A privação do sono

Francisco Martins Rodrigues

A privação do sono

(s. d.) [1966]

Entrei na sede da PIDE pelas 21:30 horas do dia 30 de Janeiro. Mandaram-me despir. Obedeci. Depois de me revistarem, devolveram-me as roupas. Entrou então o chefe de brigada José Gonçalves e vários agentes. Perguntou-me o nome. Disse que nada tinha a responder. Imediatamente, começaram a dar-me socos e pontapés, insultando-me e ameaçando-me de morte. Eu nada disse. Retiraram-se e veio um outro inspector, com modos correctos, que, sem nada me perguntar, mandou fazer um curativo, pois sangrava do nariz e dum lábio e tinha um sobrolho deitado a baixo. Fizeram-me o curativo e levaram-me para um gabinete no último andar, na secção reservada para os interrogatórios e espancamentos. Comecei pois imediatamente uma sessão de privação de sono.

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Carta a C.

Francisco Martins Rodrigues

Carta a C.

Março [de 1965]

Querida C.:[i]

Com a costumada irregularidade e atraso, venho escrever-te um pouco, porque os meses passam sem eu dar por isso e se não fosse a N.[ii] chamar-me a atenção e repreender-me constantemente, desconfio que o desleixo era ainda mais escandaloso. Eu sei que não é justo mas custa-me escrever e sobretudo estas cartas nossas em que temos de passar por cima de tudo o que é a nossa vida e os nossos problemas diários. Continuar a ler

Cartas a JV – 2

Francisco Martins Rodrigues

Carta a JV – 2

22/10/1989

Caro Amigo:

Já lá vai mais de um ano que não temos contacto. Isso foi devido em parte à perspectiva que chegou a haver de que um amigo nosso (…) pudesse passar por Paris (…) levar-lhe uma carta minha, perspectiva que infelizmente não chegou a concretizar-se. Eu, pela minha parte, também planeio periodicamente ir aí, mas acabo sempre por ter que adiar.

Espero que esteja a receber regularmente a nossa revista e que ela não tenha desapontado as suas expectativas quanto à discussão dos problemas postos ao marxismo pela falência das sociedades de Leste. Sem dúvida temos um desacordo fundamental quanto ao leninismo, o papel do partido político da classe operária, etc. Estou convencido de que a liquidação final do tipo de regime a que nos habituámos a chamar comunista e o que virá a seguir contribuirão para fazer avançar as polémicas em torno desta questão. Uma coisa me parece indiscutível: é que foi Lenine que chefiou a revolução real que até hoje levou mais longe a expropriação da burguesia e isso parece-me um bom critério para me considerar leninista.

Mesmo com atraso, tenciono fazer uma referência crítica aos seus livros que teve a gentileza de me oferecer e que levantam muitos problemas interessantes. Por correio separado mando três suplementos da PO com traduções em francês de alguns artigos nossos, o que talvez lhe permita levá-los ao conhecimento de camaradas franceses.

Sem mais por agora, envio as minhas saudações cordiais

Cartas a HN – 1

Francisco Martins Rodrigues

Carta a HN – 1

19/3/1995

Caro Amigo:

A sua carta foi uma agradável surpresa. Não é todos os dias que nos chegam saudações tão amigas e calorosas como a sua. O nosso pequeno núcleo editor da P.O. conta com apoios e colaborações preciosas mas infelizmente escassas e, ao longo destes dez anos que já levamos de caminho, cada vez mais escassas. Vivem-se tempos em que o comunismo não está na moda e as pessoas arredam-se de nós, umas por preconceito, outras intimidadas com a campanha da comunicação social, todas achando-nos mais ou menos excêntricos ou antiquados, por teimarmos em dizer coisas óbvias. Mais saborosa por isso a sua carta, que espero não seja a última.

Pelo que me relata fico com uma ideia dos baldões que deve ter sofrido, aliás como quase todos os aderentes dos grupos ML. Foi uma corrente de ideias que não vingou, embora tenha dito muita coisa acertada e desempenhado um certo papel durante a agitação de 74/75; tendo sido um dos seus iniciadores no nosso país, custa- me reconhecê-lo mas não posso deixar de o fazer.

O mal de partida (em que tenho a minha pesada parte de responsabilidade) foi pensar-se que a crítica à degeneração evidente da URSS devia traduzir-se pelo apoio incondicional ao período anterior (Staline) e aos que mantinham essa bandeira: a China, primeiro, a Albânia, depois. Ora, isso continha um compromisso no qual se deixou ir por água abaixo a capacidade de crítica marxista radical com que tínhamos partido e nos fomos cegando aos poucos, até que a corrente ML se desagregou no meio duma confusão tremenda, que não teria sido inevitável, mesmo que houvesse um recuo temporário.

Houve, é claro, os estragos causados pelos oportunistas. Houve quem fizesse muita trampolinice com o marxismo-leninismo enquanto se julgou que era produto com saída assegurada no mercado, que permitia agrupar umas tantas pessoas, fazer uns comícios e ganhar o apoio de algum país “socialista”. Isto aplica-se a quase todos os grupos, uns em maior, outros em menor grau. Quando veio a derrota do movimento e a desilusão, os que mais se tinham destacado em declarações inflamadas contra a burguesia e o imperialismo sentiram-se obrigados a renegar bem alto, para terem direito a sentar-se à mesa…

Mas misérias destas são inevitáveis em período de agitação, todo o processo revolucionário tem os seus parasitas. Pior foi a falta de lucidez marxista dos sinceros marxistas (e aqui contra mim falo). Tardámos muitíssimo em compreender as chamadas sociedades socialistas, em saber combinar a defesa intransigente das revoluções que lhes deram origem (russa, mas também chinesa, cubana, etc.) com uma crítica igualmente intransigente aos regimes que delas resultaram. Não percebemos que esses regimes eram transitórios, híbridos, e, como tal, iriam desaguar no grande rio do capitalismo. Tardámos em compreender que o fracasso dessas revoluções não foi culpa dos comunistas ou devido a traição deste ou daquele dirigente, mas porque as condições de atraso desses países não lhes permitiam dar o salto que os explorados e os comunistas desejavam. Marx já tinha dito que não se podia esperar a transformação comunista antes de se passar pela explosão produtiva que o capitalismo traz e o próprio Lenine fartou-se de fazer avisos sobre as limitações da revolução bolchevique, que foram depois considerados pessimistas.

Como não chegámos a uma visão de conjunto, coerente, do que eram essas sociedades, oscilámos entre posições igualmente erradas – uns desculpando tudo o que vinha da “pátria do socialismo”, outros considerando-a como “o inimigo principal dos povos”, outros ainda convencendo-se de que a China “boa” jamais seguiria as pisadas da URSS, etc. Foi preciso a derrocada do “campo socialista” para olharmos todo o processo com maior distanciamento e frieza. Agora que se fechou o parêntese, verifica-se que era Marx que tinha razão e que os marxistas não lhe deram ouvidos. Escrevo um pouco sobre tudo isto num artigo que Fiz para a próxima P.O. e que espero que leia. Temos muito orgulho na nossa P.O., em que andamos a batalhar desde 1984, mas não temos ilusões de que o nosso trabalho nestes dez anos no campo do marxismo-leninismo tenha sido alguma coisa do outro mundo. Temos progredido muito mais devagar do que seria necessário. E nestes períodos de refluxo da revolução que se pode aproveitar melhor o tempo para fazer balanços e traçar ideias gerais úteis num próximo ascenso, mas os nossos balanços e programas estão muito inacabados. Se daqui amanhã rebentasse uma nova grande comoção proletária e popular neste país (do que estamos bem livres pelos anos mais chegados…), os comunistas iam ver-se outra vez em palpos de aranha: como assegurar no partido comunista uma boa combinação de centralismo com democracia? como fugir à inevitável tendência de apodrecimento do movimento sindical? como explorar em nosso proveito a farsa das eleições burguesas? como evitar a hegemonia pequeno- burguesa sobre as massas proletárias? como conduzir o movimento revolucionário a fazer frente à repressão burguesa e a encaminhar-se para a conquista revolucionária do poder? como fazer vingar uma autêntica democracia proletária que não se deixe cair sob a pata da burocracia?

Já se sabe que estes problemas são para resolver na luta, não em gabinete, mas é preciso que os erros do passado estejam devidamente apontados e “catalogados”, para evitar que o movimento os repita por falta de conhecimentos. Uma das manifestações mais duras que encontrei do atraso do marxismo no nosso país e na nossa extrema-esquerda foi ver a ingenuidade arrogante com que militantes nascidos no calor da luta achavam que o caminho se descobre espontaneamente e olhavam desconfiados para as minhas preocupações “teoricistas” e “livrescas”. Enquanto o nosso movimento operário for dominado por esse culto da ignorância não poderá ir muito longe. Falta-nos ainda muito para chegar a algo que se possa chamar a “fusão do marxismo com o movimento operário”.

É claro que é preciso acompanhar o sentir do movimento, manter laços com ele, aprender com as suas lutas e nesse aspecto o balanço do nosso grupo também é modesto. Como somos um grupo reduzido (mais reduzido agora do que quando começámos), temos dificuldade em estar presentes nas lutas que se travam e em fazer agitação nos meios operários. A esse propósito, não sei se tem alguma disponibilidade para recolher alguma entrevista ou depoimento de trabalhadores emigrados aí na Suíça, seria uma boa ajuda para nós. Temos aí em Genève um camarada que já nos tem obtido algumas colaborações interessantes mas há muito tempo que não dá sinal de vida.

Para além da revista, cuja distribuição é outra luta que enfrentamos a cada número, lançámo-nos no ano passado no campo da edição de livros. Junto um catálogo para lhe dar a conhecer o que já fizemos e o que temos em preparação. Fora disso, há intervenções no plano sindical, na luta contra o racismo (que vai crescendo a olhos vistos), mas tudo em escala muito incipiente.

Agradeço muito a oferta do livro “Fin del capitalismo”, de que nunca tinha ouvido falar; vou lê-lo atentamente e passá-lo aos outros camaradas do comité de redacção para se analisar da vantagem e possibilidade duma edição portuguesa.

Não sei se esta carta, escrita a correr, lhe deixa alguma impressão de pessimismo, mas se for esse o caso, não se preocupe; é jeito meu ver mais os erros do que os acertos. No balanço final, sou firmemente optimista quanto à inevitabilidade de deitarmos para o lixo o capitalismo e passarmos a viver como seres humanos, em comunismo. E esse de facto o único assunto que me interessa, de há uns 50 anos para cá.

Aceite as minhas saudações calorosas.

Cartas a EL – 3

Francisco Martins Rodrigues

Carta a EL – 3

9/12/1992

Caro Amigo:

Deve estar a receber por estes dias a P.O. nº 37, onde publicámos a carta que nos enviou. Como bem calcula, não concordo com os seus argumentos, que me parece estarem a ser respondidos nos artigos que venho publicando sobre a revolução russa. A série vai continuar e talvez o conjunto dos artigos lhe permita entender melhor a nossa posição.

Resumidamente: concordo consigo em que o capitalismo de Estado se instalou na Rússia ainda em vida de Lenine e que Lenine estava enganado quando defendia que era uma solução segura para lançar as bases do socialismo. Mas não concordo consigo quando me diz que a revolução russa poderia ter tido êxito sem a acção do Partido Bolchevique; nem acredito que alguma revolução anticapitalista no futuro possa ter êxito sem uma acção centralizadora promovida por um partido revolucionário, o que não significa que se tenha que repetir a experiência negativa da URSS. A revolução russa estava condenada porque o desenvolvimento económico do país era escasso e a maioria camponesa não queria socialismo nenhum, queria era capitalismo. Parece-me grande ingenuidade acreditar-se que num mundo onde o poder burguês é detido por partidos políticos, os trabalhadores possam impor a sua lei sem se apoiarem num partido revolucionário. Mas, enfim, o debate sobre estes temas não tem fim. Só quando novas revoluções vitoriosas mostrarem o caminho para a liquidação da burguesia se resolverão as actuais divergências entre comunistas e libertários.

Esperamos que, apesar de tudo, a nossa revista continue a despertar-lhe interesse e estamos abertos a registar as suas críticas e sugestões. Aceite as nossas saudações.

 

 

Cartas a JC – 4

Francisco Martins Rodrigues

Carta a JC – 4

7/6/1993

Caríssimo J:

Foi uma boa surpresa a tua carta, já que me habituaste a nunca escreveres. Espero que não te importes, mas meti-a no correio dos leitores. É muito estimulante o que dizes sobre a importância de uma reapreciação marxista da revolução russa. No ambiente que se vive, noto da parte de muitas pessoas ou um encolher de ombros, considerando que é “bater em mortos”, ou um certo receio por se pôr em causa conceitos que sempre nos serviram de âncora. Por mim, penso que não podemos preparar-nos para o novo ciclo da revolução que se vai iniciar depois desta pausa negra, se não fizermos uma avaliação correcta das revoluções deste século, numa perspectiva histórica, crítica, sem quaisquer concessões às críticas social-democratas mas também sem alimentarmos mitos defensivos. Tinha pensado acabar na próxima P.O. a série de artigos sobre a revolução russa mas devido a um ataque de reumático que me imobilizou por uma semana atrasei-me e já não tenho o artigo pronto a tempo, ficará para depois das férias, em Outubro. Se for capaz, gostaria de aproveitar o Verão para coligir e melhorar os artigos que tenho feito sobre o assunto e editar num livrinho, vamos a ver se consigo.

É pena não teres condições para continuares uma actividade de reflexão, debate e intervenção em colectivo, mesmo num pequeno núcleo. Por muitos vícios que tenham os colectivos (e nesta época de contra-revolução os colectivos revolucionários tendem a fechar-se em seitas, perder-se em questiúnculas internas, etc.) dá sempre mais possibilidades do que se ficarmos isolados. Pode ser que dentro de algum tempo encontres outra solução.

Quanto à tua assinatura, termina justamente no n° 40, que vais receber dentro de uma semana. A renovação custa, como lá vem indicado: 2.500$ por um ano, ou 5.000$ (assinatura de apoio).

E por agora é tudo. Espero que a tua vida esteja a correr bem. Um dia destes vou visitar os teus pais. Um abraço.

 

Carta a MB – 5

Francisco Martins Rodrigues

Cartas a MB (5)

6/12/1993

 Caro M:

Registámos a renovação da tua assinatura e esperamos que estejas de saúde. Desde a última vez que nos vimos, tens vindo a Portugal, com certeza, mas como não nos procuras já julgava que ias desistir de assinante.

Nós cá vamos, não na mesma, mas pior, porque os tempos vão péssimos para a esquerda (alguma vez a esquerda teve tempos bons?). Toda a gente verifica que o capitalismo é uma selvajaria que não serve, todos estão a ver que as promessas de prosperidade geral foram uma burla, mas ninguém tem ânimo para meter mãos à obra e pôr isto abaixo. Vai ser preciso que a situação se tome tão insuportável que a revolução rebente em algum país, provavelmente não na Europa mas na Ásia ou no Médio Oriente ou em África, sabe-se lá.

Não sei se tens acompanhado a revista mas temos tido a preocupação de manter posições revolucionárias sem compromisso, combatendo ao mesmo tempo o isolamento. E assim nos vamos aguentando, embora conscientes de que muitas questões continuam por responder. Continuamos a tentar acertar no alvo.

Um abraço. Obrigado pelo teu apoio.

Carta a MB (1)

Francisco Martins Rodrigues

Carta a MB – 1

16/11/1988

Caro Camarada:

Espero que estejas bem de saúde. Mando-te em carta separada alguns suplementos da PO em inglês. Brevemente enviaremos outros, entre os quais o artigo sobre Staline que te tínhamos pedido que traduzisses, portanto, se já começaste, não vale a pena continuar.

Mas não quer dizer que fiques isento da tarefa. Neste próximo número vai sair um artigo sobre o Trotsky, que espero que traduzas, sem falta,  para inglês. Estamos a fazer um sério esforço para tornar mais conhecidas as nossas posições junto de outros partidos e grupos. Indico também alguns livros que muito te agradecia obtivesses aí. Evidentemente, pagaremos a despesa que for necessária. Temos sobretudo urgência no livro do Tony Cliff. Quando é que cá voltas? Um abraço amigo

——-

  • Cliff, Tony – State Capitalism in .Russia. London, Pluto, 1974
  • Dobb , Maurice – Soviet Economic Development after 1917. London, 1951
  • Love, Alexander – An Economic History of the USSR. London, Allen & Unwin, 1969
  • Pethybridge, Roger – The Social Prelude to Stalinism. New York, St. Martin’s, 1974
  • Piltzer, Donald – Soviet workers and Stalinist Industrialisation. New York 1966
  • Schwarz, Solomon L. ~ Labour in the Soviet Union.
  • London, Creasefc, 1953
  • Fainsod, Merle and Hough – Smolensk under Soviet rule. Macmillan, 1956

 

 

O Futuro Era Agora

Agora em https://www.marxists.org/portugues/tematica/livros/futuro/index.htm

O Futuro Era Agora
O movimento popular do 25 de Abril

Edições Dinossauro


Primeira Edição: 1994
Coordenador: Francisco Martins Rodrigues

Colaboraram na recolha e tratamento dos textos : Ana Barradas; Angelo Novo; António Barata; António Castela; Beatriz Tavares; Filipe Gomes e Rogério Dias Sousa

Capa: António Barata

Transcrição e HTML: Fernando Araújo.

Direitos de Reprodução: © Edições Dinossauro


Índice

capa
Baixe o livro em pdf

Os 580 dias

Prefácio

Cronologia

Molotovs no Palácio de Cristal, Rogério Dias de Sousa

O mestre disse que a Pide tinha fugido, Maria Luísa Ernesto

As perdizes, Cândido Ferreira

Durante três dias mandámos no quartel, Manuel Figueira

Toda a gente empenhada em mudar a vida, Jorge Falcato Simões

Obrigámos o Jaime Neves a recuar, Manuel Monteiro

Da JUC para a fábrica, Berta Macias

O assalto à esquadra das Antas, José Carretas

Sindicalismos em conflito, Custódio Lourenço

Foi a minha universidade, Maria de Lurdes Torres

A “revolução” no Estado Maior, António S

Autogestão na Sogantal, José Maria Carvalho Ferreira

Assobiámos o Spínola no 25 de Abril, Amílcar Sequeira

Um jornal diferente, Júlio Henriques

Sem o 25 de Abril seria uma patetinha, Helena Faria

Revistar os carros da polícia, Luís Chambel

Meu saudoso PREC, João Azevedo

Despertar dum sindicato, Vítor Hugo Marcela

Ambição era tomar o poder, Joaquim Martins

Alegria e candura, José Manuel Rodrigues da Silva

Tudo era tratado na comissão, Maria da Graça Duarte Silva

O “Che” a falar na praça, pendurado num eléctrico, Paulo Esperança

Alegria nos arrabaldes, Fernando Dias Martins

Confrontos nas ruas do Porto, Alberto Gonçalves

Os partidos não me diziam grande coisa, Maria Amélia da Silva

Passámos de caçados a caçadores, António José Vinhas

Não soubemos explorar a crise de poder, Mariano Castro

O único perigo era para a direita, Vitorino Santos

Primeiros passos da Reforma Agrária

Fazer frente aos pcs não era pêra doce, José Paiva

Lisboa – Luanda, Orlando Sérgio

Foi uma descoberta, Bárbara Guerra

Reunião de prédio, Pedro Alves

O Pires Veloso dormia na cave, José Guedes Mendes

A militância era uma festa, Nela

Os soldados não ligavam aos oficiais, Manuel Borges

Vivi por antecipação a derrocada, Helena Carmo

Sempre atrasados, José Manuel Vasconcelos Rodrigues

Uma estranha liberdade, Rita Gonçalves

Falharam os três D, Mário Viegas

O povo à porta do quartel a pedir armas, José Manuel Ferreira

Despertei no 25 de Novembro, Altamiro Dias

O povo em armas? Uma fraude, Tino Flores

Como entrei nas “catacumbas”, “Brezelius”

Andei a vasculhar a sede da PIDE, Avelino Freitas

Comecei a pensar no que poderia vir, Maria da Glória R. Borges

Dormir ao relento à porta da fábrica, Maria Luísa Campina Segundo

O poder parecia tão próximo…, Fernando Reis Júnior

Um cabo-verdiano em Lisboa, Álvaro Apoio Pereira

Os polícias de braços no ar, António Castela

Uma burguesa entre operários, Marta Matos

Recordando o soldado Luís, Valdemar Abreu

Greve aos bilhetes, João Marques

Falar de Abril

25 de Abril: transformações nas escolas e nos professores, Eduarda Dionísio….

25 de Novembro: como a esquerda foi encurralada, Francisco Rodrigues

Autonomia dos trabalhadores, Estado e mercado mundial, João Bernardo

Brandos costumes & maus hábitos antigos, Manuel Vaz

Siglas

Bibliografia


Cartas a MV – 19

Francisco Martins Rodrigues

Carta a MV (26)

7/10/1990

Caro M:

Tens razão, não é normal eu estar tanto tempo sem te escrever. Como desculpa só posso invocar a minha velhice… Espero que com um argumento destes me desculpes tudo. 0 que acontece nestas situações em que não temos mãos a medir é que periodicamente escolhemos uma frente principal de combate e tudo o resto vai por água abai­xo. É o que tem acontecido. Deixei praticamente de tratar da corres­pondência, não porque isso fosse de todo impossível mas porque me pus a tentar fazer um documento sobre a revolução russa (ainda outro !) e fiquei bloqueado no meio de livros a reler, dúvidas, sentimento de ignorância, escrever e deitar fora… A ideia era de publicar na PO 26 (acaba de sair) uma longa “Resposta aos comunistas americanos” fazendo polémica com a posição do Marxist-Leninist Party com quem es­tamos em contacto e aproveitando para uma perspectiva global sobre o ciclo das revoluções do século XX. Tarefa atrevida e que ameaça dar cabo de mim. Tínhamos previsto uma reunião de debate geral sobre o tema durante as férias de Verão, mas só se discutiu o esboço inicial a que eu consegui chegar e já não pôde ser acabado para este nº da PO. Está agora previsto para o próximo, havendo uma discussão geral prévia em fins de Outubro ou começo de Novembro. Assim que tiver o projecto pronto envio-to. Se tu pudesses cá estar para participar no debate era óptimo. Se não, pelo menos manda críticas por escrito. De maneira geral posso-te dizer que à medida que vou deitando fora as roupagens stalinistas tradicionais vou descobrindo que havia muitos argumentos justos no que diziam os “anarco-comunistas”, embora a sua posição final fosse sempre de cair para o lado da social-democracia. Refiro-me ao poder dos sovietes, relação entre partido e classe, etc. Enfim, tu verás! Se entretanto não te chegar o texto é porque eu fui internado no manicómio…

A PO 26 saiu, não tem nada de muito especial, mas iniciámos uma polémica com uns camaradas brasileiros, que são o resto da extrema esquerda do PRC, mas, para o nosso gosto, pendem muito para o reformismo.

Na crise do Golfo, é claro, estamos isolados e em luta contra todos. A onda de chauvinismo imperialista é espectacular, não me lembro de ver neste desgraçado país do Terceiro Mundo uma unanimidade tão geral quanto àvantagem de “dar uma lição ao Saddam Hussein”. É verdade que nas fábricas encontras operários a simpatizar com o Iraque e até a exaltar o bandido do Saddam como um herói, nas o que sai a público, para a rua, é só prõ-americanismo. A imprensa então ê re­pugnante. 0 PS atacou severamente o governo… acusando-o de falta de clareza no apoio aos EUA! O PC critica suavemente os americanos mas sem fazer ondas. Estamos a servir de porta-aviões aos americanos numa agressão anti-árabe mas toda a gente acha natural. Depois de uma discussão com jornalistas de esquerda que apoiavam o Bush fiquei tão irritado que mandei um artigo para o Diário de Lisboa. Segue fotocópia. Seguem também dois outros artigos que publiquei recentemente. Nós gostaríamos de convocar uma acção qualquer de rua contra o envolvimento de Portugal como criado dos EUA mas fal­tam-nos pernas para isso. Aí em França deve ser pior ainda, calculo. Li um recorte de imprensa daí com uma declaração do Garaudy e Ben Bella que me pareceu correcta. Até o Garaudy já é esquerdista?!

Por que é que tu não nos mandas um comentário para a pró­xima PO sobre a crise do Golfo vista de Paris pelo nosso correspon­dente? Gosto muito de receber os teus jornais e bilhetes mas gosta­va muito mais de receber artigos.

Estive recentemente com o CF e o V que por aqui passaram e se encostam um pouco a nós, já que nas áreas anarquistas está tudo de rastos. O V é um tipo esperto, publi­camos uma carta dele acerca da revolução russa, prometeu emprestar-me alguns livros sobre o assunto.

Como vai o Albatroz? Confirma-se a crise ou conseguem dar a volta? Agora que já tens carta minha, é a tua vez de escreveres a contar coisas daí. Está atento porque brevemente seguirá o meu projecto de artigo para discussão. As opiniões que tiveres tens que transmitir rapidamente visto que a ideia é publicar já na próxima PO.

De contactos internacionais, continuamos na mesma, só com uma baixa dum grupo sueco que começou a estudar e aderiu ao trotskismo e agora resolveu integrar-se num grupo social-democrata. É fatal!         

M, um grande abraço.

Se vieres a Portugal não te esqueças de te encontrar connosco ! Abraços para a R e miúdos