Cartas a MV – 25

Francisco Martins Rodrigues

Carta a MV (29)

24/10/1991

Olá, M, só agora respondo aos teus múltiplos materiais, o último de 16/10 com o livro do Tom Thomas.

A última P.O. pode estar um pouco mais arejada, como dizes, mas isso não corresponde a nenhuma activação especial entre nós. Continuamos muito reduzidos e asfixiados. A última Assembleia não correu mal mas não produziu nenhuma discussão de fundo. O debate concentrou-se demasiado na questão eleitoral, com alguns camaradas (Porto) a insistir para não apelarmos publicamente à abstenção, para não se verem atacados e isolados na sua empresa, como “cúmplices da direita”. Houve algumas vozes (uma aberta e outras implícitas) no sentido da concentração de votos na CDU, “para ajudar a deslocar os militantes que lá estão desorientados”. Contudo, não foi difícil concluir pela abstenção. O pior foi que se gastou demasiado tempo nisto. E também num outro debate significativo (também com o Porto): a reclamação de que deveríamos ser menos ideológicos e mais virados para os problemas económicos da classe, a fim de rompermos o isolamento… Sintomas do grande refluxo, que leva os nossos camaradas e sentirem-se acossados.

O debate sobre a União Soviética, em que participaram alguns amigos da revista (faltaram contudo vários outros que esperávamos aparecessem) não adiantou muito, talvez por má preparação nossa. Na falta duma apresentação audaciosa do tema, prevaleceu a confusão da maioria das pessoas, especulações sobre o que vai acontecer a seguir, etc., e não debates sobre o fundo do fenómeno.

Enfim, como terás notado pela notícia da Assembleia na P.O. 31, esta não adiantou muito à nossa história.

Marroquinos – vamos enviar a revista aos dois presos que nos “recomendas”. Estranhámos as declarações calorosas do Serfaty acerca do PCF. Tens algum contacto com ele? Podes mandar-nos a morada dele em Paris? Seria possível debater com ele para evitar que se encoste demasiado aos revisas?

O Frederico do “Expresso” é mesmo o Fred. Foi ele que me telefonou no outro dia a pedir o depoimento. A princípio não quis atender o telefone mas depois lá me convenci que, como .jornalista, podia falar com ele. Publicou só uma parte do que escrevi mas não me sacaneou.

Albatroz – vi a informação de que tiveste um subsídio para o próximo número. Isso é que é sorte! Tenho ideia de que ficou combinado há já tempo eu enviar-te algum texto mas já estou um pouco confuso. Diz-me que género de literatura queres, tamanho, prazo, tudo, para ver se não dou barraca.

Para a próxima P.O., o que é que nos ofereces? Vou ver se faço já de seguida um artigo muito simples sobre o ano 1917, por causa das aldrabices que agora todos os vigaristas escrevem com o maior à-vontade sobre “o golpe dos bolchevistas” contra a pobre democracia que lá existia na Rússia nessa altura. O emérito Espada escreve sobre a “contra-revolução” de Lenine e toda a gente baixa as orelhas! A isto chegámos! Mas não posso passar o tempo a escrever sobre o passado, tu também me dás o toque na tua carta e é verdade, vou insensivelmente concentrando a minha atenção nos tempos antigos, quando é preciso dizer tanto sobre o que acontece hoje. Estarei com a perspectiva do velho combatente a falar dos seus tempos? Não quero! Enfim, ajuda-nos a fazer uma P.O. mais viva, manda coisas da tua lavra. Por agora é tudo. Até breve, um abraço  

Cartas a MV – 21

Francisco Martins Rodrigues

Carta a MV (24)

20/2/1991

Velho M:

Estou aplicadamente a responder e a ausência não é de tantos meses como dizes; a minha última foi em Novembro, nada mau. Tenho recebido um rio de bilhetes, recortes, jornais, até um livro (“Mon ami le roi”). E também as tuas duas colaborações: a última, curta, saiu no PO 28 (por gralha não foi mencionada como “Carta de Paris”); a outra colaboração, com notas e discordâncias sobre a carta aos comunistas americanos já está composta e ere para sair no caderno cor-de-rosa deste nº 28 mas a acumulação de mate­riais sobre o Golfo obrigou a pô-la de parte. Sairá no próximo nº.

Creio que não tens razão nos teus receios a que deitemos demasiadas coisas pela borda fora. Julgo haver na tua visão sobre a URSS ainda uma carga antiga (quanto ao poderio, ao social-imperialismo, etc.) que me parece (que nos parece a nós aqui) desmentida pelos aconte­cimentos recentes. Eu acho a perspectiva que damos hoje nesta PO so­bre a degenerescência e apodrecimento do regime soviético muito mais marxista-leninista do que a que herdámos dos chineses, albaneses, etc. Sem dúvida, o assunto precisa de mais discussão e a tua carta aju­dará a essa reflexão. Esteve cá um dos dirigentes do MU americano e travámos debates, inconclusivos mas amigáveis. Eles prometeram publicar no seu jornal uma resposta à nossa resposta, dentro de alguns meses. Quando a tivermos mandar-te-ei; possivelmente publicaremos.

Golfo: temos estado desesperadamente a tentar agitar as águas pantanosas do consenso pró-americano nesta terra, como verás pela PO 28 e por uma folha da CCIG[i] que aqui te mando junto. Estamos de novo associados com os trotskistas da FER, porque foram os únicos a condenar sem reservas a agressão imperialista americana. Hoje esti­vemos mais uma vez com uma exposição de painéis na Rua augusta e dis­tribuindo comunicados. Suscita uma enorme atenção e discussões por vezes acaloradas, com opiniões fascistóides a vir ao de cima a cada passo. Depois de amanhã vamos fazer nova concentração frente à embai­xada americana, mas não espero mais de duas centenas. Mando-te também fotocópia de alguns artigos que tenho publicado na imprensa, é pos­sível que algum vá repetido; tenho um artigo no “Público” à espera que saia, sobre o “anti-americanismo primário” (a desculpa prefe­rida dos nossos intelectuais vendidos) mas está difícil de sair, desconfio que as minhas hipóteses no “Público” vão acabar.

Recebi o artigo que te mandei “Lisboa a sono solto” tra­duzido em francês, mas não percebi porquê, porque não me voltaste a dizer nada sobre o Albatroz” que iria sair e para o qual te man­dei esta colaboração. São dificuldades financeiras, suponho? Há perspectivas de sair a breve prazo? O V afinal sempre te dá alguma ajuda? Diz-me alguma coisa sobre isto.

Ficámos aqui muito satisfeitos por ter chegado a resposta de Serfaty[ii] e a confirmação de que recebeu a encomenda com a PO. Te­mos estado a enviar-lhe a PO regularmente, espero que a receba. Vou decifrar o texto elaborado pelos presos sobre os recentes acontecimentos em Marrocos, talvez se possa publicar algo no próximo nº. Foi pena não ter chegado quinze dias antes; fiz um pequeno artigo sobre o assunto com base nas notícias dos Jornais, que saiu na PO 28.

Quem apareceu aqui com alguns manifestos mais radicalizados sobre a cruzada do Golfo ainda foram os anarquistas, temos algumas pontas para alguns, procurando vias de colaboração nesta frente. E aí, depois das manifestações que informaste, amainou o ambiente?

Ainda não li a tua intervenção no congresso sindical, che­gou aqui ontem, depois te direi algo.

Quanto ao resto da nossa actividade, segue como normalmen­te, isto é, reduzida a um punhado de “fanáticos” e por isso cheia de deficiências, mas cá vamos. Eu canalizo as minhas fúrias para os jornais; enquanto mas publicarem… Ontem mandei um depoimento para o “Independente” (da direita) sobre o maoísmo.

Um abraço, até breve

 

[i] Comissão Contra a Intervenção no Golfo (CCIG), ver comunicado em https://ephemerajpp.com/2014/12/07/comissao-contra-a-intervencao-no-golfo-ccig/. (Nota de AB)

[ii] Tratava-se do marroquino Abraham Serfaty (1926 -2010), militante e activista político, que foi preso durante o reinado autoritário do rei Hassan II. Esteve quinze meses num cárcere subterrâneo, tendo cumprido dezassete anos de prisão.  Em parte graças a uma campanha internacional a seu favor, foi libertado e viveu oito anos de exílio em França, antes de regressar a Marrocos, onde faleceu. (Nota de AB)

 

Cartas a MV – 18

Francisco Martins Rodrigues

Carta a MV (25)

20/10/1989

Caro Camarada

Respondo aos teus últimos cartões, esperando que já tenhas recebido a PO 21, onde vem uma importante Carta de Paris e uma caricatura muito interessante. Esperamos que haja continuação.

Seguem em carta separada, para a morada da R, três suplementos em francês, com os quais poderás começar uma grande ofensiva nos meios de esquerda parisiense. Dentro de um mês ou dois haverá mais.

Quanto à proposta que fazes de reproduzir o meu texto de há uma dúzia de anos sobre a tortu­ra do sono, com toda a franqueza, não me agrada nem acho aconselhável. Como já vimos na altura, o texto conduz, queira-se ou não, a uma certa justificação das declarações na polícia sob o efeito da privação do sono. E não penso que um posfácio pudesse alterar essa conclusão. Se vi­res utilidade em transcrever alguma parte do tex­to no corpo de um artigo, para dar uma ideia mais concreta sobre a tortura do sono, evidentemente que não tenho objecções. Mas a publicação na íntegra é que me parece inconveniente, pelas razões que já indiquei.

Em todo o caso, para dar uma ajuda ao próximo Albatroz, mandamos algumas revistas sobre a repressão em Espanha que talvez te interes­sem.

Já enviámos novamente a PO 16, como pe­diste. Confirma a recepção.

Continua a enviar Mondes Diplo e outros materiais, que nos são muito úteis, e mais uma vez pedimos colaboração tua para a PO. O próximo número será fechado em 15 de Novembro.

Um abraço

 

 

 

 

Cartas a MV – 13

Francisco Martins Rodrigues

Carta a MV (18)

20/11/1988

Caro M:

Recebi ontem os “Monde Diplom” e a revis­ta socialista-trotskista, que desconhecia por completo. algumas notícias: a festa do 3º aniversário da PO na Voz do Operário teve 200 pes­soas, o Zé Mário Branco a cantar e também uma parte política (com discurso meu e intervenções de operários) que foi muito bem aceite. Verifi­cámos que continua a existir um espaço (pequeno) de simpatia pelas nossas posições.

A PO 16 (novo estilo) teve uma saída mais fácil e já está toda distribuída, o que nunca acontecera. Presta-se mais a vendas mili­tantes à porta das empresas, e também a colocar em quiosques. Consegues a distribuidora de que me tinhas falado?

Esteve o ZM? Como correu? E o Albatroz como vai? A iniciativa dos anúncios de página inteira sobre os presos tornou o nome do Albatroz conhecido a muita gente. Não sei se viste no “Jornal” de 10/11 uma referência ao meu

nome, junto com o Eanes, Vasco Lourenço, etc., como apoiantes da saída de Otelo e adver­sários da violência. Mandei para lá um desmen­tido que publicarem anteontem, mas está a tor­nar-se evidente uma campanha de manipulação pata transformar a campanha pela amnistia a todos os presos políticos numa campanha pela libertação de Otelo, mais um ou outro “não-terrorista”. Houve declarações nesse sen­tido do Mário Soares, do Eanes e um pedido de indulto para Otelo por parte do PCP também o PC(R) vem no último “Bandeira Vermelha” a de­fender abertamente a libertação só para Otelo e a chamar nomes aos outros presos. Tudo se en­caminha para largarem lastro soltando o Otelo (não para já, mas talvez dentro de seis meses ou um ano) e firmarem-se melhor na condenação que deram aos restantes. Será de teres isto em conta na campanha que aí fazes, de acordo?

De resto, os nossos trabalhos por cá continuam, com poucos militantes a fazer muita militância. Não há outro remédio…

Manda-nos notícias tuas e das tuas actividades. Brevemente receberás mais uma folha “De­núncia” da SCR, onde há referências à campanha do Albatroz. Até breve, um abraço

 

 

 

                                  

Cartas a MV – 12

Francisco Martins Rodrigues

Carta a MV (16)

4/7/1988

Só umas linhas para saber se vai tudo bem e para te dizer que penso estar em Pa­ris em meados de Agosto, de passagem. Pode­remos ver-nos e poderás arranjar alojamento por dois dias pare dois (eu e Ana)?

Recebi há pouco tempo um bilhete teu, depois de falares com o ZM, e em que dizes que pensas vir brevemente a Lisboa. Quando será isso? Vamos ver-nos?

Fico à espera de notícias tuas. Um abraço

 Carta a MV (17)

 4/9/1988

Só para te dizer que a minha deslocação aí teve que ser adiada, por motivos alheios à minha vontade. Não sei quando se concreti­zará. Estive com o ZM, conversámos e foi com vontade de fazer o possível ai fora. Tu discutirás com ele a forma de poderem colabo­rar nalguma coisa. Sobretudo a tradução dos artigos principais da P.O. para francês teria para nós muito interesse, porque vão surgindo pessoas interessadas em conhecê-los. Temos acompanhado a iniciativa do ’Albatroz’ em tor­no dos presos políticos portugueses e tenta­remos dar-lhe apoio através da S.C.R.

Neste momento estamos a preparar a PO 16, para sair em meados de Outubro, com um novo visual (maior formato, menos págs, mais bara­ta, com mais comentários curtos), segundo uma ofensiva que decidimos lançar para ganhar lei­tores operários. Tu dirás o que te parece. E o Albatroz? Quando vens a Lisboa? Um abraço.

Cartas a MV – 5

Francisco Martins Rodrigues

Carta a MV (8)

28/5/1986

 

Caros camaradas:

Ainda não recebemos resposta à nossa carta de 14 de Fevereiro e estamos muito preocupados com o vosso silêncio tio prolongado. Esperamos que não seja motivado por quaisquer problemas pessoais graves nem por desinteresse em relação ao nosso projecto. Escrevam mesmo só umas linhas para sabermos que estão bem. Temos recebido os vossos jornais e revistas e enviámos há dias para a vossa mo­rada o último nº 2 daPO”. Algumas notícias:

Solidariedade contra a repressão – organizámos, em colaboração com elementos independentes, FUP e trotskistas e também com a UDP, uma associação que lançou um abaixo-assinado e um boletim, de que enviamos exemplares. Desfilámos no 25 de Abril com faixas da “Po­lítica Operária” e juntos com as famílias dos presos da FUP. Esti­vemos na vigília de Caxias, na véspera do 25 de Abril e lemos lá uma saudação da OCPO. Parece-nos que a luta contra a repressão se torna importante, dado o avanço do regime na criação de estrutu­ras de polícia secreta. Poderão vocês aí em Paris fazer alguma agitação em torno do problema, criar algum comité de apoio, etc.?

Almoço-debate de 5 de Maio – também em colaboração com inde­pendentes, FUP e trotskistas (mas neste caso sem a participação da UDP), lançámos um manifesto conjunto sobre o centenário do 1º de Maio, organizámos a participação conjunta na manifestação da CGTP e vamos fazer um almoço-debate comemorativo, que se espera que tenha de 150 a 200 pessoas. Esperamos com estes contactos “sair da casca” e conhecer gente desorganizada de esquerda com quem possamos trabalhar.

Jornal sindical – já vos falámos deste projecto na nossa car­ta anterior. Fizemos uma reunião em Setúbal com alguns elementos interessados e estamos a procurar criar uma base de ligações que permita a sua edição. Seria uma espécie de Tribuna das empresas, com denúncias, coisa que aqui não existe e faz uma falta tremenda. Estamos a preparar um nº 0, experimental, para ganhar mais apoios.

Assembleia – Está marcada definitivamente para 7-8 de Junho a nossa 2ª Assembleia anual, que discutirá o relatório de activi­dade da direcção, questões de linha política e elegerá a nova di­recção. Enviamos por correio separado a “Tribuna Comunista” nº 5 com os primeiros materiais para discussão. Pedimos que leiam es­tes documentos e nos façam chegar as vossas opiniões, a tempo de serem tomadas em consideração na Assembleia.

Internacional — temos mantido contactos estreitos com o Marxist-Leninist Party dos EUA e vamos receber no dia 16 de Maio um diri­gente deste partido. Preparamos os pontos para debate neste encontro. Informaremos depois do resultado. Começámos também a corresponder-nos com o PC do irão, que nos enviou grande quantidade de publicações que estamos a estudar. Como podereis ver pelo relató­rio, pensamos que começam a surgir perspectivas para um reagrupamento de uma nova corrente comunista internacional independente dos oportunismos do PTA, PC do Brasil ,etc.

Situação financeira – estamos prestes a assinar um contrato pa­ra fazer diversos livros até ao fim do ano, o que nos exigirá e permitirá trocarmos a máquina de composição actual por outra me­lhor. O negócio envolve mais 2.000 contos, mas é a única maneira de ficarmos equipados a sério e podermos aceitar todas as encomendas de trabalhos comerciais. Como calculam, isto é vital para ga­rantirmos a continuidade e independência do nosso projecto. No relatório da direcção à Assembleia, poderão ver os números prin­cipais das nossas contas neste ano de existência.

Neste momento, estamos a apelar à elevação das contribuições e à actualização das que estão em atraso, para podermos fazer face a este novo desafio (…)

E é tudo. O ZB está a trabalhar na Suíça, esperamos que possa regressar brevemente, logo que faça unas massas. Está lá também o ZM quo nos escreveu e apoia a revista. Pe­dimos que não se ocupem a mandar o “Parti san” (passámos a receber directamente) e a “Teoria y practica” (vamos fazer assinatura). Escrevam depressa. E mais bonecos? Um abraço

Carta a MV (9)

26/6/1986

Camaradas:

Temos recebido livros, revistas e bonecos do M, mas só uns pequenos bilhetes a acompanhá-los e não a carta detalhada que postaríamos de ter da vossa parte, para nos apercebermos melhor dos vossos problemas e perspectivas de actividade. Soubemos pelo R que pensam vir aqui em fins de Julho e esperamos nessa al­tura ter um dia para uma discussão a sério de todos os nossos problemas. Seria bom que nos avisassem com antecedência do dia que terão disponível para estar em Lisboa connosco.

A seguir damos as notícias mais importantes sobre o que es­tamos a fazer.

PO nº 5 – Enviamos pelo R apenas 3 exemplares porque sa­bemos que têm bastante dificuldade em colocá-la aí. Se estiverem de acordo, será esta quantidade que pastaremos a enviar. Este número saiu com algumas semanas de atraso por dificuldades de to­da a ordem, mas parece-nos que mantém o nível dos anteriores; ainda não é desta que entramos nos grandes problemas de fundo, mas a pressão dos acontecimentos e o quadro reduzido dos nossos redactores não nos deixou fazer melhor. Como verão, temos um novo colaborador, MC, de quem vocês se devem lembrar. Está disposto a fazer uma série de artigos e a sua perspectiva parece-nos correcta. E colaborações do M? Não compreendemos por que não mandas nada, nem que seja a Carta de Paris. Só se é por não gostar de nós.

Decidimos adiar o nº que calhava no período de férias porque a venda seria muito difícil. O nº 6 sairá em fins de Setembro-princípios de Outubro e tentaremos aproveitar este intervalo maior para trabalhar alguns artigos mais de fundo e, se possí­vel, fazer um nº melhorado para comemorar este primeiro aniver­sário. Discutiremos convosco o sumário e a v/colaboração.

Pensamos também fazer na altura uma campanha de publicidade para tornar a revista mais conhecida. As vendas têm tido uma certa quebra, que aliás esperávamos: houve um movimento inicial de curiosidade que levou a esgotar o nº 1. Mas à medida que um certo número de pessoas de tendência social-democrata se aperceberam da orientação da revista, deixaram de a comprar. Estamos a colocá-la numas 25 livrarias de Lisboa, mais umas 20 na provín­cia, mas a venda principal é a venda militante. Temos umas 100 a 150 de sobras, que se vão vendendo depois lentamente. Aproveita­mos manifestações, Feira do livro, etc., para mostrar a revista a público. O desafio que temos pela frente é descobrir os leito­res de esquerda que ainda ignoram a nossa existência e isso de­pende sobretudo da acção militante.

Assembleia – depois de vários adiamentos, realiza-se em definitivo nos próximos dias 5 e 6 de Julho. Já conhecem o relatório de actividade da direcção que vai ser discutido. Seguem junto as Tribunas nº 6 e 7 e, se possível, ainda vos enviaremos antes da­quela data outras duas que devem sair com materiais para discus­são. A Assembleia está a ser preparada por uma comissão organi­zadora com dois elementos da direcção e três dos núcleos para assegurar completa democracia. Temos feito diversas reuniões preparatórias envolvendo a maioria dos camaradas. Principais problemas em debate, para além dos que estão no relatório;

  • definição da situação de diversos camaradas que têm fun­cionado na prática mais como simpatizantes do que como membros da OCPO. Lutamos pela aplicação do artº 1º dos estatutos, tentando ganhar todos os camaradas como mem­bros activos, mas não conseguiremos evitar que alguns pas­sem a simpatizantes, porque é esse o seu desejo. Ê o caso dc R. Como não há perspectivas imediatas de recruta­mento e entretanto já perdemos alguns outros camaradas, esta situação preocupa-nos. O principal é mentalizar o conjunto dos camaradas para a ideia de que não há nada de dramático na situação de sermos um pequeno grupo, combater o pânico. Há épocas para estar num partido e há épocas pa­ra estar num grupo.
  • a atitude perante as eleições (as que houve e as que pode­rá voltar a haver dentro de meses) tem gerado bastante po­lémica. Embora todos concordem em que essa não é neste mo­mento uma questão prioritária para nós, dada a nossa es­cassíssima influência, o certo é que em torno da abstenção ou não abstenção se geram divergências. A direcção não foi capaz de apresentar um balanço de sua autoria e iremos con­frontar opiniões pessoais; em todo o caso, não pensamos que as divergências sobre esse assunto se tornem graves, pelo menos nos tempos mais próximos.

Quanto àfutura direcção, procede-se a consultas e a co­missão organizadora apresentará uma lista de candidatos à Assembleia. O G saiu da direcção há já meses por razões que todos consideraram injustificadas; na realidade, segundo pensamos, porque nunca se sentiu bem com essa res­ponsabilidade; o ZB teve que emigrar para a Suíça à procura de trabalho por se encontrar em situação aflitiva; está agora connosco (partiu um pé e veio-se tratar cá) mas voltará para lá mais 3 meses, a cumprir um contrato. Está moralizado e garante-nos que estará aqui de vez em Outubro. Os restantes continuam a funcionar, mas muito as­soberbados com trabalho, sobretudo desde que nos começámos a meter mais na intervenção política.

A vossa participação na Assembleia poderá fazer-se, de acor­do com os estatutos, através do voto por correspondência, com quaisquer declarações que entendam úteis e que serão levadas ao conhecimento da Assembleia. Achamos de bastante interesse que o façam, tanto sobre o relatório da direcção como sobre outros as­suntos. Se ainda nos for possível, enviar-vos-emos os projectos de moções que vão ser postos à votação, para que se pronunciem por carta. Achamos que o vosso afastamento não deverá impedir a vossa participação no essencial dos trabalhos.

Internacional – como tínhamos informado, estiveram entre nós dois dirigentes do MLP dos EUA, com quem tivemos uma semana de discussões bastante frutuosas; quando nos encontrarmos em Julho poderemos informar detalhadamente do que se tratou. Para já, re­sumidamente, podemos dizer que há um acordo no essencial; o en­tendimento do marxismo-leninismo como a demarcação nítida dos interesses do proletariado e portanto, a crítica às correntes burguesas democráticas, nacionais, etc., a crítica à linha do 7º congresso da IC, a crítica ao rumo da União Soviética desde os anos 30, a crítica ao PTA, a crítica às revoluções tipo sandinistas, etc. Alguns pontos em que fazemos apreciações diferentes: a corrente ML é ML com erros (tese deles) ou é apenas centrista? centralismo de­mocrático significa monolitismo (tese deles) ou esse conceito deve ser rejeitado? Os últimos 50 anos tiveram grandes vitórias (tese deles) ou devem considerar-se 50 anos de derrotas? não in­teressa destrinçar qual dos dois blocos é mais perigoso (tese deles) ou deve-se dizer que o imperialismo EUA é o principal inimigo?

Vamos continuar a debater mas ficámos com uma impressão geral bastante boa. Eles publicaram recentemente um longo artigo no jornal deles a nosso respeito. Infelizmente não temos cópia feita para vos enviar, mostrar-vos-emos quando cá vierem.

Quanto ao PC do Irão, como já dissemos antes, entrou em con­tacto connosco e mandou-nos muito material que estamos a estudar. Parece-nos ter algumas fraquezas teóricas, como poderão ver pelos extractos do programa que publicamos na PO 5 mas é um partido com real base de massas e que se bate de arrumas na mão contra o Khomeiny. Do PC da Nicarágua (ex-MAPML) é que ainda não obtivemos nada mas, pelo que temos lido, parece-nos ser um partido sério, que conjuga uma posição anti-imperialista inequívoca com uma crí­tica aberta aos sandinistas e às suas incoerências.

Tribuna Operária – seguem junto 3 exemplares do nº 0, que temos estado a fazer circular entre sectores operários que toca­mos, para ver se ganhamos base de apoio para a sua edição defi­nitiva. Só por nós não podemos fazer um jornal destes: precisamos de recolher notícias e informações de muitas empresas e ter uma rede de difusores. Vamos usar estes meses do Verão para tentar criar uma equipa de redacção e difusão, com vistas a iniciar pu­blicação regular em Outubro. Está em preparação um encontro sin­dical com activistas de vários pontos do país (alguns deles ex-UDPs) para Setembro. A dificuldade aqui resulta do facto de a ini­ciativa ser disputada por outros agrupamentos e nós não queremos fazer um consórcio de grupos, que acaba sempre em guerras.

O almoço comemorativo do centenário do 1º de Maio, de que já tínhamos falado, fez-se com 130 pessoas, na maioria operários, e intervenções dos representantes dos vários grupos promotores. Teve um efeito positivo na ideia de que se pode começar a reagru­par a esquerda.

cnico/finanças – acabamos de dar um novo grande salto em frente” com a troca da máquina da composição por outra mais evo­luída que nos permitirá agarrar encomendas de livros e trabalhos de mais vulto. Evidentemente, empenhámo-nos até a raiz dos cabe­los (mais uma vez) mas pensamos não estar a ser aventureiros. SÓ o futuro o dirá, e o nosso esforço, evidentemente; discutiremos também este assunto convosco quando cá estiverem. Recebemos os dois vales que mandaram (…) que saldaram as vosas dívidas em publicações. Vocês dir-nos-ão em Julho se têm possibilidade de manter uma quotização regular.

Bonecos Zav – receamos que Zav esteja desgostoso com o pouco apro­veitamento que temos dado aos bonecos. Isto não resulta de de­sinteresse da nossa parte. Pelo contrário, temo-los apreciado atentamente porque sentimos muito a necessidade de comentários gráficos; os reparos que têm sido feitos aos bonecos são os se­guintes; o humor amargo e por vezes brutal (o que  é um de­feito) torna-se em muitos casos difícil de apreender pelo lei­tor comum; as críticas a acontecimentos nacionais surgem com muito atraso, perdendo actualidade; há um certo número de piadas relativas à emigração que só se justificariam como ilustração a um artigo sobre o assunto (ex: a excelente venda de emigrantes às postas) mas a dificuldade é que não temos cartas de Paris.

Propomos pois que o Zav se procure inspirar em temas (nacio­nais ou internacionais) tratados na revista, que não sejam de mera conjuntura eleitoral, para não sofrerem com a perda de ac­tualidade. Sugestões: o povo espera pacientemente na bicha da sopa dos pobres que Cavaco, Soares, Eanes, etc. decidam nos seus congressos se vão aliar-se ou guerrear; parabéns ao gene­ral Pedro Cardoso, super-comandante da nova PIDE; 183 novos de­sempregados em cada dia – avançamos aceleradamente para níveis europeus; Cunhal nega terminantemente que existam divergências no PCP, enquanto atrás da cortina se esmurram eurocomunistas e “ortodoxos”; etc, etc. Também as questões internacionais poderiam ser tema para bonecos: como o massacre dos presos políticos no Peru pelo social-democrata Alan Garcia, na presença da social-democracia internacional; os massacres de negros na Africa do Sul, etc, etc.

Por agora é tudo. Acabamos esta carta para a entregar ao R, que vai partir. Até breve, abraços para vocês de todos nós.

 

 

Cartas a HN

 Francisco Martins Rodrigues

Carta a HN (1)

6/2/1998

Exmo Senhor:

Foi-me completamente impossível corresponder ao seu amável convite para estar presente no lançamento do seu livro[i] e espero que me desculpe por só agora responder ao seu cartão. Não vi até agora na imprensa de Lisboa referências ao seu trabalho, o que de resto não é de estranhar, dados os critérios e os gostos em vigor. Se entender enviar-me um exemplar para recensão na “Política Operária”, terei muito gosto em dar a conhecer o seu livro.

Sem outro assunto e na expectativa de uma outra oportunidade para nos encontrarmos, envio as minhas cordiais saudaçôes.

Carta a HN (2)

24/2/1998

Caro Amigo:

Agradeço o envio dos seus livros, que já estou a ler com interesse e de que farei recensão na próxima P.O., a sair em princípio de Abril. Verifico pela sua carta que tem em prepara­ção um novo livro sobre o 18 de Janeiro para o próximo ano e que procura materiais relativos à Marinha Grande. Contudo, pela bibliografia referida no fim do seu livro, vejo que consultou prati­camente todos os livros que conheço relativos ao assunto. Poderei talvez conseguir-lhe alguns artigos ou documentos internos, de carácter mais ideológico e de menor valor histórico. Um exem­plo é um artigo que publiquei na Política Operária há anos e que aqui lhe envio com muito gosto. Se entretanto encontrar outros, prometo enviar-lhe fotocópia. Ocorre-me também o livro de Gil­berto de Oliveira Memória viva do Tarrafal, das edições Avante, que faz referência a vários depor­tados da Marinha Grande, António Guerra, etc., e que não vejo mencionado na sua bibliografia. Se estiver interessado, poderei emprestar-lho.

Quando se lhe proporcionar vir a Lisboa, terei muito gosto em encontrar-me consi­go para trocarmos impressões. O meu contacto, além do que vai indicado no cabeçalho, pode ser pelo telefone (…). Sem mais por agora, envio cordiais cumprimentos

Carta a HN (3)

9/2/2002

Caro Amigo:

Estou a responder às suas duas últimas cartas, pedindo desde já desculpa pelo atraso. Registámos a sua assinatura e mando-lhe aqui junto os nº 63 e 64 da revista. Quanto aos números atrasados, temos todos excepto o nº 1. Poderíamos fornecer-lhos se estivesse interessado.

No que se refere à hipótese de colaboração sua, nomeadamente sobre a situação do operariado da Marinha Grande, posso desde já dizer-lhe que nos agradaria muito. Como talvez já tenha notado, a revista inclui sempre artigos enviados por leitores. Preocupa-nos apenas que tenham uma índole de denúncia do capitalismo. Como também decerto compreende, sendo uma revista de tipo militante, não comercial, não nos é possível retribuir monetariamente a colaboração. Posto isto, se tiver notícias, comentários, entrevistas, nomeadamente a respeito da situação do operariado da Marinha Grande, teremos gosto em publicá-las.

Faço votos pelo progresso do seu trabalho de investigação de história do movimento, que me parece escrupuloso. Gostaria de poder fazer o mesmo, mas as limitações da minha vida não mo permitem. Duas notas sobre o caso António Guerra:

Sobre a data da fuga de António Guerra — Procurei no Avante desses anos qualquer referência a essa fuga mas não encontrei nada. O meu único ponto de referência foi o testemunho de Joaquim Campino, que cita no seu folheto “18 de Janeiro Rostos”. Campino foi para Peniche em 1947, segundo diz ali. Durante esse ano falou com Guerra sobre a necessidade de “acabar com a paz podre” que ali se vivia, com o que este não concordou. “Mais tarde — escreve — “aproveitando aquele afrouxamento de vigilância, o António Guerra… tentou evadir-se”. Isto levou-me a situar a data da tentativa de fuga em começos de 1948, E uma data aproximada, reconheço, mas que permite excluir, penso, essa informação de que tivesse sido em 1946. Não concorda?

Quanto aos outros nomes que cita que teriam participado na fuga, nada sei.

Sobre a saúde de Guerra Não referi no meu artigo a informação de que ele sofreria de distúrbios mentais. A ficha prisional refere uma passagem de poucos dias pelo Hospital Júlio de Matos, após a vinda do Tarrafal, o que só por si não basta para pensar que ele tivesse perturbações mentais, a não ser que haja outras informações. Poderia vir em greve da fome, por exemplo, o que, sei por outros casos, era motivo para o preso ser levado pela Pide ao Júlio de Matos para ser alimentado à força. Terá sido esse o caso? Quais eram os padecimentos de Guerra para além da perda de visão? A rapidez da sua morte depois de regressar ao campo de concentração sugere que o seu estado de saúde estaria bastante debilitado, mas poderia não ser mais do que isso. Muitos outros foram ceifados em pouco tempo pelas febres.

Fico a aguardar as suas notícias. Caso tenha colaboração para o nº 66, que só sai em começos de Outubro (paramos sempre nas férias), peço-lhe que a faça chegar até 15-20 de Setembro. Aceite as minhas saudações

Carta a HN (4)

8/7/1998

Caro Amigo:

Agradeço o artigo que me enviou sobre o 18 de Janeiro. Este ano não preparámos nada na PO para assinalar a data. Se a revista não estivesse já na tipografia ainda poderíamos ter posto algo a partir do seu artigo mas recebi-o demasiado tarde. Vai receber a PO dentro de dias e espero que continue a interessar-lhe. Suponho que terá rçcebido a proposta de renovação da sua assinatura, visto que esta caducou no n° 79, há já bastantes meses. Em todo o caso, mando-lhe aqui um novo boletim.

Conto sempre com as suas notícias e informações para enriquecer a revista.

Um abraço

 ———–

[i] Hermínio Nunes, “Augusto Costa, um vidreiro no Tarrafal. Memórias do 18 de Janeiro de 1934, na Marinha Grande”. (Nota de AB).

Cartas a FR – 3

Francisco Martins Rodrigues

Carta a FR (21)

29/12/1997

Caro Camarada:

Desejo que a “Quadra da Família” tenha sido passada da melhor forma possível. A esta hora já deves ter recebido a P.O. 62 onde incluí o artigo sobre o caso do teu filho. A foto, apesar de copiada do jornal, saiu boa. Mas, é claro, não são artigos da P.O., com uma difusão limitada, que vão fazer mexer os nossos homens. Pode ser que as diligências junto do Tribunal Europeu os façam acordar; se assim for, o mais certo é inventarem uma explicação qualquer para a montanha de contradições e absurdos do processo. Infelizmente, não existe uma corrente de oposição popular que os encoste à parede neste como noutros casos. Como viste, o caso do padre Max acabou sem tocarem nos figurões mandantes do crime. O cónego Melo até ganhou um carro de luxo oferecido pelas beatas para ser compensado pelos “enxovalhos” sofridos!

E como vamos de Associação Ateísta? Diz-me o que houver de novo, poderei publicar sob a forma de carta na próxima P.O., pode ser que alguns leitores se queiram associar. Também tenciono fazer- me sócio quando estiver constituída, para já não tenho disponibilidade para contribuir, por aqui está tudo muito apertado, como decerto calculas.

E que tal de eleições, gostaste do espectáculo? Como circo não há melhor, o pior é que nos sai muito caro.

Aceita um abraço e desejos de boa saúde

Carta a FR (22)

7/5/1998

Caro Camarada:

Tenho deixado passar várias cartas tuas sem resposta, mas sei que com­preendes as minhas dificuldades e não levas a mal, não é por menos interesse. Agora que a P.O. nº 64 está na rua e o 1º de Maio já lá vai, ponho a correspondência em dia. Distribuímos um manifesto no 1Q de Maio, que publicaremos na próxima P.O. e também um outro com uma lista de 100 vítimas da PIDE. Mando junto um exemplar. Fez sensação e era disputado pelas pessoas que assistiam ao destile. Levámos uma faixa dizendo “Já só falta pedir desculpa aos pides pelo 25 de Abril”. Foi bastante aplaudida, as pessoas estão mais motivadas com estes últimos escân­dalos do Rosa Casaco[i] e também do bandido do padre Frederico[ii]. Veremos quando chega o dia de romper a barreira do silêncio em torno da morte do teu filho. Pela minha parte, podes crer que apoio no que puder.

Quanto ao endereço que me pedes do jornalista (…) o seguinte: (…)

É tudo por agora. Dá sempre notícias. Um abraço.

Carta a FR (23)

15/10/1998

Foi bom receber notícias tuas. Aqui em Lisboa está tudo na paz dos mortos desde que fechou a célebre Expo, a coisa mais espantosa que o mundo já tinha visto até aos dias de hoje. Agora, para animar a televisão e os jornais só o último caso de corrupção: como de costume, os favores do Estado aos tubarões são na ordem das centenas de milhares de contos, quando não dos milhões. E a “sociedade aberta” com que os nossos homens sonhavam. O outro caso do dia é a campanha sobre a regionalização, que me cheira a mais um grande negócio. As nossas simpatias vão todas para o “não” mas, para não ficar na companhia do PSD e do PP, decidimos aconselhar a abstenção na P.O. Deves recebê-la dentro de dias e não está atrasada, porque é sempre nesta data que sai depois das férias do Verão em que não se publica.

Por agora é tudo. Vai dando notícias. Um abraço

Carta a FR (24)

5/3/1999

Caro Camarada:

Junto envio um Apelo para as comemorações do 25 de Abril que estamos a organizar, num grupo bastante alargado. Haverá uma sessão pública na tarde de 24 e um “julgamento” da PIDE. O texto destina-se a recolher assinaturas para ser publicado. Se estiveres de acordo em assinar e em recolher algumas assinaturas aí em Aveiro, peço que me devolvas até ao fim de Março.

Em relação a dois pedidos teus anteriores, da revista (…) e do endereço do AM, lamento não te poder mandar nem uma coisa nem a outra, porque não as tenho.

Viste a escandalosa absolvição dos assassinos do padre Max? Não há escrúpulos, a palavra de ordem deles é abafar e limpar os crimes relacionados com o 25 de Novembro. Se houver alguma diligência nova em relação ao teu filho, manda-me informações. Um abraço.

Carta a FR (25)

17/10/2000

Caro Camarada:

Espero que a tua saúde esteja melhor e que a operação à perna tenha corrido bem. Acerca da hipótese de recurso para o Supremo no caso do teu filho, não estou a ver nenhum advogado meu conhecido directo que sirva para conduzir o processo. Ocorre-me o João Nabais, ligado ao Bloco de Esquerda e que com certeza conheces de nome, dizem que é bom. bastante combativo. Estaria ele disposto a tomar o caso? E em que condições financeiras? Não te sei dizer.

Agora sobre a Associação dos Ateus. Não julgues que por eu não dar andamento ao caso é por desinteresse meu, mas tenho feito umas sondagens nos meios onde me mexo e não encontrei até agora gente interessada em meter ombros à tarefa e eu sozinho não posso. Não quero meter um apelo na revista sem ter algum ponto de partida para dar seguimento. Se faço um apelo e cai no vazio isso contribuirá para desacreditar a ideia. Já publiquei em tempos uma carta tua com a proposta e posso publicar novamente, a ver se há reacções. Uma forma de sensibilizar os leitores da revista seria pela publicação de textos de crítica à religião. Tens alguns que me emprestes para ver a possibilidade de publicação?

Os nossos agradecimentos pelos 1.000$ que enviaste, vêm na próxima P.O. na lista de apoios recebidos. Como verás, houve uns tantos amigos que corresponderam, espero que outros se resolvam. A ver se ultrapassamos as dificuldades em que nos debatemos de há um tempo para cá. Acabámos por não publicar o discurso do Louçã, não por termos alguma coisa contra, mas em todos os números fica sempre algum material de fora por falta de espaço.

Como verás na PO, fazemos no próximo dia 4 de Novembro uma sessão em Lisboa, a propósito dos 15 anos de publicação da PO. Convidámos duas pessoas do Brasil e haverá debate. Em princípio de Dezembro faremos outra sessão, para que convidámos o Samir Amin e Tom Thomas. Se possível seguir-se-ão outros debates. Se por acaso estiveres em Lisboa de visita gostaríamos que participasses.

Até breve, caro Camarada, aceita um abraço com desejos de muita saúde e bom andamento para o processo relativo ao teu filho.

Carta a FR (26)

20/6/2001

Estimado Camarada:

Por esta altura deves estar chateado comigo, e com razão, porque há muito não dou resposta aos problemas que me tens posto. Eu tenho a minha desculpa, que foi a tragédia da doença e morte de uma minha irmã, pessoa deficiente de quem eu cuidava e cujo desaparecimento me abalou bastante. Durante estes últimos dois meses, tenho continuado o meu trabalho como habitualmente, na edição da revista e dos livros mas reduzi a correspondência ao mínimo. Por isso as tuas cartas ficaram em arquivo todo este tempo, como as outras. Estou agora a pôr o correio em dia.

Em primeiro lugar, a tua saúde, como vai? Espero que continues rijo.

A razão de não ter falado recentemente no caso do teu filho é a falta de elementos novos. Como sabes, numa revista ou jornal é preciso renovar e refrescar o assunto com factos novos para interessar o leitor. Tenho estado à espera que surgisse mais alguma declaração ou decisão das altas esferas para onde tu tens apelado, para poder voltar a atacar o assunto. Mas não quer dizer que não volte a falar, mesmo que não haja factos novos. Logo que haja oportunidade, recordaremos a morte do teu filho e as circunstâncias em que se deu, exigindo um inquérito. O Brochado Coelho não pode fazer mais nada?

O assunto do ateísmo: a minha ideia é preparar um pequeno livro ou folheto. Por isso te pedi algum material. Estou a tentar recolher várias coisas para dar corpo ao livro, também da parte dos anarquistas, eles dedicam-se bastante à crítica da religião. Até agora os elementos que tenho não são suficientes mas espero que o livro vá avante, porque é daqueles assuntos tabu, ninguém quer falar para não se queimar com a padralhada. Quanto à associação que tu tens proposto: como já te disse, eu não tenho disponibilidade de tempo para me pôr à frente. Darei uma ajuda se um grupo de pessoas quiser pegar no assunto. Tenho falado por aqui e por ali, mas até agora sem êxito. Não estou muito inclinado a pôr um anúncio na P. O. sem ter algum ponto de partida, um núcleo de três ou quatro pessoas que queiram trabalhar mesmo na propaganda. Veremos como a coisa corre. Entretanto, se souberes de mais algum livro ou artigo de interesse, diz-me que eu tentarei arranjá-lo para a publicação que tenho em vista.

Dizes-me numa das tuas cartas que estiveste muito tempo sem receber a revista. Fico admirado porque a expedição nunca falha, temos-te mandado sempre. Só se há aí algum problema com a distribuição, vê lá. Quanto à situação financeira, agradeço o apoio que mandaste e não estou à espera que faças mais sacrifícios. Aqueles que têm posses é que devem ajudar. E foi o caso, nesta dificuldade que atravessámos. Como deves ter lido na P. O., vários amigos ofereceram-nos equipamentos para podermos continuar o trabalho. Agora estamos mais desafogados. A revista vai continuar e as edições de livros também. Estou a preparar um sobre a vida do Marx e outro sobre o sistema prisional nos Estados Unidos, a exploração do trabalho dos presos é um dos maiores negócios do capitalismo americano, já têm dois milhões de presos, e ainda falavam eles do Gulag dos russos.

Quanto a outras actividades é que vejo pouca gente disponível. O Bloco de Esquerda está por aí a mexer, como tens visto, e conseguiram agrupar pessoas que estavam paradas há muito tempo. Mas estão muito voltados para eleições e eu aí, francamente, não vejo interesse na situação actual. Precisávamos de formar grupos e associações em todo o lado, pôr gente a atacar o sistema. Parece-me que vêm aí tempos de crise económica séria, vai haver muita gente que vai despertar. Enfim, fazemos o que está ao nosso alcance, esperemos que os mais novos percebam no que estão metidos e vão à luta.

Velho camarada, muita saúde e aceita um grande abraço

Carta a FR (27)

3/5/2005

Caro Camarada:

Registei a renovação da tua assinatura da revista. Em relação à sugestão que me fazes de uma edição de livro sobre o assassinato do teu filho, lamento ter te dizer que não é viável. É um género de livro que a empresa distribuidora certamente não aceitará e portanto teria que ser vendido de mão a mão, o que dá uma venda muito reduzida e não cobre os custos de tipografia. Qualquer livro que eu faço para a Dinossauro custa, só na tipografia, para cima de 1.500 euros e este dinheiro só se recupera desde que a distribuidora encomende umas centenas de exemplares. Não tenho maneira de chegar às livrarias directamente, eles só aceitam os livros através de uma distribuidora.

A única hipótese num caso como o teu é uma edição de autor mas que, como te disse, fica muito cara. Se quiseres estudar a hipótese de mesmo assim fazeres uma edição tua, poderia encarregar-me por minha conta de todo o trabalho inicial (revisão, paginação, montagem) e pedir um orçamento a uma tipografia para a parte de impressão. Podes prever quantas páginas aproximadamente teria o livro? Meter fotos é que não convém porque encarece bastante o preço.

Isto é tudo o que te posso dizer sobre o assunto e crê que não há falta de boa vontade da minha parte. Compreendo e compartilho a tua indignação pelo silêncio que o poder faz em torno da morte do teu filho. Aceita um abraço fraterno do

———————

[i] Rosa Casaco foi funcionário da polícia política PIDE/DGS  durante  37 anos, chegando a inspector. Chefiou a brigada que assassinou Humberto Delgado em Badajoz.  Nunca foi julgado por nenhum crime.

[ii] O padre Frederico, brasileiro de 42 anos, foi condenado pelo tribunal de Santa Cruz na Madeira a 13 anos de prisão, pelos crimes de homicídio e abuso de menor. Gozando de cumplicidades, evadiu-se e vive actualmente no Rio de Janeiro.

Cartas a FR – 2

Francisco Martins Rodrigues

Carta a FR (13)

5/1/1990

Caríssimo Camarada

Só agora tive ocasião de responder à tua carta de 2 de Novembro. Espero que tenhas tido boas entradas no ano de 1990.

Como certamente sabes, está a decorrer uma greve de fome iniciada pelo Ramos dos Santos e apoiada por outros (cinco até à data. O Ramos completou três anos de prisão preventiva em 30 de Novembro; deveria ter sido libertado, como fizeram com o Otelo e os outros, mas recusam-se a libertá-lo. Já foram metidos dois habeas corpus, até agora sem resposta favorável. Ele está bastante enfraquecido, já perdeu quilos e está sujeito a uma crise cardíaca. Tem sido visitado por todos nós e por diversos médicos e está bastante animado.

Fiz um pedido para sermos recebidos pelo Presidente Bochechas, mas o pulha até agora não deu resposta. Vamos lá no princípio da próxima semana, assim como ao Provedor, Assembleia da República, PS, PCP, etc.

Com tudo isto e com o esforço para manter a saída regular da revista, já calculas que não proposta sobre a posso pensar na tua Associação do Ateísmo. Somos poucos para tantos problemas.

E que me dizes à crise do Leste e do PC? Os falsos comunistas e socialistas estão a abrir falência, o que é bom, mas o pior é vermos os americanos a fortalecerem-se com tudo isto. O caso da invasão do Panamá é impressionante. Quem será a próxima vítima?

Por agora é tudo. Já sei que não deixarás de fazer aí tudo o que estiver ao teu alcance em apoio dos companheiros. O Carlos Antunes está-se a portar muito mal neste caso.

Um grande abraço e desejos de muita saúde

Carta a FR (14)

6/12/1993

Caríssimo Camarada

Gostei muito de ter notícias tuas e de saber que continuas cheio de força. O meu projecto de te visitar tem sido sucessivamente adiado, porque me desloco cada vez menos e até o LGo há muito que não vai ao Norte. Registámos a tua assinatura e publicamos a tua carta. Nada temos a opor às tuas propostas, a não ser a nossa falta de qualificação para promover essa união dos revolucionários e dos ateus que propões. Vamos editando a revista com bastantes dificuldades e na esperança de que gente jovem desperte para as questões da emancipação social e faça aquilo que não somos capazes de fazer. É bem verdade, como escreves, que a burguesia só se derruba com armas na mão e não com palavras. Mas para que surjam pessoas dispostas a pegar em armas, muitas palavras terão ainda que ser impressas. Não nos envergonhamos por este nosso modesto trabalho de propaganda – ele é indispensável. O que é preciso é que as palavras esclareçam e animem vontades revolucionárias em vez de semearem a confusão e o conformismo, como fazem quase todos por aí. Esperamos sinceramente que a revista te agrade e que a leves ao conhecimento de amigos teus.

Aceita um abraço e até um dia.

Carta a FR (15)

28/4/1994

Caro Camarada:

Só agora posso responder às tuas cartas. O trabalho de preparação do livro tem-nos ocupado bastante nas últimas semanas. Já mandei o teu exemplar pelo correio e fico à espera da tua apreciação. Se conseguires angariar aí (…) mais algum comprador, será uma forma de nos ajudares a recuperar a despesa da edição. Temos muito mais vantagem nos exemplares vendidos directamente por nós do que naqueles que entregamos à distribuidora, que abocanha logo 55% do preço de capa. Também, nas livrarias vai vender-se a 2.300$00 + IVA, é a única maneira de recebermos algum.

Ainda bem que te agradam os artigos que tenho feito na P.O., o que é preciso é malhar na burguesia; o bicho tantas há-de levar que algum dia há-de ir abaixo, não te parece? Agora, quanto à campanha que pedes para desenvolvermos, de denúncia do assassinato do teu filho, talvez tu não tenhas uma ideia actual das nossas forças, que são muito limitadas. Dão para irmos editando a revista e nada mais. A pouco e pouco, as pessoas que alinhavam nas posições revolucionárias foram escasseando e agora encontramo-nos reduzidos a um pequeníssimo núcleo. Vamos a ver quantos aparecem depois de amanhã para segurar a nossa faixa na manifestação do 1º de Maio. A faixa diz: “Nós também somos culpados do 25 de Abril”. Que achas? Foi a maneira que encontrámos de protestar contra o descaramento de trazerem um pide à televisão nas vésperas do 25 de Abril e não só: toda a casta de salazaristas são agora ouvidos como grandes autoridades para explicar a queda do regime, falar dos sentimentos democráticos do Marcelo Caetano, atribuir a democracia ao mérito do Spínola, etc. Ninguém diz a verdade simples: o país estava na posse duma associação de bandidos e os pides eram os que faziam o trabalho mais sujo e repugnante ao serviço dos outros.

Em conclusão: para além do que já temos feito várias vezes, ou seja, publicar artigos na P.O. lembrando as circunstâncias suspeitíssimas da morte do teu filho[i], nada mais podemos fazer. Eu sei que é muito pouco porque a circulação da revista é muito reduzida. Mas talvez nem seja isso o mais necessário, porque o caso é já hoje do conhecimento de muita gente, graças aos artigos que tens conseguido fazer sair em grandes órgãos de imprensa. Talvez o mais importante para desbloquear o processo fosse um advogado que tomasse o caso a peito, como fez o Brochado Coelho com o assassinato do padre Max (e mesmo assim sem conseguir resultados até à data). Que pensas disso? Duma coisa podes estar certo: da nossa solidariedade em tudo o que estiver ao nosso alcance.

Aceita as nossas saudações revolucionárias e desejos de boa saúde.

Carta a FR (16)

6/6/1994

Caro Camarada:

Com base nos documentos que mandaste sobre o caso do teu filho, fiz um artigo que sai nesta P.O. (amanhã ou depois estará na rua). Reproduzimos a fotocópia dos despachos contraditórios do Hospital Militar, para não deixar dúvida de que houve grossa tramóia em todo o caso. Espero que os argumentos com que apresento o assunto estejam correctos, tu verás se o assunto foi bem tratado.

Já enviaste essas fotocópias para a grande imprensa? Pode ser que algum jornalista se decida a agarrar novamente no assunto e quebre a barreira do silêncio, agora que estão a vir ao de cima vários casos de ilegalidades. (…)

Aceita um grande abraço meu, com desejos de coragem para continuar a luta.

Carta a FR (17)

16/1/1995

Camarada:

Lamento muito o novo golpe que sofreste e espero que mantenhas ânimo para enfrentar mais esse grande desgosto. Eu, infelizmente, tive que acompanhar nos últimos meses a doença e morte duma irmã minha e sei as marcas que isso nos deixa.

Faço seguir pelo correio o livro que encomendaste. A revista deverá estar pronta na primeira semana de Fevereiro e lá vem o comentário acerca da morte do teu filho. Aceita abraços de todos nós, com desejo de muita saúde e coragem.

Carta a FR (18)

6/10/1995

Caro Camarada:

Desculpa a demora em responder-te, mas aproveitei para tirar umas férias e só agora retomo actividades. Não tenho dúvida em dar-te apoio na questão dos processos que queres consultar mas creio que isso passa em primeiro lugar por uma procuração tua e mesmo assim, sendo como são os gajos que tomam conta da Torre do Tombo, é de duvidar que atendam o pedido. Julgo que tens lido os artigos do Fernando Rosas e de outros professores que protestam porque o facho que lá está em director daquilo arranja sempre pretextos para não permitir a consulta dos documentos. Em todo o caso, se me passares uma procuração, eu vou atacar o animal no seu esconderijo. Nome: Francisco Martins Rodrigues, B.l. 6481598, Arquivo de Lisboa, 7/5/84. Creio que é suficiente.

Espero que a tua saúde vá menos mal. Aceita um abraço do camarada

Carta a FR (19)

19/5/1996

Caro Camarada:

Estou a preparar um artigo para a próxima P.O. com base nos dados que me enviaste sobre a morte do teu filho. Sei que é pouco mas é o que está ao nosso alcance. Tudo mostra que existe de facto uma conspiração em alto nível para bloquear as investigações em tomo do caso – quando estão em jogo os comandos da tropa, os juízes metem o rabo entre as pernas. A impunidade é tão grande que agora até já gajos da GNR chegam ao ponto de matar, decapitar e enterrar um preso (um negro?) para esconder o crime, à moda do Brasil. É o que está hoje a rádio a noticiar. Era motivo mais que suficiente para o ministro se demitir de imediato, mas envolvem tudo em palavreado chocho e lá vai tudo andando como se fosse o incidente mais natural desta vida.

Tens mais que razão quando propões a formação de associações de ex-presos políticos e de ateus. São mais do que necessárias para fazer contracorrente neste clima podre de pretensa normalidade democrática, em que o grande capital manipula as pessoas a seu bel-prazer. O nosso problema, já te tenho dito, é a escassez de pessoas dispostas a empenhar-se. Vamos editando a nossa revista com grandes dificuldades, lançando um ou outro livro de denúncia do capitalismo e esperando por melhores dias, que outros venham ajudar-nos para o nosso lado. Algum dia será.

Sobre a tradução do “Trabalho Assalariado e Capital” de Karl Marx, gostaria que a enviasses quando possível para o nosso apartado. É uma obra fundamental e poderiam proporcionar- se condições para a editarmos num livrinho.

Junto envio um livro de poesia recentemente editado pela Dinossauro[ii], com um grande abraço solidário e desejos de boa saúde

Carta a FR (20)

14/7/1996

Caríssimo:

Só agora respondo à tua carta de 26 de Junho. Desculpa o atraso mas meti umas curtas férias, para relaxar. Recebi o texto mas, por coincidência, encontrei-o, poucos dias depois, na Feira do Livro. Existe numa edição do PC, Editorial Avante, e barata. Concluímos que não teríamos saída para o livro e que seria só despesas. Desistimos, portanto da ideia e só é pena não nos termos informado primeiro, escusavas de ter o trabalho e a despesa de nos mandar o original. Se quiseres que to devolva, diz.

Quanto aos outros projectos, só te posso repetir o que já tenho dito: não temos contacto com gente interessada em criar as associações que propões. O P há muito que o não vejo. Aquilo pelo lado deles também não anda fácil. Por muito que nos custe, será necessário aguardar que surjam melhores condições, uma corrente de interesse que dê força a essa ideia. Não deixaremos de fazer a propaganda possível na P.O.

O que responderam os partidos à tua última carta sobre o teu filho? Nada, natural­mente. Precisavas que a televisão se interessasse, daria outro impacto. Já tentaste escrever ao Carlos Narciso, que faz os “Casos de Polícia” na SIC? Se ele te entrevistasse, a coisa dava barulho e teria que haver alguma resposta do poder.

Dá sempre notícias. Aceita um abraço do camarada

————–

[i] Júlio Pires Ribeiro, capitão da Força Aérea, que apareceu morto na Base 3 de Tancos depois de cinco dias de prisão por ter ajudado para-quedistas revoltosos. (Nota de AB).

[ii] AAVV, “Notícias da Raiva”. (Nota de AB).

Cartas a FR – 1

 

Francisco Martins Rodrigues

Carta a FR (1)

19/9/1988

Caro Camarada R:

Na ausência momentânea do L, respondo à tua carta de 12/9, para não ficares a aguar­dar resposta.

(…) Quanto às verbas que tens enviado para a Solidariedade, têm sido devidamente registadas. Mas como houve interrupção das reuniões devido às férias, o próximo “Denúncia” só deve sair em Outubro e aí virão as verbas que falta mencio­nar.

Sobre a questão do ateísmo, julgo que há algumas pessoas interessadas (é o nosso caso na P.O.) mas a sobrecarga de trabalhos é já tão grande que não vejo que possamos para já dar ajuda. Seria preciso reunir mais pessoas interessadas, reunir materiais de propaganda, fazer um boletim, etc.

A minha visita ao Otelo está marcada para amanhã. Espero também quo um dia destes, ou eu ou o LGo possamos visitar-te aí (…), para conversarmos sobre os nossos tra­balhos.

Aceita um abraço e desejos de boa saúde

Carta a FR (2)

10/10/1988

Caro Camarada:

Em resposta à tua carta de 22/9, que agradeço: estive com o Otelo[i], gostei de ver que se mantém com o moral elevado, mas receio que ele esteja iludido sobre a boa vontade que julga haver de muitos sectores para resolver o caso das condenações. Ele diz sempre clara­mente que não aceita soluções individuais só para ele, o que é muito justo. Espero voltar a ter ocasião de o visitar brevemente.

Quanto à entrevista que referes no “Expresso”, li-a de facto e, embora não esteja por dentro dos assuntos que há entre os presos, acho que levanta questões sérias que devem ser ponderadas. Como deves calcular, a posição em que se colocam esses dois presos tem afinidades com as opiniões que a OCPO tem defendido na revista. Pessoalmente, acho que houve um erro de início na ideia arreigada de que Se poderia formar uma espécie de frente de pessoas de es­querda, sem definições ideológicas rigorosas. oou adepto da necessidade de constituir um partido comunista (não comodista), que possa ser como uma espécie de coluna vertebral de todo o imenso trabalho que é preciso fazer para uma revolução ter êxito. É natural que esta minha opinião se afaste muito do que tu defendes na actualidade, suponho. Mas isso não impede que troquemos ideias em busca do que a todos nós interessa alcançar. Aguardo com muito interesse a tua opinião sobre a nova série da “Política Operária”, que te será enviada na próxima segunda-feira.

Li a cópia da carta do VG. Como te disse antes, o terreno da propa­ganda ateísta é um dos que, quanto a mim, mais estão a precisar de intervenção organizada.

Sem darmos por isso, estamos já todos cobertos de teias de aranha e os tipos cada vez são mais arrogantes. Espero bem que em breve haja forças disponíveis para darmos una bofetada na cara dessa gente, acabando com o argumento (inventado pelo PCP) de que não se pode falar contra a religião para não ofender os católicos honestos. E eles podem ofender-nos a nós?

Até breve, espero. Um grande abraço

Carta a FR (3)

15/11/1988

Caro Camarada:

Desculpa só hoje responder às tuas cartas de 27/10 e 8/11, mas a preparação da nossa festa ocupou-nos todo o tempo. Felizmente correu tudo bem, foi um êxito, e espero que alargue a difusão da revista.

A “Denúncia”[ii] nº 9 deve ficar hoje aprovada e será rapidamente impressa. Tem demorado por causa das discussões sobre como devemos comentar as iniciativas e declarações recentes sobre o ca­so Otelo, que deves ter lido nos jornais. Está a haver uma manobra para resolver o caso Otelo à parte (declarações de Soares e Eanes, pedido de indulto do PCP). Inclusive vou agora escrever uma carta para o “Jornal” rectificando por terem posto o meu nome entre os apoiantes da “solução política” do caso.

Por tudo isto, não sei se as nossas opiniões sobre o assunto são coincidentes. Estamos a preparar um artigo da redacção criticando o caminho que as coisas levam. Em todo o caso, se quiseres escre­ver uma carta com as tuas opiniões, será certa­mente publicada no próximo número.

Por favor, escreve-me depois a contar o que pensa o Otelo destas jogadas e como vai impedir que sigam por diante. Uma declaração pública dele podia ter um efeito importante.

O Lgo não chegou a ir a Ovar e portanto não fez a entrega que lhe pediste. Es­tamos a pensar, ele ou eu, ir aí de novo em Dezembro. Depois escrevo-te.

Por hoje, é tudo. Até breve, um abraço deste camarada e amigo

Carta a FR (4)

12/12/1998

Caro Camarada:

Respondo mais uma vez a duas cartas tuas juntas, pelo que peço desculpa. A tua sugestão de irmos oS dois visitar o Otelo não me chegou a horas de eu te responder dentro do prazo. Como só vou ao apartado uma vez por semana, não dá para recados urgentes. Além disso, as declarações mais recentes dele (“O Jornal” e “Diário de Lisboa”) vieram ao encontro do que queríamos: ele rejeita mais uma vez claramente a oferta de in­dulto ou amnistia separada. Para já, fica cortada a manobra, mas os gajos decerto vão voltar ã carga.

Quanto às tuas sugestões para acordos com o Sampaio do PS, com gente do PC e formação dum mo­vimento de esquerda, seria preciso primeiro que os grupos de esquerda existentes chegassem a es­se acordo e tivessem objectivos comuns. Não pen­so que a situação seja essa; cada grupo está nu­ma fase de tentar definir-se e juntar forças e não se consegue por agora ir além de pequenas ac­ções em comum, como é o caso da SCR. Por nós, “P.O.”, ainda não nos sentimos capazes de grandes voos. Uma acção que já propusemos e que nos pa­rece possível seria uma candidatura conjunta da extrema-esquerda ao Parlamento Europeu. Aguarda­mos resposta dos outros grupos, que te parece a ideia? Seria possível mobilizar gente para apoiar essa candidatura? O objectivo não seria, claro, eleger nenhum deputado (o que é impossível na situação actual) mas aproveitar para fazer pro­paganda na televisão e na rádio e denunciar os grandes negócios da CEE. Que te parece?

Fui ao almoço da “Versus”, correu bem, e houve quem comentasse a tua ausência, haverá outras ocasiões para nos encontramos e deba­termos ideias. Continuo com o projecto de ir aí, mas tenho sido obrigado a adiar tudo quanto a deslocações porque a artrose está-me a atacar em força desde há mais de um mês.

Por hoje é tudo. Até breve e aceita um grande abraço deste camarada

Carta a FR (5)

21/3/1989

Camarada:

Respondo às tuas cartas de 8 e 16 do cor­rente, desejando-te melhor saúde. O Encontro de activistas teve mais de cem pessoas e correu bastante bem, tendo ficado decidida a constituição e legalização duma Frente da Esquerda Revolucio­nária, para intervir nas eleições do Parlamento europeu. Continuam as conversações com a FUP e o PSR para a eventualidade duma coligação, mas ain­da sem resultado. A UDP não respondeu, Se não houver acordo, iremos sozinhos, que remédio, o que importa é aproveitar para fazer propaganda das ideias revolucionárias. Quanto a candidatos, nada se adiantou por enquanto. Já sondei pessoas pró­ximas do Otelo que me dizem que ele não está in­teressado em ser candidato. Também sei que o PSR o visitou recentemente, talvez para o convidar, mas duvido que ele aceite.

Dei conhecimento aos camaradas da tua car­ta e desejam-te as melhoras e que possamos contar com o teu apoio na campanha que se vai iniciar. Vamos fazer um comício na Voz do Operário na noi­te de 24 de Abril, para apresentação pública da candidatura. Espero que nessa ocasião poderemos ter cá a tua presença. Também evidentemente teremos que estudar as possibilidades duma sessão aí (…), mesmo modesta, que dizes?

(…) Mando junto o texto do Apelo que foi aprovado no encontro. Vamos começar imediatamente a recolher assinaturas de apoio para depois divulgar em anúncios pagos na imprensa. Podemos contar com a tua colaboração? Trata-se de reco­lher nomes de personalidades mas também nomes de toda a gente que esteja de acordo e que se pode mobilizar para colaborar. Vamos também man­dar listas para recolha de fundos. Enfim, o car­ro está em andamento, vamos a ver se acelera.

Espero ver-te brevemente (deste vez é que cumpro) quando for ao Norte. Escrevo depois ou telefono a confirmar. Grande abraço e de­sejos das tuas melhoras.

Carta a FR (6)

1/4/1989

Caro Camarada:

Respondo è tua carta da 23/3, só para te confirmar que precisamos de mais assinaturas de apoio à PER, que poderiam ser trazidas quando viesses ao comício da Voz do Operário, dia 24 de Abril. Seria muito importante trazeres nesse dia uma delegação de (…) e apresentarem uma curta mensagem de apoio à candidatura, que dizes?

Está-se a reunir nomes para a lista de candidatos e desde já preciso que me digas se o teu nome pode ser incluído (nós da PO vamos propô-lo aos outros) e se deveria ser como indepen­dente. Quanto ao Otelo vai amanhã domingo uma pessoa falar com ele.

Peço também que me mandes dizer os nomes que vêm ilegíveis na lista que mandaste, porque pensamos divulgá-los em anúncio a publicar nos jornais. Sobretudo interessa o nome do dirigente do Sindicato dos Cerâmicos. Todos os nomes repre­sentativos que possas obter interessem, como com­preendes. Para já é tudo.

No dia 7 há uma sessão da SCR na Amadora pela Amnistia. Vai sair o “Denúncia”.

 Um abraço

Carta a FR (7)

8/5/1989

Caro Camarada:

Respondo às tuas cartas (em seguimento da nossa conversa telefónica. Recebemos as 4 listas de apoio, seria bom que viessem assim de outras partes. 0 comí­cio da Vos do Operário foi um pouco fraco mas correu bem. Vamos enviar-te materiais da FER para distribuição. Será possível organizar aí uma pequena sessão de esclarecimento? Haverá um almoço de apoio à candidatura em Lisboa a 3 de Julho, gostaríamos de contar com a tua presença e de mais alguém que viesse contigo.

0 comício de encerramento é a 16 Junho na Voz do Operário. O L estará aí contigo brevemente e poderá informar-te melhor sobre o andamento dos trabalhos. Envio-te a última P.O. e a lista dos candidatos.

Sobre o Otelo e companheiros, continua a arrastar-se a solução. Fizemos bas­tante barulho nas manifestações do 25 Abril e 12 de Maio, Vamos continuar a martelar com co­municados à imprensa. Um abraço

Carta a FR (8)

14/5/1989

Camarada:

Espero que estejas bem de saúde e que te­nhas recebido a minha carta de 8 do corrente, as­sim como a encomenda cora os manifestos. Corrigin­do o que te dizia nessa carta: o almoço que esta­va previsto para 3 de Junho foi antecipado para dia 28 de Maio domingo. Pretende-se transformá-lo numa acção de protesto contra a recuperação do bandido Salazar que por aí está a ser feita. Tentaremos obter cobertura na imprensa e rádio e prevê-se uma intervenção do Varela Gomes como re­sistente antifascista de longa data. Isto ainda torna mais importante a tua comparência. Pensas que será possível ultrapassar os teus problemas de deslocação? Diz-me alguma coisa, certo?

Fizemos uma queima dum boneco representan­do o fascista Blas Pinar, na Praça da Figueira, deu na televisão, rádio e alguns jornais, viste?

A tónica do antifascismo tem que ser bem martelada durante a campanha para despertar a juventu­de. Podes ter um papel nisso. Vamos também dar destaque aos dois presos políticos que entram na nossa lista, a HC e o DL.

Um abraço

Carta a FR (9)

14/6/1989

Caro Camarada:

Já terás conhecimento pela imprensa de mais informações sobre a nossa desistência. Receberás dentro de dias a PO 20, que expõe o caso em por­menor. Não foi de ânimo leve que chegámos a esta medida, porque sabíamos o descrédito que estes incidentes trazem à esquerda, mas não vimos outra alternativa em face da deslealdade total dos ra­pazes da LST. Não lançámos s público essa ques­tão para não entrar era “lavagem de roupa suja” mas quando um de nós aí for poderemos conversar. Segue comunicado de imprensa.

Recebi as tuas cartas e o cheque de 1.600$ e espero que este incidente não afecte a nossa colaboração. Hoje penso que foi um erro ter ten­tado esta coligação com gente que vê a política como uma brincadeira. Fica-me de emenda.

Um grande abraço e até breve

Carta a FR (10)

27/6/1989

Caro Camarada:

Respondo à tua carta de 15/6 e aproveito para saber se te faz jeito receberes-me aí no sá­bado dia 9 Julho ou na segunda dia 10, visto que terei que ir ao Norte e cumpria finalmente a pro­messa de te visitar para falarmos um bocado. Agora que já passou a trapalhada das eleições, que me deixou más recordações, poderemos falar de outras. Só é preciso que me digas o dia que te convém (…).

Houve anteontem aqui um jantar dos pre­sos, famílias e amigos com o Otelo. O S es­teve lá. Parece que o tom dos discursos foi um bocado pró-PS (falou o Edmundo Pedro), pelo menos para o meu gosto. Tu que sonhas com uma união da gente das esquerdas talvez te alegres. Mas eu com o PS, nem pintado. E com o PC também não. Enfim, coisas para debatermos.

Um grande abraço

Carta a FR (11)

1/8/1989

Caro Camarada:

Respondo às tuas cartas de 22/6 e 3/7 pe­dindo desculpe pelo atraso que já é habitual mas não é por mal… Espero que a tua saúde esteja boa. Infelizmente ainda não foi desta que te visitei, pois já tinha tudo marcado e à última hora telefonaram-me do Porto a adiar o encontro e ficou tudo suspenso. Quando tiver algo concreto telefo­no-te, mas só depois das férias com certeza.

(…) Quanto às nossas infelizes experiências eleitorais, vejo que consideras ter havido excesso de rigidez ou sectarismo da nossa parte. Não julgo isso mas só de viva voz poderemos trocar ideias sobre o assunto. O caso é que quando se juntam for­ças muito pequenas, a tendência ê para a desconfiança e o conflito. Penso que os da LST/ER foram muito pouco leais em tudo isto. Mas já lá vai. Te­mos que olhar para a frente. Um abraço

Carta a FR (12)

21/10/1989

Caro Camarada:

Só agora respondo à tua carta de 17/8, mas não é por desinteresse. Meteram-se pelo meio as férias e também os muitos trabalhos com a Po­lítica Operária, que não são só literários, mas também técnicos, enfim, tu sabes como é…

Mandei-te um exemplar como oferta e gostava de conhecer a tua opinião sobre o nº 21 da PO, em particular sobre o comunicado quanto à amnistia. Nós não estamos de maneira nenhuma desinteressa- dos do assunto, mas vemos que a opinião que domi­na entre os presos e os ex-presos, Carlos Antunes, etc., é no sentido de não fazer ondas, para não prejudicar uma lei da amnistia que acham que está para breve. Nós temos defendido a necessidade de uma manifestação, mas já nos acusaram de estar a prejudicar os presos e neste momento não vemos condições para agitar o problema como gostaríamos. (…)

Um abraço amigo

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[i] Na altura sob detenção na cadeia de Caxias. (Nota de AB).

[ii] Órgão da SCR (Solidariedade Contra a Repressão). (Nota de AB).