo a hipótese de sermos convidados para esse encontro (citam a OCPO entre as organizações com quem estão em contacto), interessa-nos ter mais ideias acerca das posições políticas deles. Por isso uma en­trevista tua aí poderá ajudar a orientar-nos. Naturalmente, não deverias referir que estamos à espera de ser convidados para o encontro.

Na carta de 28 de Agosto que segue junto verás como pensamos que deverias orientar os contactos, tanto com esse amigo como com a “Voie Frolétarienne”. Diz-nos logo que possível alguma coisa a este respeito.

Da parte do MLP/USA temos continuado a receber os jornais: publicaram com destaque a mensagem que lhes foi enviada em nome da nossa 2ª Assembleia e iniciaram uma crítica bem argumentada e dura à política do PC Espanha (Raul Marco).

E é tudo. Ficamos a aguardar notícias e artigos e bonecos. Abraços para a R e S. Um grande abraço para ti.

 Mais livros que poderão ter interesse (tu é que podes dizer, são só su­gestões):

Les tribulations d’un idéologue, Victor Leduc, Ed. Syros, Paris, 1986

Les contraintes d’une rivalité: les superpuissances et 1’Afrique (1960-1985)

Zaki Laldi, Ed. La Découverte, Paris, 1986

Revista “Travailleurs” de Julho (Resoluções do 6º Congresso do PAC (gratuito)

Bajanov, Boris – Avec Staline dans le Kremlin

Bessedovski Grégoire – Staline, l’homme d’acier

Cederholm Boris – Au pays  du NEP et de la Cheka

Collinet Michel – Du Bolchévisme

VIII congrès du Parti Communiste Chinois

idem: vol. II

Djilas Milovan – La nouvelle classe dirigeante

Gorkin Julian – Destin du XX siècle

Histoire du PC Français (Manuel)

Histoire de la révolution russe

Hou Kiao-Mou – Trente ans du PC Chinois

Laporte Maurice – Les mystères du Kremlin

Laurat Lucien – Du Komintern au Kominform

Lewis O. – Trois femmes chez la révolution cubaine

Monzie A. de – Petit Manuel de la Russie nouvelle

Gautherot Gustave – Le bolchevisme en Afrique

Rosenthal Gerard – Avocat de Trotski

Rossi A – Deux ans d’alliance germano-soviétique

Schreiber Emile – Comment on vit en URSS

Smith Andrew – J’ai été  ouvrier en URSS

Valter Gerard – Histoire du PC français

Medveded Roy – Le stalinisme. Origines, histoire, conséquences, Ed. Seuil, 1971 Voslensky H. – La Nomenklatura, Les privilegiés en URSS

Castoriadis – La societé bureaucratique. I – Les rapports de production en Russie. Coll. 10/18, 1973

Cartas a MV – 1

Francisco Martins Rodrigues

Carta a MV (1)

22/11/1984

 Amigo M,

Estou admirado por não ter voltado a receber notícias tuas nem materiais. O último que cá chegou, há já talvez um mês, foi “Do 1º ao 2º congresso da IC” um livro grosso de Pierre Broué. £stá tudo bem por aí? Recebeste a minha carta de Outubro?    

Eu não voltei a escrever porque, como dizia nessa carta, receei que esti­vesse aí o Amazonas[i] e o facto de receberes correspondência minha te causasse embaraços, assim como a nós todos.Agora isso já deve estar ultrapassado.

Saí ontem do PC(R) e já tenho liberdade de movimentos. A minha demissão foi o desfecho inevitável dos conflitos que te tenho relatado. rio outros camaradas, entre eles o B e o E, que já tinham sido durante bastante tempo da direcção, demitiram-se ou foram afastados do partido nos úl­timos tempos. Ao todo, são 20 ou 30 camaradas que saem, pelo menos para já, identificados numa mesma atitude crítica face à política intermédia e vaci­lante do CC, à influência crescente no partido de elementos direitistas como o FC, CM, Q, etc, aos atropelos intolerá­veis ao centralismo democrático, à evolução suspeita do PTA, do PC do Brasil, etc. A direcção, como de costume, tenta escamotear a natureza das divergên­cias sob infindáveis intrigas em torno de actividades “fraccionistas”, que atingem já a paranóia. Afastou três membros do CC por terem sido vistos jun­tos numa taberna e eles terem reconhecido que estavam a discutir assuntos da partido. Isto foi considerado “tentativa de formar um segundo centro”. A minha “actividade fraccionista” consistiu em ter tido uma reunião com dois ca­maradas da minha célula e um deles ter ido contar que tínhamos debatido a crise do partido e a necessidade de elaborar propostas políticas por escrito para enviar à direcção. Por isso, foi posta à votação num encontro nacional de células de empresa, no domingo, a minha expulsão do partido, como cabeci­lha duma “fracção”. O P disse aí que não tinha provas de que eu fizesse contactos para fora da minha célula mas que estava “convicto” de que eles existiam. Tanto bastou para votarem uma recomendação para que eu fosse expul­so. De modo que resolvi adiantar-me e fui ontem entregar a minha carta de de­missão. Juntamente, entreguei o estudo que tenho andado a fazer há mais dum ano sobre o 7º congresso da IC, Dimitrov, Staline, o maoísmo, etc. Deixo-lhes a batata quente nas mãos, a ver se eles se atrevem a vir à polémica. É isto a única coisa que interessa no meio desta trapalhada vergonhosa.

Assim que me deres sinal de vida, quero enviar-te uma cópia pelo correio, para tu apreciares e dares a tua opinião. O documento teve que ser acabado ã pressa e tem muitas insuficiências mas estou convencido de que abre uma perspectiva crítica nova, de esquerda, sobre o período dos anos 30-50 como dominado por uma linha centrista, que foi o embrião do revisionismo do 20º congresso. Poderia eventualmente, depois de melhorado, ser publicável. Espero a tua opinião, e sobretudo quero discutir contigo todos estes problemas, pa­ra ver se chegamos a acordo sobre um trabalho em comum nos moldes em que já antes te falei. Sempre vens cá no Natal? Avisa assim que puderes, para orga­nizarmos uma discussão séria sobre estes problemas. Há aqui duas ou três dú­zias de camaradas que não querem ir para casa e que estão dispostos a procu­rar caminhos para dar corpo a uma corrente marxista-leninista, viva, crítica, que desenvolva trabalho simultaneamente teórico e prático, virado para a classe operária. Vamos redigir alguns materiais que nos sirvam de plataforma quanto a questões de estratégia, política, centralismo democrático, situa­ção internacional, etc.

O PC(R), naturalmente, vai continuar na sua via, mas extremamente enfra­quecido, sobretudo no plano ideológico, porque recorre cada vez mais às proibições de pensar. A sua base operária está já quase no zero e vai reduzir-se mais ainda. Estou convencido de que precisamos de três a quatro anos para dar corpo a um partido comunista realmente novo, mas que é uma tendência inevitável. O mais difícil será o período imediato, de reagrupamento ideoló­gico mas, se conseguirmos lançar um órgão, não tenho dúvida de que engros­saremos forças a pouco e pouco.

Tudo o que te falei antes, sobre recolha de materiais, elaboração de artigos, dinheiro, etc., passa agora para a actualidade como a questão de­cisiva. Já não se trata de projectos. Estás disposto e disponível? Quando me escreveres, enviarei o meu estudo e as citações de Lenine sobre centra­lismo democrático, que tu poderias prosseguir.

Podes contactar aí gente com simpatias de esquerda e tentar obter apoios? A minha saída, do B, do E, podem ser divulgadas. Para além dos livros que referias na tua lista, assinalarei nos catálogos que enviaste mais alguns, que são do máximo interesse. Se puderes obtê-los será uma ajuda preciosa.   

Sabes alguma coisa sobre um partido ML dos Estados Unidos que está a publicar estudos sobre o 7º congresso, Staline, etc? Publica o jornal “Worker’s Advocate”. Podes conseguir-me a morada deles? Já recebi alguns trabalhos interessantes do PC do Japão. Pelo menos nesses dois partidos a investigação sobre as origens do revisionismo vai num sentido semelhan­te ao nosso.

Recebeste o “”Bandeira Vermelha” que me tinhas pedido? Era para o Amazonas? E o que te dis­se ele? E a tua tese, sempre sai? Escreve sem falta, assim que possas. Abraços para a R e S e um grande abraço para ti

Chico

Carta a MV (2)

Jan de 1985

Camaradas:

Espero que continuem de saúde, com a vossa Sónia e com menos frio. Algumas notícias sobre o andamento dos nossos trabalhos:

Fizemos um 2º Encontro no dia 19 Janeiro, em que foram distribuídos alguns dos projectos de documentos e se decidiu convocar a Assembleia de constituição para 23/24 Fevereiro. Decidiu-se tam­bém avançar para o aluguer duma sede em Lisboa. Embora cara (40 contos por mês) tem óptimas condições para oficina e redacção e fica num sítio central. Esperamos que em breve esteja operacional e que se possa lá realizar a Assembleia.

Os projectos já distribuídos (Manifesto-programa, crise do PC(R), Estatutos) foram o que a Comissão Preparatória conseguiu fazer no pouco tempo que teve. Sobretudo os dois primeiros estão muito in­suficientes. Seguem amanhã em correio à parte, juntamente com o projecto de Regulamento da Assembleia e o boletim de Informação nº 2. Contamos com as vossas críticas e propostas de emendas a tem­po de serem consideradas pela Assembleia !

Devido a ter-se levantado certa controvérsia neste 2º Encontro acerca de quem deve ser ou não ser membro de pleno direito na Assembleia, a Comissão Preparatória decidiu realizar ainda um 3º Encontro no próximo sábado, 2 de Fevereiro, para se chegar a consenso sobre esta questão e se impulsionar o debate nos núcleos em torno dos projectos.

No 2º encontro foi ainda ratificada uma comissão de candidatu­ras, encarregada de elaborar uma proposta de direcção para o fu­turo grupo.

Eu tinha-vos dito que poderiam delegar o vosso voto, uma vez que não vão poder estar na Assembleia. Contudo, a Comissão Preparatória, depois de debater o assunto, concluiu que esta Assembleia não é a melhor oportunidade para ensaiarmos esse procedimento, novo entre nós. Estamos em fase de formação e poderiam surgir re­paros pelo facto de alguns camaradas usarem o direito de voto de ausentes. De modo que vocês dois, assim como alguns camaradas do Porto (nem todos vão poder deslocar-se a Lisboa) e um ou outro disperso da província, ficarão sem direito a voto. Paciência.

Sobre o meu livro – Estão e circular folhas de subscrição para custear a edição em livro do meu trabalho (150 contos). Recolhe­mos até agora 60 contos, mas foi na pior altura do mês e espero que neste fim de mêscom os ordenados frescos, a recolha dê um salto em direcção à meta. Na encomenda separada que segue ama­nhã com os projectos, mando também algumas destas folhas de subs­crição, para ver se vos será possível obter aí uns francos, Peço a vossa boa vontade para contactar sobretudo um ou outro amigo mais abonado de massas, no mais curto prazo e mandarem para aqui o dinheiro pela via que vos pareça melhor, junto com o talão que vai no canto inferior esquerdo de cada carta, para fins de con­trole e publicação da lista dos donativos.

Estou a tentar acelerar a redacção final do trabalho, para mandar para a tipografia. Temos o projecto de pôr o livro à venda em fins de Fevereiro. Fizemos no dia 6 uma reunião de debate so­bre os temas do livro, a que compareceram 40 pessoas (alguns ami­gos convidados, operários) e que proporcionou uma discussão inte­ressante, principalmente em torno da questão Staline, que é tal­vez a mais ambígua do que escrevi. Quais as vossas impressões da primeira leitura? Se quiserem mandar sugestões para modificações, convinha que o fizessem na volta do correio, para ainda ter tem­po de as considerar na redacção final. Vamos pôr o livro à venda a 200$00, o que aqui é um preço baixo, e já temos praticamente assegurada a distribuição comercial duma parte da edição. Digam vocês quantos exemplares querem para vender aí.

Quanto à revista, as coisas vão muito mais lentamente do que  desejaríamos. Só depois de constituída a OCP (Organização Comu­nista de Portugal, é o nome proposto, pomposo demais para o meu gosto) e eleita a direcção, poderá esta formar o comité de re­dacção e começarem-se a escrever artigos. Eu também não estarei disponível para escrever para a revista enquanto não me vir li­vre da edição do livro e dos trabalhos da Assembleia, absorventes como vocês bem calculam. Prevejo que não teremos o nº 1 na rua antes de Abril.

Para isso é decisivo também o problema das máquinas. Resolvida a questão da sede, trata-se agora de meter lá máquinas de compo­sição e impressão, mesa de montagem, laboratório, etc. Demora tudo tempo e custa dinheiro. Neste ponto, a vossa contribuição vai ser decisiva, no que respeita à AB Dick (mais a outra velha para peças, mais os dois duplicadores). Conseguem recolher aí os 3.000 francos? Digam-nos como se apresentam as perspectivas a esse respeito. Estamos a contar que a vossa quota tenha que ser canalizada para perfazer a importância que aí é necessária, mas mesmo assim não sabemos se dará.

Seguem junto com esta carta as instruções sobre a carta que deve ser escrita daí pelo proprietário das máquina fazendo doação delas, para fins de isenção dos direitos de alfândega. Isto é indispensável, porque esses direitos são astronómicos. Esta será pois a questão mais urgente de todas, a fim de ver se temos a máquina metida na sede até meados de Março, o mais tardar, contando com as formalidades burocráticas, que são arrastadíssimas.

Também devem mandar dizer, pelo mesmo correio em que venha a carta de doação, as dimensões e peso de cada um dos caixotes em que virão as máquinas, e qual o número de caixotes, porque isso é necessário para as autorizações da alfândega.

O R deu-me o último número de “Pour le Parti” que lhe mandaste. Pareceu-me muito fraco quanto a política. Se se dedicam só ao sindicalismo, não vão fazer nada pelo partido. Ainda não recebemos a revista albanesa de relações internacionais de que me falaste ao telefone. Peço que me mandem sempre o boletim do Kessel e quaisquer outras publicações de interesse. Mando também, na encomenda que vai amanhã, recortes dos jornais daqui sobre o “Cunhal da extrema-esquerda” (sou eu). Ando muito falado nos jornais, o que vai ser bom para o lançamento do livro e da revista. Já tenho duas entrevistas prometidas (“O Jornal” e “Diário de Notícias”).

Segue também aqui Junto uma lista de livros sobre o movimento de emancipação da mulher, para que pedimos a vossa atenção. Está aqui a esboçar-se um núcleo de camaradas interessadas na questão, com vistas a preparar artigos para a revista, fazer reuniões, etc. Tudo o que possam obter a respeito do movimento de mulheres será de interesse.

Bem, camaradas, por hoje é tudo. Tenho e impressão de que vos faço pedidos demais e o vosso tempo é limitado. Vocês verão o que podem fazer. Mas sem qualquer dúvida, o que é pare nós prioritário, de longe, é a questão das máquinas. Só daí nos pode vir a base para a impressão da revista por nossa conta.

Aceitem grandes abraços, com esperança de que não demorará outra vez anos a voltarmos a encontrar-nos. Até breve

 Carta a MV (3)

5/5/ 1985

Camaradas M e R:

Esperamos que tenham recebido a carta e dois livros que enviámos em 26 de Março por um portador. Depois disso, já enviámos mais 10 livros pe­lo correio e por estes dias enviaremos outros 10, conforme pediram.

Passamos a dar algumas informações sobre as nossas actividades:

Revista – Decidimos adiar para princípios de Outubro a sua saída, por não dispormos ainda nem de artigos nem de meios técnicos. Entretanto, pa­ra nos ensaiarmos, decidimos redigir um nº experimental, que ficará pron­to no próximo mês e que servirá para debate interno. Far-vos-emos chegar esse número para vossa apreciação.

O pedido de colaboração vossa que vos fazíamos na nossa carta anterior continua a ser muito importante: artigos sobre a situação política em França, sobre a emigração, correspondências, etc.

Livro – Está praticamente todo vendido, estamos a pensar em reeditar. Já fizemos algumas reuniões de debate com grupos de amigos e vamos organizar outras, sobretudo junto de meios operários. Seguem junto mais dois recor­tes de imprensa. Ficamos à espera também da vossa opinião. Tem sido levan­tada a ideia de que teria interesse levar ao conhecimento dos partidos m-1 as teses do “Anti-Dimitrov”. Consideram vocês possível fazer aí uma condensação ou colectânea de extractos em francês que servisse de apresentação e que nós pudéssemos enviar a esses partidos?

Organização – Inaugurámos a nossa sede (que foi alugada como atelier de artes gráficas) no 1º de Maio, com uma confraternização e debate que reu­niu cerca de 70 camaradas e amigos.

Formou-se um novo núcleo no Porto com camaradas operários de uma grande empresa e, embora não encaremos perspectivas de grande expansão organizativa a curto prazo, podemos dizer que a nossa actividade está-se a consoli­dar. Através de encontros e reuniões de debate, estamos a procurar e a conseguir ampliar os nossos contactos com alguns ex-militantes que entretanto têm andado perdidos. Temos programado para o próximo domingo um encontro aberto a amigos sobre a intervenção no movimento sindical (pretendemos actuar junto da corrente sindical de classe promovida pelo PC(R) e para 16 de Junho um debate sobre a experiência do PC(R) e da corrente m-1 em Portugal. Mandamos junto o plano de estudos sobre este tema. Também vos faremos chegar os trabalhos que forem redigidos em resultado destes debates.

Tribuna Comunista” – Estamos a editar um boletim interno de que já saíram dois números que seguem por correio separado. 0 nº 3 está previsto para fins de Maio e passa a chamar-se “Tribuna Comunista”. Esperamos que seja já bastante melhor do que os anteriores e que traga bastantes colaborações em volta de todas as questões que são polémicas entre nós. Escusado será dizer que contamos também com a vossa colaboração para este boletim.

Partidos m-1 – Enviámos a 25 partidos e grupos m-l, incluindo o PTA e o PC do B, uma carta em que expomos resumidamente a nossa plataforma polí­tica (segue cópia). Para França, foi endereçada para o PCOF e o Kessel. Vocês poderíam fazê-la chegar à “Avantgarde Communiste” e colher as opi­niões deles acerca das nossas posições. Estamos a receber o jornal do Partido m-l do Japão e procuramos entrar em contacto com um partido americano que parece defender posições semelhantes às nossas e com um partido brasi­leiro que cindiu do PC do B (PRC – Partido Revolucionário Comunista).

Manifesto – Tirámos 1000 exemplares do manifesto inaugural da OC-PO e do estatuto editorial da revista, que estamos a usar para debates em torno das nossas posições e ganhar novas adesões. Vamos enviar-vos alguns exem­plares para difundirem aí e verem a possibilidade de tradução em francês. Enviamos também a carta que temos estado a enviar a militantes do PC(R).

PC(R) – Depois de alguns artigos no BV a chamar-nos anarco-trotskistas, têm feito silêncio a nosso respeito. Sabemos que prometeram aos militantes uma resposta ao Anti-Dimitrov numa conferência que vão realizar em breve, mas temos fortes dúvidas de que se metam nisso. A táctica do PC(R) para “um candidato único das oposições” nas eleições presidenciais, ou seja, na prática o apoio à candidatura de Lurdes Pintasilgo, está a provocar descontentamento nas suas fileiras, ao mesmo tempo que reforça as tendências mais direitistas.

Manifestacões do 25 de Abril e 1º de Maio – Fizemos a nossa aparição em público nestas manifestações com faixas em nome de “Política Operária” e as nossas próprias palavras de ordem. A nossa participação, naturalmente modesta, (da ordem das dezenas) foi contudo bastante positiva por ter ini­ciado a nossa afirmação pública e confirmado a nossa decisão de estar pre­sentes no movimento de massas. Vamos participar no próximo dia 9 numa acção de protesto contra a visita do Reagan.

Técnico – Apoiando-nos nos nossos recursos financeiros e num empréstimo, vamos comprar uma máquina de fotocomposição em 2ª mão, que nos servirá não só para fazer a revista, como trabalhos comerciais que a financiem. Espe­ramos ter a funcionar dentro dos próximos dois meses um atelier de composi­ção, fotografia e montagem e constituída uma sociedade. Quanto à AB Dick, aguardamos notícias vossas e pensamos poder dispor de um local para a ins­talar, mas precisamos saber urzgentemente as medidas da máquina. Temos vá­rios camaradas especializados nestes trabalhos e julgamos possível ter uma oficina a funcionar até ao fim do ano, trabalhando para fora. Isto é a ba­se essencial para a sobrevivência financeira da revista. Como decerto com­preendem, a questão financeira continua a ser premente, todos os donativos que possam aí recolher terão uma grande importância para a viabilidade des­te projecto.

PA – Já recebeu o livro e está disposto a colaborar no nosso projecto, mas limitado pelas suas ocupações. Seria bom que vocês daí lhe escrevessem pedindo-lhe que envie para cá revistas, recortes de jornais ou artigos. O mesmo para outros contactos que vocês vejam possíveis na Europa.

Ainda vos queremos pedir que continuem a enviar-nos as fotocópias de materiais da IC, livros, recortes de imprensa, ou outros materiais que achem de interesse para a revista. Precisamos muito de documentação. Po­derão fazer-nos aí uma assinatura da “Afrique-Asie” ou outra revista com informação internacional?

É tudo por hoje. Contamos muito com a continuação do vosso apoio e que possamos voltar a trocar impressões directamente o mais cedo possível.

Um grande abraço para os dois e para a S.

 ——————

[i] João Amazonas (1912-2002), por longo tempo secretário-geral do PCdoB (Partido Comunista do Brasil). (Nota de AB).

Cartas a LN

Francisco Martins Rodrigues

Carta a LN (1)

28/8/1998

Caro Amigo:

Agradeço a sua carta. Das suas observações, creio que se destaca a preocupação com a questão do Partido Comunista. Eu também o considero a questão política central, para que possamos passar de meros espectadores a interventores activos. Mas por isso mesmo, porque o assunto tem uma importância decisiva, receio a repetição das experiências de partidos que se fizeram no nosso país nos anos 70. No próximo número da P.O., que receberá em Outubro, volto à carga sobre o assunto, para falar das experiências negativas em que participei. Hoje não tenho dúvida que se tivesse sido possível uma perspectiva mais amadurecida do partido nesses anos, os acontecimentos políticos poderiam ter seguido outro rumo. Não digo que a revolução pudesse ser vitoriosa (faltavam imensas condições para isso) mas de certeza o proletariado teria saído da prova sem o sentimento de frustração e desmoralização em que se encontra. E se, da esquerda m-l, que então parecia tão pujante, nada restou, creio que isso se deve em grande medida às falsificações que se praticaram em nome do partido leninista, que de leninista pouco tinha.

Se dou portanto alertas contra o perigo de um partido prematuro é porque já me pareceu detectar aqui ou além tendências de “criar o partido” sem querer saber da crítica ao que esteve mal na fase anterior. Talvez não haja razão para os meus alertas; o abatimento é tanto que se calhar ainda vão passar muitos anos antes de um núcleo de gente capaz tomar o assunto em mãos. Se assim for, fica pelo menos a crítica aos erros anteriores (aquela que eu sou capaz de fazer), poderá ser uma ajuda para os que venham mais tarde. Francamente, se for para fazer um novo PC(R) ou um novo MRPP, acho que é tempo perdido.

Aqui afasto-me de si, julgo, no que toca à tradição stalinista de partido. Foi essa que conhecemos no passado, apoiámo-la como uma alternativa positiva aos partidos revisionistas, mas hoje, com maior distanciamento, acho que era preciso ter dado o salto que não se deu para o partido inspirado no leninismo. E que, de facto, o partido bolchevique que sob a direcção de Lenine lutou pela revolução tinha métodos muito diferentes dos que depois adoptou com Staline, embora nos fizessem crer o contrário. Compreende-se porquê: exercendo o poder em nome de uma ditadura do proletariado que de facto não existia na Rússia (nem podia ainda existir), o partido foi deformado, tornou-se muito diferente do que era nos seus tempos revolucionários, estagnou sob o monolitismo e a “caça às bruxas”. É a repetição desse estilo que eu procuro evitar, porque um partido desses será absolutamente incapaz de conduzir uma luta revolucionária coerente.

Quanto às questões teóricas, reconheço que temos muitas limitações, mas creia que, ao longo dos 13 anos que já leva a nossa revista, tem abordado diversos temas marxistas. É verdade que não fazemos muitas citações dos textos clássicos mas procuramos aplicar e desenvolver as suas ideias em torno das questões políticas actuais. Também aí, estou de pé atrás com o “marxismo-leninismo” de citações que se praticava há vinte ou trinta anos. Verifiquei como muitos dos que papagueavam com mais ardor essas citações e estavam sempre com o Lenine e o Staline na boca viraram a casaca assim que viram as coisas a correr para o torto. Era “cultura marxista” só para enfeitar… Num ponto lhe dou inteira razão: a necessidade de fazer uma análise das classes em Portugal e de fundamentar o carácter da nossa revolução (também eu penso que só pode ser socialista). Somos poucos e faltam-nos os elementos para produzir essas análises com um mínimo de seriedade marxista. Mas espero que ainda o conseguiremos. Não estamos cansados e a revista vai continuar a batalhar.

Sobre a Marinha Grande. Não pretendemos promover as pessoas a que se refere a militantes comunistas. Simplesmente, apoiamos e divulgamos as poucas críticas de esquerda ao PCP que ainda aparecem. No ponto a que chegámos, e que o meu Amigo deve conhecer tão bem como eu, seria insensato abafar essas críticas a pretexto de que os seus autores têm algumas contradições e o seu passado contém muitos erros. Em números anteriores da P.O. temos publicado entrevistas com operários, alguns mesmo da orla do PCP, quando eles fazem críticas de esquerda que merecem ser divulgadas. Publicamos o que há, não é por nossa culpa que não ocupamos as páginas da revista com tomadas de posição de revolucionários comunistas.

Refere-se a José Gregório e a um trabalho meu de há trinta anos (ou mais) sobre o assunto. Continuo a achar que Gregório deve ser respeitado e apresentado como exemplo de militante comunista mas a minha opinião sobre ele e sobre o PCP do seu tempo é hoje diferente da que tinha há trinta anos. Se devemos valorizá-los em oposição ao revisionismo cunhalista que veio depois, não devemos idealizá-los nem ocultar as suas limitações. O PCP dos anos 30-40, com a sua abnegação e combatividade antifascista, sofreu dos mesmos problemas que todo o movimento comunista, forçado pelas circunstâncias a apoiar a URSS de Staline e a calar tudo o que aí corria mal, envolvido numa desastrosa política de “frente popular”, etc. O caso de Manuel Domingues é apenas um episódio na história desse tempo; evoquei-o não para minimizar Gregório mas para mostrar a duplicidade de Cunhal, que continua a fazer silêncio sobre o assunto.

E por agora é tudo. Creio ter tocado os tópicos principais da sua carta. Espero que poderemos continuar a corresponder-nos e aguardo com muito interesse todas as críticas e sugestões que a leitura da P.O. lhe vá suscitando. Aceite as minhas saudações comunistas.

 Carta a LN (2)

29/12/1988

Caro Amigo:

Já deve ter recebido por esta altura a P.O. 67 e por ela verá a solução que encontrei para os extractos da sua carta, em que procurei conservar aquilo que há de mais significativo quanto ao estilo de partido e ao problema da vigilância de classe. São questões que tendem a ser esquecidas no clima democrático-pacífico actual e a sua carta vem lembrá-las. Também alterei o nome, tendo em conta as suas reservas a esse respeito. Espero que lhe tenha agradado a solução. Se de futuro nos quiser enviar para publicação as suas reflexões sobre o problema do Partido, ou outros, teremos muito gosto nisso.

Tem acompanhado as notícias sobre a aproximação entre a UDP, PSR e Política XXI, com vistas a uma candidatura conjunta às próximas eleições? Há quem fale num projecto de fusão para criação de um novo partido da esquerda. Pessoalmente, sou muito céptico quanto à viabilidade e sobretudo quanto aos reflexos políticos de um tal partido. Só será útil na medida em que, percorrendo até ao fim o seu reformismo intrínseco, esse novo partido apressará a abertura de um espaço na esquerda para um real partido revolucionário. Em todo o caso, a curto prazo, talvez cause alguma ilusão em pessoas de esquerda que têm estado isoladas.

Aceite as minhas saudações e votos de bom Ano Novo.

 Carta a LN (3)

9/3/1999

Caro Amigo:

O seu artigo saiu, como deve ter visto. Não me incomodou absolutamente nada a discordância, pois o tom é correcto. Temos por norma dar espaço à polémica na nossa revista, polémica que sentimos como absolutamente indispensável para a corrente marxista sair da crise em que se encontra e que foi devida, em boa medida, à supressão do debate. Não sei ainda se redigirei algum artigo de resposta ao seu, mas por agora parece-me preferível deixar os leitores interessados compararem as duas posições. Em todo o caso, gostaria de lhe sublinhar o seguinte: 1) não pretendi pôr em causa a política de vigilância do tempo de José Gregório nem o documento dos Espiões e Provocadores, mas apenas chamar a atenção para o mistério da morte de Manuel Domingues; 2) é um facto incontestável que o documento relaciona o Domingues com os titistas; leia-o atentamente e verá a importância que é dada a esse assunto; 3) parece hoje fora de dúvida que não foi a P1DE que matou Domingues; 4) quando falo em “paranóia da perseguição” refiro-me, não à vigilância necessária, mas a suspeitas infundadas que no início dos anos 50 levaram ao afastamento de bastantes militantes honestos; em todo o caso, refiro que essa paranóia é inseparável da perseguição bárbara a que o partido era submetido na época; 5) não pretendi omitir nada quanto a Militão Ribeiro, só não o referi porque não é o caso dos militantes assassinados no momento da prisão ou sob a tortura nos interrogatórios; 6) agitar hoje o caso Manuel Domingues não é favorecer de modo nenhum o cunhalismo (que aliás venho criticando em dezenas de artigos), mas justamente desafiar Cunhal a fazer luz sobre o assunto, ele que tanto fala em transparência e em “paredes de vidro”. Enfim, o assunto ainda tem muito que se lhe diga e se calhar durante muitos anos, porque os principais envolvidos não querem falar.

Quanto ao seu outro artigo, acho-o, como aliás você diz, um bocado “complicado”, isto é, não ressaltam claras as conclusões a que se pretende chegar. Se não se importa que lhe faça uma sugestão, proponho que o trabalhe melhor e o reformule, com vista a publicação futura. Continuamos abertos à sua colaboração. Extraí uma passagem da sua carta, que publico sob o mesmo pseudónimo anterior. Aceite as minhas saudações.

 Carta a LN (4)

 17/9/2000

Caro Camarada:

A sua resposta vai ser publicada, e na íntegra, como pede, no próximo n° da PO. a sair em meados de Outubro (em Agosto, como de costume, fazemos a pausa das férias). Não queremos que suspeite de qualquer discriminação da nossa parte. Se efectivamente somos obrigados muitas vezes a fazer cortes nas cartas que nos são enviadas é sempre por razões de espaço e não para mutilar ou deturpar as opiniões dos nossos colaboradores. Neste caso em debate, que gira em torno da apreciação do PREC, não creio que haja mal entendidos entre nós; há sim perspectivas diferentes no balanço à luta de classes que se travou naquela altura em Portugal e ao papel social desempenhado pelo PCP, como de resto esta sua última colaboração confirma, quanto a mim. Você argumenta como se eu fosse inclinado a poupar e a desculpar o PCP, o que me deixa… sem palavras, já que há quase 40 anos que não faço outra coisa senão escrever que ele é um falso partido comunista, um partido burguês para operários. A nossa grande divergência é em saber se os PCs são uma peça subalterna da sociedade burguesa ou se são aparelhos de tipo fascista vocacionados para a tomada do poder. Aqui é que está o ponto a esclarecer. Essa diferença de opiniões manifestou-se desde que nos começámos a corresponder e possivelmente nenhum de nós consegue convencer o outro dos seus pontos de vista. Infelizmente não será possível dar-lhe a conhecer a grande quantidade de artigos que temos publicado desde o começo da revista, nem os debates que fizemos sobre o assunto, sobretudo nos primeiros anos, após sairmos do PC(R). Também seria bom que outros colaboradores se manifestassem e que o debate se alargasse. Veremos se isso acontece. Eu, pela minha parte, ainda gostaria de voltar a comentar, mais tarde, o que você escreve nesta carta.

Agora uma questão prática. Do seu artigo sobre o Joaquim Carreira, não se poderia extrair para a próxima P.O., na secção de Cartas dos Leitores, a lista de abusos e prepotências do PC na Marinha Grande? Tem o mérito de ser muito concreta e poder elucidar os nossos leitores mais simpatizantes do PC (também os temos). Diga-me, o mais breve possível, se está de acordo, em que termos, que nome se deve pôr a assinar a carta, etc.

Fico a aguardar a sua resposta. Aceite as minhas saudações

 Carta a LN (5)

 30/7/2002

Caro Camarada:

Depois de alguns dias de férias, encontrei a sua carta com os 25 euros, para duas assinaturas da PO por um ano. Ficou registado, receberá o próximo número em Outubro, como habitualmente. O seu reparo sobre a fraca cobertura dada às medidas do novo governo tem toda a razão de ser: vamos ver se no próximo número corrigimos o tiro.

No que se refere à “Voz do Trabalho”, é uma folha iniciada há cerca de um ano por um grupo de activistas da Margem Sul. Inicialmente participavam alguns elementos do Bloco de Esquerda mas, passado pouco tempo, por indicação dos seus dirigentes, afastaram-se. De modo que a folha é editada só por camaradas sem organização partidária, a maioria antigos membros do PC(R), uns mais próximos do colectivo da PO, outros mais afastados. O interesse desta iniciativa é que tem tido um acolhimento muito bom na Lisnave, Autoeuropa e outras grandes empresas da região. A edição de mil exemplares esgota-se em poucos dias e os apoios recolhidos junto dos operários cobrem as despesas de edição. Creio que é uma iniciativa válida e de apoiar. Se lhes quiser enviar pequenas crónicas, em estilo simples, ou mesmo recortes da imprensa do Norte, será uma forma de ajuda. Já agora, digo o mesmo para a nossa P.O.: se tiver materiais que ache de interesse não hesite em enviá-los.

Por agora é tudo. Aceite as saudações do nosso colectivo

 Carta a LN (6)

26/8/2004

 Caro camarada:

Recebi o dinheiro que enviaste e registei a renovação da tua assinatura (entendo que queres continuar a receber dois exemplares, como até aqui). As observações e reparos que fazes sobre artigos da P.O. sairão no próximo número.

Levantas na tua carta uma série de questões de cuja importância não duvido, mas que infelizmente, ainda não se aplicam àquilo que somos neste momento, e não sei por quanto tempo mais. O colectivo que edita a “P.O.” não é ainda um grupo político estruturado, porque para tal não temos encontrado condições. É um grupo que se dedica a fazer propaganda através da revista e de livros, tentando ajudar a criar uma corrente de opinião para a existência de um partido comunista revolucionário neste país. Participamos em acções pontuais (por exemplo contra a invasão do Iraque, no Io de Maio, etc.), mas até agora os ecos da nossa propaganda têm sido pouquíssimos. E se continuamos dispostos a prosseguir nesta actividade, que julgamos indispensável, não pretendemos fazer-nos passar por aquilo que não somos. Devido à fase incipiente em que nos encontramos e ao nosso pequeno número, as questões relativas à vigilância de classe e ao perigo de infiltrações que tu colocas põem-se num plano ainda bastante restrito. Naturalmente, procuramos afastar de nós indivíduos que nos sejam suspeitos, mas não temos questões organizativas internas que seja preciso defender. Em relação à pessoa que julgo que referes em particular, houve apenas uma troca de correspondência e o aproveitamento de umas notas que nos enviou sobre antigos militantes comunistas. Mesmo que seja pessoa pouco recomendável, como dizes, não vejo que esse contacto esporádico nos tenha causado nenhum prejuízo. De qualquer modo, tomo em conta os teus alertas.

E é tudo por agora. Aceita um abraço

 Carta a LN (7)

31/8/2004

 Caro Camarada:

Devolvo por correio separado o teu trabalho que puseste à nossa consideração, para se ver a hipótese de ser publicado. Como tu próprio dizes, o texto ainda precisa de ser trabalhado. Mas a nossa dúvida (minha e de outro camarada que também leu) é se, mesmo melhorado, o texto se presta a uma edição em livro. Como deves saber, existe uma inflação tremenda de edições e os distribuidores e livreiros rejeitam à partida todos os livros que lhes parecem pouco vendáveis, argumentando que não têm espaço para tanto livro, etc. Nós, na Dinossauro, somos obrigados a entremear certos livros mais teóricos com novelas e textos mais ligeiros, para tentar ir andando. Mesmo assim, o nosso distribuidor recusou-se há três meses a continuar a aceitar os nossos livros, porque lhe davam pouco lucro. Estamos agora a tentar um novo distribuidor, sem saber ainda o que vai acontecer.

Falaste na hipótese de pagares 100 exemplares mas os custos da edição seriam tão pesados, mesmo que se fizessem só 300 ou 400 exemplares, que haveria sempre um prejuízo enorme que não podemos suportar, nem tu provavelmente.

Existe no teu livro um relato de uma experiência directa que viveste na Marinha Grande, na fase final do fascismo. Essa experiência não se deve perder. Porque não tentas abordar o tema por outra forma, fazendo um relato não romanceado, bastante mais curto, dos acontecimentos? Poderia dar um caderno de que tirarias fotocópias e que se poderia fazer circular nos meios que conservam interesse pela história da luta de classes no nosso país. Seria um registo válido de acontecimentos que hoje se procuram fazer esquecer. É a sugestão que te podemos dar.

Com as nossas saudações

 Carta a LN (8)

30/8/2007

 Caro Camarada:

 Respondo à tua carta. Quanto aos materiais que comentas, algumas informações:

Foi de nossa iniciativa o projecto de criação de uma organização “anticapitalista” que foi lançado em Novembro do ano passado e que levou à Declaração “Mudar de vida” e ao projecto de um jornal com o mesmo nome. Fizeram-se várias reuniões juntando camaradas da PO com alguns amigos como o cantor José Mário Branco, com vista à preparação desse jornal. Todavia, desde Julho deixámos de ter qualquer relação com esse projecto devido a um conflito surgido com José Mário Branco. Este exigia que os comunistas não falassem das suas actividades nas reuniões do colectivo. Praticamente, quis pôr a PO fora do projecto e conseguiu porque nos retirámos. Seguem junto alguns documentos que te ajudarão a entender o que aconteceu. Na próxima PO sairá um artigo de polémica com as opiniões de J. Mário acerca das relações entre a vanguarda e as massas (artigo dele que saiu na PO 109).

Neste momento, portanto, a PO retomou a sua intervenção independente. Continuamos com a edição da revista e damos passos para lançar um jornal mensal, a que chamámos provisoriamente “Visor”. Não se sabe por enquanto quando poderá esse jornal sair para a rua, ainda poderá demorar alguns meses a definir melhor o modelo e a reunir as condições quanto a colaboradores, distribuição, apoio financeiro, etc. Entretanto, a PO sairá como normalmente. O próximo número em fins de Setembro.

Sobre as tuas sugestões de trabalho – Como creio que já te disse na nossa troca de cartas anterior, as tuas propostas para criarmos uma comissão de organização, que apure os currículos dos futuros membros, aprove um programa, crie um jornal interno, prepare a criação do partido comunista, não corresponde à situação real. Continuamos sem condições para criar uma organização comunista. A prática totalidade dos camaradas que se aproximam da PO aceitam fazer alguma acção sindical, anti-imperialista, etc. mas não querem organizar-se numa base comunista. Por isso tentámos esta experiência da organização anticapitalista, mas mesmo assim logo apareceram os fantasmas contra os comunistas que “querem controlar tudo”, etc. Mantemos por isso o comité editor da PO, com as actividades limitadas que conheces e assim nos vamos manter até que surjam outras perspectivas.

Visor – Este é o nosso projecto de jornal. Depois do primeiro número experimental, lançaremos um outro melhorado em Outubro, que te será enviado e para que pedimos as tuas críticas e sugestões. O título é provisório, tal como a ficha técnica.[i]

“Erguer o trabalho contra o Capital” – Essa foi a Declaração (que eu próprio redigi e a que depois foram acrescentadas algumas ideias) e que agora se chama “Mudar de Vida”. O grupo que se mantêm em tomo dessa Declaração inclui dois anteriores colaboradores da PO que a abandonaram, Manuel Raposo e Vladimiro Guinot.

Envio junto vários documentos para te pôr em dia com a situação. Fico à espera das tuas opiniões sobre tudo isto e propostas de trabalho.

Saudações

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[i] Este projecto do jornal Visor não foi para a frente porque, em Setembro de 2007, FMR começou a manifestar sintomas graves da doença que o vitimou em 22/4/2008. (Nota de AB).