Cartas a JV – 7

Francisco Martins Rodrigues

Carta a JV – 7

9/12/1992

Caro Amigo:

Registámos a renovação da assinatura e agradecemos também os textos que mandaste junto. Calculo que as minhas reflexões sobre a revolução russa não te convençam nada mas as leituras que vou fazendo mais me confirmam na ideia de que as críticas anarquistas e «comunistas de esquerda» falham ao atribuir ao leninismo os males que resultavam da agonia da própria revolução, agonia inevitável devido aos seus limites económico-sociais. Lenine, sem dúvida, enganava-se quando defendia que aquele regime de capitalismo de Estado sob controlo burocrático ainda era ditadura do proletariado e ainda tinha virtualidades para se reabilitar. Mas não vejo como o reconhecimento desse erro, que aliás retrata o bloqueamento irremediável a que chegara a revolução, nos tenha que levar a pôr em causa as aquisições históricas do leninismo. Quando leio os seus críticos «de esquerda», como Korsch ou Luxemburgo, Ciliga, etc., não posso deixar de sentir um tremendo recuo em relação à clareza de classe atingida pelo leninismo.

Enfim, se tiveres paciência, lerás nas próximas revistas a continuação do meu folhetim. Compreendo que não te sintas motivado para continuar nas colunas da P.O. uma polémica que tende a tomar-se «conversa de surdos». Quando achares que é altura de expores as tuas críticas, estamos abertos a publicá-las. O que não impediria, em minha opinião, uma colaboração tua desde já, em questões de política actual em que estamos largamente de acordo, parece-me. Umas «Cartas da CEE», em que nos desses conta das tuas reflexões sobre o clima político francês, seriam do maior interesse para nós. Se achares que sim e tiveres disponibilidade de tempo para isso, teremos muita satisfação em publicar o que envies. Como verás pelo nº 37, que receberás dentro de dias, temos alguns novos colaboradores e esperamos passar a ter mais alguns. Tentamos manter-nos nas 32 páginas e diversificar a informação e os comentários.

Espero que a vossa vida por aí esteja bem. Abraços para ti e para a S. de todos nós, em especial da Ana e da Beatriz. Meus também, claro.

 

Cartas a JV – 4

Francisco Martins Rodrigues

Carta a JV – 4

7/10/1990

Caro V:

Não se terá esquecido do livro do [Oskar] Anweiler que me tinha prometido? Eu não desisto e estou bastante interessado em ler mais sobre o assunto. Estou a preparar um artigo paro a próxima PO. No nº 26 que acaba de sair publicámos e sua curta sobre a revolução russa.

Mando-lhe junto alguns artigos que publiquei recentemente na imprensa. A crise do Golfo está a pôr-me em brasa, você não faz ideia do alinhamento dócil de toda a gente com os americanos. Ainda se isto fosse um país imperialista, percebia-se, mas nesta piolheira cheia de fome, aprovar a “defesa da ordem internacional” é sintoma de degenerescência mental. Os socialistas querem um envolvimento maior! Só visto!

Fico a aguardar as suas notícias. E o livro!

Um abraço

Cartas a JV – 2

Francisco Martins Rodrigues

Carta a JV – 2

22/10/1989

Caro Amigo:

Já lá vai mais de um ano que não temos contacto. Isso foi devido em parte à perspectiva que chegou a haver de que um amigo nosso (…) pudesse passar por Paris (…) levar-lhe uma carta minha, perspectiva que infelizmente não chegou a concretizar-se. Eu, pela minha parte, também planeio periodicamente ir aí, mas acabo sempre por ter que adiar.

Espero que esteja a receber regularmente a nossa revista e que ela não tenha desapontado as suas expectativas quanto à discussão dos problemas postos ao marxismo pela falência das sociedades de Leste. Sem dúvida temos um desacordo fundamental quanto ao leninismo, o papel do partido político da classe operária, etc. Estou convencido de que a liquidação final do tipo de regime a que nos habituámos a chamar comunista e o que virá a seguir contribuirão para fazer avançar as polémicas em torno desta questão. Uma coisa me parece indiscutível: é que foi Lenine que chefiou a revolução real que até hoje levou mais longe a expropriação da burguesia e isso parece-me um bom critério para me considerar leninista.

Mesmo com atraso, tenciono fazer uma referência crítica aos seus livros que teve a gentileza de me oferecer e que levantam muitos problemas interessantes. Por correio separado mando três suplementos da PO com traduções em francês de alguns artigos nossos, o que talvez lhe permita levá-los ao conhecimento de camaradas franceses.

Sem mais por agora, envio as minhas saudações cordiais

Cartas a HN – 11

Francisco Martins Rodrigues

Carta a HN – 11

29/12/1997

Caro Camarada:

A resma das tuas cartas por responder já começa a ser assustadora, pelo que não sei como justificar a falta de resposta atempada. Mas no fundo considero-me ilibado, porque os últimos dois meses tiveram, além dos trabalhos habituais, a sobrecarga da mudança, com transporte de montanhas de papelada, classificação, arquivo, destruição Tudo isto a descer dum quarto andar e a subir para um quinto. De tal maneira que apanhei uma das minhas crises reumáticas, mas felizmente já passou. Quem tem feito força, é claro, tem sido o Bntónio Barata, que é rapaz novo e possante. Agora, com a mudança a chegar ao fim, a PO 62 expedida (recebeste?) e dois livros novos na tipografia, posso preparar-me para entrar no novo ano com espírito tranquilo.

Teus materiais – Aproveitei passagens duma carta tua sobre as actividades dos portugueses em Genève, mas, na dúvida sobre se te causaria problemas ter o teu nome por baixo, visto que agora és vice-presidente federativo (parabéns!), resolvi assinar com um pseudónimo. Fiz mal? Do artigo teu e do Z “Os caminhos difíceis do marxismo-leninismo” que já cá está desde Setembro, por não ter cabido no nº anterior, preparei agora uma condensação que sairá no próximo número. Creio que respeita a ideia central da vossa crítica. Esse problema da distância entre o que a OCPO se propôs fazer no início e o que é actualmente a PO preocupa-nos a todos, evidentemente, mas ainda não vejo meios de sair do impasse. Procurei tocar o assunto nesta última PO (“Acção comunista em tempo de maré baixa”) e penso continuar na próxima, para tentar clarificar um problema que muito tem contribuído para a paralisia dos antigos militantes saídos do PC(R): o que estava certo e o que estava errado na nossa prática anterior, nomeadamente na intervenção sindical, alianças, combate ao PC, táctica eleitoral, e sobretudo métodos de edificação do partido? Há quem pense, e ou sou um deles, que as ideias antigas sobre táctica comunista têm que ser passadas a pente fino, porque se infiltrou muito contrabando oportunista nos partidos comunistas, desde os anos 30, a coberto da Internacional Comunista. Por onde passa o esquerdismo e onde começa o oportunismo? Esta questão esteve sempre em aberto no PC(R) e aeho que nunca ficou esclarecida. Continuem a mandar as vossas colaborações, com muitas críticas, que isso faz faliu à evolução colectiva.

Anti-Dimitrov — A ideia de o traduzir foi posta de parte há muito, embora já houvesse uma tradução francesa bastante avançada[i]. A causa fundamental é as limitações que eu e todos nós aqui reconhecemos hoje ao trabalho. Foi importante sobretudo para o colectivo que rompeu com o PC(R) mas a visão que eu tinha na altura sobre as lutas internas na URSS e na Internacional Comunista era ainda muito superficial, não tínhamos compreendido a impossibilidade do socialismo na URSS e o carácter de capitalismo de Estado do regime, toda a nossa crítica girava à volta de “erros” dos dirigentes, “burocratizaçâo do partido”, quando isso eram apenas manifestações de uma estrutura burguesa. Por isso, hoje, o Anti-Dimitrov, embora não me envergonhe, porque tem muitas críticas justas, já não satisfaz. Tenho estado sempre à espera de poder redigir uma nova síntese mais avançada, mas não tem sido possível. Ainda agora pensámos editar em livro o conjunto dos artigos que publiquei na PO sobre a revolução russa mas acabei por desistir porque teriam que ser trabalhados, melhorados e o tempo não dá. No fim de contas, a minha produção tem que ser de artigos e não de livros, mas se os artigos forem fazendo alguns avanços úteis para a reconstrução de um partido comunista, tudo bem, dou-me por satisfeito.

Debates — Estava de facto previsto um para Outubro mas a acumulação de trabalho relacionada com a mudança levou-nos a adiar para data mais oportuna. Também é verdade que não vimos muita motivação do círculo de pessoas mais próximas, toda a gente anda envolvida nos seus problemas pessoais, profissionais, etc., e não sobeja muita disponibilidade. Pode ser que algum acontecimento político nacional ou internacional desperte as pessoas para a necessidade de debater ideias.

Livros Dinossauro – Temos na tipografia dois volumes novos, anunciados na última PO. Sobretudo o do Thomas é importante, embora nada fácil, porque é tudo tratado em termos filosóficos. Ele tem estudado Marx a fundo e faz uma desmontagem das loas que por aí se vendem acerca das liberdades e dos direitos humanos. Quando estiverem prontos, envio-vos uma encomenda de 5 exemplares de cada, para possíveis vendas aí. Os que não venderem, podem devolver. De acordo? Morada do ZB – Ele está a trabalhar na Beira, na Junta Autónoma das Estradas, lá para o lado de Penacova. mas vem aos fins de semana a casa. Temo-nos visto de longe em longe e ele continua rijo. A morada: (…)

Entrevista com o Alberto Pereira-Cem porcento de acordo, se puder vir já para este número melhor. Até 20 de Janeiro!

Revistas — Perguntas-me a opinião sobre duas revistas que vocês assinaram, Revue Internationale e Révolution Internationale, mas eu não conheço nem uma nem outra. Importas-te de me mandar os números já lidos para eu dar uma vista?

Vossa contribuição — Chegou em boa ordem , a dificuldade é trocar os francos suíços, no banco cobram uma taxa exorbitante, é um roubo, por isso vou-os conservando à espera de alguém conhecido que vá à Suíça e queira comprar francos à taxa de câmbio.

E por agora é tudo. Sempre vens cá em Janeiro como tinhas previsto? Não deixes de nos procurar. Envio-te a ti e ao Z um forte abraço e para ti em particular parabéns pelos progressos acelerados que tens feito com o computador. Ninguém te agarra. Abraços de todos nós.

 

[i] Existe a versão em francês, corrigida por FMR. Haja quem a edite. (Nota de AB)

Cartas a JM – 11

Francisco Martins Rodrigues

Carta a JM – 11

20/10/1989

Caro Camarada

Respondemos â tua carta de 19 de Agosto. Recebemos as fotocópias da tradução do Anti-Dimitrov, que precisam de facto de muitas correcções, que temos estado a fazer. Esperamos que esteja pronto muito em breve e enviaremos para a Elisabeth. Não estamos a ver muito bem as possibilidades da edição. Por isso pensamos que seria bom se pudesses contactar mais com ela, para ver como correm as coisas e para dares uma ajuda, se necessário.

Também recebemos a fotocópia que nos mandaste sobre os bolcheviques. Já conhecíamos, e pareceu-nos um livro muito importante[i], mas como não temos nenhum exemplar, este faz-nos muito jeito para continuar o estudo.

Enviámos-te recentemente a PO 21 e suplementos em francês na esperança que isso te permita fazer aí mais propaganda das nossas posições. Em breve enviaremos alguns outros suplementos em francês. Não mandámos à V, como era nosso desejo, porque perdemos a morada. Agradecemos que nos indiques qual é, para mandarmos os próximos. A nossa actividade continua bastante restrita. Temos pena de não ter mais notícias das tuas actividades sindicais (ou políticas, ou outras).  Continuam de pé os teus planos de regressares um dia? Cá te esperamos.

É tudo. Ficamos à espera de carta tua. Um abraço.

[i] Actas das reuniões do CC do Partido Bolchevique no período de Agosto de 1917 a Fevereiro de 1918, com apresentação de Giuseppe Boffa. (Nota de AB)

Cartas a EL – 3

Francisco Martins Rodrigues

Carta a EL – 3

9/12/1992

Caro Amigo:

Deve estar a receber por estes dias a P.O. nº 37, onde publicámos a carta que nos enviou. Como bem calcula, não concordo com os seus argumentos, que me parece estarem a ser respondidos nos artigos que venho publicando sobre a revolução russa. A série vai continuar e talvez o conjunto dos artigos lhe permita entender melhor a nossa posição.

Resumidamente: concordo consigo em que o capitalismo de Estado se instalou na Rússia ainda em vida de Lenine e que Lenine estava enganado quando defendia que era uma solução segura para lançar as bases do socialismo. Mas não concordo consigo quando me diz que a revolução russa poderia ter tido êxito sem a acção do Partido Bolchevique; nem acredito que alguma revolução anticapitalista no futuro possa ter êxito sem uma acção centralizadora promovida por um partido revolucionário, o que não significa que se tenha que repetir a experiência negativa da URSS. A revolução russa estava condenada porque o desenvolvimento económico do país era escasso e a maioria camponesa não queria socialismo nenhum, queria era capitalismo. Parece-me grande ingenuidade acreditar-se que num mundo onde o poder burguês é detido por partidos políticos, os trabalhadores possam impor a sua lei sem se apoiarem num partido revolucionário. Mas, enfim, o debate sobre estes temas não tem fim. Só quando novas revoluções vitoriosas mostrarem o caminho para a liquidação da burguesia se resolverão as actuais divergências entre comunistas e libertários.

Esperamos que, apesar de tudo, a nossa revista continue a despertar-lhe interesse e estamos abertos a registar as suas críticas e sugestões. Aceite as nossas saudações.

 

 

Cartas a JC – 4

Francisco Martins Rodrigues

Carta a JC – 4

7/6/1993

Caríssimo J:

Foi uma boa surpresa a tua carta, já que me habituaste a nunca escreveres. Espero que não te importes, mas meti-a no correio dos leitores. É muito estimulante o que dizes sobre a importância de uma reapreciação marxista da revolução russa. No ambiente que se vive, noto da parte de muitas pessoas ou um encolher de ombros, considerando que é “bater em mortos”, ou um certo receio por se pôr em causa conceitos que sempre nos serviram de âncora. Por mim, penso que não podemos preparar-nos para o novo ciclo da revolução que se vai iniciar depois desta pausa negra, se não fizermos uma avaliação correcta das revoluções deste século, numa perspectiva histórica, crítica, sem quaisquer concessões às críticas social-democratas mas também sem alimentarmos mitos defensivos. Tinha pensado acabar na próxima P.O. a série de artigos sobre a revolução russa mas devido a um ataque de reumático que me imobilizou por uma semana atrasei-me e já não tenho o artigo pronto a tempo, ficará para depois das férias, em Outubro. Se for capaz, gostaria de aproveitar o Verão para coligir e melhorar os artigos que tenho feito sobre o assunto e editar num livrinho, vamos a ver se consigo.

É pena não teres condições para continuares uma actividade de reflexão, debate e intervenção em colectivo, mesmo num pequeno núcleo. Por muitos vícios que tenham os colectivos (e nesta época de contra-revolução os colectivos revolucionários tendem a fechar-se em seitas, perder-se em questiúnculas internas, etc.) dá sempre mais possibilidades do que se ficarmos isolados. Pode ser que dentro de algum tempo encontres outra solução.

Quanto à tua assinatura, termina justamente no n° 40, que vais receber dentro de uma semana. A renovação custa, como lá vem indicado: 2.500$ por um ano, ou 5.000$ (assinatura de apoio).

E por agora é tudo. Espero que a tua vida esteja a correr bem. Um dia destes vou visitar os teus pais. Um abraço.

 

Cartas a JC – 3

Francisco Martins Rodrigues

Carta a JC – 3

10/1/1993

Caro Camarada:

Antes de mais, parabéns a ti e à tua companheira pela bebé. Encontrei o teu pai e soube por ele que está tudo bem com vocês. Só está mal não teres telefonado para nos encontrarmos. E a passagem do ano, foi boa? Recebi há dias o nº 19 da «Lutte de Classe» e notei a maior variedade e politização dos artigos, dando a ideia de que os vossos contactos têm progredido. Estou enganado? Se conseguissem imprimir o boletim, isso ajudaria decerto à expansão. Tens recebido a P.O.? Tens tido tempo de dar uma vista pelos nossos artigos? Não temos feito grandes avanços teóricos, mas manter e fundamentar uma plataforma comunista nos tempos que correm já não é mau. Também temos estado a ganhar alguns novos colaboradores, talvez porque, ao fim destes anos, e no vazio a que chegou a esquerda, pessoas que anteriormente nos olhavam com desconfiança agora tomam apreço pela nossa persistência. Também temos alargado a distribuição, em Lisboa e no Porto.

Estou a fazer uma série de artigos sobre os primeiros anos da URSS, passagem do poder de Lenine para Staline, etc., que ainda era um buraco na nossa explicação para a perda da revolução. Continuamos leninistas a cem por cento mas já não acreditamos que se possa dizer que a URSS ia bem até cair nas mãos de Staline. Estava tudo perdido, ainda em vida de Lenine, mas a culpa também não pode ser atribuída a ele. Se a leitura dos artigos te sugerir algum comentário, gostaríamos de o conhecer e de o publicar, se isso te interessasse.

Um pedido: lemos e apreciámos o último livro de Tom Thomas sobre ecologia, que foi editado pelo Albatroz. Fiz um resumo-comentário que sairá na próxima P.O. e gostava de entrar em correspondência com o Thomas. Como julgo que estás em contacto com ele, peço que me mandes a morada, para eu lhe escrever.

Escreve alguma coisa, mesmo que sejam só duas linhas. Abraços.

Cartas a MV – 54

Francisco Martins Rodrigues 

Carta a MV (57)

22/2/998

Meu caro.

A PO 63 seguiu já há dias, deves ter recebido. Vão agora 2 exemplares de cada dos
últimos livros editados pela Dinossauro. Se precisares mais, diz. Estamos a racionar um pouco porque fizemos só 500 de cada, para cortar despesas e agora arranjámos um novo distribuidor a quem vamos entregar 400 de cada, pouco sobra para a distribuição interna. Mandei já 3 exemplares, salvo erro, ao Tom Thomas.

Agora estou a pedir com urgência e premência peças de teatro, poesias ou outros
textos do Brecht, para considerarmos a hipótese de editar um volume por ocasião do centenário que está a passar. Aqui está praticamente tudo esgotado. Podias escolher algumas coisas dele que achasses mais explosivas e mandar-nos? Soube que as obras dele em França foram em grande parte lançadas por uma editora Arche, deves conhecer. Claro que a ideia é fazer traduções sem pedir direitos, se não torna-se incomportável. Não me deixes pendurado![1]

Tenho visto pelas fotos , apelo e outros materiais que tens enviado que a luta dos
desempregados está aí a aquecer. Já não veio a tempo de meter na PO. Eu traduzi e condensei um extenso artigo do Courant Altematif. E a propósito: porque não preparamos o Contraponto 4 com materiais sobre o desemprego na Europa? Nada mais actual. Deves ter muitos elementos. O que é preciso é decidir depressa porque os meses passam.

Na próxima PO publicaremos uma carta do Claude Bitot, que mandou para o
Monde Diplomatique e de que eles só transcreveram uma parte. E uma boa resposta a essa canzoada que por aí a ganir contra os horrores do comunismo. Só num ponto discordo dele e di-lo-ei na revista: é absurdo criticar os bolcheviques por terem tomado a cabeça da revolução e terem tentado levá-la o mais longe possível. Nesse ponto é que o homem descarrila. Como se a opção não fosse entre isso ou traírem as massas que queriam pão, terra e sovietes. As coisas correram mal não por culpa deles mas porque a revolução não dava para mais.

Junto devolvo uma carta para ti que abri por não saber que era pessoal. Um abraço

——————-

[1] Veio a ser editado nesse ano de 1998 pela Dinossauro o livro Brecht. Poesia – Textos – Teatro, “selecção de poesias, textos e peças de teatro radiofónico de um dos mais importantes e influentes autores do século XX”, segundo o catálogo editorial. (Nota de AB)..

 

 

Cartas a MV – 35

Francisco Martins Rodrigues

Carta a MV (41)

7/6/1993

Caro M:

Recebi há dias uma forte molhada de revistas, catálogos, panfletos da festa da “Lutte
Ouvrière”, etc., que estou a estudar com vagar. Calculo que tenhas recebido as segundas
provas do “Anal/f/abertos” e que esteja tudo a andar por esse lado. E o Albatroz, nunca mais sai? Queria pôr um anúncio na P.O. mas não sei se se pode já indicar a data de saída.

Também soube pelo teu postal que estiveste a fazer umas férias em Creta, como
verdadeiro europeu. E quando vens visitar o Portugalório arruinado? Daqui não há muito para contar, ou sou eu que ando distraído. PSD e PS andam entusiasmados em ataques mútuos, com vista às eleições autárquicas que são em Dezembro, mas tenho a sensação que o pagode está-se marimbando, soa tudo a manipulação. A grande arma do Cavaco é que a massa das pessoas entrou mesmo na lógica de que a política não vale a pena e o que interessa é ganhar mais dinheiro.

Marchámos na manifestação da CGTP no 1º de Maio, bem concorrida mas mais folclórica que militante e encontrámo-nos depois com os amigos num lanche, em simples confraternização. É o que se arranja e viva o velho.

As actividades anti-racistas do MAR é que apresentam melhores perspectivas e atraem alguns jovens. Está em preparação um espectáculo teatral para celebração condigna do Dia da Raça, o 10 de Junho: um leilão de escravos, “colhidos na costa da Berbéria, todos sãos e fermosos”. O infante D. Henrique preside à divisão dos escravos em lotes, montado num cavalo. E para maior picante, a coisa vai-se passar frente à Casa dos Bicos, que é sede da Comissão Nacional dos Descobrimentos. Vamos a ver se não vai tudo corrido à batatatada pela polícia.

A P.O. está pronta para a tipografia; embora um pouco atrasada, vai sair dentro de
uma semana. Decidimos iniciar uma nova série em Outubro, quando entrarmos no 9º ano.
Passamos a formato A4, para poder paginar no computador e aproveitamos para arejar um pouco a maquete. O AB fez um projecto de maquete, de que te mando cópia
junto. Gostaríamos de conhecer as tuas críticas e sugestões. Também seria bom se desses
algumas sugestões para a capa, de que ainda não há nada feito, tipo de letra do título, etc.
Enfim, peço-te que aproveites a ocasião para nos dizer tudo o que te parece mal no modelo
actual e na maquete prevista, para ver se nos modernizamos e europeizamos.

Estava para publicar neste n° 40 o último artigo da série que tenho vindo a fazer sobre
a revolução russa, “Afinal Kautsky tinha razão?” Os livros que me mandaste foram-me muito úteis e gostei de descobrir o tão falado Kautsky não apenas por referências mas nas suas próprias palavras. (Desculpa não ter respondido à tua oferta do livro “Terrorisme et
Communisme” de Trotsky, mas tenho-o cá). É estimulante ver a revolução confrontada por
uma reformista quando é da classe do “renegado Kautsky” — activa as ideias, apresenta as
coisas sob outros ângulos. Acontece que o artigo ainda estava um pouco cru e como já não havia tempo, ficou adiado para Outubro.

Penso até coligir e melhorar os artigos que tenho feito sobre a revolução russa, com vista à publicação em livro (ou livrinho) no Outono. Se isso for avante, mando-te uma cópia lá para Agosto/Setembro, a fim de tu me dares uma opinião. Gostaria de dar por encerradas as minhas reflexões sobre este assunto, até porque já me dá a sensação de estar sempre a mastigar no mesmo. De qualquer modo, chego ao fim com uma perspectiva que me parece mais marxista do que foi a revolução russa, o Lenine, Staline, Trotsky, etc. Tinha uma camada tão espessa de ideias feitas, adquiridas nos bons tempos da propaganda oficial da URSS, que foi preciso remexer nisto tudo para conseguir libertar o pensamento. Espero que isso tenha consequências positivas quanto aos outros assuntos que têm que ser repensados.

Perguntavas numa das tuas últimas cartas se podes reproduzir o artigo do R,
nem se pergunta! Usas os artigos da P.O. como entenderes. Eu colhi dos Anal/f/abertos o
texto sobre o futebol, que sairá na P.O. 40. Espero que não tenha metido água. (…)

E é tudo, por agora. Não vens mostrar Portugal à tua companheira? Espero que a S
desembarque numa boa. Um grande abraço.