Cartas a JV – 14

Francisco Martins Rodrigues

Carta a JV – 14

14/2/1997

Caro Amigo:

Os teus materiais cá chegaram em boa ordem. No nº 57 metemos um extracto das “Chinoiseries”, dum tal Charles Reeve, conheces? Elucidativo. Sobre a greve dos condutores de camiões, tivemos um artigo programado para o nº 58 (está a sair), demos os teus e outros elementos ao MC (suponho que conheces), mas ele envolveu-se de tal forma num comentário a um recente livro do Dr. Álvaro Cunhal que acabou por nos deixar descalços quanto aos camionistas. Cunhal é fundamental, claro, mas não sei se foi boa a troca. Eu não li o livro do homem, mas a televisão tem-lhe dado algum reclame e ouvi que vai sair uma grande entrevista com ele no Jornal de Letras. O homem quer acabar a carreira como literato, pulir a imagem para a posteridade. E ele e o Soares, a tomarem as últimas disposições para garantir que o funeral será muito concorrido. Aprenderam com o Mitterrand.

Voltando aos camionistas. Agora são os espanhóis que estão a bloquear as estradas. Âs novas realidades proporcionam possibilidades inesperadas de paralisar e economia dum país. E se uma (futura) Federação dos Camionistas Europeus resolvesse bloquear as estradas do continente? O que a televisão dá da greve em Espanha são os protestos dos nossos compatriotas camionistas, ansiosos por trabalhar e indignados com os grevistas que lhes partem vidros, furam pneus, etc. Ontem, dia 13, estimulados pelo ambiente, alguns dos nossos camionistas tentaram bloquear a estrada à entrada de Vilar Formoso mas a GNR atirou-lhes com os cães para cima e a tentativa fracassou, pelo menos para já. Dizia um deles no telejornal: “Não está certo; em França e em Espanha bloqueia-se as estradas e a polícia não intervém; aqui atiram-nos logo com os cães”. É que ele não sabe que à Europa só vamos buscar o que é bom, não os hábitos relaxados. Polícia aqui não brinca. Apareceu mais um rapaz morto, depois de ter sido levado para a esquadra, em Vila Franca. Parece que estava bêbado num bar e molhou um guarda com cerveja. O que é que ele queria? De resto, os polícias juram que não lhe fizeram mal nenhum. Aguarda-se o resultado da autópsia.

Quanto ao material sobre a Guiné-Bissau, lamentavelmente não temos para lá contactos, não lhe pudemos dar destino. As nossas edições é que estão a coxear dos dois pés. O distribuidor impõe-nos condições cada vez mais duras, quer asfixiar-nos, e nós não vemos possibilidade de lançar nada novo pelos tempos mais próximos. O livro do Che “Viagem pela América” vendeu razoavelmente, mas já o último, “Os meus anos com o Che”, da ex-mulher, está a sair pouco. Cada livro é um agravamento dos prejuízos, nada a fazer. Precisávamos de uma rede alternativa de distribuição, apontada para o público que ainda consome coisas destas. A revista é que não pode falhar; por acaso, este número vai sair com duas semanas de atraso, porque os meus problemas familiares têm-me bloqueado.

Se calhar queres que te fale da actualidade nacional, mas não estou em condições. Entre enredos da bola, enredos internos dos partidos, enredos da droga, os telejomais são desmobilizadores. PS e PSD ultimam o acordo para a revisão da Constituição; reina um saudável consenso democrático, pelo menos… Podes pelo menos dormir descansado: quando vieres a férias encontras tudo na mesma. E quando vens? Dá notícias. Abraços nossos para ti e cumprimentos para a S.

Cartas a HN – 13

Francisco Martins Rodrigues

Carta a HN – 13

29/12/1998

Caro Camarada:

Respondo à tua carta de 2 de Dezembro, esperando que as festas de Fim de Ano te estejam a correr bem. Por aqui tudo na forma do costume, nem bem nem mal, antes pelo contrário. Seguiu a P.O. 67 que já deves ter recebido a esta hora, como verás faço uma crítica ao Samir Amin porque as novas perspectivas dele vão dar a velhas receitas do reformismo. Espero que o homem não leve a mal e que possamos continuar a contar com colaborações dele. A Ana está a traduzir um livro dele, “O Eurocentrismo”, que é uma crítica ao imperialismo europeu, será o próximo lançamento Dinossauro. A respeito do Lafargue, trocámos ideias sobre o assunto e achamos melhor não avançar, pelo menos por agora. Receamos que não tenha saída e já sofremos alguns duros reveses que nos deixam de tanga. Estou a mandar-te em correio separado 3 exemplares da “Breve história do Indivíduo” (por agora não há mais disponíveis) e um exemplar do livro de Galeano, que é esse que leste em tempos. Aos preços especiais para assinantes da P.O. fica tudo por 7.400$00. (…)

 Por agora é tudo. Espero que entres bem no ano 1999. Um abraço

Cartas a JM – 3

 

Francisco Martins Rodrigues

Carta a JM – 3

24/5/1986

Camarada:

Respondemos à tua carta de 3/3 que recebemos com muito atraso porque tinha ido para a Rua de São Tomé, donde já saímos há uns meses. Mudámo-nos para uma casa maior, mas onde trabalha exclusivamente a nossa empresa gráfica. Deves por isso dirigir toda a correspondência a (…).

Também nós lamentamos muito o atraso em estabelecermos um contacto mais estreito. Quando o ZB esteve aí a trabalhar no Verão, mandámos um telegrama para a tua antiga morada a propor um encontro, mas veio devolvido com a indicação de “desconhecido”. O B chegou a procurar-te lá mas não conseguiu nenhuma informação a teu respeito. De modo que ficámos à espera que desses notícias. Actualmente, o B já regressou e a possibilidade de contacto entre nós será precisamente nas tuas férias, se te deslocares a Portugal. Seria muito importante conseguir discutir um bocado.

Tínhamos inicialmente a nossa 3ª Assembleia anual marcada para 27/28 de Junho, mas devido ao período eleitoral que se aproxima e que vai exigir de nós algum esforço, resolvemos adiá-la para Outubro. Não será por isso viável a tua participação na assembleia (supomos que vens em Agosto?) mas isso não impedirá de fazermos umas reuniões de debate, conheceres uns tantos camaradas e aperceberes-te melhor da situação por cá, do que é a OCPO e do que andamos a fazer. As condições de trabalho para uma força comunista revolucionária são neste momento péssimas em Portugal, devido ao ambiente de desmoralização que atravessa o movimento operário e a debandada reformista geral, que também já mina as fileiras do PC(R) e UDP. Cá vamos resistindo e tentando abrir espaço, baseados no debate teórico da PO e nalguma actividade sindical. O que é importante é não darmos o flanco a tendências de capitulação e aguentarmos o tempo que for preciso até a onda virar. Penso que temos um núcleo capaz de aguentar e furar.

Tudo isto teremos que discutir calmamente para tu saberes até onde deve ir a tua ligação à OCPO e o que poderás fazer em apoio deste projecto. É claro que o ideal seria tu fixares-te aqui em Portugal mas possivelmente não terás segurança de emprego. Assuntos para discutir, diz-nos rapidamente quando pensas chegar aqui e como nos poderemos encontrar. Um sítio aonde te poderás dirigir é à empresa, na Rua Frof. Sousa da Câmara, 166, Lis- boa (às Amoreiras-Campolide). Se houver desencontro, deverás ligar para … (empresa) ou para minha casa, …. Quanto aos materiais que pedes, fizemos seguir uma encomenda que já deves ter recebido, com factura junta. O valor do teu cheque foi de 5.520$00. Da “Tribuna Comunista” só enviámos o nº 9, com as resoluções da 2ª Assembleia; como os outros tratam de questões internas, não achámos bom enviá-los pelo correio. Poderas lê-los aqui, assim como obteres toda a informação sobre a nossa vida. Quanto ao jornal “Tribuna Operária”, não registámos a assinatura que pedes porque tem por enquanto uma saída irregular. Está agora para sair um nº que te enviaremos.

Enviamos junto um manifesto que distribuímos aqui e a que alguns jornais se referiram, propondo uma coligação eleitoral de esquerda. Não tivemos força para aglutinar os pequenos grupos de esquerda nesta coligação, como seria de prever. Os revisas, assim que souberam das negociações, trataram de ganhar um dos grupos (trotskista) oferecendo-lhe lugar nas suas listas; os outros dispersaram-se, por sectarismo de grupo e rivalidades, mas fundamentalmente por recearem aparecer a disputar publicamente espaço à esquerda do PCP. Enfim, estamos muito crus em todos os sentidos e somos ainda muito poucos para dar batalha a sério ao reformismo. Mas estamos na brecha.

No plano internacional, temos contacto com alguns partidos e grupos comunistas que romperam ou estão a romper com a corrente albanesa, cada vez mais amorfa. Contudo, também nessa frente as perspectivas são de uma luta prolongada, com poucas vitórias e curto prazo.

É tudo por agora. Ficamos a espera de notícias tuas, e sobretudo que nos apareças por aí um dia destes para discutirmos um bom bocado. Um grande abraço

 

PS – Se passares em Paris, poderias contactar o MV (conheces?). Mora na (…) Paris.

 

Cartas a MV – 55

Francisco Martins Rodrigues 

Carta a MV (58)

 15/10/1998

Caro M:

Depois de um tão longo silêncio respondo aos teus postais dos últimos meses. A minha desculpa é a acumulação do trabalho e a complicação da minha vida familiar, que bem conheces.

As nossas actividades continuam no fogo lento a que estamos condenados enquanto não aparecer uma geração com novas inquietações e nova audácia para abanar esta barraca podre. Das coisas internacionais, não preciso de te falar, decerto acompanhas com mais dados do que eu. Cá do Portugalório, as notícias são de “modernidade”: casos de corrupção em grande e uma despolitização atroz das massas populares. Estão neste momento a seguir aviões de combate para o Kosovo, o ministro decidiu sem sequer se dar ao trabalho de ouvir a Assembleia da República para salvar as aparências. O PC protestou mas em voz baixa, está empenhado com o PS na grande campanha pela regionalização, julgam que vão ficar a governar o Alentejo. O pior é que a maioria da população inclina-se para a abstenção ou para o “não”. E mesmo que o “sim” viesse a ganhar o PS dava um pontapé no cu dos Pcs e ficava com as regiões todas.

Dentro de dias vais receber a P.O. 66. Acabámos por não aproveitar a tua sugestão de procurar bonecos do Zav na Eduarda Dionísio, de resto só falamos da Expo a propósito de uma falcatrua que lá houve de um milhão de contos, Como verás, traduzi um capítulo do último livro do Tom Thomas, gostaria de traduzir o livro na íntegra e editá-lo pela Dinossauro mas era fiasco comercial certo, o público daqui ainda não está alertado para os debates em tomo do fim do trabalho e os estudantes só se mobilizam pelas propinas.

Estivemos na sessão realizada pela Abril em Maio sobre a Expo, a Ana fez uma intervenção, encontrámos lá o Samir Amin e fizemos-lhe uma entrevista, vem nesta P.O. É uma cabeça interessante mas as suas perspectivas para a revolução mundial são muito reformistas, embora envolvidas em teses coloridas. Tu verás.

Recebemos os materiais que mandaste sobre o Brecht, desculpa não te ter avisado a tempo que o livro já estava fechado, ficámos por uma edição modesta, sempre com medo das despesas que não aguentamos. Tem-se vendido alguma coisa porque os jornais e os teatros sempre vão falando no centenário.

Agora temos para sair um álbum de postais ilustrados sobre o Império Colonial Português do princípio do século[1], é uma forma de nos associarmos às patrióticas iniciativas dos 500 anos das Descobertas. Faremos apresentação pública no dia 24, vamos a ver que saída tem. Também estamos a preparar uma edição das Veias Abertas da América Latina[2], livro já antigo do Galeano mas que aqui nunca foi editado. Como já se começa a falar nos 500 anos do descobrimento do Brasil, é a altura própria. Vamos a ver o que dá.

E tu, não mandas nada para a P.O.? Nem que sejam uns recortes de imprensa> vai-te lembrando de nós. Quando vens a Portugal? Abraços para ti e para a V.

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[1] O império a preto e branco, colecção de fotografias de época, selecionadas e comentadas por Ana Barradas. (Nota de AB).

[2] As Veias Abertas da América Latina, Dinossauro, 1998.

Cartas a MV – 54

Francisco Martins Rodrigues 

Carta a MV (57)

22/2/998

Meu caro.

A PO 63 seguiu já há dias, deves ter recebido. Vão agora 2 exemplares de cada dos
últimos livros editados pela Dinossauro. Se precisares mais, diz. Estamos a racionar um pouco porque fizemos só 500 de cada, para cortar despesas e agora arranjámos um novo distribuidor a quem vamos entregar 400 de cada, pouco sobra para a distribuição interna. Mandei já 3 exemplares, salvo erro, ao Tom Thomas.

Agora estou a pedir com urgência e premência peças de teatro, poesias ou outros
textos do Brecht, para considerarmos a hipótese de editar um volume por ocasião do centenário que está a passar. Aqui está praticamente tudo esgotado. Podias escolher algumas coisas dele que achasses mais explosivas e mandar-nos? Soube que as obras dele em França foram em grande parte lançadas por uma editora Arche, deves conhecer. Claro que a ideia é fazer traduções sem pedir direitos, se não torna-se incomportável. Não me deixes pendurado![1]

Tenho visto pelas fotos , apelo e outros materiais que tens enviado que a luta dos
desempregados está aí a aquecer. Já não veio a tempo de meter na PO. Eu traduzi e condensei um extenso artigo do Courant Altematif. E a propósito: porque não preparamos o Contraponto 4 com materiais sobre o desemprego na Europa? Nada mais actual. Deves ter muitos elementos. O que é preciso é decidir depressa porque os meses passam.

Na próxima PO publicaremos uma carta do Claude Bitot, que mandou para o
Monde Diplomatique e de que eles só transcreveram uma parte. E uma boa resposta a essa canzoada que por aí a ganir contra os horrores do comunismo. Só num ponto discordo dele e di-lo-ei na revista: é absurdo criticar os bolcheviques por terem tomado a cabeça da revolução e terem tentado levá-la o mais longe possível. Nesse ponto é que o homem descarrila. Como se a opção não fosse entre isso ou traírem as massas que queriam pão, terra e sovietes. As coisas correram mal não por culpa deles mas porque a revolução não dava para mais.

Junto devolvo uma carta para ti que abri por não saber que era pessoal. Um abraço

——————-

[1] Veio a ser editado nesse ano de 1998 pela Dinossauro o livro Brecht. Poesia – Textos – Teatro, “selecção de poesias, textos e peças de teatro radiofónico de um dos mais importantes e influentes autores do século XX”, segundo o catálogo editorial. (Nota de AB)..

 

 

Cartas a MV – 53

Francisco Martins Rodrigues 

Carta a MV (56)

29/12/1997

Caríssimo:

Com a PO na rua, dois livros na tipografia e a mudança de instalações quase completa,
posso finalmente vir pôr a correspondência em dia.

Tenho recebido toneladas de publicações tuas, sobretudo em torno do caso Sokal. Já li boa parte do livro e dos recortes e tenho-me divertido imenso. Afinal os nossos sábios pós-modernos andavam a copiar expressões dos livros de matemática sem sequer as perceber, só para fazer efeito junto dos papalvos. O nosso Prado Coelho, que é um desses papalvos, está para morrer e há mais gente fina de rabo entre as pernas. A B fez um comentário sobre o caso na última PO, que já deves ter recebido.

Como deves saber, o importante nesta terra neste dois últimos meses foram as eleições
autárquicas (pré-campanha, campanha, pós-campanha), com um investimento financeiro nunca visto e também um nível reles a tresandar. E a confirmação de que não há alternativas políticas em disputa mas apenas equipas de administradores a empurrar-se, a pisar-se e a insultar-se para conseguir dar nas vistas e ser escolhidos para os cargos. Desta vez, mesmo a anémica extrema-esquerda (?) se deixou arrastar na onda do
marketing, até o MRPP abandonou as suas tiradas antiburguesas, e foram castigados por isso, porque a votação baixou: perderam os votos de protesto contra o sistema e não ganharam outros em troca porque toda a gente sabe que, como governo autárquico, são inviáveis. Os tristes do PC, apesar de fazerem o reclame da sua administração honesta, levaram uma banhada de todo o tamanho (Amadora, Vila Franca!). O que dominou
foi a polarização nacional entre PS e PSD como os dois únicos candidatos credíveis à gerência da firma Portugal. SA. Toda a conversa sobre a importância cada vez maior do “poder local” e da “regionalização” é só conversa. O que conta é o aparelho central.

Com experiências destas, como não hei-de me tornar antiparlamentarista, mesmo que me
digam que isso vai contra o Lenine? A utilização revolucionária do parlamento está muito certo, mas é preciso termos condições para o utilizar e não sermos utilizados (e mastigados, digeridos e depois… evacuados) como aconteceu ao PCP e ao PC(R). Ando a ver se escrevo um artigo para o próximo número sobre a questão da concorrência às eleições.

E tu, vais mandar algum comentário? Contraponto — Embora não tenha ainda estudado os artigos que propões da Derive/Approdi, duvido que seja apropriado, ao fim de tantos meses, fazer um número dedicado à Albânia e com artigos todos da mesma origem. Poderíamos aproveitar um desses artigos, mas o resto deveria em minha opinião ser mais actual. Tens algum outro material em vista?

Como já te disse em carta anterior, proponho-me traduzir o artigo do Michael Lowy sobre o Che (não sei a tua opinião) e estou disponível para outros trabalhos de tradução. E preciso é que tu ponhas a máquina em marcha. (,,,)

Por agora é tudo. Assim que tiver os livros prontos do Thomas e do Founou, mando-te
5 exemplares de cada, para eventuais vendas aí. Um abraço.

 

Cartas a MV – 52

Francisco Martins Rodrigues 

Carta a MV (55)

5/11/997

Caríssimo:

Estava justamente para te escrever porque os teus materiais têm chegado em barda, em tal ritmo que ficam muitos para leitura posterior. Não me posso queixar.

A PO seguiu, deves ter recebido depois do teu último bilhete. Como terás visto, acabei por fazer um breve resumo da tua nota sobre as rodriguices[1]. Falei com o Carretas, que não me pareceu muito empenhado numa guerra com essas bandas; e pela nossa parte, pareceu-me que à quase totalidade dos leitores seria impossível apreender o sentido da polémica. Conservei por isso o que me pareceu essencial: o elogio da peça e a crítica aos críticos. Tu dirás se achas bem Metemos também uma pequena recensão sobre o Albatroz e ainda a nota sobre o José Manuel Manuel Fernandes[2].

Agora espero uma Carta de Paris para o nº 62, que já começa a dar os primeiros passos. Tem que estar pronto antes do fim deste mês de Novembro, para recuperar o atraso do anterior. A regularidade da publicação tem sido ponto de honra nosso desde o princípio e não quero agora começar a ceder. Para o próximo número estou a preparar uma última resposta ao AN; mesmo que ele volte a responder não continuarei esta polémica, porque vai saltitando de tema para tema e porque usa um estilo acintoso que me é desagradável. Não quero entrar por esse caminho e parece-me já ter evidenciado as mazelas da sua cabeça. Além disso, ele aumenta sempre o tamanho das respostas, de tal modo que ameaça inundar a revista. Neste último, tivemos que guardar metade do artigo. Sai no próximo.

Tenciono também continuar o tema “Europa – o eclipse da revolução”, agora num plano mais actual, tentando responder à interrogação: actividade comunista em Portugal, hoje, o que pode ser? Com sindicatos? Com parlamento? Como fazer para que as reivindicações diárias concorram para acumular forças revolucionárias? Francamente, não sei onde está a resposta, é só para explorar o assunto. O facto é que, dando o balanço às minhas experiências “comunistas” até hoje, só vejo acumulação de forças reformistas, não revolucionárias, e isso tem a ver com a concepção geral dos métodos de luta, não pode ser atribuído apenas às inclinações oportunistas dos Cunhais ou Arrudas.

Estamos a preparar aceleradamente dois Dinossauros: a “Breve história do indivíduo”, do Thomas, agora em revisão final da tradução, e um texto de um professor do Senegal sobre a situação em África (umas 80 páginas) que me pareceu interessante e que ele me autorizou a editar[3]. Não vai ter venda nenhuma, mas é a nossa modesta contribuição para a Expo’98. Diz lá das boas sobre o imperialismo europeu. Assim que estiver pronto, mando-te.

Para o próximo Contraponto não sei se estás já a coligir algo. Proponho-me traduzir o artigo que me mandaste do Michael Lõwy sobre as ideias do Che. Achas bem? Diz-me se tens planos e não te descuides. Quanto ao abaixo-assinado a Estocolmo, acho bem gozado mas ficaria talvez mais eficaz se um pouco mais condensado. Meteste-lhe talvez ideias demais, e a piada sobre Aljubarrota parece-me uma excrescência. Mesmo a boca sobre o Nobel ao Egas Moniz talvez já desvie as atenções do essencial: temos valores pujantíssimos que o mundo não reconhece. Queremos um Nobel! Achas que os brasileiros devem vir na lista? A mim parece-me que o chauvinismo lusitano exige é um prémio para um dos nossos, estão-se marimbando para o Amado ou o Melo Neto. Foi de propósito que não mencionaste o Saramago e o Lobo Antunes? Ao que percebi, vai acesa a guerra e o Saramago promove-se descaradamente. Avança com o apelo Albatroz; mas não me peças para o traduzir, tem uma série de expressões que não domino, além de que é indecente, tu, um português de Guimarães, quereres que eu te traduza os teus texots do francês. Se isso se sabe por aqui, ficas queimado de vez.

Atenção à mudança de telefone e fax, mudámo-nos para a rua (…). . Os Douradores e o Ferragial[4] acabaram! Até breve, um abraço

—————-

[1] Referência ao jornalista José Manuel Rodrigues da Silva, ao tempo editor do Jornal de Letras, que fizera uma recensão sobre a peça ”Bolero”, acabada de encenar por José Carretas. (Nota de AB)

[2] Jornalista então editor do jornal Público. (Nota de AB)

[3] Crise africana. Alternativas, de Bernard Founou-Ttchuigoua, ed. Dinossauro, 1998. (Nota de AB)

[4] Anteriores locais de trabalho da Política Operária. (Nota de AB)

Cartas a MV – 47

Francisco Martins Rodrigues

Carta a MV (52)

30/11/1994

Caro Correspondente:

Os teus cartõezinhos começam a acumular-se e eu sinto-me em falta. A P.O. está praticamente pronta (com o teu excelente comentário, traduzido pela Ana) e vou ter uns dias para respirar.

Recebi o novo texto do Tom Thomas mas ainda não pude lê-lo. O livro dele sobre a Ecologia
está a imprimir, sob a chancela das prestigiadas edições Dinossauro; embora o nosso pedido de apoio financeiro da Comunidade não tivesse resposta (que surpresa!) decidimos avançar porque o tema desperta interesse e a abordagem do Thomas põe em causa muitas ideias feitas; vamos a ver se chocalha um bocado as cabeças nesta infeliz terra.

A Ana já começou a traduzir o Lissagaray que tu pontualmente mandaste, vamos mesmo para a frente. Decidimos suprimir os prefácios, o prólogo do autor, as extensas notas finais, para ver se o reduzimos a umas 350 páginas, e mesmo assim vai ficar muito caro, mas tem que ser. É monstruoso que nesta terra em que se edita tanto lixo nunca ninguém tenha achado interesse em dar a conhecer a história da Comuna de Paris. Pelos mesmos
motivos, não acho boa ideia acrescentar-lhe, como sugeres, o texto de Marx, porque já assim o preço vai ficar pesado e o público para estas matérias está muito reduzido.

Ainda no capítulo editorial (estamos de cabeça perdida!), gostaria que nos obtivesses traduções francesas de algumas das obras do Jack London, de conteúdo social. Recentemente, a Ana traduziu para a Antígona um livro chamado “O Povo do Abismo”, que achámos bestial. Gostaríamos que a Dinossauro também editasse algum. Vimos num registo de edições espanholas títulos dele com. Tempos dificilesNotas de viaje, Fragmentos del futuro. A 10/18 tem muitos publicados.

Também, já agora, poderás obter da Kollontai, as Memórias e a Autobiografia, para apreciação? Dos livros que tens disponíveis, gostaria de receber: Bettelheim, P. Gomes, Guillon, Gogol, Maurice Nadeau, Cavanna. Se te calhar, manda, mas sem preocupações, não há pressa.

Descuidei-me com o teu pedido de mais 3 P.O., vou enviar rapidamente. Agora, sobre o pedido que fizeste quantoa comentar o artigo do Vaiadas para a próxima série do Albatroz: fiquei embaraçado, por não saber muito bem o que escrever a este respeito, e sobretudo por temer que o homem se irrite por ver o trabalho dele acompanhado de comentário. Uma pergunta: do que tem saído na P.O. nos últimos meses não poderias traduzir ou adaptar qualquer coisa? Ficamos torcendo por que a nova série albatrosiana vá por diante.

Espero em breve escrever-te um extenso relatório sobre a situação política nacional e a vitoriosa campanha das forças democráticas para expulsar do poder a camarilha cavaquista. Partiram as pernas e os braços ao movimento operário e agora querem mobilizar as massas à base de agitações das classes médias. Muito fumo e pouca porrada, o Cavaco até se ri. Fiz um comentário sobre isto na P.O. que vai sair. Um abraço.

Cartas a MV – 44

Francisco Martins Rodrigues

Carta a MV (49)

5/6/1994

Caríssimo:

Com a P.O. na tipografia, venho pôr em dia a correspondência. Desde já. para te
tranquilizar: tenho recebido os teus cartões (o relato sobre o 25 de Abril parisiense sai na P.O. nas Cartas do leitor), assim como o vale de 10.000$. Enviei o livro para os cinco nomes que  indicaste.

Perguntas porque não inclui o livro depoimentos do Guinot, Vanzeller, Brochado, etc. Não
foi por falta de os contactarmos, mas por falta de tempo para irmos à procura deles de gravador na mão. Foi assim que arrancámos muitos dos testemunhos, à má fila. Todos se mostravam interessados na ideia mas quando chegava a hora de falar para o gravador ou de escrever, cortavam-se. O BC foi um dos primeiros que convidei mas nunca chegou a dispor-se. O R a mesma coisa. O G quando viu o livro ficou arrependido de não ter contado
a sua história, o B também. O Zé Cigano não respondeu ao nosso convite e agora soube
que tem andado cá pelo país e não nos procurou. É parecido contigo… O V não sei onde
pára. A propósito, disseram-me há dias que o Zé Machado morreu, não sei se de acidente ou de doença súbita.

O livro está a sair razoavelmente mas em venda directa, na nossa área! A distribuidora já o
colocou nas livrarias, está à venda na Feira do Livro, mas, sem referências na grande imprensa, prevejo uma venda fraca. Saiu uma nota curtíssima no
Expresso, outra no Diário de Notícias e uma pequena crítica no Jornal de Letras. Nada mais. O crítico do Público, apesar de muito namorado, não se dignou mencionar. Amanhã vou ao Porto a uma sessão da lançamento nortenha na cooperativa “Gesto”, vamos a ver se a imprensa do Norte diz alguma coisa. Temos que compreender que os rapazes da imprensa fiquem embaraçados com este tipo de literatura, são “guerras” que já não interessam, agora que estamos em plena revisão da história.

Não sei se acompanhaste, mas o 20° aniversário aqui foi dominado pela reavaliação “objectiva da guerra colonial, do Marcelo Caetano, da PIDE… num retorno desbragado da velha direita, dando-se ares de vítima dos “excessos revolucionários”. Não é só aí que andam ocupados em saber se a morte do Luís XVI foi injusta ou se o Pétain foi um “patriota”. Aqui segue-se a moda. De modo que a produção dinossáurica aparece quase como uma obscenidade, a silenciar. Deixa- os andar…

Quanto a novos títulos Dinossauro, julgo que de imediato não podemos pensar nisso,
temos que digerir primeiro o rombo económico desta edição. Apesar de a composição e
montagem serem feitas com o nosso trabalho militante, a despesa da tipografia é brutal. Coisas que tu conheces de sobra.

O Tom Thomas mandou-me a declaração e concorri ao pedido de subsídio para a edição do livro dele sobre Ecologia (o subsídio é apenas para a tradução) mas sem esperança nenhuma de ver dinheiro daí. Esse livro é uma das nossas hipóteses de edição
próxima, embora receemos a falta de interesse do grande público, se a imprensa não disser
qualquer coisa favorável (e não vai dizer, decerto). Mais lá para diante, pensava na hipótese de dar uma redacção unificada e melhorada aos muitos artigos que tenho publicado na P.O. sobre o fracasso das revoluções deste século. Assunto a pensar melhor. Enfim, as Edições, por enquanto vão a meio gás, até por falta de mão-de-obra para assegurar ao mesmo tempo a P.O.

Neste número da P.O. incluímos umas teses sobre as eleições do Parlamento Europeu,
acerca das quais gostava de conhecer a tua opinião. Temos discutido muito pouco o assunto Europa e só temos algumas ideias gerais. O panorama das candidaturas de “esquerda” é lamentável, é tudo reformismo, sem quaisquer rasgos de radicalismo. Frutos da época.

Vou enviar-te os 5 exemplares pedidos do livro e espero que a tua editora brilhe no
mercado da poesia. Um abraço, até breve.

 

Cartas a MV – 42

Francisco Martins Rodrigues

Carta a MV (48)

9/2/1994

Caro M.:

Uma gripe que derrubou toda a gente lá em casa por alturas do fim do ano e depois a lufa-lufa da P.O. (vem hoje da tipografia) levaram-me a adiar sucessivamente a correspondência. Tenho recebido uma série de cartões teus a que só agora respondo, assim como o Albatroz 10. O teu comentário sobre a manif. da escola laica sai nesta
P.O. A nossa secção gráfica agradece a bolsa das cores que ofereceste e que lhes é muito útil.

Também recebi o teu desabafo sobre a militância do V, mas não estranhes, porque a partir de agora e até às legislativas (Outubro 95) vais ver mais gente a abraçar a “causa sagrada” do PS. Já se nota uma disputa acesa para lançarem a fateixa a todos os ex-esquerdistas que por aí andam desasados. Há umas semanas, na série de debates organizada pelo Museu República e Resistência (dependente da Câmara Municipal de Lisboa e portanto do PS), pude ouvir o “educador” Arnaldo Matos lançar um apelo a todos os que pertenceram a grupos maoístas para se encontrarem e debater experiências, para ver como ajudar a “esquerda democrática” a correr com o cavaquismo. Fez várias piscadelas de olho descaradíssimas em direcção ao PS e ao Soares. Em poucos dias, foi entrevistado em várias revistas e na televisão, repetindo, junto com as suas bacoradas “marxistas”, os mesmos acenos. Na apresentação da grande iniciativa do Soares para Maio, o controverso congresso “Portugal – Que Futuro?”, ele lá estava na primeira fila, junto com os pcs, udps, mdps, etc. Para mim, o homem está a soldo do Mário Soares para ver se recupera orlas da esquerda que por aí andam perdidas e metê-las na “grande frente democrática”.

Por aqui podes ver como os chefes social-democratas estão a dar tudo por  conseguirem a
maioria em 95. E têm razão em se esforçar porque sondagens recentes continuam a dar o primeiro lugar ao Cavaco na preferência dos eleitores. Apesar da crise, dos despedimentos, do “aumento” negativo nos salários, de escândalos diversos e feios. Por aí vês como o PS é “amado” pela grande massa e como precisa de angariar nomes e apoios, seja onde for. O caso do teu amigo V é só um no meio da enxurrada.

Houve recentemente umas oportunidades de intervenção pública. Falei na série de palestras do Museu República e Resistência (Dezembro) sobre o maoísmo em Portugal. Estava bastante gente, interessada, e as perguntas e respostas prolongaram-se por um bom bocado. No dia seguinte, falou a Ana sobre a revolução chinesa e a mulher, também com bastante interesse. Noutros dias falou o Arnaldo, o Pacheco Pereira (hoje PSD) e o Pedro
Baptista (hoje plataformista).

Há dias estive noutro debate no Porto, organizado pela Amnistia Internacional, sobre
a Democracia, com o Mário Brochado Coelho e uma professora Helena Vilaça. Houve bastante controvérsia e estive entretido a deitar abaixo as bacoradas “pós-modernistas” do rapaz da Amnistia e a falar para espectadores embasbacados sobre a luta de classes e a ditadura da burguesia. Muito estimulante.

Fui também convidado para entrar num debate na RTP1 sobre Mao mas recusei-me e acho que fiz bem porque só faltava mandarem-me pôr de gatas para ter direito à palavra Os teus amigos Louçã, Arnaldo e Baptista é que não se importaram e lá estiveram a palestrar. Falo nisso na P.O., tu verás.

Albatroz – O A fez uma recensão na P.O. Por mim, gostei particularmente da lista das malfeitorias mitterrandistas. Achei a parte poético-literária demasiado extensa para o meu gosto. Estava à espera de mais sumo político. Mas não faças caso, já sabes que eu sou obcecado. Tu disseste num dos teus bilhetes que nos enviarias 20 exemplares para ensaiarmos alguma distribuição mas até agora não chegaram. Desististe?

20º aniversário do 25 de Abril – Todos os estados-maiores partidários afiam o dente para capitalizar aquilo que lhes convém da data. Entre nós, temos andado a debater a possibilidade da edição de um livro que coleccione depoimentos, artigos e materiais diversos, no sentido de mostrar à nova geração que os 19 meses da “bagunça”
foram os mais criadores da nossa história moderna e de contrastar as iniciativas avançadas desse período com a pasmaceira derrotada em que hoje vivemos. Será que podes dar a tua colaboração a esta ideia, com materiais originais ou outros já anteriormente editados e que tivesse interesse dar a conhecer? Será que nos podes indicar
pistas, nomes a contactar, dar sugestões de trabalho, etc.? Podes enviar dados para a cronologia e a bibliografia? O problema aqui vai ser a escassez do tempo para coligir os materiais e pôr o livro na rua até ao 25 de Abril. Responde rapidamente, por favor, para sabermos se podemos contar com algo da tua parte.

Tenho continuado a receber o “Courrier”. Há semanas, em resposta a uma pergunta tua, dizia que, se pagas a assinatura não vale a pena, porque pouco colhemos desta revista. Recebeste essa minha carta?

Tomámos nota e vamos passar a mandar directamente 5 exemplares da P.O. para a Lusophone. Vou-lhes escrever a anunciar o envio, o preço de venda de 15 francos e a dizer que tratem de tudo contigo.

Recebi 5 novas edições albatrosianas de poesia. Tomáramos nós ser capazes de lançar livros a este ritmo! Mas as edições Dinossauro estão em marcha, o livro sobre o 25 de Abril será o primeiro. E se tu viesses para cá uns meses ajudar a organizar o livro?

Enviei o disco “Obrigado Otelo” para o assinante que me tinha pedido, agora gostava de saber o preço para lho cobrar, não há razão para lhe oferecermos um disco que certamente te custou dinheiro a ti. E, para já, é tudo.

Por aí, tudo bem? Abraços.