Cartas a MV – 51

Francisco Martins Rodrigues 

Carta a MV (54)

14/2/1997

Caro M:

Estamos apreensivos pela tua falta de notícias. Temos recebido alguns materiais teus (com destaque para os do negacionismo) mas nada de cartas nem de notícias.

Temos sido abordados por alguns assinantes do “Contraponto” que estranham que não tenha saído mais nenhum número e se sentem defraudados. Tens o nº 3 em preparação? Precisas de algum apoio em traduções, etc.? Diz alguma coisa.Mando junto algumas publicações que te podem interessar e uma carta para ti.

A PO 58 será expedida na próxima semana. Teve algum atraso devido a acumulação de trabalho e também a problemas familiares que me têm ocupado demasiado. De qualquer forma, conseguimos recuperar colaboradores que ultimamente estavam a falhar. Acho que não está mal. Fiz um bocado à pressa, como de costume, um artigo lançando alguma polémica com o Bitot, que, a meu ver, desvaloriza enormemente a questão do imperialismo. Espero que ele reaja bem e que a polémica se desenvolva.

Pelo lado da Dinossauro é que não vamos bem. Depois do enorme esforço que representaram para nós os últimos lançamentos (anunciados na PO 57) fizemos contas com a distribuidora e chegámos à conclusão de que temos que parar, pelo menos por alguns meses. As tiragens são pequenas, a tipografia leva muito dinheiro pela impressão e encadernação e a distribuidora já exige 54/o do preço de capa e alargou o prazo de pagamento de 60 para 90 dias, quando não são 120… Tirando a Viagem pela América de Che Guevara, todos os outros nossos títulos saem mal. Mesmo Os meus anos com o Che, em que púnhamos esperanças de recuperar algum dinheiro, está a vender pouco. Esperemos que com o correr do ano e o aniversário da morte do Che, haja maior interesse.

Tem havido alguma agitação operária, sobretudo no Norte, sobretudo mulheres, por causa dum célebre decreto “socialista” da “semana de 40 horas” que, em concreto, está a levar os patrões a considerarem como paragem do trabalho as pausas que até aqui eram pagas. Mas o panorama geral continua o mesmo. Os camionistas estão a contagiar-se um pouco com a greve que agora passou para Espanha mas uma tentativa de bloquear a estrada, ontem, perto de Vilar Formoso, foi logo reprimida com GNRs e cães. Fora disso, são os desfalques e roubos do costume, a bola e a bola…

Quando pensas vir a Portugal? Manda notícias. Abraços para ti e para a V.

Cartas a MV – 48

Francisco Martins Rodrigues

Carta a MV (53)

16/1/1995

 Caro M:

Continuo a receber materiais teus a um ritmo estonteante, o que é óptimo. Só me falta uma prosa tua para a próxima P.O., será que ainda desenrascas algo? Fecho impreterível no dia 24 do corrente.

E uma bela notícia, essa de que virás para cá por um ano. Decerto vão-se arranjar tarefas para te ocupar: o nosso glorioso partido é vasto e conduz actividades em muitas frentes, desde a teoria da revolução ao anti-racismo, desde uma empresa de edições a comités regionais em quase todo o território…

Por agora podes parar com o envio de originais para eventual tradução, pois o nosso conselho de leitura (que por sinal é formado pelas mesmas pessoas que compõem o conselho de redacção da P.O., o corpo de funcionários políticos, a equipa técnica, a contabilidade e o serviço de distribuição) já está submergido por materiais a examinar. Temos a sair um livro dum autor brasileiro-moçambicano[1], que é uma recolha de depoimentos sobre a guerra colonial, em cujo lançamento vamos apostar em força. É a guerra vista pelo outro lado, com episódios tenebrosos mais do que suficientes para deixar engasgados os patriotas cá do sítio que já se aventuram a falar outra vez do “espírito universalista dos portugueses”. Do livro do Thomas[2] envio-te 5 exemplares, para as primeiras impressões. Vou mandar também 3 para o autor (foi o que ele pediu). Do livro “Coração Forte”, igualmente cinco exemplares.

Acabo de receber o teu postal alarmado. Não, não estou doente. Estou em pânico, porque tenho falta de material para fechar a P.O. Desencava aí por favor uma prosa urgente e brilhante. Estou a ver se amanho um artigo sobre o “Marx em liberdade vigiada”, a propósito dos rapazes intelectuais que começam a conceder que “o velho até acertou nalgumas coisas”, desde que se dê como assente que a revolução proletária nunca mais! Também quero ver se faço alguma coisa à altura dos últimos movimentos operários, na Marinha Grande e Pejão (mineiros), deves ter lido algo: cargas da polícia, respostas duras dos operários, marchas sobre Lisboa. Parece haver sinais de que algo muda na disposição dos proletas, fartos de fome e pontapés. Veremos se tem sequência.

Escreve. Um abraço

——————-

[1] Licínio de Azevedo, autor de Coração Forte, ed. Dinossauro, 1994. O título da edição original moçambicana é Relatos do povo armado, ed INLD, Maputo, 1976 (N. de AB)

[2] A Ecologia do absurdo, ed. Dinossauro, 1994. (N. de AB)

Cartas a MV – 46

Francisco Martins Rodrigues

Carta a MV (51)

11/10/1994

Camarada Dinossauro Excelentíssimo:

Tenho visto pelos teus cartões que continuas a gozar férias a um ritmo apreciável e em sítios maravilhosos. E a revolução, como é? Ficas à espera que a gente faça aqui o trabalho todo? Bem podes ir esperando… Ao ritmo que isto por aqui vai, nem no ano 3000. Tirando a revolução da ponte, de que deves ter ouvido falar, todas as outras frentes de luta não dão luta. Neste momento, espera-se pela resposta das centrais sindicais a um plano de “concertação social” do governo absolutamente cínico e miserável, com aumentos de 2,5% (!!), mas pelas conversas moles que os líderes apresentam na televisão é de prever que não vão fazer nada.

Uma boa notícia, ontem, foi a ocupação das instalações da Rodoviária do Sul pelos operários, que sequestraram os administradores durante algumas horas e acabaram por ser expulsos pela polícia. Se houvesse meia dúzia de acções deste tipo, esta burguesia borrava-se toda. Eles fartam-se de dizer que a retoma dos negócios já começou mas o pagode, na parte que lhe toca, não nota retoma nenhuma.

De política, não falemos. O grande desafio, ao nível do PS é saber se vai optar por um oposicionismo sentimentaloide, como querem os soaristas, ou por uma linguagem tecnocrática, europeísta e abertamente reaccionária, como quer o Guterres, para ganhar as boas graças das grandes companhias. Há entre eles grandes divergências sobre
qual a fórmula que dará mais votos (porque é só de votos que se trata, evidentemente, o programa de governo é o mesmo, para Soares, Guterres ou Cavaco). Divergem também sobre qual a melhor maneira de engolir o PC: a chicote ou com abraços. Se continuarem a lutar nos próximos meses, quem vai ganhar as eleições por maioria absoluta é outra vez o Cavaco, a não ser que as dificuldades económicas empurrem as massas para a esquerda.

Outra grande “batalha em perspectiva é a entrada em cena dos aspirantes à corrida presidencial de 96: Jorge Sampaio, um social-democrata chato e sem imaginação, ou Eanes, o eterno general bronco, que o PSD estaria disposto a patrocinar. Estamos bem entregues.

O teu longo artigo sai nesta P.O. (para a semana) dividido em dois: Panamá e Pasqua, espero que aches bem. Agora há que começar a redigir para o próximo número, tem que cá estar até 15 de Novembro, o mais tardar, se não queres voltar a ser inscrito na lista dos redactores a abater.

Parecem-me até certo ponto justificadas as tuas objecções à associação de desertores (da qual, aliás, não voltei a ouvir falar), mas não me pareceu que a iniciativa estivesse a ser apadrinhada pelo Forum Cívico Europeu. Apenas o Zé Mário aproveitou o empurrão dado por esses tipos para pôr em movimento a ideia da associação, o que, se trouxesse a público o debate sobre a guerra colonial e os crimes, ajudaria a descomprimir a atmosfera. De qualquer modo, o medo é muito e o desinteresse maior, pelo que a ideia não conseguiu grandes ecos até à data.

Estive hoje com um nosso assinante de Paris, JR, ex-cabo da Força Aérea, ex-funcionário do PC, ex-preso político, que vive aí há já uns dez anos. É pessoa interessante; embora ainda preso à formação revisa, tem postura dissidente e simpatias anarco-trotsko-maoístas, não sei se me entendes. Se algum dia lhe quiseres falar ou mandar materiais, a morada é: (…).

Obrigado pelo Althusser, estou a penetrar nos meandros da sua história, mas devagar, para não ter algum acesso de loucura.

E que tal os pecadilhos de juventude do “mon ami Mitterrand”? O Bochechas deve estar embatucado com as proezas do seu amado líder e mentor espiritual. Não tarda, vais vê-lo a desfilar atrás do cortejo fúnebre, comovidíssimo. Aceita um grande abraço, até breve.

 

Cem vítimas do fascismo

Francisco Martins Rodrigues

Distribuído no 1º de Maio de 1994

O regime de Salazar-Caetano foi ou não fascista? A PIDE foi ou não
uma organização de assassinos? Estas parecem ser as grandes questões
em debate, neste 209 aniversário do 25 de Abril. Para avivar a memória
dos “distraídos”, recordamos os nomes de cem vítimas, extraídos de um
folheto publicado em 1974 pela Associação de Ex-Presos Anti-Fascistas.
Com uma pergunta: os que se sacrificaram pela liberdade merecem
o espectáculo vergonhoso a que se assiste de reabilitação do
fascismo?
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Cartas a MV – 43

Francisco Martins Rodrigues

Carta a MV (49)

5/5/1994

M:

Com que então, de férias outra vez! Ainda vais ser sujeito a um inquérito do colectivo! Espero que tenhas voltado com as baterias bem carregadas para mais produção
literária.

O livro O futuro era agora saiu. No dia 25 de Abril, lá estávamos nós com a nossa banquinha, na Rua Augusta, cheia de multidão, a apresentar o nosso produto. Vendemos duas dúzias de exemplares, porque as grandes massas estavam mais interessadas nas quinquilharias dos africanos e chineses e no espectáculo de canções que ia decorrer no Terreiro do Paço.

Depois, fizemos o lançamento formal, com todo o aparato (caro como fogo!), no Clube dos
Jornalistas; apareceram umas dezenas de amigos, mas jornalistas, só um! Vendemos mais
umas dezenas de exemplares. A seguir, veio o desfile do 1º de Maio (menos concorrido este
ano), em que distribuímos um panfleto que te mando junto e depois, fizemos um lanche de
confraternização. Vendemos mais umas dezenas de exemplares. Entretanto, negociei com
um distribuidor, que vai colocar o livro nas livrarias e ando a bater à porta dos críticos
literários dos jornais, para ver se se dignam fazer a sua recensão. É assim a vida. Tu
conheces bem este calvário, não é? Enfim, como só imprimimos mil exemplares e vem aí a
Feira do Livro, estou convencido de que, pouco a pouco, há-de ir saindo e que salvamos a
despesa.

E o trabalho em si? A nós, que andámos em corrida contra relógio, a coligir os
depoimentos, a cronologia, etc., deu-nos uma grande satisfação fazê-lo e reencontrar coisas
importantes que já não lembrávamos. O livro saiu limpinho e, apesar de alguns erros, não
nos envergonha. Pelas primeiras reacções, acho que a mensagem vai ser recebida, mas, é
claro, no círculo restrito dos que não se envergonham do 25 de Abril. Este ano, os festejos
do 20º aniversário foram “apimentados” com entrevistas a tudo o que é reaccionário;
tivemos que gramar os salazaristas a darem os seus arrotos contra o “populismo”, a
descolonização, os capitães.

A emulação entre as televisões para conseguirem mesas redondas mais chamativas levou a SIC (do Balsemão) a pôr o parvo do Tengarrinha a dialogar com um pide, com o entrevistador cheio de respeito a recolher as opiniões do “senhor inspector” (que foi justamente o chefe do bando que me torturou em 1966, um Óscar Cardoso, que no ano seguinte foi para Angola como chefe dos “Flechas”). A coisa foi tão sórdida que causou uma reacção geral de indignação, protestos, declarações em massa de ex-presos na rádio e na imprensa, mas, como seria de esperar, acabou por ser tudo capitalizado pelo PS, o arauto da democracia pluralista. Dei dois depoimentos para a TSF e um para o Expresso, mas foram de tal modo “sintetizados” que quase não ficou nada além do meu nome! Foi na sequência desta onda de protestos que fizemos o folheto das Cem Vítimas, que foi bastante bem recebido pelos manifestantes no 19 de Maio e se esgotou em menos de uma hora.

E que tal aí as comemorações pascácias do Prado Coelho e companhia? Estiveste
lá? Sempre conseguiste espalhar o teu papel? Foste preso como desordeiro?

Mandei-te um pacote com 5 exemplares do livro e, mais recentemente, um
exemplar, oferta para ti do editor. Recebeste? Já deste uma vista de olhos? Como creio que
te disse no bilhete que acompanhava os 5 exemplares, o teu texto teve que ser amputado
das partes que já não se referiam ao PREC, porque foi essa a norma que adoptámos para
manter a unidade do tema. Tivemos que fazer o mesmo com muitos outros testemunhos e
um trabalho diabólico de condensação das entrevistas gravadas. De qualquer modo, acho
que a tua colaboração fecha muito bem o conjunto dos textos.
Apesar de termos procurado
compor um mosaico representativo das diversas áreas da “extrema esquerda” da época, há
um peso excessivo de udps. Teria sido preciso mais tempo para chegarmos a outra gente,
mas mesmo assim os anarquistas não têm de que se queixar. O amigo V não saiu
porque me mandou um artigo quase à última hora, e em francês, para eu traduzir!! Disse-lhe que assim não dá, não sei se ficou zangado. Também já não tivemos braços para
considerar a tua justa sugestão de enumerarmos os filmes produzidos sobre o assunto.
Mais grave foi a falta de testemunhos de assalariados rurais e camponeses pobres, mas no
prazo que nos demos, não foi possível ir à busca deles. Fica para a edição do 25º
aniversário!

Agora conto com o teu empenho em promoveres o livro aí junto do pessoal portuga.
Mando junto duas folhas de propaganda, que te podem ajudar a vender a mercadoria. As
eventuais receitas revertem, tal como as da P.O., para o teu fundo de maneio, claro.

O Albatroz 10 chegou aqui já depois de estar distribuída a P.O. 44 e, com a corrida
em que nos metemos com o livro, teve que ficar para trás. Conto tratar da sua distribuição
junto com a próxima P.O., no fim deste mês. É um bocado tarde mas, francamente, não
estamos com disponibilidades para mais. O colectivo cá continua e, apesar de
conseguirmos mais um ou outro colaborador para a revista, gente para trabalhar é que não se arranja. Estamos no osso, esfalfados, e sem tempo para trabalharmos e pensarmos
temas de fundo.
Se puderes mandar-nos alguma colaboração até dia 20 de Maio, será uma
boa ajuda: não tens nada para dizer sobre as eleições para o Parlamento Europeu?

Mando também junto cópia de uma carta que envio hoje ao Tom Thomas. Será que
o podes contactar para acelerar a passagem da declaração que aí lhe pedimos? Ou tens
para nos sugerir algum outro texto que fosse interessante nós traduzirmos e editarmos pelo Dinossauro? A condição para nos candidatarmos ao subsídio é termos na nossa mão uma autorização escrita do autor até dia 30 de Maio e as obras devem obedecer a certos
critérios, como podes verificar pela folha do regulamento cuja cópia envio. Devido ao aperto do prazo, pensámos que o mais viável seria o livro do Thomas, que todos nós achámos interessante e adequado para dar uma pedrada nas teias de aranha ecológico-folclóricas cá do burgo. Diz o que pensas disto, mas depressa!

 

 

Cartas a MV – 41

Francisco Martins Rodrigues

Carta a MV (47)

6/12/1993

Caro M.:

Deves estar a receber muito em breve a P.O. nQ 42, que está na tipografia. Publicámos com destaque as matérias que nos mandaste e esperamos comprometer-te, de modo a continuares. A tua escrita verrinosa faz-nos falta. A carta de Paris é imprescindível. Afinal somos europeus ou não?

O que estava prometido e não veio foi o Albatroz. Problemas com a poluição dos mares? Repetimos o anúncio das últimas publicações Albatroz mas esperamos que até meados de Janeiro haja novidades quanto à revista. Uma coisa que me preocupa é que a colaboração que te mandei já está muito desactualizada. Se vires interesse e ainda for a tempo,
posso fazer outro comentário mais actualizado, mas só se fizer mesmo falta. Diz alguma coisa sobre isto.

O governo está a sofrer um sério desgaste com os efeitos da ressaca económica. O Cavaco perdeu os ares olímpicos e está a dar mostras de nervosismo e insegurança. Ainda agora substituiu quatro ministros e prevê-se uma votação muito baixa nas autarquias, dia 12 deste mês. Afinal o “gigante” PSD aparece com os seus pés de barro. A pequena burguesia, sempre instável, passa da adoração ao retraimento. Os estudantes são como sempre um bom barómetro; em menos de dois anos passaram dum cavaquismo entusiasta para uma aversão ardorosa ao governo, sobretudo depois de terem levado uma carga da polícia nas escadarias da Assembleia.

Na frente do trabalho, também há sintomas, que a comunicação social procura desdramatizar e apagar, mas com algum significado, como a manifestação da TAP no aeroporto, uma greve “selvagem” no porto de Setúbal, uma marcha da fome dos vidreiros da Marinha Grande até Lisboa, uma greve na Lisnave…

Está a passar o centenário do nascimento de Mao e fui convidado, juntamente com a Ana, o Arnaldo Matos (!), Pacheco Pereira (!!) e Pedro Baptista (da ex-OCMLP) para uma semana de colóquios no Museu da Resistência, que é uma coisa dependente da Câmara Municipal de Lisboa e dominada pelos PS. Decidimos aceitar e ir lá largar umas bujardas
em defesa do presidente Mao, embora o público seja bastante restrito. Veremos o que se apura como agitação revolucionária.

Quanto ao “Courrier International”, não me parece que valha a pena renovares assinatura. Eu julgava que tu o obtinhas em qualquer lado de borla. É interessante como informação geral mas para a P.O. pouco adianta e não merece a despesa. O que nos é útil (até pelos desacordos que motiva…) é a revista da “Politis”. Se puderes, continua a enviar, pelo
menos os números dedicados a temas que interessem à nossa área. Outra coisa: podes obter ou sabes onde obter um CD editado há anos e chamado “Obrigado Otelo”?

Abraços para todos.

 

Cartas a MV -37

Francisco Martins Rodrigues

Carta a MV (43)

30/7/1993

M:
Aqui te mando as provas do artigo emendadas. (,,,)

Mando também a introdução que pediste à defesa do preso da FUP. Na carta em
que falavas nisso, não explicavas de quem se tratava e dizias por engano que tinha saído no boletim do MAR. Eu fui procurar, não encontrei e nunca mais pensei no assunto. Agora é que percebi que te referias com certeza ao extracto da intervenção do Alcobia que
publicámos na última P.O. Fiz uma nota curta por não saber bem o destaque que pensas dar ao assunto. Aqui entre nós, não te aconselho muita projecção ao caso; as surpresas
desagradáveis têm sido tantas do lado desta gente que receio qualquer reviravolta súbita. De qualquer forma, a situação destes 3 é escandalosa, assim como a indiferença dos que
conseguiram sair por meio de compromissos, em primeiro lugar o Otelo.

Tenho continuado a receber os teus abastecimentos de revistas e bilhetes. Chegou
também o livro do Tom Thomas, que não me lembro de ter lido. Entreguei os exemplares
dos “Anal/f/abertos” que ofereceste. Estamos a pensar meter uma nota crítica do livro e um
anúncio das edições Albatroz na próxima P.O. Se queres algum destaque em especial,
manda tu o texto do anúncio; se não fazemos à nossa maneira, certo?

Estou a ultimar o artigo sobre o Kautsky. Espero ir uns dias de férias. Tudo corre
pela maior (dentro do péssimo, claro). Um abraço.
:

 

 

Cartas a MV – 33

Francisco Martins Rodrigues

Carta a MV (39)

10/1/1993

Caro Camarada:

Passaste o Ano Novo numa boa? Espero que esteja tudo bem contigo, que tenhas recebido a minha carta de 10 de Dezembro e que estejas a redigir uma Carta de Paris para publicar na próxima P.O.. Aceita-se colaboração até 20 de Janeiro!

Por aqui, tudo sereno. O sol português, que não falha mesmo no Inverno, tem um efeito calmante sobre as lutas de classes. Estive ontem no Porto, convidado pelos estudantes para um debate na Faculdade de Direito da Universidade Católica (!), sobre «O futuro da esquerda». Participaram também o Barros Moura (Plataforma de Esquerda, ex- PCP), Alberto Martins (PS) e Alda de Sousa (PSR). Apesar do tipo de público, passei o tempo a falar de comunismo, derrubamento da ordem social estabelecida, crimes do capitalismo e sua condenação histórica, mentira das liberdades burguesas parlamentares e das soluções reformistas, etc. Só queria que visses os olhos esbugalhados dos moços, era a primeira vez na vida que ouviam tais coisas. É claro que daqui a uma semana já esqueceram tudo, mas ficaram a saber que os tais «dinossauros» comunistas existem mesmo. E os nossos amigos reformistas meteram os pés pelas mãos e ficaram – sobretudo o Alberto Martins – incomodados. Também te mando o artigo que saiu há um mês no «Público» sobre os rivais de Cunhal-

No campo internacional, depois do panorama desolador que te dei na última carta, vieram notícias melhores: no Irão, o Mansoor Hekmat fundou um novo Partido Comunista Operário cujas posições, expostas num boletim em inglês, «International», nos parecem sólidas. Transcrevemos um extracto na próxima P.O. O MLP dos EUA realizou o seu 4º Congresso, no qual se debateram as divergências e se admite a probabilidade de não poderem continuar como partido, mas se afirmam dispostos a preservar uma plataforma marxista-leninista e um núcleo coeso. Veremos.

Publicamos na próxima P.O. um resumo-comentário do livro de Tom Thomas sobre Ecologia, que nos pareceu arejado e bem esgalhado. Ele chegou a tomar conhecimento da crítica que fizemos ao outro livro dele? Deu alguma opinião? Podes mandar-me o endereço dele para eu lhe escrever directamente a ver se ele quer colaborar na P.O.? Do Serfaty, não veio até agora qualquer resposta à carta que lhe mandei. Ou está muito ocupado ou não se quer comprometer connosco. E o «Albatroz»? No teu último cartão dizes que está em preparação. Fico à espera.

É tudo por agora. Aceita um abraço.

Cartas a MV – 32

Francisco Martins Rodrigues

Carta a MV (37)

15/9/1992

Caríssimo:

Não recebi resposta às questões que te pus na minha carta de 14 de Julho: colaboração tua para a P.O., renovação da assinatura do Monde Diplomatique, contacto com o Serfaty, notícias sobre o Albatroz. Estou preocupado com a tua falta de notícias mas espero que estejas apenas de férias, numa boa.

Escrevo-te esta para te dizer que renovei aqui a assinatura do Monde Diplomatique; não faças aí uma em duplicado. Estamos a fechar a P.O., se quiseres mandar alguma coisa ainda vem a tempo. Escreve ou tomamos pública a tua irradiação! Além disso, só te escrevo sobre a política cá da terra quando escreveres uma carta em condições.

Um abraço

Carta a MV (38)

9/12/1992

Caro Manuel:

Só agora, depois de enviada para a tipografia a P.O. nº 37, pude meter-me a pôr em dia a vastíssima correspondência que aflui de todos os cantos do mundo… Respondo à tua carta de 28 de Outubro.

A visita do torcionário Hassan II não está marcada, nem oficialmente confirmada. Já foi mais de uma vez anunciada na imprensa, desde Abril ou Maio, mas depois fica tudo em silêncio. Suponho que há dificuldades no estabelecimento da agenda, interesses económicos conflituais (pescas, conservas). Uma coisa parece certa: do lado de cá, o Mário Soares está interessado em promover a visita e tem lançado periodicamente referências simpáticas a Marrocos na imprensa, além de abafar as referências desagradáveis. Uma coisa positiva foi a aparição recente do Abraham Serfaty num programa organizado pela Amnistia Internacional, no novo canal da SIC (Balsemão/«Expresso»), denunciando a situação dos presos marroquinos. De acordo com a tua sugestão, vou escrever ao Serfaty propondo a redacção desse manifesto, para não sermos colhidos de surpresa se a visita for avante dum momento para o outro. Procurei mas não encontrei fotos de visitas dos grandes chefes lusitanos a Marrocos.

A P.O. passou para 32 páginas e está a ampliar a lista de colaboradores regulares, como verás pelo nº 37 que te chegará dentro de dias. Só a «Carta de Paris» não corresponde. Quando te irritas com algum acontecimento e tens um dos teus desabafos, fazes óptimas cartas; o pior é que te irritas poucas vezes… Será desta que vais mandar algo? Ganhámos um novo colaborador, João Paulo Monteiro, do Porto, que parece ter ideias e sabe expô-las. Diz-me o que te parecem os artigos dele.

 A distribuição da revista também deu um «grande salto em frente»: passámos para 120 pontos de venda na região de Lisboa e estamos a alargar também no Porto e a arranjar outras localidades, tudo na base militante. O nosso sonho continua a ser a passagem à publicação mensal, mas só se assegurarmos uma rede maior de colaboradores certos.

Quanto a outras áreas de actividade, continuamos bloqueados. O único campo em que temos feito alguma intervenção tem sido na questão do racismo e colonialismo, através do MAR, Movimento Anti-Racista. Deslocámos uma delegação a Cádiz em Setembro, onde participámos num encontro internacional contra as Comemorações dos 500 anos dos Descobrimentos; contactos com esquerdas latino-americanas, índios, teologia da libertação, não nos faltam. Continuamos a ir para a rua Augusta fazer agitação anti-racista e anti- descobrimentos. De cada vez, é um êxito quanto à comoção pública que causa, mas, como digo numa crónica que escrevi na última P.O., as reacções de extrema-direita e mesmo abertamente nazis começam a tomar-se descaradas, perante a vacilação e o receio da maioria das pessoas presentes. O ambiente aqui não tem termo de comparação com o do resto da Europa, vai tudo sempre mais devagar, mas, como bons alunos, acabam por lá chegar…

Um teste esclarecedor foram os acontecimentos em Angola, que levantaram na imprensa daqui uma vaga pró-Savimbi que nem queiras saber. Mando-te fotocópia dum artigo que consegui fazer sair no «Público». Agora estou a ver se publicam um outro que para lá enviei, em resposta a um artigo porco do Pacheco Pereira, que me referia entre os rivais infelizes de Cunhal (o velho passou à semi-reforma no congresso do PC que acaba de ter lugar).

Quanto ao terreno propriamente comunista, estamos a bradar no deserto. Espero que não me venham buscar um dia destes para o manicómio. Os nossos contactos internacionais não avançam, recuam. Os norte-americanos andam metidos num debate interno que possivelmente vai dar a divisão em duas ou três partes. Dos iranianos, quase nada sabemos, a não ser que o Mansor Hekmat saiu do partido. E pela tua parte? O último livro do Tom Thomas é interessante, eu tinha preparado um comentário-resumo, mas saltou por falta de espaço, sairá na próxima P.O. Estou a receber o «Monde Diplo».

Pedimos tudo o que vejas por aí de papéis com algum interesse. É tudo, Manel. Abraços de todos nós. Se vieres a Portugal, procura-nos!  

Cartas a MV – 31

Francisco Martins Rodrigues

Carta a MV (36)

14/7/1992

M.íssimo:

 Tenho recebido publicações tuas, sinal de que ainda mexes. A principal foi o livro do Tom Thomas, a que faremos referência na próxima P.O.

Recebeste a P.O. 35? Agradou? Vais preparar alguma colaboração para a próxima? Se a P.O. acabar, és tu o responsável! (Está descansado que não acaba). Andamos a debater a necessidade de passar a mensal e as modalidades em que poderemos fazê-lo, mas esbarramos sempre com o escasso número de redactores e colaboradores. Porque não entras para a equipa? As condições são aliciantes… Seria bom discutir o assunto contigo se por cá passares de férias.

Escrevo-te em especial pelo seguinte: recebi um aviso para a renovação da assinatura do «Monde Diplomatique» e fiquei sem saber se te convém transferir para cá o pagamento. Se não te fizer jeito pagá-la aí, tudo bem: eu renovo daqui. Só te peço que me mandes dizer alguma coisa até 30 de Agosto, para não se dar o caso de fazermos duas renovações.

Outro assunto: poderias arranjar-nos o endereço do Abraham Serfaty? Como deves saber, vai haverem 12/16 de Outubro uma reunião internacional em Puerto Real (Cádiz) contra as comemorações dos 500 anos dos Descobrimentos. A Ana esteve no último fim-de-semana em Madrid numa Contra-Cimeira, fez contactos com os organizadores e estes estariam interessados em incluir o caso de Marrocos na denúncia da agressão a África por parte de Espanha e Portugal. Seria uma oportunidade para divulgar a situação dos presos políticos marroquinos e aqui a presença do Serfaty daria grande projecção ao assunto. Se puderes falar-lhe pessoalmente no caso, seria o melhor de tudo. De qualquer forma, precisávamos da morada dele para lhe dirigir um convite oficial.

Diz o que há com o «Albatroz». Manda as tuas reflexões, sempre bem-vindas neste deserto de debate em que nos movemos. Um abraço