Cartas a PA – 5

Francisco Martins Rodrigues

Carta a PA (5)

25/9/1985

Caro Camarada:

Não respondi mais cedo à tua carta de 20 de Junho porque estava à espera da ocasião para te dar a boa notícia: saiu finalmente (hoje mesmo) o nº 1 da “Política Operária”. Embora esteja ainda longe do que desejamos, é um. passo importante pare o avanço do nosso projecto, Mando em correio separado uns exemplares, para tu veres se consegues arranjar compradores ou assinantes. E espero, claro, que tu próprio te tornes assinante, o que é uma boa forma de apoio.

Fico à espera da tua opinião e sugestões sobre a revista. Espero também que te resolvas a escrever a tua “Carta de Londres”” como te tinha proposto antes, para publicar no nº 2. Deveria estar cá até 10 de Novembro. O tema da carta ficaria ao teu critério, naturalmente: panorama do movimento sindical inglês neste momento, actualidade política, Irlanda, etc. Como poderás ver, o MV já fez umacolaboração para o nº 1.

Agradeço as revistas que mandaste. Se não existir aí algo acessível sobre o movimento operário, parece-me que a única de interesse, apesar da orientação trotskista, é a “New Left Review” e nesse caso poderias fazer-me uma assinatura dela? A dos revisionistas é francamente má, não se aprende ali nada.

Não cheguei a ter notícias do amigo a quem tinhas pedido para entregar aqui as 10 libras. Se te for possível enviar o dinheiro por outra via, seria importante para nós, pois, como calculas, as dificuldades financeiros são muitas. Organizámos uma pequena empresa de artes gráficas e é com o dinheiro dela que vamos sustentar a revista, mas os encargos são pesados, sobretudo enquanto tivermos as prestações das máquinas para pagar.

Quando vires o Brandão dá-lhe as minhas saudações e peço que lhe entregues o “Anti-Dimitrov” e a revista, para ele ver se lhe interessa tornar-se assinante. Se quiser escrever-me, terei muito gosto em responder-lhe. E tu, quando vens cá, nem que seja só de fugida? Gostaria de podermos conversar e veres directamente o andamento dos nossos trabalhos. As nossas actividades cá prosseguem, enfrentando as naturais dificuldades destes tempos. Fizemos sair um manifesto aconselhando a abstenção nas eleições, de que mando cópias. As organizações ML para quem enviamos o nº 1 da revista são as seguintes (ver folha junto). Se quiseres mandar para cá outras moradas que aches de interesse, nós encarregamo-nos de a expedir directamente.

Um grande abraço e fico a espera da Carta de Londres!

Cartas a PA – 2

Francisco Martins Rodrigues

Carta a PA (2)

4/1/1985

Camarada:

Estranho não ter ainda recebido resposta tua à minha carta de 22/11. Sei que me telefonaste quando eu não estava e que falaste ao telefone com o R e o V. A Ana mostrou-me o teu cartão de Boas Festas . Calculo que já estejas informado das causas principais que me levaram a abandonar o PC(R), juntamente com mais 40 camaradas. Resumidamente:

– consideramos que o 4º congresso foi muito importante por ter iniciado o corte com uma série de concepções oportunistas que têm anulado as posições revolucionárias do partido e que se exprimiram nomeadamente na perspectiva do ’’>Governo antifascista e patriótico” (1976),  na “via do 25 de Abril do povo”, na “política  de milhões”, na coligação eleitoral UDP-PSR, no apagamento do partido atrás da UDP, etc. e que deram origem as duas cisões de direita sofridas pelo partido em 1975 e 1982;

– verificámos que o CC do partido não se resolvia a levar à prática a viragem do 4º congresso e, aconselhado por outros partidos, tem continuado a procurar posições intermédias, centristas. Que não permitem um corte efectivo com o oportunismo; desde o 4º congresso, aconselhado por outros partidos, tem continuado a promover posições intermédia, centristas, que não permitem um corte efectivo com o oportunismo; desde o 4º congresso, a direita e o centro aliaram-se para isolar e expulsar a ala esquerda, “culpada” por ter feito triunfar posições de principio no congresso;

– denunciámos a gravidade extrema da situação do partido junto da classe operária (hoje quase não há van guarda operária organizada no PC(R) e Iutámos até ao fim por medidas que reforçassem as células de empresa e a implantação operaria;

– opusemo-nos enquanto pudemos ao abafamento da democracia interna no partido, que tem chegado a abusos inacreditáveis, e dissemos que o CC precisava de destruir o centralismo democrático para prosseguir na política já condenada no congresso;

 – concluímos que o 4º congresso levantou pistas para um balanço crítico profundo à linha do movimento comunista internacional desde o 7º congresso da IC, em 1935, que classificamos como centrista e fonte donde brotou o revisionismo do 20º congresso de PCUS; escrevi um documento sobre o assunto , que foi entregue ao CC antes de me demitir;

– reclamámos um debate interno sobre a política do PTA, o caso Mehmet Shehu, iniciativas da política externa da Albânia que causam estranheza (Turquia, Irão, Strauss, etc.), situação de descalabro da corrente ML internacional e política internacional do PC(R).

Esta luta ocupou-nos cerca de dois anos de debates internos em que respeitamos escrupulosamente as normas e as imposições do CC. Só saímos depois de ter esgotado todas as possibilidades de debate e de

termos recebido, como resposta às nossas críticas o impedimento do debate, acusações de “anarco-trotskismo”, sem nos darem o direito de responder perante o partido, despromoção de todos os “esquerdistas” para a base, marginalização absoluta de todos os camaradas em discordância, calúnias, etc. 0 CC só nos dava como alternativa ou calarmo-nos ou sairmos do partido. Decidimos sair porque estão em jogo questões de princípio, das quais depende a existência futura do Partido Comunista em Portugal. Não foi um passo leviano nem um abandono da luta. Chegamos à conclusão de que o PC(R) não pode já ser posto no caminho revolucionário e que a luta dos comunistas tem que prosseguir de fora, até se tornar possível a reconstituição do partido.

Em 8 de Dezembro, num encontro a que compareceram os 40 camaradas demitidos, decidimos convocar uma Assembleia para constituir um agrupamento comunista, cuja actividade central será a publicação duma revista de crítica marxista-leninista, que lance os alicerces para definir o programa, a estratégia, a táctica e os estatutos do futuro Partido Comunista. £ inevitável um período talvez longo de reagrupamento, de formação de uma corrente de ideias comunistas, que até hoje no. tem faltado e que tem sido a origem dos nossos fracassos. Não estamos dispostos a desviar-nos desta tarefa de propaganda, por muito difícil que seja.

A Comissão Preparatória nomeada no encontro de 8/12 está a preparar projectos dos documentos para aprovação da Assembleia (Manifesto–Programa, Estatutos, plano da revista, balanço da crise do PC(R), etc) c procura reunir todos os meios necessários para a concretização do projecto. Esperamos que a Assembleia possa ter lugar em princípios de Fevereiro.

Para nós, é importante saber o aue pensas tu da situação e deste projecto, se estás disposto a ligar-te a ele e em que termos. Na impossibilidade de te deslocares a Portugal (suponho), vamos enviar-te os documentos à medida que forem elaborados, pera poderes formar uma opinião e dizer-nos c que pensas deles.

Decidimos também editar em livro o documento que entreguei ao CC do PC(R) sobre c 7º congresso da IC. Pode ter uma certa no debate que queremos travar. Mando junto uma folha de subscrição que está a circular. Peço que vejas a possibilidade que tens de contribuir. e eventualmente de angariar outras contribuições. As dificuldades financeiras estão a dificultar-nos muito o avanço rápido que queremos fazer para a edição do livro e da revista.

Mando também uma cópia de uma das cartas que dirigi ao CC do partido antes de sair, para teres uma ideia maio precisa da polémica. E ainda uma fotocópia de artigos saídos na imprensa (há mais, seguem depois). Um abraço

 

Cartas a PA – 1

Francisco Martins Rodrigues

Carta a PA (1)

22/11/1984

Amigo A.

Não tenho recebido notícias tuas e não sei se me conseguiste obter alguns dos livros que te tinha pedido, é natural que as tuas ocupações não te deixem tempo para respirar, mas temos que procurar manter contacto.

Tenho uma novidade que não sei como receberás, saí do PC(R) ontem mesmo, outros camaradas, entre eles o ZB e o JME, antigos dirigentes do partido, também saíram ou foram demitidos. Não foi uma decisão leviana, como calculas, mas fomos forçados a ela pela campanha de perseguições a que vínhamos sendo sujeitos desde há ano e meio. O conflito gira à volta de nós exigirmos que se levasse à prática a viragem à esquerda decidida pelo 4º congresso, de Março 83, e o CC estar a encostar-se cada vez mais aos elementos direitistas. Actualmente, todos os elementos “esquerdistas” estavam metidos em células de base, marginalizados e sujeitos a uma série de ataques. Já não nos davam o mínimo espaço para travar uma luta interna, os atropelos ao centralismo democrático por parte do CC eram diários e, em nome do perigo de fraccionismo, impunham-se as proibições mais absurdas à discussão, mesmo só dentro das células.

Lima das coisas que mais contribuiu para a agudização do conflito era um estudo que tenho andado a fazer sobre o 7º congresso da IC, reavaliando o relatório de Dimitrov e a linha de Staline nos anos 30-50 como fontes donde nasceu o revisionismo. Consegui acabá-lo, com grande dificuldade, e ontem mesmo o entreguei ao CC, para ver se é capaz de o criticar com o mínima de seriedade. É absurdo tentar congelar a crítica rnarxista-leninista em nome dos “princípios”, como vem fazendo o CC. Está a conduzir o PC(R) a um definhamento desastroso, no que têm graves responsabilidades, na minha opinião, o PTA e o PC do Brasil.

Gostaria que lesses o meu estudo e me desses uma opinião. Eu e outros camaradas que se afastaram ou foram afastados neste processo estamos dispostos a dar corpo organizada à nossa corrente de ideias. Somos marxistas-leninistas, queremos um partido comunista em Portugal e não nos resignamos à confusão, impotência e esvaziamento de ideias a que se chegou. A acusação de “anarco-trotskismo” que nos é feita não tem pés nem cabeça.

Gostaria de saber o que pensas disto tudo e se estás disposto a continuar a corresponder-te comigo, Isso depende naturalmente da tua atitude face ao PC(R). Poderias dar opinião sobre o meu estudo e outros materiais que temos em preparação, obteres aí livros e jornais, dares-nos contactos para grupas ou organizações estrangeiras, contactares camaradas da emigração, etc. Duma coisa te posso dar a certeza; vamos fazer um trabalho sério para renovar a corrente marxista-leninista, crítico, revolucionário, e virado para os operários avançados. Vamos fazer um trabalho preparatório para reorganizar o partido comunista no nosso país.

Seja o que for que pensares do sucedido, peço que me escrevas a dar a tua opinião. Se tiveres algum dos livros de que te falei, peço que mo envies. Se pensas vir a Portugal proximamente, gostaria de conversar contigo.

Um abraço

Cartas a MV – 46

Francisco Martins Rodrigues

Carta a MV (51)

11/10/1994

Camarada Dinossauro Excelentíssimo:

Tenho visto pelos teus cartões que continuas a gozar férias a um ritmo apreciável e em sítios maravilhosos. E a revolução, como é? Ficas à espera que a gente faça aqui o trabalho todo? Bem podes ir esperando… Ao ritmo que isto por aqui vai, nem no ano 3000. Tirando a revolução da ponte, de que deves ter ouvido falar, todas as outras frentes de luta não dão luta. Neste momento, espera-se pela resposta das centrais sindicais a um plano de “concertação social” do governo absolutamente cínico e miserável, com aumentos de 2,5% (!!), mas pelas conversas moles que os líderes apresentam na televisão é de prever que não vão fazer nada.

Uma boa notícia, ontem, foi a ocupação das instalações da Rodoviária do Sul pelos operários, que sequestraram os administradores durante algumas horas e acabaram por ser expulsos pela polícia. Se houvesse meia dúzia de acções deste tipo, esta burguesia borrava-se toda. Eles fartam-se de dizer que a retoma dos negócios já começou mas o pagode, na parte que lhe toca, não nota retoma nenhuma.

De política, não falemos. O grande desafio, ao nível do PS é saber se vai optar por um oposicionismo sentimentaloide, como querem os soaristas, ou por uma linguagem tecnocrática, europeísta e abertamente reaccionária, como quer o Guterres, para ganhar as boas graças das grandes companhias. Há entre eles grandes divergências sobre
qual a fórmula que dará mais votos (porque é só de votos que se trata, evidentemente, o programa de governo é o mesmo, para Soares, Guterres ou Cavaco). Divergem também sobre qual a melhor maneira de engolir o PC: a chicote ou com abraços. Se continuarem a lutar nos próximos meses, quem vai ganhar as eleições por maioria absoluta é outra vez o Cavaco, a não ser que as dificuldades económicas empurrem as massas para a esquerda.

Outra grande “batalha em perspectiva é a entrada em cena dos aspirantes à corrida presidencial de 96: Jorge Sampaio, um social-democrata chato e sem imaginação, ou Eanes, o eterno general bronco, que o PSD estaria disposto a patrocinar. Estamos bem entregues.

O teu longo artigo sai nesta P.O. (para a semana) dividido em dois: Panamá e Pasqua, espero que aches bem. Agora há que começar a redigir para o próximo número, tem que cá estar até 15 de Novembro, o mais tardar, se não queres voltar a ser inscrito na lista dos redactores a abater.

Parecem-me até certo ponto justificadas as tuas objecções à associação de desertores (da qual, aliás, não voltei a ouvir falar), mas não me pareceu que a iniciativa estivesse a ser apadrinhada pelo Forum Cívico Europeu. Apenas o Zé Mário aproveitou o empurrão dado por esses tipos para pôr em movimento a ideia da associação, o que, se trouxesse a público o debate sobre a guerra colonial e os crimes, ajudaria a descomprimir a atmosfera. De qualquer modo, o medo é muito e o desinteresse maior, pelo que a ideia não conseguiu grandes ecos até à data.

Estive hoje com um nosso assinante de Paris, JR, ex-cabo da Força Aérea, ex-funcionário do PC, ex-preso político, que vive aí há já uns dez anos. É pessoa interessante; embora ainda preso à formação revisa, tem postura dissidente e simpatias anarco-trotsko-maoístas, não sei se me entendes. Se algum dia lhe quiseres falar ou mandar materiais, a morada é: (…).

Obrigado pelo Althusser, estou a penetrar nos meandros da sua história, mas devagar, para não ter algum acesso de loucura.

E que tal os pecadilhos de juventude do “mon ami Mitterrand”? O Bochechas deve estar embatucado com as proezas do seu amado líder e mentor espiritual. Não tarda, vais vê-lo a desfilar atrás do cortejo fúnebre, comovidíssimo. Aceita um grande abraço, até breve.

 

Cartas a MV – 33

Francisco Martins Rodrigues

Carta a MV (39)

10/1/1993

Caro Camarada:

Passaste o Ano Novo numa boa? Espero que esteja tudo bem contigo, que tenhas recebido a minha carta de 10 de Dezembro e que estejas a redigir uma Carta de Paris para publicar na próxima P.O.. Aceita-se colaboração até 20 de Janeiro!

Por aqui, tudo sereno. O sol português, que não falha mesmo no Inverno, tem um efeito calmante sobre as lutas de classes. Estive ontem no Porto, convidado pelos estudantes para um debate na Faculdade de Direito da Universidade Católica (!), sobre «O futuro da esquerda». Participaram também o Barros Moura (Plataforma de Esquerda, ex- PCP), Alberto Martins (PS) e Alda de Sousa (PSR). Apesar do tipo de público, passei o tempo a falar de comunismo, derrubamento da ordem social estabelecida, crimes do capitalismo e sua condenação histórica, mentira das liberdades burguesas parlamentares e das soluções reformistas, etc. Só queria que visses os olhos esbugalhados dos moços, era a primeira vez na vida que ouviam tais coisas. É claro que daqui a uma semana já esqueceram tudo, mas ficaram a saber que os tais «dinossauros» comunistas existem mesmo. E os nossos amigos reformistas meteram os pés pelas mãos e ficaram – sobretudo o Alberto Martins – incomodados. Também te mando o artigo que saiu há um mês no «Público» sobre os rivais de Cunhal-

No campo internacional, depois do panorama desolador que te dei na última carta, vieram notícias melhores: no Irão, o Mansoor Hekmat fundou um novo Partido Comunista Operário cujas posições, expostas num boletim em inglês, «International», nos parecem sólidas. Transcrevemos um extracto na próxima P.O. O MLP dos EUA realizou o seu 4º Congresso, no qual se debateram as divergências e se admite a probabilidade de não poderem continuar como partido, mas se afirmam dispostos a preservar uma plataforma marxista-leninista e um núcleo coeso. Veremos.

Publicamos na próxima P.O. um resumo-comentário do livro de Tom Thomas sobre Ecologia, que nos pareceu arejado e bem esgalhado. Ele chegou a tomar conhecimento da crítica que fizemos ao outro livro dele? Deu alguma opinião? Podes mandar-me o endereço dele para eu lhe escrever directamente a ver se ele quer colaborar na P.O.? Do Serfaty, não veio até agora qualquer resposta à carta que lhe mandei. Ou está muito ocupado ou não se quer comprometer connosco. E o «Albatroz»? No teu último cartão dizes que está em preparação. Fico à espera.

É tudo por agora. Aceita um abraço.

Cartas a MV – 29

Francisco Martins Rodrigues

Carta a MV (34)

15/4/1992

Caríssimo:

Agora que a P.O. 34 foi para o correio, já posso pôr a correspondência em dia. Estás recomposto do desastre de ter perdido a bagagem? E de saúde, tudo bem? Eu continuo na maior.

P.O. – Espero que já tenhas recebido os 2 exemplares pedidos da P.O. 33. Da P.O. 34 seguiram 5 para a tua morada, mais um para o “Albatroz”. Como deves observar, estamos com dificuldade para fazer avanços teóricos. Falta de tempo, falta de gente. Aproveitei as tuas notas sobre o Amazonas e pus o teu nome a assinar comigo um artigo sobre o assunto. Correcto? Agora fico à espera de mais produção tua para o próximo nº, até 15 de Maio. Não esqueças!

Caso Joel Lamy – Fiz um artigo na P.O. 34 e enviei-lhe um postal para a prisão.

Marrocos – Com os materiais que me enviaste, fiz cartas às “forças vivas” cá da terra, desde o presidente da República, Assembleia, Amnistia Internacional, agência Lusa, jornais, denunciando as torturas, etc. e pedindo divulgação. Silêncio sepulcral! Ninguém disse nada, deve haver recomendações para não desfeitear sua majestade o torcionário em vésperas de visita (ainda não foi marcada data). Entretanto, recebi mais correspondência de Marrocos e vou fazer mais uma circular, a ver se furo o bloqueio.

Albatroz – suponho que estejas a lutar para o pôr na rua. Não escrevi nenhuma colaboração porque também não me deste um ultimatum com uma data precisa, e a tendência é para ficar à espera do último prazo. Francamente, também não estou a ver o que interesse mais para os teus leitores. Dá-me um palpite. Diz-me o que há.

Assinatura – Talvez tenhas recebido um aviso de fim de assinatura, enviado pelos nossos zelosos serviços administrativos. Não ligues.

PC(R) – seguem junto recortes do “Expresso” e da “Sábado” com entrevistas do Eduardo Pires, sobre a dissolução do partido. Lamentável. A “Sábado” tem umas declarações minhas, muito truncadas e com a cara do Tomé!

Situação política – Da situação internacional não digo nada; tu é que tens obrigação de me informar. A situação nacional está bastante repugnante: só se fala de altos negócios, corrupções, e intriguinhas políticas reles. As velhas famílias de tubarões, Mello, Champalimaud, Espírito Santo estão a refazer os seus impérios graças às privatizações. O governo, que andou uns anos a subornar os eleitores com concessões, para garantir a vitória nas eleições, agora está a pôr as contas em dia: aumento de preços e de impostos, tecto salarial. As pessoas não protestam; queixam-se, lamentam-se, e daí não passam.

 Em 21 de Março houve uma manifestação de protesto da CGTP; não chegou a mil pessoas. Um fiasco como nunca se tinha visto. Acho que já ninguém espera nada da CGTP. Quanto à UGT, além de furar as reivindicações, anda envolvida em casos mafiosos de roubos, que comentámos na última P.O., mas as pessoas verificam que é aceite pelo poder e portanto aceitam-na! De referir apenas uma boa e longa greve do Metro, com uma unidade fora do vulgar e contrariando inclusive decisões amarelas das duas centrais. Protestos há, sim, mas de sectores da burguesia que estão a ser atropelados pela integração europeia: professores, agricultores, magistrados, pequenos industriais… Os estudantes animaram o ambiente durante umas semanas com os seus protestos contra as restrições de acesso à Universidade e o aumento das propinas, mas é sol de pouca dura. Para onde vamos? Se a recessão europeia comprometer os planos de ajuda ao capitalismo nacional, as falências das pequenas e médias empresas podem tomar um ritmo assustador, e não sei como conseguirá o poder reintegrar toda a gente que está a ser mandada para a rua: têxteis, calçado, metalurgia, etc. Por enquanto o desemprego ainda não assusta. Seja o que deus quiser.

Os dissidentes social-democratas do PCP (Judas, Barros Moura) vão constituir um grupo político. Será a semente dum PS “de esquerda”, mais vocacionado para receber a herança do PCP quando o velho arrumar as botas? Em princípio, parece ter um espaço, mas não lhes vejo genica para isso. Por nós, seria bom que se metessem todos a negociantes e não viessem criar novas expectativas em alguns trabalhadores. O terreno da esquerda está quase todo varrido. Agora só falta nós tomarmos posse dele…

Quando cá vieres temos que trocar ideias sobre a hipótese duma revista não partidária, de esquerda, para penetrar mais longe do que a P.O., que continuaria, mais vocacionada para o debate ideológico. Não sei se estás a ver a ideia. Só falta dinheiro e gente… Um abraço, até breve.  

Cartas a MV – 24

Francisco Martins Rodrigues

Carta a MV (28)

29/8/1991

Caro M:

Espero que a vida te corra bem e as férias melhor ainda.

Que me dizes às notícias da URSS? Vamos preparar uns comentários para a próxima PO mas receio que não tenham o sumo necessário em assunto de tanta envergadura. Não poderás mandar-nos daí algum comentário teu, assim como papéis da esquerda esquerdista sobre o assunto? O PCP aqui está agitado e o Judas parece desta vez ter-se decidido a disputar a chefia ao velho. Talvez vá sair um pecepezinho “renovador”. Fiz um depoimento para o “Expresso”, vamos a ver o que publicam, segue cópia para veres o tom que lhe dei.

Como te disse na carta anterior, vamos fazer um encontro no sábado 21 de Setembro (e não domingo como tinha dito antes). Se te calhasse estares em Lisboa nessa data era bem bom. Dá um jeito!

Vi referências num dos 3 papéis que ne mandaste a uma revista “Marxisme Aujourd’hui” de que é director o Pierre Broué. Poderias obter-me um exemplar para ver como é? Gosto de ler toda a papelada de esquerda que me envias. Agora é que é o período das cem flores, mas não se vê nada a desabrochar. Um abraço

Cartas a MV – 20

Francisco Martins Rodrigues

Carta a MV (24)

30/10/1990

M…íssimo:

Recebi hoje a tua carta de 22 e agora mesmo respondo. Vou aproveitar as tuas notas pa­ra uma crónica de Paris, incluindo-lhe alguns comentários sobre os panfletos que envias da manifestação; para dar mais cor local, de acordo?

Segue aqui o texto sobre a revolução russa, com a parte final mal lambuzada, por dois motivos: 1º porque já não tive tempo; 2º porque o MLP pouco fala sobre o período inicial. Em todo o caso, penso que precisa de definir posições quanto a algumas críticas usuais (os bolcheviques montaram a cavalo nos sovietes para se servir de­les e destruí-los? o grupo “Oposição Operária” tinha uma alternativa? etc.), Enfim, sobre o que aí vai peço que se tiveres reparo ou sugestão de vulto escrevas urgentemente, porque a PO será fechada cerca de 20 Novembro.

Vou-te mandar dentro de 4-5 dias o artigo que pedes sobre o Golfo, embora não tenha bem ideia do tamanho que pretendes. Então agora andas associado com o V? Vamos acabar todos em anarquistas! Não deixem cair o Albatroz!

Carta a MV (25)

9/11/1990

Caro M:

Aí te mando o comentário sobre o Gol­fo. Receio que não adiante grande coisa e que esteja demasiado ideológico (defeito das minhas literaturas) mas de imediato não me saiu melhor.

O V escreveu-me há dias sobre a colaboração que te vai dar no Albatroz e propunha a publicação (com arranjos) dum artigo meu que saiu no “Público” sobre o Verão quente. Deixou o assunto ao teu critério; por mim não há impedimento nenhum, mas dois artigos meus na mesma revista é capaz de ser demasiado. Publicas os dois ou só um deles ou nenhum, con­forme convier.

Não pias nada sobre o texto que te mandei acerca da URSS? Mau sinal: Ou não lhe encontras nada novo ou discordas. Vemos fazer amanhã o debate, logo se vê o que sai. Um grande abraço

 

 

 

Agruras da esquerda brasileira

Francisco Martins Rodrigues

Agruras da esquerda brasileira

A tradicional e salutar abertura à crítica reinante no PT confirma-se neste número da sua revista oficial, Teoria & Debate, agora a cumprir dez anos de publicação. A pouco mais de um ano de distância da eleição em que Lula disputará de novo a presidência, é visível a ansiedade nos meios partidários acerca do desfecho de uma aposta em que o PT joga as últimas esperanças de se afirmar como partido credível de governo. No centro dos debates a questão de saber se o PT deve ampliar mais o leque de alianças a sectores do PSDB e do PMDB, os dois grandes partidos do centro, ou se deve, pelo contrário, buscar alargar a sua base eleitoral própria dedicando-se com mais afinco à mobilização das massas pobres.

Todavia, nesta polémica parece não haver consciência, mesmo da parte dos “radicais”, do plano inclinado em que o PT mergulhou ao pôr-se como meta a conquista de posições sucessivamente mais altas no aparelho de Estado burguês. O mais que se consegue obter é a confissão algo eufemística de um dirigente de que “o grande problema que vivemos hoje no PT é que não estamos conseguindo fazer acompanhar o crescimento eleitoral e institucional pelo necessário avanço na coesão programática, pela manutenção da ética interna, pelo reforço da identidade ideológica”.

Um diagnóstico bem mais severo – e ao que nos parece mais certeiro – dos males do partido é traçado na revista Em Tempo, órgão da tendência Democracia Socialista (trotskista). A esquerda do PT, lê-se num documento aí reproduzido, “não soube compreender o quanto o poder real do partido já se havia deslocado das estruturas normais de direcção para centros autónomos em torno de personalidades, sindicatos, parlamentares e executivos eleitos pelo partido”.

Vai mais longe: “Se as instâncias de base há muito deixaram de existir, agora são as instâncias de direcção que começam a desaparecer ou a transformar-se em meros aparelhos para legitimar posições. As direcções das campanhas eleitorais são exemplos gritantes disso”.

Por último: “O carácter socialista do PT está sendo questionado dentro e fora do partido. A deia da transição e da socialização dos principais meios de produção desaparece e a lógica do mercado surge como inevitável.”

Apesar disto, e reflectindo as incuráveis ambiguidades do trotskismo, o documento considera impossível a repetição no Brasil do processo de social-democratização verificado nos partidos operários europeus e acredita numa “alteração radical do curso do Partido” pela mudança na composição da direcção. Críticas “principistas” “implacáveis” e manobras entristas “audaciosas”: Trotski não deixaria de aprovar…

Por muito que doa aos que depositaram grandes esperanças o “carácter novo” do PT, é a sua transformação plena num “partido burguês para operários” que está em curso. Não cremos que esse rumo possa ser mudado.

Submarinos

Do PT passemos a uma força menor mas com tradições na esquerda brasileira, o Partido Comunista do Brasil. É sempre com interesse que lemos a sua revista Princípios, já que nos permite – para além de informações sobre a situação política interna – fazer o ponto da deriva desse partido.

A imagem que nos fica do PC do B actual a partir dos principais artigos deste número é a de uma extrema corrupção oportunista – o que de forma alguma nos surpreende. Recorde-se que este partido teve há vinte e tal anos pretensões a “farol” do movimento comunista revolucionário e a esse título interferiu na nova corrente comunista nascente no nosso país, causando-lhe sérios prejuízos pela desagregação a que conduziu o PC(R).

Ficamos a saber através de dois artigos de fundo que o partido tem em curso uma campanha pela “intervenção cívica” das Forças Armadas nos grandes problemas do país. Segundo o deputado Haroldo Lima, a “melhor tradição” das Forças Armadas brasileiras sempre teria sido a “unidade nacional”. Nada justificaria pois o silêncio a que estão remetidos os militares e Lima desafia-os a libertarem-se de complexos… Basta que “deplorem publicamente o tratamento desumano dado a opositores do regime” (note-se o termo arrepiante: “deplorar”) e nada impedirá que reassumam o protagonismo. Num outro artigo, “Forças Armadas, poder naval e soberania nacional”, Aldo Rebelo, dirigente e também deputado federal do partido, defende que

“se é verdade que o golpismo, o caudilhismo e o partidarismo que envolveram as Forças Armadas na América Latina são experiências condenáveis, tais factos não podem ser usados como pretexto para excluir os militares da reflexão sobre os rumos do Brasil”.

E adianta propostas concretas para a Marinha e a Aeronáutica: “Uma marinha forte, versátil, adestrada e valorizada é uma garantia para a realização das aspirações nacionais e dos interesses geopolíticos do Brasil. Cuidemos, pois, da nossa marinha”. “O submarino nuclear e o caça AMX são produtos de um pioneirismo e persistência louváveis” que “devem merecer o incentivo, o apoio e o amparo de todos os brasileiros sinceros.” “O Brasil precisa do submarino nuclear. Se por um lado festejamos a certeza de construí-lo, por outro lamentamos as dificuldades orçamentais que têm atrasado o seu calendário”.

Lê-se e não se acredita! Estão assim tão longe os anos negros da ditadura militar? Não vamos ao ponto de supor que a direcção do PC do B esteja financeiramente interessada nas encomendas militares que tão ardorosamente defende. Admitimos que tudo se resuma a um caso de cretinismo patriótico, na linha do “nacional-comunismo” propugnado por João Amazonas. Como argumenta a revista: os Estados Unidos boicotam o reforço militar dos países latino-americanos, que não lhes convém nesta era de “globalização”; logo, devem os patriotas e progressistas bater-se por essas mesmas forças armadas!

Uma outra componente forte da política actual do PC do B transparece num editorial de João Amazonas, intitulado “Socialismo no século XXI”, triste peçazinha no estilo de “incentivo e confiança no futuro” onde, entre outras coisas, somos informados de que “o socialismo sofreu derrota passageira na União Soviética e no Leste europeu” mas que “é possível que os comunistas voltem ao poder na Rússia”; a China “acabará consolidando o regime socialista”, assim como o Vietname. Este namoro descarado ao bastião chinês (que é a actual esperança desesperada para que se volta esta corrente – veja-se a postura de Cunhal e do PCP) leva inclusive a revista a reproduzir um editorial do Diário do Povo de Pequim, “A luta Norte-Sul sobre os direitos humanos”, no qual a condenação da hipócrita campanha imperialista dos “direitos humanos” serve como álibi para fazer passar os atropelos do poder na China.

 (1997)

Cartas a MV – 5

Francisco Martins Rodrigues

Carta a MV (8)

28/5/1986

 

Caros camaradas:

Ainda não recebemos resposta à nossa carta de 14 de Fevereiro e estamos muito preocupados com o vosso silêncio tio prolongado. Esperamos que não seja motivado por quaisquer problemas pessoais graves nem por desinteresse em relação ao nosso projecto. Escrevam mesmo só umas linhas para sabermos que estão bem. Temos recebido os vossos jornais e revistas e enviámos há dias para a vossa mo­rada o último nº 2 daPO”. Algumas notícias:

Solidariedade contra a repressão – organizámos, em colaboração com elementos independentes, FUP e trotskistas e também com a UDP, uma associação que lançou um abaixo-assinado e um boletim, de que enviamos exemplares. Desfilámos no 25 de Abril com faixas da “Po­lítica Operária” e juntos com as famílias dos presos da FUP. Esti­vemos na vigília de Caxias, na véspera do 25 de Abril e lemos lá uma saudação da OCPO. Parece-nos que a luta contra a repressão se torna importante, dado o avanço do regime na criação de estrutu­ras de polícia secreta. Poderão vocês aí em Paris fazer alguma agitação em torno do problema, criar algum comité de apoio, etc.?

Almoço-debate de 5 de Maio – também em colaboração com inde­pendentes, FUP e trotskistas (mas neste caso sem a participação da UDP), lançámos um manifesto conjunto sobre o centenário do 1º de Maio, organizámos a participação conjunta na manifestação da CGTP e vamos fazer um almoço-debate comemorativo, que se espera que tenha de 150 a 200 pessoas. Esperamos com estes contactos “sair da casca” e conhecer gente desorganizada de esquerda com quem possamos trabalhar.

Jornal sindical – já vos falámos deste projecto na nossa car­ta anterior. Fizemos uma reunião em Setúbal com alguns elementos interessados e estamos a procurar criar uma base de ligações que permita a sua edição. Seria uma espécie de Tribuna das empresas, com denúncias, coisa que aqui não existe e faz uma falta tremenda. Estamos a preparar um nº 0, experimental, para ganhar mais apoios.

Assembleia – Está marcada definitivamente para 7-8 de Junho a nossa 2ª Assembleia anual, que discutirá o relatório de activi­dade da direcção, questões de linha política e elegerá a nova di­recção. Enviamos por correio separado a “Tribuna Comunista” nº 5 com os primeiros materiais para discussão. Pedimos que leiam es­tes documentos e nos façam chegar as vossas opiniões, a tempo de serem tomadas em consideração na Assembleia.

Internacional — temos mantido contactos estreitos com o Marxist-Leninist Party dos EUA e vamos receber no dia 16 de Maio um diri­gente deste partido. Preparamos os pontos para debate neste encontro. Informaremos depois do resultado. Começámos também a corresponder-nos com o PC do irão, que nos enviou grande quantidade de publicações que estamos a estudar. Como podereis ver pelo relató­rio, pensamos que começam a surgir perspectivas para um reagrupamento de uma nova corrente comunista internacional independente dos oportunismos do PTA, PC do Brasil ,etc.

Situação financeira – estamos prestes a assinar um contrato pa­ra fazer diversos livros até ao fim do ano, o que nos exigirá e permitirá trocarmos a máquina de composição actual por outra me­lhor. O negócio envolve mais 2.000 contos, mas é a única maneira de ficarmos equipados a sério e podermos aceitar todas as encomendas de trabalhos comerciais. Como calculam, isto é vital para ga­rantirmos a continuidade e independência do nosso projecto. No relatório da direcção à Assembleia, poderão ver os números prin­cipais das nossas contas neste ano de existência.

Neste momento, estamos a apelar à elevação das contribuições e à actualização das que estão em atraso, para podermos fazer face a este novo desafio (…)

E é tudo. O ZB está a trabalhar na Suíça, esperamos que possa regressar brevemente, logo que faça unas massas. Está lá também o ZM quo nos escreveu e apoia a revista. Pe­dimos que não se ocupem a mandar o “Parti san” (passámos a receber directamente) e a “Teoria y practica” (vamos fazer assinatura). Escrevam depressa. E mais bonecos? Um abraço

Carta a MV (9)

26/6/1986

Camaradas:

Temos recebido livros, revistas e bonecos do M, mas só uns pequenos bilhetes a acompanhá-los e não a carta detalhada que postaríamos de ter da vossa parte, para nos apercebermos melhor dos vossos problemas e perspectivas de actividade. Soubemos pelo R que pensam vir aqui em fins de Julho e esperamos nessa al­tura ter um dia para uma discussão a sério de todos os nossos problemas. Seria bom que nos avisassem com antecedência do dia que terão disponível para estar em Lisboa connosco.

A seguir damos as notícias mais importantes sobre o que es­tamos a fazer.

PO nº 5 – Enviamos pelo R apenas 3 exemplares porque sa­bemos que têm bastante dificuldade em colocá-la aí. Se estiverem de acordo, será esta quantidade que pastaremos a enviar. Este número saiu com algumas semanas de atraso por dificuldades de to­da a ordem, mas parece-nos que mantém o nível dos anteriores; ainda não é desta que entramos nos grandes problemas de fundo, mas a pressão dos acontecimentos e o quadro reduzido dos nossos redactores não nos deixou fazer melhor. Como verão, temos um novo colaborador, MC, de quem vocês se devem lembrar. Está disposto a fazer uma série de artigos e a sua perspectiva parece-nos correcta. E colaborações do M? Não compreendemos por que não mandas nada, nem que seja a Carta de Paris. Só se é por não gostar de nós.

Decidimos adiar o nº que calhava no período de férias porque a venda seria muito difícil. O nº 6 sairá em fins de Setembro-princípios de Outubro e tentaremos aproveitar este intervalo maior para trabalhar alguns artigos mais de fundo e, se possí­vel, fazer um nº melhorado para comemorar este primeiro aniver­sário. Discutiremos convosco o sumário e a v/colaboração.

Pensamos também fazer na altura uma campanha de publicidade para tornar a revista mais conhecida. As vendas têm tido uma certa quebra, que aliás esperávamos: houve um movimento inicial de curiosidade que levou a esgotar o nº 1. Mas à medida que um certo número de pessoas de tendência social-democrata se aperceberam da orientação da revista, deixaram de a comprar. Estamos a colocá-la numas 25 livrarias de Lisboa, mais umas 20 na provín­cia, mas a venda principal é a venda militante. Temos umas 100 a 150 de sobras, que se vão vendendo depois lentamente. Aproveita­mos manifestações, Feira do livro, etc., para mostrar a revista a público. O desafio que temos pela frente é descobrir os leito­res de esquerda que ainda ignoram a nossa existência e isso de­pende sobretudo da acção militante.

Assembleia – depois de vários adiamentos, realiza-se em definitivo nos próximos dias 5 e 6 de Julho. Já conhecem o relatório de actividade da direcção que vai ser discutido. Seguem junto as Tribunas nº 6 e 7 e, se possível, ainda vos enviaremos antes da­quela data outras duas que devem sair com materiais para discus­são. A Assembleia está a ser preparada por uma comissão organi­zadora com dois elementos da direcção e três dos núcleos para assegurar completa democracia. Temos feito diversas reuniões preparatórias envolvendo a maioria dos camaradas. Principais problemas em debate, para além dos que estão no relatório;

  • definição da situação de diversos camaradas que têm fun­cionado na prática mais como simpatizantes do que como membros da OCPO. Lutamos pela aplicação do artº 1º dos estatutos, tentando ganhar todos os camaradas como mem­bros activos, mas não conseguiremos evitar que alguns pas­sem a simpatizantes, porque é esse o seu desejo. Ê o caso dc R. Como não há perspectivas imediatas de recruta­mento e entretanto já perdemos alguns outros camaradas, esta situação preocupa-nos. O principal é mentalizar o conjunto dos camaradas para a ideia de que não há nada de dramático na situação de sermos um pequeno grupo, combater o pânico. Há épocas para estar num partido e há épocas pa­ra estar num grupo.
  • a atitude perante as eleições (as que houve e as que pode­rá voltar a haver dentro de meses) tem gerado bastante po­lémica. Embora todos concordem em que essa não é neste mo­mento uma questão prioritária para nós, dada a nossa es­cassíssima influência, o certo é que em torno da abstenção ou não abstenção se geram divergências. A direcção não foi capaz de apresentar um balanço de sua autoria e iremos con­frontar opiniões pessoais; em todo o caso, não pensamos que as divergências sobre esse assunto se tornem graves, pelo menos nos tempos mais próximos.

Quanto àfutura direcção, procede-se a consultas e a co­missão organizadora apresentará uma lista de candidatos à Assembleia. O G saiu da direcção há já meses por razões que todos consideraram injustificadas; na realidade, segundo pensamos, porque nunca se sentiu bem com essa res­ponsabilidade; o ZB teve que emigrar para a Suíça à procura de trabalho por se encontrar em situação aflitiva; está agora connosco (partiu um pé e veio-se tratar cá) mas voltará para lá mais 3 meses, a cumprir um contrato. Está moralizado e garante-nos que estará aqui de vez em Outubro. Os restantes continuam a funcionar, mas muito as­soberbados com trabalho, sobretudo desde que nos começámos a meter mais na intervenção política.

A vossa participação na Assembleia poderá fazer-se, de acor­do com os estatutos, através do voto por correspondência, com quaisquer declarações que entendam úteis e que serão levadas ao conhecimento da Assembleia. Achamos de bastante interesse que o façam, tanto sobre o relatório da direcção como sobre outros as­suntos. Se ainda nos for possível, enviar-vos-emos os projectos de moções que vão ser postos à votação, para que se pronunciem por carta. Achamos que o vosso afastamento não deverá impedir a vossa participação no essencial dos trabalhos.

Internacional – como tínhamos informado, estiveram entre nós dois dirigentes do MLP dos EUA, com quem tivemos uma semana de discussões bastante frutuosas; quando nos encontrarmos em Julho poderemos informar detalhadamente do que se tratou. Para já, re­sumidamente, podemos dizer que há um acordo no essencial; o en­tendimento do marxismo-leninismo como a demarcação nítida dos interesses do proletariado e portanto, a crítica às correntes burguesas democráticas, nacionais, etc., a crítica à linha do 7º congresso da IC, a crítica ao rumo da União Soviética desde os anos 30, a crítica ao PTA, a crítica às revoluções tipo sandinistas, etc. Alguns pontos em que fazemos apreciações diferentes: a corrente ML é ML com erros (tese deles) ou é apenas centrista? centralismo de­mocrático significa monolitismo (tese deles) ou esse conceito deve ser rejeitado? Os últimos 50 anos tiveram grandes vitórias (tese deles) ou devem considerar-se 50 anos de derrotas? não in­teressa destrinçar qual dos dois blocos é mais perigoso (tese deles) ou deve-se dizer que o imperialismo EUA é o principal inimigo?

Vamos continuar a debater mas ficámos com uma impressão geral bastante boa. Eles publicaram recentemente um longo artigo no jornal deles a nosso respeito. Infelizmente não temos cópia feita para vos enviar, mostrar-vos-emos quando cá vierem.

Quanto ao PC do Irão, como já dissemos antes, entrou em con­tacto connosco e mandou-nos muito material que estamos a estudar. Parece-nos ter algumas fraquezas teóricas, como poderão ver pelos extractos do programa que publicamos na PO 5 mas é um partido com real base de massas e que se bate de arrumas na mão contra o Khomeiny. Do PC da Nicarágua (ex-MAPML) é que ainda não obtivemos nada mas, pelo que temos lido, parece-nos ser um partido sério, que conjuga uma posição anti-imperialista inequívoca com uma crí­tica aberta aos sandinistas e às suas incoerências.

Tribuna Operária – seguem junto 3 exemplares do nº 0, que temos estado a fazer circular entre sectores operários que toca­mos, para ver se ganhamos base de apoio para a sua edição defi­nitiva. Só por nós não podemos fazer um jornal destes: precisamos de recolher notícias e informações de muitas empresas e ter uma rede de difusores. Vamos usar estes meses do Verão para tentar criar uma equipa de redacção e difusão, com vistas a iniciar pu­blicação regular em Outubro. Está em preparação um encontro sin­dical com activistas de vários pontos do país (alguns deles ex-UDPs) para Setembro. A dificuldade aqui resulta do facto de a ini­ciativa ser disputada por outros agrupamentos e nós não queremos fazer um consórcio de grupos, que acaba sempre em guerras.

O almoço comemorativo do centenário do 1º de Maio, de que já tínhamos falado, fez-se com 130 pessoas, na maioria operários, e intervenções dos representantes dos vários grupos promotores. Teve um efeito positivo na ideia de que se pode começar a reagru­par a esquerda.

cnico/finanças – acabamos de dar um novo grande salto em frente” com a troca da máquina da composição por outra mais evo­luída que nos permitirá agarrar encomendas de livros e trabalhos de mais vulto. Evidentemente, empenhámo-nos até a raiz dos cabe­los (mais uma vez) mas pensamos não estar a ser aventureiros. SÓ o futuro o dirá, e o nosso esforço, evidentemente; discutiremos também este assunto convosco quando cá estiverem. Recebemos os dois vales que mandaram (…) que saldaram as vosas dívidas em publicações. Vocês dir-nos-ão em Julho se têm possibilidade de manter uma quotização regular.

Bonecos Zav – receamos que Zav esteja desgostoso com o pouco apro­veitamento que temos dado aos bonecos. Isto não resulta de de­sinteresse da nossa parte. Pelo contrário, temo-los apreciado atentamente porque sentimos muito a necessidade de comentários gráficos; os reparos que têm sido feitos aos bonecos são os se­guintes; o humor amargo e por vezes brutal (o que  é um de­feito) torna-se em muitos casos difícil de apreender pelo lei­tor comum; as críticas a acontecimentos nacionais surgem com muito atraso, perdendo actualidade; há um certo número de piadas relativas à emigração que só se justificariam como ilustração a um artigo sobre o assunto (ex: a excelente venda de emigrantes às postas) mas a dificuldade é que não temos cartas de Paris.

Propomos pois que o Zav se procure inspirar em temas (nacio­nais ou internacionais) tratados na revista, que não sejam de mera conjuntura eleitoral, para não sofrerem com a perda de ac­tualidade. Sugestões: o povo espera pacientemente na bicha da sopa dos pobres que Cavaco, Soares, Eanes, etc. decidam nos seus congressos se vão aliar-se ou guerrear; parabéns ao gene­ral Pedro Cardoso, super-comandante da nova PIDE; 183 novos de­sempregados em cada dia – avançamos aceleradamente para níveis europeus; Cunhal nega terminantemente que existam divergências no PCP, enquanto atrás da cortina se esmurram eurocomunistas e “ortodoxos”; etc, etc. Também as questões internacionais poderiam ser tema para bonecos: como o massacre dos presos políticos no Peru pelo social-democrata Alan Garcia, na presença da social-democracia internacional; os massacres de negros na Africa do Sul, etc, etc.

Por agora é tudo. Acabamos esta carta para a entregar ao R, que vai partir. Até breve, abraços para vocês de todos nós.