Cartas a JV – 11

Francisco Martins Rodrigues

Carta a JV – 11

9/2/1994

Caro Amigo:

Agradeço os jornais e documentos que tens mandado.. A P.O. deve vir hoje da tipografia e ficamos com um breve período de pausa, para respirar e sobretudo ler material que se vai acumulando. O teu reparo sobre o homossexualismo chegou quando se estava a fechar a redacção e ainda deu para o metermos em carta do leitor. Aguardemos as reacções. Se queres que te diga, nunca nos dedicámos a discutir muito o assunto e creio que existem opiniões diferentes entre nós. Talvez a tua carta nos obrigue a discutir o problema. A posição que saiu no artiguinho que referes não pretendeu obviamente dizer que a homossexualidade seja uma doença, mas apenas apontar o seu florescimento nas prisões como um dos índices da situação degradante em que os presos se encontram, privados duma vida sexual normal. Não concordas?

Por cá, a situação económica agrava-se lentamente, embora não tanto como alguns previam. O desemprego oficial é de 6% mas este número tem pouco a ver com a realidade. Será 8%, 10%? O funcionalismo público vai fazer a segunda greve no espaço de um mês, porque o governo pretende dar-lhe um aumento de 0% a 2%, omitindo a inflação, ou seja, um “aumento” negativo. Dos sectores operários há algumas acções de protesto, mas até agora dispersas. As duas centrais estão a radicalizar a linguagem mas não mais do que isso, é só para absorver o descontentamento. Qualquer delas, mas sobretudo a UGT, estão escandalosamente vendidas às verbas da Comunidade, a pretexto dos cursos de formação profissional, e ficam na dependência do governo para embolsar as massas. De modo que berram muito mas arrastam os pés e procuram dispersar as lutas. É a modernização que chega à ocidental praia lusitana.

Será que nos encontramos na sessão do aniversário da Batalha em 26 deste mês? Eu vou lá. Abraços meus,  da Ana e da Beatriz, para ti e para a S.

Cartas a HN – 1

Francisco Martins Rodrigues

Carta a HN – 1

19/3/1995

Caro Amigo:

A sua carta foi uma agradável surpresa. Não é todos os dias que nos chegam saudações tão amigas e calorosas como a sua. O nosso pequeno núcleo editor da P.O. conta com apoios e colaborações preciosas mas infelizmente escassas e, ao longo destes dez anos que já levamos de caminho, cada vez mais escassas. Vivem-se tempos em que o comunismo não está na moda e as pessoas arredam-se de nós, umas por preconceito, outras intimidadas com a campanha da comunicação social, todas achando-nos mais ou menos excêntricos ou antiquados, por teimarmos em dizer coisas óbvias. Mais saborosa por isso a sua carta, que espero não seja a última.

Pelo que me relata fico com uma ideia dos baldões que deve ter sofrido, aliás como quase todos os aderentes dos grupos ML. Foi uma corrente de ideias que não vingou, embora tenha dito muita coisa acertada e desempenhado um certo papel durante a agitação de 74/75; tendo sido um dos seus iniciadores no nosso país, custa- me reconhecê-lo mas não posso deixar de o fazer.

O mal de partida (em que tenho a minha pesada parte de responsabilidade) foi pensar-se que a crítica à degeneração evidente da URSS devia traduzir-se pelo apoio incondicional ao período anterior (Staline) e aos que mantinham essa bandeira: a China, primeiro, a Albânia, depois. Ora, isso continha um compromisso no qual se deixou ir por água abaixo a capacidade de crítica marxista radical com que tínhamos partido e nos fomos cegando aos poucos, até que a corrente ML se desagregou no meio duma confusão tremenda, que não teria sido inevitável, mesmo que houvesse um recuo temporário.

Houve, é claro, os estragos causados pelos oportunistas. Houve quem fizesse muita trampolinice com o marxismo-leninismo enquanto se julgou que era produto com saída assegurada no mercado, que permitia agrupar umas tantas pessoas, fazer uns comícios e ganhar o apoio de algum país “socialista”. Isto aplica-se a quase todos os grupos, uns em maior, outros em menor grau. Quando veio a derrota do movimento e a desilusão, os que mais se tinham destacado em declarações inflamadas contra a burguesia e o imperialismo sentiram-se obrigados a renegar bem alto, para terem direito a sentar-se à mesa…

Mas misérias destas são inevitáveis em período de agitação, todo o processo revolucionário tem os seus parasitas. Pior foi a falta de lucidez marxista dos sinceros marxistas (e aqui contra mim falo). Tardámos muitíssimo em compreender as chamadas sociedades socialistas, em saber combinar a defesa intransigente das revoluções que lhes deram origem (russa, mas também chinesa, cubana, etc.) com uma crítica igualmente intransigente aos regimes que delas resultaram. Não percebemos que esses regimes eram transitórios, híbridos, e, como tal, iriam desaguar no grande rio do capitalismo. Tardámos em compreender que o fracasso dessas revoluções não foi culpa dos comunistas ou devido a traição deste ou daquele dirigente, mas porque as condições de atraso desses países não lhes permitiam dar o salto que os explorados e os comunistas desejavam. Marx já tinha dito que não se podia esperar a transformação comunista antes de se passar pela explosão produtiva que o capitalismo traz e o próprio Lenine fartou-se de fazer avisos sobre as limitações da revolução bolchevique, que foram depois considerados pessimistas.

Como não chegámos a uma visão de conjunto, coerente, do que eram essas sociedades, oscilámos entre posições igualmente erradas – uns desculpando tudo o que vinha da “pátria do socialismo”, outros considerando-a como “o inimigo principal dos povos”, outros ainda convencendo-se de que a China “boa” jamais seguiria as pisadas da URSS, etc. Foi preciso a derrocada do “campo socialista” para olharmos todo o processo com maior distanciamento e frieza. Agora que se fechou o parêntese, verifica-se que era Marx que tinha razão e que os marxistas não lhe deram ouvidos. Escrevo um pouco sobre tudo isto num artigo que Fiz para a próxima P.O. e que espero que leia. Temos muito orgulho na nossa P.O., em que andamos a batalhar desde 1984, mas não temos ilusões de que o nosso trabalho nestes dez anos no campo do marxismo-leninismo tenha sido alguma coisa do outro mundo. Temos progredido muito mais devagar do que seria necessário. E nestes períodos de refluxo da revolução que se pode aproveitar melhor o tempo para fazer balanços e traçar ideias gerais úteis num próximo ascenso, mas os nossos balanços e programas estão muito inacabados. Se daqui amanhã rebentasse uma nova grande comoção proletária e popular neste país (do que estamos bem livres pelos anos mais chegados…), os comunistas iam ver-se outra vez em palpos de aranha: como assegurar no partido comunista uma boa combinação de centralismo com democracia? como fugir à inevitável tendência de apodrecimento do movimento sindical? como explorar em nosso proveito a farsa das eleições burguesas? como evitar a hegemonia pequeno- burguesa sobre as massas proletárias? como conduzir o movimento revolucionário a fazer frente à repressão burguesa e a encaminhar-se para a conquista revolucionária do poder? como fazer vingar uma autêntica democracia proletária que não se deixe cair sob a pata da burocracia?

Já se sabe que estes problemas são para resolver na luta, não em gabinete, mas é preciso que os erros do passado estejam devidamente apontados e “catalogados”, para evitar que o movimento os repita por falta de conhecimentos. Uma das manifestações mais duras que encontrei do atraso do marxismo no nosso país e na nossa extrema-esquerda foi ver a ingenuidade arrogante com que militantes nascidos no calor da luta achavam que o caminho se descobre espontaneamente e olhavam desconfiados para as minhas preocupações “teoricistas” e “livrescas”. Enquanto o nosso movimento operário for dominado por esse culto da ignorância não poderá ir muito longe. Falta-nos ainda muito para chegar a algo que se possa chamar a “fusão do marxismo com o movimento operário”.

É claro que é preciso acompanhar o sentir do movimento, manter laços com ele, aprender com as suas lutas e nesse aspecto o balanço do nosso grupo também é modesto. Como somos um grupo reduzido (mais reduzido agora do que quando começámos), temos dificuldade em estar presentes nas lutas que se travam e em fazer agitação nos meios operários. A esse propósito, não sei se tem alguma disponibilidade para recolher alguma entrevista ou depoimento de trabalhadores emigrados aí na Suíça, seria uma boa ajuda para nós. Temos aí em Genève um camarada que já nos tem obtido algumas colaborações interessantes mas há muito tempo que não dá sinal de vida.

Para além da revista, cuja distribuição é outra luta que enfrentamos a cada número, lançámo-nos no ano passado no campo da edição de livros. Junto um catálogo para lhe dar a conhecer o que já fizemos e o que temos em preparação. Fora disso, há intervenções no plano sindical, na luta contra o racismo (que vai crescendo a olhos vistos), mas tudo em escala muito incipiente.

Agradeço muito a oferta do livro “Fin del capitalismo”, de que nunca tinha ouvido falar; vou lê-lo atentamente e passá-lo aos outros camaradas do comité de redacção para se analisar da vantagem e possibilidade duma edição portuguesa.

Não sei se esta carta, escrita a correr, lhe deixa alguma impressão de pessimismo, mas se for esse o caso, não se preocupe; é jeito meu ver mais os erros do que os acertos. No balanço final, sou firmemente optimista quanto à inevitabilidade de deitarmos para o lixo o capitalismo e passarmos a viver como seres humanos, em comunismo. E esse de facto o único assunto que me interessa, de há uns 50 anos para cá.

Aceite as minhas saudações calorosas.

Cartas a LC (10)

Francisco Martins Rodrigues

Carta a LC – 10

16/6/1997

Caro Camarada:

Dentro de dias receberás a P.O. 60, que sai com algum atraso. A seguir paramos para  férias e recomeçaremos em Outubro (fecho da redacção em 20 de Setembro). Tenho recebido as tuas inúmeras notas, notícias e comentários, de que sempre procuro aproveitar alguma coisa. Se nem sempre isso acontece, não leves a mal: não tem a ver com discordâncias de fundo mas com o  esforço para dar lugar às diversas colaborações que nos chegam e para tratar com equilíbrio os  diversos temas da actualidade. Por acaso, neste número que sai agora, os comentários de actualidade  nacional e internacional ficaram muito prejudicados porque houve vários artigos “teóricos” que  ocuparam a maior parte da revista. Surgiram diferenças de opinião em tomo da questão do imperialismo, como deves ter visto, e tomou-se necessário dar espaço à polémica. 

Ainda quanto aos teus artigos: o que se refere ao Kabila só cá chegou depois da revista estar fechada, embora viesse anunciado numa nota tua. Já não se pôde aproveitar, não sei se na próxima ainda terá actualidade. 

1º de Maio — Participámos na manif da CGTP como é tradicional, com a nossa  faixa e distribuímos o nosso manifesto (que vem reproduzido na P.O.). Em seguida reunimo-nos no  habitual lanche de confraternização. Correu bem. Também fizemos um debate sobre o imperialismo,  possivelmente continuaremos. 

Negócios — Agradecemos a tua consulta de preços para cartões, etc., mas não é viável pelo seguinte: nós não temos tipografia, apenas fazemos composição e paginação de textos e gravuras para mandar imprimir fora. Deste modo, qualquer orçamento que te déssemos para  pequenos trabalhos em que a nossa intervenção é mínima, como é o caso dos cartões, seria sempre  caro demais. A nossa especialidade são os livros e revistas e quanto mais texto melhor. Eu devia ter-te dado logo de início este esclarecimento. Vai agora com as minhas desculpas. 

Cá ficamos à espera das tuas notícias e colaborações. Um abraço.

 

 

Cartas a LC (3)

Francisco Martins Rodrigues

Carta a LC – 3

11/2/1992

Caro Amigo:

Grato pela tua carta e pelo apoio. Infelizmente não recebi a importância que dizes ter enviado anteriormente em carta, mas não deixo por isso de registar a tua assinatura. Também vou enviar um nº da revista ao amigo cujo nome indicas e escrever-lhe a saber se quer tornar-se assinante. Deves receber a revista dentro de dias e espero que te interessem os assuntos tratados.

Aqui começa a sentir-se o efeito do programa económico do Cavaco: agravamento dos impostos, aumento de preços, tecto salarial e muitas empresas a fechar. Os que votaram no tipo a contar com a prosperidade geral estão desiludidos. Veremos a capacidade de resposta da CGTP, há greves marcadas para amanhã e para dia 18.

Um abraço e até breve

Cartas a MV – 46

Francisco Martins Rodrigues

Carta a MV (51)

11/10/1994

Camarada Dinossauro Excelentíssimo:

Tenho visto pelos teus cartões que continuas a gozar férias a um ritmo apreciável e em sítios maravilhosos. E a revolução, como é? Ficas à espera que a gente faça aqui o trabalho todo? Bem podes ir esperando… Ao ritmo que isto por aqui vai, nem no ano 3000. Tirando a revolução da ponte, de que deves ter ouvido falar, todas as outras frentes de luta não dão luta. Neste momento, espera-se pela resposta das centrais sindicais a um plano de “concertação social” do governo absolutamente cínico e miserável, com aumentos de 2,5% (!!), mas pelas conversas moles que os líderes apresentam na televisão é de prever que não vão fazer nada.

Uma boa notícia, ontem, foi a ocupação das instalações da Rodoviária do Sul pelos operários, que sequestraram os administradores durante algumas horas e acabaram por ser expulsos pela polícia. Se houvesse meia dúzia de acções deste tipo, esta burguesia borrava-se toda. Eles fartam-se de dizer que a retoma dos negócios já começou mas o pagode, na parte que lhe toca, não nota retoma nenhuma.

De política, não falemos. O grande desafio, ao nível do PS é saber se vai optar por um oposicionismo sentimentaloide, como querem os soaristas, ou por uma linguagem tecnocrática, europeísta e abertamente reaccionária, como quer o Guterres, para ganhar as boas graças das grandes companhias. Há entre eles grandes divergências sobre
qual a fórmula que dará mais votos (porque é só de votos que se trata, evidentemente, o programa de governo é o mesmo, para Soares, Guterres ou Cavaco). Divergem também sobre qual a melhor maneira de engolir o PC: a chicote ou com abraços. Se continuarem a lutar nos próximos meses, quem vai ganhar as eleições por maioria absoluta é outra vez o Cavaco, a não ser que as dificuldades económicas empurrem as massas para a esquerda.

Outra grande “batalha em perspectiva é a entrada em cena dos aspirantes à corrida presidencial de 96: Jorge Sampaio, um social-democrata chato e sem imaginação, ou Eanes, o eterno general bronco, que o PSD estaria disposto a patrocinar. Estamos bem entregues.

O teu longo artigo sai nesta P.O. (para a semana) dividido em dois: Panamá e Pasqua, espero que aches bem. Agora há que começar a redigir para o próximo número, tem que cá estar até 15 de Novembro, o mais tardar, se não queres voltar a ser inscrito na lista dos redactores a abater.

Parecem-me até certo ponto justificadas as tuas objecções à associação de desertores (da qual, aliás, não voltei a ouvir falar), mas não me pareceu que a iniciativa estivesse a ser apadrinhada pelo Forum Cívico Europeu. Apenas o Zé Mário aproveitou o empurrão dado por esses tipos para pôr em movimento a ideia da associação, o que, se trouxesse a público o debate sobre a guerra colonial e os crimes, ajudaria a descomprimir a atmosfera. De qualquer modo, o medo é muito e o desinteresse maior, pelo que a ideia não conseguiu grandes ecos até à data.

Estive hoje com um nosso assinante de Paris, JR, ex-cabo da Força Aérea, ex-funcionário do PC, ex-preso político, que vive aí há já uns dez anos. É pessoa interessante; embora ainda preso à formação revisa, tem postura dissidente e simpatias anarco-trotsko-maoístas, não sei se me entendes. Se algum dia lhe quiseres falar ou mandar materiais, a morada é: (…).

Obrigado pelo Althusser, estou a penetrar nos meandros da sua história, mas devagar, para não ter algum acesso de loucura.

E que tal os pecadilhos de juventude do “mon ami Mitterrand”? O Bochechas deve estar embatucado com as proezas do seu amado líder e mentor espiritual. Não tarda, vais vê-lo a desfilar atrás do cortejo fúnebre, comovidíssimo. Aceita um grande abraço, até breve.

 

Cem vítimas do fascismo

Francisco Martins Rodrigues

Distribuído no 1º de Maio de 1994

O regime de Salazar-Caetano foi ou não fascista? A PIDE foi ou não
uma organização de assassinos? Estas parecem ser as grandes questões
em debate, neste 209 aniversário do 25 de Abril. Para avivar a memória
dos “distraídos”, recordamos os nomes de cem vítimas, extraídos de um
folheto publicado em 1974 pela Associação de Ex-Presos Anti-Fascistas.
Com uma pergunta: os que se sacrificaram pela liberdade merecem
o espectáculo vergonhoso a que se assiste de reabilitação do
fascismo?
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Cartas a MV – 30

Francisco Martins Rodrigues

Carta a MV (35)

15/6/1992

M. caríssimo:

Que há? Não respondeste à minha carta de 15 de Abril e não tenho recebido os teus cartõezinhos. A P.O. 35 saiu e já vai a caminho da tua casa, mas sem colaboração tua, o que é lamentável. Queremos à viva força diversificar as colaborações, para não cansar o leitor sempre com os mesmos conceitos e os mesmos estilos. Tens aqui um lugar de colaborador garantido, que mais queres?

E o «Albatroz», porque não pia? Está afectado pela poluição? Manda-me notícias, mesmo breves, para eu saber que está tudo bem contigo.

Vi no «Partisan» que saiu da cadeia o Joel Lamy. Também recebi do «Partisan» um projecto de plataforma que vou ler cuidadosamente para lhes enviar alguma opinião. Recebeste também?

As actividades internacionais continuam reduzidas e, o que é pior, tendem a minguar. Alguma vez chegaremos ao fim da descida, que diabo!

No 1º de Maio distribuímos ao longo da manifestação da CGTP (em que desfilámos) o manifesto que vai reproduzido na P.O e fizemos um encontro de confraternização, com umas vinte e tal pessoas por junto. Pela primeira vez, não participámos no desfile do 25 de Abril, que está a tomar um ambiente semelhante às romagens que, no tempo do Salazar, os velhos republicanos faziam ao cemitério.

Escreve depressa. Um abraço.

Cartas a MV – 29

Francisco Martins Rodrigues

Carta a MV (34)

15/4/1992

Caríssimo:

Agora que a P.O. 34 foi para o correio, já posso pôr a correspondência em dia. Estás recomposto do desastre de ter perdido a bagagem? E de saúde, tudo bem? Eu continuo na maior.

P.O. – Espero que já tenhas recebido os 2 exemplares pedidos da P.O. 33. Da P.O. 34 seguiram 5 para a tua morada, mais um para o “Albatroz”. Como deves observar, estamos com dificuldade para fazer avanços teóricos. Falta de tempo, falta de gente. Aproveitei as tuas notas sobre o Amazonas e pus o teu nome a assinar comigo um artigo sobre o assunto. Correcto? Agora fico à espera de mais produção tua para o próximo nº, até 15 de Maio. Não esqueças!

Caso Joel Lamy – Fiz um artigo na P.O. 34 e enviei-lhe um postal para a prisão.

Marrocos – Com os materiais que me enviaste, fiz cartas às “forças vivas” cá da terra, desde o presidente da República, Assembleia, Amnistia Internacional, agência Lusa, jornais, denunciando as torturas, etc. e pedindo divulgação. Silêncio sepulcral! Ninguém disse nada, deve haver recomendações para não desfeitear sua majestade o torcionário em vésperas de visita (ainda não foi marcada data). Entretanto, recebi mais correspondência de Marrocos e vou fazer mais uma circular, a ver se furo o bloqueio.

Albatroz – suponho que estejas a lutar para o pôr na rua. Não escrevi nenhuma colaboração porque também não me deste um ultimatum com uma data precisa, e a tendência é para ficar à espera do último prazo. Francamente, também não estou a ver o que interesse mais para os teus leitores. Dá-me um palpite. Diz-me o que há.

Assinatura – Talvez tenhas recebido um aviso de fim de assinatura, enviado pelos nossos zelosos serviços administrativos. Não ligues.

PC(R) – seguem junto recortes do “Expresso” e da “Sábado” com entrevistas do Eduardo Pires, sobre a dissolução do partido. Lamentável. A “Sábado” tem umas declarações minhas, muito truncadas e com a cara do Tomé!

Situação política – Da situação internacional não digo nada; tu é que tens obrigação de me informar. A situação nacional está bastante repugnante: só se fala de altos negócios, corrupções, e intriguinhas políticas reles. As velhas famílias de tubarões, Mello, Champalimaud, Espírito Santo estão a refazer os seus impérios graças às privatizações. O governo, que andou uns anos a subornar os eleitores com concessões, para garantir a vitória nas eleições, agora está a pôr as contas em dia: aumento de preços e de impostos, tecto salarial. As pessoas não protestam; queixam-se, lamentam-se, e daí não passam.

 Em 21 de Março houve uma manifestação de protesto da CGTP; não chegou a mil pessoas. Um fiasco como nunca se tinha visto. Acho que já ninguém espera nada da CGTP. Quanto à UGT, além de furar as reivindicações, anda envolvida em casos mafiosos de roubos, que comentámos na última P.O., mas as pessoas verificam que é aceite pelo poder e portanto aceitam-na! De referir apenas uma boa e longa greve do Metro, com uma unidade fora do vulgar e contrariando inclusive decisões amarelas das duas centrais. Protestos há, sim, mas de sectores da burguesia que estão a ser atropelados pela integração europeia: professores, agricultores, magistrados, pequenos industriais… Os estudantes animaram o ambiente durante umas semanas com os seus protestos contra as restrições de acesso à Universidade e o aumento das propinas, mas é sol de pouca dura. Para onde vamos? Se a recessão europeia comprometer os planos de ajuda ao capitalismo nacional, as falências das pequenas e médias empresas podem tomar um ritmo assustador, e não sei como conseguirá o poder reintegrar toda a gente que está a ser mandada para a rua: têxteis, calçado, metalurgia, etc. Por enquanto o desemprego ainda não assusta. Seja o que deus quiser.

Os dissidentes social-democratas do PCP (Judas, Barros Moura) vão constituir um grupo político. Será a semente dum PS “de esquerda”, mais vocacionado para receber a herança do PCP quando o velho arrumar as botas? Em princípio, parece ter um espaço, mas não lhes vejo genica para isso. Por nós, seria bom que se metessem todos a negociantes e não viessem criar novas expectativas em alguns trabalhadores. O terreno da esquerda está quase todo varrido. Agora só falta nós tomarmos posse dele…

Quando cá vieres temos que trocar ideias sobre a hipótese duma revista não partidária, de esquerda, para penetrar mais longe do que a P.O., que continuaria, mais vocacionada para o debate ideológico. Não sei se estás a ver a ideia. Só falta dinheiro e gente… Um abraço, até breve.  

O Futuro Era Agora

Agora em https://www.marxists.org/portugues/tematica/livros/futuro/index.htm

O Futuro Era Agora
O movimento popular do 25 de Abril

Edições Dinossauro


Primeira Edição: 1994
Coordenador: Francisco Martins Rodrigues

Colaboraram na recolha e tratamento dos textos : Ana Barradas; Angelo Novo; António Barata; António Castela; Beatriz Tavares; Filipe Gomes e Rogério Dias Sousa

Capa: António Barata

Transcrição e HTML: Fernando Araújo.

Direitos de Reprodução: © Edições Dinossauro


Índice

capa
Baixe o livro em pdf

Os 580 dias

Prefácio

Cronologia

Molotovs no Palácio de Cristal, Rogério Dias de Sousa

O mestre disse que a Pide tinha fugido, Maria Luísa Ernesto

As perdizes, Cândido Ferreira

Durante três dias mandámos no quartel, Manuel Figueira

Toda a gente empenhada em mudar a vida, Jorge Falcato Simões

Obrigámos o Jaime Neves a recuar, Manuel Monteiro

Da JUC para a fábrica, Berta Macias

O assalto à esquadra das Antas, José Carretas

Sindicalismos em conflito, Custódio Lourenço

Foi a minha universidade, Maria de Lurdes Torres

A “revolução” no Estado Maior, António S

Autogestão na Sogantal, José Maria Carvalho Ferreira

Assobiámos o Spínola no 25 de Abril, Amílcar Sequeira

Um jornal diferente, Júlio Henriques

Sem o 25 de Abril seria uma patetinha, Helena Faria

Revistar os carros da polícia, Luís Chambel

Meu saudoso PREC, João Azevedo

Despertar dum sindicato, Vítor Hugo Marcela

Ambição era tomar o poder, Joaquim Martins

Alegria e candura, José Manuel Rodrigues da Silva

Tudo era tratado na comissão, Maria da Graça Duarte Silva

O “Che” a falar na praça, pendurado num eléctrico, Paulo Esperança

Alegria nos arrabaldes, Fernando Dias Martins

Confrontos nas ruas do Porto, Alberto Gonçalves

Os partidos não me diziam grande coisa, Maria Amélia da Silva

Passámos de caçados a caçadores, António José Vinhas

Não soubemos explorar a crise de poder, Mariano Castro

O único perigo era para a direita, Vitorino Santos

Primeiros passos da Reforma Agrária

Fazer frente aos pcs não era pêra doce, José Paiva

Lisboa – Luanda, Orlando Sérgio

Foi uma descoberta, Bárbara Guerra

Reunião de prédio, Pedro Alves

O Pires Veloso dormia na cave, José Guedes Mendes

A militância era uma festa, Nela

Os soldados não ligavam aos oficiais, Manuel Borges

Vivi por antecipação a derrocada, Helena Carmo

Sempre atrasados, José Manuel Vasconcelos Rodrigues

Uma estranha liberdade, Rita Gonçalves

Falharam os três D, Mário Viegas

O povo à porta do quartel a pedir armas, José Manuel Ferreira

Despertei no 25 de Novembro, Altamiro Dias

O povo em armas? Uma fraude, Tino Flores

Como entrei nas “catacumbas”, “Brezelius”

Andei a vasculhar a sede da PIDE, Avelino Freitas

Comecei a pensar no que poderia vir, Maria da Glória R. Borges

Dormir ao relento à porta da fábrica, Maria Luísa Campina Segundo

O poder parecia tão próximo…, Fernando Reis Júnior

Um cabo-verdiano em Lisboa, Álvaro Apoio Pereira

Os polícias de braços no ar, António Castela

Uma burguesa entre operários, Marta Matos

Recordando o soldado Luís, Valdemar Abreu

Greve aos bilhetes, João Marques

Falar de Abril

25 de Abril: transformações nas escolas e nos professores, Eduarda Dionísio….

25 de Novembro: como a esquerda foi encurralada, Francisco Rodrigues

Autonomia dos trabalhadores, Estado e mercado mundial, João Bernardo

Brandos costumes & maus hábitos antigos, Manuel Vaz

Siglas

Bibliografia


Cartas a MV – 11

Francisco Martins Rodrigues

Carta a MV (15)

22/3/1988

Caro M:

Tenho recebido os teus bilhetes. Quanto à publicação da carta aberta aos ex-presos políticos, tudo bem. Por mim, alivia-me muito essa solução, pois estou tão sobrecarregado de tarefas que não pode­ria cumprir a promessa do artigo sobre salários em atraso. Estamos a preparar o nº 14 da P.O., para sair em meados de Abril e desta vez queremos dar maior cobertura às questões do trabalho, o que exige me­xermo-nos mais. Deves ter lido na imprensa que por aqui há uma certa agitação contra o pacote laboral do governo e está tudo em marcha pa­ra uma greve geral no dia 28, convocada pelas duas centrais, pela pri­meira vez unidas. Vai ser provavelmente bastante seguida mas sem com­batividade, uma espécie de protesto simbólico para pressionar o Mário Soares a não assinar a lei. a situação do movimento operário continua difícil, muita desmoralização e falta de confiança nas próprias forças. O PCP parece ainda mais paralisado devido às divergências internas, e assim deve continuar até ao congresso, em Dezembro. O Cunhal mais uma vez faz papel de “esquerdista contra os renovadores e o sentimento da base operária é de acreditar nele. Uma miséria portuguesa.

O nosso trabalho continua a romper contra ventos e marés, mas sempre os mesmos. Equilibrámos a situação financeira, que se estava a tornar uma preocupação absorvente, e estamos a tentar abrir-nos um pouco mais. Apesar do ambiente de derrotismo, há algumas pontas a ex­plorar. É preciso porque a expansão da revista continua bloqueada e a nossa influência não sai dum círculo muito restrito de amigos.

Recebeste a P.O. 10 que te faltava? Quanto às contas que pedis­te, a situação é a seguinte: (…). Agora, desta importân­cia deverias deduzir as revistas não vendidas, assim como despesas que tens feito com o envio do “Monde”, etc. Conclusão: tu verás se podes mandar mais alguma massa. (…).

Quanto a encomendas: poderias obter-nos “L’état du Monde” 1987? Envia sempre o “Monde”, tem interesse. O ZM telefonou-me a di­zer que vai aí no fim deste mês, será uma oportunidade de fazerem o ponto da situação na emigração. Um abraço