Cartas a MV – 53

Francisco Martins Rodrigues 

Carta a MV (56)

29/12/1997

Caríssimo:

Com a PO na rua, dois livros na tipografia e a mudança de instalações quase completa,
posso finalmente vir pôr a correspondência em dia.

Tenho recebido toneladas de publicações tuas, sobretudo em torno do caso Sokal. Já li boa parte do livro e dos recortes e tenho-me divertido imenso. Afinal os nossos sábios pós-modernos andavam a copiar expressões dos livros de matemática sem sequer as perceber, só para fazer efeito junto dos papalvos. O nosso Prado Coelho, que é um desses papalvos, está para morrer e há mais gente fina de rabo entre as pernas. A B fez um comentário sobre o caso na última PO, que já deves ter recebido.

Como deves saber, o importante nesta terra neste dois últimos meses foram as eleições
autárquicas (pré-campanha, campanha, pós-campanha), com um investimento financeiro nunca visto e também um nível reles a tresandar. E a confirmação de que não há alternativas políticas em disputa mas apenas equipas de administradores a empurrar-se, a pisar-se e a insultar-se para conseguir dar nas vistas e ser escolhidos para os cargos. Desta vez, mesmo a anémica extrema-esquerda (?) se deixou arrastar na onda do
marketing, até o MRPP abandonou as suas tiradas antiburguesas, e foram castigados por isso, porque a votação baixou: perderam os votos de protesto contra o sistema e não ganharam outros em troca porque toda a gente sabe que, como governo autárquico, são inviáveis. Os tristes do PC, apesar de fazerem o reclame da sua administração honesta, levaram uma banhada de todo o tamanho (Amadora, Vila Franca!). O que dominou
foi a polarização nacional entre PS e PSD como os dois únicos candidatos credíveis à gerência da firma Portugal. SA. Toda a conversa sobre a importância cada vez maior do “poder local” e da “regionalização” é só conversa. O que conta é o aparelho central.

Com experiências destas, como não hei-de me tornar antiparlamentarista, mesmo que me
digam que isso vai contra o Lenine? A utilização revolucionária do parlamento está muito certo, mas é preciso termos condições para o utilizar e não sermos utilizados (e mastigados, digeridos e depois… evacuados) como aconteceu ao PCP e ao PC(R). Ando a ver se escrevo um artigo para o próximo número sobre a questão da concorrência às eleições.

E tu, vais mandar algum comentário? Contraponto — Embora não tenha ainda estudado os artigos que propões da Derive/Approdi, duvido que seja apropriado, ao fim de tantos meses, fazer um número dedicado à Albânia e com artigos todos da mesma origem. Poderíamos aproveitar um desses artigos, mas o resto deveria em minha opinião ser mais actual. Tens algum outro material em vista?

Como já te disse em carta anterior, proponho-me traduzir o artigo do Michael Lowy sobre o Che (não sei a tua opinião) e estou disponível para outros trabalhos de tradução. E preciso é que tu ponhas a máquina em marcha. (,,,)

Por agora é tudo. Assim que tiver os livros prontos do Thomas e do Founou, mando-te
5 exemplares de cada, para eventuais vendas aí. Um abraço.

 

Cartas a MV – 52

Francisco Martins Rodrigues 

Carta a MV (55)

5/11/997

Caríssimo:

Estava justamente para te escrever porque os teus materiais têm chegado em barda, em tal ritmo que ficam muitos para leitura posterior. Não me posso queixar.

A PO seguiu, deves ter recebido depois do teu último bilhete. Como terás visto, acabei por fazer um breve resumo da tua nota sobre as rodriguices[1]. Falei com o Carretas, que não me pareceu muito empenhado numa guerra com essas bandas; e pela nossa parte, pareceu-me que à quase totalidade dos leitores seria impossível apreender o sentido da polémica. Conservei por isso o que me pareceu essencial: o elogio da peça e a crítica aos críticos. Tu dirás se achas bem Metemos também uma pequena recensão sobre o Albatroz e ainda a nota sobre o José Manuel Manuel Fernandes[2].

Agora espero uma Carta de Paris para o nº 62, que já começa a dar os primeiros passos. Tem que estar pronto antes do fim deste mês de Novembro, para recuperar o atraso do anterior. A regularidade da publicação tem sido ponto de honra nosso desde o princípio e não quero agora começar a ceder. Para o próximo número estou a preparar uma última resposta ao AN; mesmo que ele volte a responder não continuarei esta polémica, porque vai saltitando de tema para tema e porque usa um estilo acintoso que me é desagradável. Não quero entrar por esse caminho e parece-me já ter evidenciado as mazelas da sua cabeça. Além disso, ele aumenta sempre o tamanho das respostas, de tal modo que ameaça inundar a revista. Neste último, tivemos que guardar metade do artigo. Sai no próximo.

Tenciono também continuar o tema “Europa – o eclipse da revolução”, agora num plano mais actual, tentando responder à interrogação: actividade comunista em Portugal, hoje, o que pode ser? Com sindicatos? Com parlamento? Como fazer para que as reivindicações diárias concorram para acumular forças revolucionárias? Francamente, não sei onde está a resposta, é só para explorar o assunto. O facto é que, dando o balanço às minhas experiências “comunistas” até hoje, só vejo acumulação de forças reformistas, não revolucionárias, e isso tem a ver com a concepção geral dos métodos de luta, não pode ser atribuído apenas às inclinações oportunistas dos Cunhais ou Arrudas.

Estamos a preparar aceleradamente dois Dinossauros: a “Breve história do indivíduo”, do Thomas, agora em revisão final da tradução, e um texto de um professor do Senegal sobre a situação em África (umas 80 páginas) que me pareceu interessante e que ele me autorizou a editar[3]. Não vai ter venda nenhuma, mas é a nossa modesta contribuição para a Expo’98. Diz lá das boas sobre o imperialismo europeu. Assim que estiver pronto, mando-te.

Para o próximo Contraponto não sei se estás já a coligir algo. Proponho-me traduzir o artigo que me mandaste do Michael Lõwy sobre as ideias do Che. Achas bem? Diz-me se tens planos e não te descuides. Quanto ao abaixo-assinado a Estocolmo, acho bem gozado mas ficaria talvez mais eficaz se um pouco mais condensado. Meteste-lhe talvez ideias demais, e a piada sobre Aljubarrota parece-me uma excrescência. Mesmo a boca sobre o Nobel ao Egas Moniz talvez já desvie as atenções do essencial: temos valores pujantíssimos que o mundo não reconhece. Queremos um Nobel! Achas que os brasileiros devem vir na lista? A mim parece-me que o chauvinismo lusitano exige é um prémio para um dos nossos, estão-se marimbando para o Amado ou o Melo Neto. Foi de propósito que não mencionaste o Saramago e o Lobo Antunes? Ao que percebi, vai acesa a guerra e o Saramago promove-se descaradamente. Avança com o apelo Albatroz; mas não me peças para o traduzir, tem uma série de expressões que não domino, além de que é indecente, tu, um português de Guimarães, quereres que eu te traduza os teus texots do francês. Se isso se sabe por aqui, ficas queimado de vez.

Atenção à mudança de telefone e fax, mudámo-nos para a rua (…). . Os Douradores e o Ferragial[4] acabaram! Até breve, um abraço

—————-

[1] Referência ao jornalista José Manuel Rodrigues da Silva, ao tempo editor do Jornal de Letras, que fizera uma recensão sobre a peça ”Bolero”, acabada de encenar por José Carretas. (Nota de AB)

[2] Jornalista então editor do jornal Público. (Nota de AB)

[3] Crise africana. Alternativas, de Bernard Founou-Ttchuigoua, ed. Dinossauro, 1998. (Nota de AB)

[4] Anteriores locais de trabalho da Política Operária. (Nota de AB)

Cartas a MV – 42

Francisco Martins Rodrigues

Carta a MV (48)

9/2/1994

Caro M.:

Uma gripe que derrubou toda a gente lá em casa por alturas do fim do ano e depois a lufa-lufa da P.O. (vem hoje da tipografia) levaram-me a adiar sucessivamente a correspondência. Tenho recebido uma série de cartões teus a que só agora respondo, assim como o Albatroz 10. O teu comentário sobre a manif. da escola laica sai nesta
P.O. A nossa secção gráfica agradece a bolsa das cores que ofereceste e que lhes é muito útil.

Também recebi o teu desabafo sobre a militância do V, mas não estranhes, porque a partir de agora e até às legislativas (Outubro 95) vais ver mais gente a abraçar a “causa sagrada” do PS. Já se nota uma disputa acesa para lançarem a fateixa a todos os ex-esquerdistas que por aí andam desasados. Há umas semanas, na série de debates organizada pelo Museu República e Resistência (dependente da Câmara Municipal de Lisboa e portanto do PS), pude ouvir o “educador” Arnaldo Matos lançar um apelo a todos os que pertenceram a grupos maoístas para se encontrarem e debater experiências, para ver como ajudar a “esquerda democrática” a correr com o cavaquismo. Fez várias piscadelas de olho descaradíssimas em direcção ao PS e ao Soares. Em poucos dias, foi entrevistado em várias revistas e na televisão, repetindo, junto com as suas bacoradas “marxistas”, os mesmos acenos. Na apresentação da grande iniciativa do Soares para Maio, o controverso congresso “Portugal – Que Futuro?”, ele lá estava na primeira fila, junto com os pcs, udps, mdps, etc. Para mim, o homem está a soldo do Mário Soares para ver se recupera orlas da esquerda que por aí andam perdidas e metê-las na “grande frente democrática”.

Por aqui podes ver como os chefes social-democratas estão a dar tudo por  conseguirem a
maioria em 95. E têm razão em se esforçar porque sondagens recentes continuam a dar o primeiro lugar ao Cavaco na preferência dos eleitores. Apesar da crise, dos despedimentos, do “aumento” negativo nos salários, de escândalos diversos e feios. Por aí vês como o PS é “amado” pela grande massa e como precisa de angariar nomes e apoios, seja onde for. O caso do teu amigo V é só um no meio da enxurrada.

Houve recentemente umas oportunidades de intervenção pública. Falei na série de palestras do Museu República e Resistência (Dezembro) sobre o maoísmo em Portugal. Estava bastante gente, interessada, e as perguntas e respostas prolongaram-se por um bom bocado. No dia seguinte, falou a Ana sobre a revolução chinesa e a mulher, também com bastante interesse. Noutros dias falou o Arnaldo, o Pacheco Pereira (hoje PSD) e o Pedro
Baptista (hoje plataformista).

Há dias estive noutro debate no Porto, organizado pela Amnistia Internacional, sobre
a Democracia, com o Mário Brochado Coelho e uma professora Helena Vilaça. Houve bastante controvérsia e estive entretido a deitar abaixo as bacoradas “pós-modernistas” do rapaz da Amnistia e a falar para espectadores embasbacados sobre a luta de classes e a ditadura da burguesia. Muito estimulante.

Fui também convidado para entrar num debate na RTP1 sobre Mao mas recusei-me e acho que fiz bem porque só faltava mandarem-me pôr de gatas para ter direito à palavra Os teus amigos Louçã, Arnaldo e Baptista é que não se importaram e lá estiveram a palestrar. Falo nisso na P.O., tu verás.

Albatroz – O A fez uma recensão na P.O. Por mim, gostei particularmente da lista das malfeitorias mitterrandistas. Achei a parte poético-literária demasiado extensa para o meu gosto. Estava à espera de mais sumo político. Mas não faças caso, já sabes que eu sou obcecado. Tu disseste num dos teus bilhetes que nos enviarias 20 exemplares para ensaiarmos alguma distribuição mas até agora não chegaram. Desististe?

20º aniversário do 25 de Abril – Todos os estados-maiores partidários afiam o dente para capitalizar aquilo que lhes convém da data. Entre nós, temos andado a debater a possibilidade da edição de um livro que coleccione depoimentos, artigos e materiais diversos, no sentido de mostrar à nova geração que os 19 meses da “bagunça”
foram os mais criadores da nossa história moderna e de contrastar as iniciativas avançadas desse período com a pasmaceira derrotada em que hoje vivemos. Será que podes dar a tua colaboração a esta ideia, com materiais originais ou outros já anteriormente editados e que tivesse interesse dar a conhecer? Será que nos podes indicar
pistas, nomes a contactar, dar sugestões de trabalho, etc.? Podes enviar dados para a cronologia e a bibliografia? O problema aqui vai ser a escassez do tempo para coligir os materiais e pôr o livro na rua até ao 25 de Abril. Responde rapidamente, por favor, para sabermos se podemos contar com algo da tua parte.

Tenho continuado a receber o “Courrier”. Há semanas, em resposta a uma pergunta tua, dizia que, se pagas a assinatura não vale a pena, porque pouco colhemos desta revista. Recebeste essa minha carta?

Tomámos nota e vamos passar a mandar directamente 5 exemplares da P.O. para a Lusophone. Vou-lhes escrever a anunciar o envio, o preço de venda de 15 francos e a dizer que tratem de tudo contigo.

Recebi 5 novas edições albatrosianas de poesia. Tomáramos nós ser capazes de lançar livros a este ritmo! Mas as edições Dinossauro estão em marcha, o livro sobre o 25 de Abril será o primeiro. E se tu viesses para cá uns meses ajudar a organizar o livro?

Enviei o disco “Obrigado Otelo” para o assinante que me tinha pedido, agora gostava de saber o preço para lho cobrar, não há razão para lhe oferecermos um disco que certamente te custou dinheiro a ti. E, para já, é tudo.

Por aí, tudo bem? Abraços.

 Cartas a MV – 25

Francisco Martins Rodrigues

Carta a MV (29)

24/10/1991

Olá, M, só agora respondo aos teus múltiplos materiais, o último de 16/10 com o livro do Tom Thomas.

A última P.O. pode estar um pouco mais arejada, como dizes, mas isso não corresponde a nenhuma activação especial entre nós. Continuamos muito reduzidos e asfixiados. A última Assembleia não correu mal mas não produziu nenhuma discussão de fundo. O debate concentrou-se demasiado na questão eleitoral, com alguns camaradas (Porto) a insistir para não apelarmos publicamente à abstenção, para não se verem atacados e isolados na sua empresa, como “cúmplices da direita”. Houve algumas vozes (uma aberta e outras implícitas) no sentido da concentração de votos na CDU, “para ajudar a deslocar os militantes que lá estão desorientados”. Contudo, não foi difícil concluir pela abstenção. O pior foi que se gastou demasiado tempo nisto. E também num outro debate significativo (também com o Porto): a reclamação de que deveríamos ser menos ideológicos e mais virados para os problemas económicos da classe, a fim de rompermos o isolamento… Sintomas do grande refluxo, que leva os nossos camaradas e sentirem-se acossados.

O debate sobre a União Soviética, em que participaram alguns amigos da revista (faltaram contudo vários outros que esperávamos aparecessem) não adiantou muito, talvez por má preparação nossa. Na falta duma apresentação audaciosa do tema, prevaleceu a confusão da maioria das pessoas, especulações sobre o que vai acontecer a seguir, etc., e não debates sobre o fundo do fenómeno.

Enfim, como terás notado pela notícia da Assembleia na P.O. 31, esta não adiantou muito à nossa história.

Marroquinos – vamos enviar a revista aos dois presos que nos “recomendas”. Estranhámos as declarações calorosas do Serfaty acerca do PCF. Tens algum contacto com ele? Podes mandar-nos a morada dele em Paris? Seria possível debater com ele para evitar que se encoste demasiado aos revisas?

O Frederico do “Expresso” é mesmo o Fred. Foi ele que me telefonou no outro dia a pedir o depoimento. A princípio não quis atender o telefone mas depois lá me convenci que, como .jornalista, podia falar com ele. Publicou só uma parte do que escrevi mas não me sacaneou.

Albatroz – vi a informação de que tiveste um subsídio para o próximo número. Isso é que é sorte! Tenho ideia de que ficou combinado há já tempo eu enviar-te algum texto mas já estou um pouco confuso. Diz-me que género de literatura queres, tamanho, prazo, tudo, para ver se não dou barraca.

Para a próxima P.O., o que é que nos ofereces? Vou ver se faço já de seguida um artigo muito simples sobre o ano 1917, por causa das aldrabices que agora todos os vigaristas escrevem com o maior à-vontade sobre “o golpe dos bolchevistas” contra a pobre democracia que lá existia na Rússia nessa altura. O emérito Espada escreve sobre a “contra-revolução” de Lenine e toda a gente baixa as orelhas! A isto chegámos! Mas não posso passar o tempo a escrever sobre o passado, tu também me dás o toque na tua carta e é verdade, vou insensivelmente concentrando a minha atenção nos tempos antigos, quando é preciso dizer tanto sobre o que acontece hoje. Estarei com a perspectiva do velho combatente a falar dos seus tempos? Não quero! Enfim, ajuda-nos a fazer uma P.O. mais viva, manda coisas da tua lavra. Por agora é tudo. Até breve, um abraço  

Cartas a MV – 20

Francisco Martins Rodrigues

Carta a MV (24)

30/10/1990

M…íssimo:

Recebi hoje a tua carta de 22 e agora mesmo respondo. Vou aproveitar as tuas notas pa­ra uma crónica de Paris, incluindo-lhe alguns comentários sobre os panfletos que envias da manifestação; para dar mais cor local, de acordo?

Segue aqui o texto sobre a revolução russa, com a parte final mal lambuzada, por dois motivos: 1º porque já não tive tempo; 2º porque o MLP pouco fala sobre o período inicial. Em todo o caso, penso que precisa de definir posições quanto a algumas críticas usuais (os bolcheviques montaram a cavalo nos sovietes para se servir de­les e destruí-los? o grupo “Oposição Operária” tinha uma alternativa? etc.), Enfim, sobre o que aí vai peço que se tiveres reparo ou sugestão de vulto escrevas urgentemente, porque a PO será fechada cerca de 20 Novembro.

Vou-te mandar dentro de 4-5 dias o artigo que pedes sobre o Golfo, embora não tenha bem ideia do tamanho que pretendes. Então agora andas associado com o V? Vamos acabar todos em anarquistas! Não deixem cair o Albatroz!

Carta a MV (25)

9/11/1990

Caro M:

Aí te mando o comentário sobre o Gol­fo. Receio que não adiante grande coisa e que esteja demasiado ideológico (defeito das minhas literaturas) mas de imediato não me saiu melhor.

O V escreveu-me há dias sobre a colaboração que te vai dar no Albatroz e propunha a publicação (com arranjos) dum artigo meu que saiu no “Público” sobre o Verão quente. Deixou o assunto ao teu critério; por mim não há impedimento nenhum, mas dois artigos meus na mesma revista é capaz de ser demasiado. Publicas os dois ou só um deles ou nenhum, con­forme convier.

Não pias nada sobre o texto que te mandei acerca da URSS? Mau sinal: Ou não lhe encontras nada novo ou discordas. Vemos fazer amanhã o debate, logo se vê o que sai. Um grande abraço

 

 

 

Cartas a MV – 8

 Francisco Martins Rodrigues

Carta a MV (12)

12/12/1986

Caríssimos:

Respondemos à vossa carta de 15 Novembro (…).

A PO nº 7 sai amanhã. Vamos enviar-vos 10 exemplares, conforme combinado. Seguem também os 5 exemplares que faltavam da PO nº 5 e 25 da PO nº 1. O artigo de fundo desta PO é sobre Staline e os processos de Moscovo. Por ter sido acabado à última hora, já não foi possível enviar-vos o projecto para darem opinião. Mas queremos muito que digam o que vos parece. Julgo que, de qualquer maneira, alguma coisa avança quanto à posição ML sobre Staline. Pôs-se aqui a hipótese de se seria possível vocês passarem para francês o arti­go ou extractos, a fim de poder ser distribuído a MLs de diversos países. Tu dirás o que te parece.

Com vistas à PO n° 8 (Janeiro-Fevereiro), pedimos que prepares uma “Carta de Paris” – a crise estudantil e as dificuldades do governo Chirac parecem coisas importantes que mereceriam um bom comentário. Ao teu cuidado. Com fotos boas, se possível. Pedimos também que nos envies logo que possível o artigo teórico que saiu na “Pravda” sobre a actualização do marxismo e o perigo das guer­ras de libertação nacional. Foi aqui referido na imprensa mas muito brevemente. Gostaríamos de ter o texto para comentar e supomos que terá saído aí no “Monde” ou noutros jornais. Nesta PO 8 vamos tra­tar com certo desenvolvimento o 9º congresso do PTA e o 5º congres­so do PC(R), que acaba de ter lugar. Seria um número um pouco cen­trado na crítica à corrente ML. Para o nº 9, estamos a iniciar o estudo colectivo da revolução cultural chinesa. Como sempre, pedimos que colabores com tudo o que queiras e possas, inclusive em polémica com artigos que têm saído.

Contactos europeus – chegaste a encontrar-te com dirigen­tes da OCML-VP em 28 de Novembro? Há alguma reacção à circular em francês que lhes enviaste? E do MM, há alguma resposta? A hipótese de eu ir aí em Janeiro por enquanto é muito hipótese, seria preciso que se confirmasse o projecto dos iranianos sobre o seminá­rio internacional, o que até agora não é o caso porque não soubemos mais nada. Não sabemos se andam nas diligências “diplomáticas” jun­to dos diversos grupos ou se desistem da ideia por agora. Aguardamos notícias.

Encontro sindical – Foi bastante positivo e deu uma po­lémica esclarecedora, como poderás ver por um longo artigo que vem nesta PO 7. A polémica polarizou-se entre nós, à esquerda, e o PSR à direita. Estamos a preparar a Tribuna Operária nº 2, que publicará uma versão final das nossas teses sobre a corrente sindical de es­querda. Está-se a formar em volta da “TO” uma rede de amigos e cor­respondentes espalhada por diversos pontos do país, muitos deles ex-UDPs que andavam à deriva. Só não avançamos mais depressa por escassez de forças mas estamos animados.

Presos – deves ter visto que foi pedida uma pena de 20 anos para o Otelo. Continuamos a participar na comissão de soli­dariedade e em breve enviaremos o boletim “Denúncia” nº 3, para fa­zeres aí a circulação que te for possível. Tem havido mais prisões e as perspectivas das FP-25/ORA parecem sombrias. Embora critique­mos a ideologia da “acção directa” como uma variante “explosiva” do oportunismo (deves ter visto na PO), continuamos a desmascarar a campanha antiterrorista e a solidarizarmo-nos com os presos.

Infraestruturas – continuamos a lutar desesperadamente para pagar as dívidas da máquina e obter o máximo de trabalho para a rentabilizar. Só nos falta pagar uma letra mas temo-nos endivida­do junto de vários amigos porque a carga é pesadíssima. Esperamos lá para Março-Abril estarmos donos definitivos da máquina e com a situação financeira mais desafogada. De toda a maneira, estamos a fazer o que julgávamos impossível: pagar a máquina no prazo de pou­cos meses. O FM veio-nos pedir orçamento para a revis­ta mas quando lho demos desistiu logo, porque julgava que nós fa­zíamos um “preço de amigos” – quase de borla. A expansão da PO não tem progredido e tivemos que adiar o plano que tínhamos de uma cam­panha de publicidade na imprensa por ocasião do 1º aniversário – os preços são exorbitantes. Fizemos cartazes e tarjas de propaganda que temos colado nas paredes. Vimos a tua boa iniciativa do dossier de propaganda.

O resto do trabalho vai andando. Não alargamos mas man­temos. A Tribuna Coumnista não tem saído por absoluta falta de for­ças. Fazias-nos jeito cá. Mais dois pedidos: da colecção de Documen­tação sobre o Leste, um volume sobre a escala salarial na URSS. E a defesa da srª Chiang Ching em tribunal, que. nos seria útil para o artigo sobre a revolução cultural. Vi a revista que mandaste “Archimède et Leonard” mas é complexa demais para o meu entendimento. Também vi a tua poesia vicentina mas está num português di­ficílimo.

Um último pedido: podem enviar-nos alguma contribuição financeira nesta altura de fim de ano, subsídios de Natal, etc.? Precisamos de todo o apoio possível.

Abraços de todos nós

Cartas a MV – 6

Francisco Martins Rodrigues

Carta a MV (9)

26/6/1986

Camaradas:

Temos recebido livros, revistas e bonecos do M, mas só uns pequenos bilhetes a acompanhá-los e não a carta detalhada que postaríamos de ter da vossa parte, para nos apercebermos melhor dos vossos problemas e perspectivas de actividade. Soubemos pelo R que pensam vir aqui em fins de Julho e esperamos nessa al­tura ter um dia para uma discussão a sério de todos os nossos problemas. Seria bom que nos avisassem com antecedência do dia que terão disponível para estar em Lisboa connosco.

A seguir damos as notícias mais importantes sobre o que es­tamos a fazer.

PO nº 5 – Enviamos pelo R apenas 3 exemplares porque sa­bemos que têm bastante dificuldade em colocá-la aí. Se estiverem de acordo, será esta quantidade que pastaremos a enviar. Este número saiu com algumas semanas de atraso por dificuldades de to­da a ordem, mas parece-nos que mantém o nível dos anteriores; ainda não é desta que entramos nos grandes problemas de fundo, mas a pressão dos acontecimentos e o quadro reduzido dos nossos redactores não nos deixou fazer melhor. Como verão, temos um novo colaborador, MC, de quem vocês se devem lembrar. Está disposto a fazer uma série de artigos e a sua perspectiva parece-nos correcta. E colaborações do M? Não compreendemos por que não mandas nada, nem que seja a Carta de Paris. Só se é por não gostar de nós.

Decidimos adiar o nº que calhava no período de férias porque a venda seria muito difícil. O nº 6 sairá em fins de Setembro-princípios de Outubro e tentaremos aproveitar este intervalo maior para trabalhar alguns artigos mais de fundo e, se possí­vel, fazer um nº melhorado para comemorar este primeiro aniver­sário. Discutiremos convosco o sumário e a v/colaboração.

Pensamos também fazer na altura uma campanha de publicidade para tornar a revista mais conhecida. As vendas têm tido uma certa quebra, que aliás esperávamos: houve um movimento inicial de curiosidade que levou a esgotar o nº 1. Mas à medida que um certo número de pessoas de tendência social-democrata se aperceberam da orientação da revista, deixaram de a comprar. Estamos a colocá-la numas 25 livrarias de Lisboa, mais umas 20 na provín­cia, mas a venda principal é a venda militante. Temos umas 100 a 150 de sobras, que se vão vendendo depois lentamente. Aproveita­mos manifestações, Feira do livro, etc., para mostrar a revista a público. O desafio que temos pela frente é descobrir os leito­res de esquerda que ainda ignoram a nossa existência e isso de­pende sobretudo da acção militante.

Assembleia – depois de vários adiamentos, realiza-se em definitivo nos próximos dias 5 e 6 de Julho. Já conhecem o relatório de actividade da direcção que vai ser discutido. Seguem junto as Tribunas nº 6 e 7 e, se possível, ainda vos enviaremos antes da­quela data outras duas que devem sair com materiais para discus­são. A Assembleia está a ser preparada por uma comissão organi­zadora com dois elementos da direcção e três dos núcleos para assegurar completa democracia. Temos feito diversas reuniões preparatórias envolvendo a maioria dos camaradas. Principais problemas em debate, para além dos que estão no relatório;

  • definição da situação de diversos camaradas que têm fun­cionado na prática mais como simpatizantes do que como membros da OCPO. Lutamos pela aplicação do artº 1º dos estatutos, tentando ganhar todos os camaradas como mem­bros activos, mas não conseguiremos evitar que alguns pas­sem a simpatizantes, porque é esse o seu desejo. Ê o caso do R. Como não há perspectivas imediatas de recruta­mento e entretanto já perdemos alguns outros camaradas, esta situação preocupa-nos. O principal é mentalizar o conjunto dos camaradas para a ideia de que não há nada de dramático na situação de sermos um pequeno grupo, combater o pânico. Há épocas para estar num partido e há épocas pa­ra estar num grupo.
  • a atitude perante as eleições (as que houve e as que pode­rá voltar a haver dentro de meses) tem gerado bastante po­lémica. Embora todos concordem em que essa não é neste mo­mento uma questão prioritária para nós, dada a nossa es­cassíssima influência, o certo é que em torno da abstenção ou não abstenção se geram divergências. A direcção não foi capaz de apresentar um balanço de sua autoria e iremos con­frontar opiniões pessoais; em todo o caso, não pensamos que as divergências sobre esse assunto se tornem graves,pelo menos nos tempos mais próximos.

Quanto à futura direcção, procede-se a consultas e a co­missão organizadora apresentará uma lista de candidatos à Assembleia. O G saiu da direcção há já meses por razões que todos consideraram injustificadas; na realidade, segundo pensamos, porque nunca se sentiu bem com essa res­ponsabilidade; o ZB teve que emigrar para a Suíça à procura de trabalho por se encontrar em situação aflitiva; está agora connosco (partiu um pé e veio-se tratar cá) mas voltará para lá mais 3 meses, a cumprir um contrato. Está moralizado e garante-nos que estará aqui de vez em Outubro. Os restantes continuam a funcionar, mas muito as­soberbados com trabalho, sobretudo desde que nos começámos a meter mais na intervenção política.

A vossa participação na Assembleia poderá fazer-se, de acor­do com os estatutos, através do voto por correspondência, com quaisquer declarações que entendam úteis e que serão levadas ao conhecimento da Assembleia. Achamos de bastante interesse que o façam, tanto sobre o relatório da direcção como sobre outros as­suntos. Se ainda nos for possível, enviar-vos-emos os projectos de moções que vão ser postos à votação, para que se pronunciem por carta. Achamos que o vosso afastamento não deverá impedir a vossa participação no essencial dos trabalhos.

Internacional – como tínhamos informado, estiveram entre nós dois dirigentes do MLP dos EUA, com quem tivemos uma semana de discussões bastante frutuosas; quando nos encontrarmos em Julho poderemos informar detalhadamente do que se tratou. Para já, re­sumidamente, podemos dizer que há um acordo no essencial; o en­tendimento do marxismo-leninismo como a demarcação nítida dos interesses do proletariado e portanto, a crítica às correntes burguesas democráticas, nacionais, etc., a crítica à linha do 7º congresso da IC, a crítica ao rumo da União Soviética desde os anos 30, a crítica ao PTA, a crítica às revoluções tipo sandinistas, etc. Alguns pontos em que fazemos apreciações diferentes: a corrente ML é ML com erros (tese deles) ou é apenas centrista? centralismo de­mocrático significa monolitismo (tese deles) ou esse conceito deve ser rejeitado? Os últimos 50 anos tiveram grandes vitórias (tese deles) ou devem considerar-se 50 anos de derrotas? não in­teressa destrinçar qual dos dois blocos é mais perigoso (tese deles) ou deve-se dizer que o imperialismo EUA é o principal inimigo?

Vamos continuar a debater mas ficámos com uma impressão geral bastante boa. Eles publicaram recentemente um longo artigo no jornal deles a nosso respeito. Infelizmente não temos cópia feita para vos enviar, mostrar-vos-emos quando cá vierem.

Quanto ao PC do Irão, como já dissemos antes, entrou em con­tacto connosco e mandou-nos muito material que estamos a estudar. Parece-nos ter algumas fraquezas teóricas, como poderão ver pelos extractos do programa que publicamos na PO 5 mas é um partido com real base de massas e que se bate de arrumas na mão contra o Khomeiny. Do PC da Nicarágua (ex-MAPML) é que ainda não obtivemos nada mas, pelo que temos lido, parece-nos ser um partido sério, que conjuga uma posição anti-imperialista inequívoca com uma crí­tica aberta aos sandinistas e às suas incoerências.

Tribuna Operária – seguem junto 3 exemplares do nº 0, que temos estado a fazer circular entre sectores operários que toca­mos, para ver se ganhamos base de apoio para a sua edição defi­nitiva. Só por nós não podemos fazer um jornal destes: precisamos de recolher notícias e informações de muitas empresas e ter uma rede de difusores. Vamos usar estes meses do Verão para tentar criar uma equipa de redacção e difusão, com vistas a iniciar pu­blicação regular em Outubro. Está em preparação um encontro sin­dical com activistas de vários pontos do país (alguns deles ex-UDPs) para Setembro. A dificuldade aqui resulta do facto de a ini­ciativa ser disputada por outros agrupamentos e nós não queremos fazer um consórcio de grupos, que acaba sempre em guerras.

O almoço comemorativo do centenário do 1º de Maio, de que já tínhamos falado, fez-se com 130 pessoas, na maioria operários, e intervenções dos representantes dos vários grupos promotores. Teve um efeito positivo na ideia de que se pode começar a reagru­par a esquerda.

Técnico/finanças – acabamos de dar um novo “grande salto em frente” com a troca da máquina da composição por outra mais evo­luída que nos permitirá agarrar encomendas de livros e trabalhos de mais vulto. Evidentemente, empenhámo-nos até a raiz dos cabe­los (mais uma vez) mas pensamos não estar a ser aventureiros. SÓ o futuro o dirá, e o nosso esforço, evidentemente; discutiremos também este assunto convosco quando cá estiverem. Recebemos os dois vales que mandaram (…) que saldaram as vossas dívidas em publicações. Vocês dir-nos-ão em Julho se têm possibilidade de manter uma quotização regular.

Bonecos Zav – receamos que Zav esteja desgostoso com o pouco apro­veitamento que temos dado aos bonecos. Isto não resulta de de­sinteresse da nossa parte. Pelo contrário, temo-los apreciado atentamente porque sentimos muito a necessidade de comentários gráficos; os reparos que têm sido feitos aos bonecos são os se­guintes; o humor amargo e por vezes brutal (o que  é um de­feito) torna-se em muitos casos difícil de apreender pelo lei­tor comum; as críticas a acontecimentos nacionais surgem com muito atraso, perdendo actualidade; há um certo número de piadas relativas à emigração que só se justificariam como ilustração a um artigo sobre o assunto (ex: a excelente venda de emigrantes às postas) mas a dificuldade é que não temos cartas de Paris.

Propomos pois que o Zav se procure inspirar em temas (nacio­nais ou internacionais) tratados na revista, que não sejam de mera conjuntura eleitoral, para não sofrerem com a perda de ac­tualidade. Sugestões: o povo espera pacientemente na bicha da sopa dos pobres que Cavaco, Soares, Eanes, etc. decidam nos seus congressos se vão aliar-se ou guerrear; parabéns ao gene­ral Pedro Cardoso, super-comandante da nova PIDE; 183 novos de­sempregados em cada dia – avançamos aceleradamente para níveis europeus; Cunhal nega terminantemente que existam divergências no PCP, enquanto atrás da cortina se esmurram eurocomunistas e “ortodoxos”; etc, etc. Também as questões internacionais poderiam ser tema para bonecos: como o massacre dos presos políticos no Peru pelo social-democrata Alan Garcia, na presença da social-democracia internacional; os massacres de negros na Africa do Sul, etc, etc.

Por agora é tudo. Acabamos esta carta para a entregar ao R, que vai partir. Até breve, abraços para vocês de todos nós.

Carta a MV (10)

28/8/1986

Caros camaradas:

Recebemos ultimamente, além do “Monde” e da “Afrique-Asie”, cinco números da revista ’’Cause du Communisme” e as outras publicações.

A questão principal que gostaríamos de ver em andamento são os contactos directos com o OCML-VP e com os representantes do PCI, conforme debatemos no nosso encontro.

Em relação aos primeiros, estamos a estudar a revista e podere­mos depois pôr algumas questões por escrito. Para já, gostaríamos de conhecer a razão por que não se referem ao movimento ML e ao PTA e se têm alguma posição definida a esse respeito. Não sabemos se esse silêncio, da parte de um grupo já estabilizado e com vários anos de existência, significa desinteresse ou vacilações no corte. Mandamos junto um resumo da nossa opinião sobre o movimento ML, que poderias pôr em francês e que serviria também para o teu contacto com os apoiantes do PCI. Seria bom se conseguisses, a partir desse resumo, ter uma discussão com alguém responsável da OCML.

Vemos também que a OCML faz ura apreciação muito positiva da revolução cultural chinesa. Gostaríamos de ler algum trabalho que tenham sobre o assunto. Outra sugestão: estariam eles interessados em publicar no “Partisan” ou na “Cause du Communisme” algum artigo da PO que tu ou a R lhes traduzissem? Nós encaramos a hipó­tese de publicar alguma coisa deles.

O objectivo essencial seria, através de um debate com alguém responsável da OCML e falando tu como representante da OCPO, ficar­mos com uma ideia mais precisa do que são e abrirmos caminho a um encontro formal de delegações, que se poderia fazer aqui ou em Pa­ris. Seria bom também que averiguasses se têm conhecimento e o que pensam dos posições do MLP, EUA.

Quanto ao grupo de apoio ao PCI, deverias dizer-lhes que rece­bemos a carta deles, que estamos a receber os materiais do comité exterior em Estocolmo (“Bolshevik Messsge” e “Report”), dar-lhes o mesmo resumo das nossas opiniões sobre a corrente MI. (fizeram-nos perguntas a esse respeito) e procurar travar debate com eles.

A preparação da PO 6 está atrasada. Cá estamos à espera da certa de Paris (urgente!) e de bonecos do Zav. Enviaremos 10 ex. como pediste. Da lista de livros que te entregámos, destacamos o Castoriadis, que valeria a pena comprar (usado?).

E é tudo. Abraços para os três. Vemo-nos em Dezembro?

 Sobre a corrente ML

Desde a nossa constituição como grupo independente, há cerca de 18 meses, informámos os partidos ML das razões da nossa ruptura com o PC(R) e propusemos a troca de publicações e o debate. Apenas com uma excepção, não nos responderam.

Verificamos que o conjunto dos partidos ML não admitem qualquer investigação crítica ao processo de degeneração da União Soviética, a Staline, ao 7º– congresso da IC, à teoria das “democracias populares”, à política do PTA, etc. Temos conhecimento de que numa reunião de 10 partidos ML realizada em Outubro de 1935 em Quito (Equador), o MLP/EUA e a OCPO foram denunciados como forças “provocatórias” por terem abordado publicamente estas questões.

Nestas condições, parece-nos irrealista esperar que os partidos da chamada corrente  ML possam evoluir para posições revolucionárias consequentes. Em nossa opinião, trata-se de uma corrente centrista decadente que de marxista-leninista só tem o nome e que se mantém à sombra do PTA, como sua força dc apoio externo.

A chamada corrente ML constitui-se herdeira de todos os des­vios do movimento comunista internacional que nos anos 30-50 es­tiveram na origem do revisionismo moderno. Defende em palavras a política leninista de hegemonia do proletariado mas aplica na prá­tica a política stalinista-dimitrovista de “frente popular” e de “democracia popular”, visando a formação dum bloco operário-pequeno-burguês. Denuncia o maoísmo mas adopta a política  maoísta de apoio às burguesias nacionais dependentes. Proclama o marxismo-leninismo como “doutrina sempre jovem e científica” mas mantém uma atitude dogmático-praticista face à evolução da luta de classes. Declara-se fiel ao centralismo democrático mas suprime a democra­cia interna no Partido para defender o seu oportunismo.

Apesar do esforço para ocultar as divergências crescentes, a corrente ML está a ficar dividida em duas alas: uma, mais acentuadamente oportunista, constituída pelos “incondicionais” do PTA: PC do Brasil, PC(R) de Portugal, PC da Dinamarca, etc. Destaca-se nesta corrente o PC do Brasil, pela força com que exporta as suas próprias posições extremamente oportunistas de aliança com a bur­guesia liberal. 0 PC do Brasil teve um papel preponderante na de­generação oportunista do PC(R) e na nossa expulsão desse partido. Possuímos documentação, de que podemos ceder fotocópias, sobre a política do PC do Brasil.

A outra, ala, que agrupa actualmente a maioria dos partidos (PCs de Espanha, França, Suécia, Equador, México, Japão, Colômbia, etc.) faz algumas demarcações indirectas e cautelosas em relação ao nacionalismo da política albanesa, mas nenhuma crítica de princípios ao oportunismo, como se constata pela revista internacional que editam, “Teoria e Prática”. Nesta ala, o PC de Espanha (m-l) tem sido o mais agressivo no esforço para isolar as posições de esquerda.

O PC da Nicarágua (ex-MAP-ML), que tem aparecido associado a esta corrente, mantém ao mesmo tempo relações com o MLP/EUA e, no terreno de política interna, faz uma crítica à pequena burguesia sandinista que nos parece correcta. O PC do Japão (Esquerda), tam­bém associado a esta corrente, parece ter desistido por completo das análises críticas que há anos iniciara ao passado do movimento comunista internacional.

Concluímos que a actual corrente ML não pode dar origem a uma nova corrente comunista. Só a afirmação e a ampla divulgação de posições narxistas-leninistas consequentes pode tornar-se um pólo de atracção das forças revolucionárias, cortar caminho à prolife­ração do oportunismo e precipitar a crise do centrismo pseudo-ML.

Por isso atribuímos a maior importância ao debate e à troca de documentos entre os partidos e grupos que iniciaram a crítica às origens do revisionismo moderno. No que se refere aos artigos até agora publicados na nossa revista “Política Operária”, não nos é possível de momento traduzi-los mas procuraremos, na medida do possível, fornecer-vos resumos do que nos parece mais importante.

Propomos pois à vossa organização a troca de documentos e o início dum debate sobre as grandes questões do Movimento ML, como a tarefa mais urgente para a elaboração de uma plataforma comunista internacional, sem a qual é impossível a reorganização do movimento comunista.

 

 

Cartas a MV – 2

Francisco Martins Rodrigues

Carta a MV (4)

20/6/1985

Camaradas M e R:

Como vão? Cá estamos mais uma vez a pedir resposta às nossas cartas, mesmo que seja resumida, para termos a certeza de que não estão zangados connosco. Sabemos que o M fez um telefonema para o R, mas há várias coisas a concretizar. Por isso vos pe­dimos que nos escrevam antes de partirem para férias. (Por acaso não lhes calhava fazer férias em Portugal? 0 clima é excelente, co­mo sabem, e era uma bela oportunidade para debatermos de viva voz os nossos problemas). Vamos aos factos.

Aparelho técnico – Estamos neste momento a legalizar uma sociedade e a montar um atelier de artes gráficas. Comprámos uma máquina de fotocomposição em segunda mão, a prestações, e vamos dedicar-nos a trabalhos de composição e montagem (asseguramos também a impressão, por acordo com uma tipografia). Esta vai ser a base económica e técnica para a sobrevivência da revista, mas exige que se obtenham clientes para rentabilizar a máquina, sustentar os funcionários, pagar a renda da casa, etc. Já temos alguns clientes e vamos empe­nhar-nos em singrar. Uma pergunta: não seria possivel canalizar para nós trabalhos de fotocomposição aí de Paris? A ideia pode parecer disparatada à primeira vista, mas justifica-se pela barateza da mão-de-obra portuga, o que nos permitiria competir com os preços aí praticados. A Grua[i] fazia uma pequena revista (de karate) que era redigida em Paris, impressa em Portugal e vendida em Paris. Nós po­deríamos. fazer o mesmo quanto a parte da composição e montagem. Po­derão vocês enviar-nos algum trabalho que aí obtenham? Garantimos preços vantajosos, cumprimento dos prazos, boa qualidade. Em breve vos enviaremos o cartão de apresentação da nossa sociedade. Vejam o que se pode fazer, tendo em conta que é neste momento uma das formas principais de criar base financeira para a edição da revista.

Atenção – O nosso atelier de artes gráficas está a funcionar na rua (…)Pedimos que nos digam como se encontra o plano para a compra e envio da PB Dick. Vai ser ume pedra essencial para a feitura da re­vista. Inicialmente imprimiremos fora, mas precisamos de dar andamento a essa questão, para nos tornarmos independentes e pouparmos dinheiro.

O título da revista está legalmente registado, temos apartados de correio em Lisboa e Porto, estamos a tratar do porte-pago e de outras questões burocráticas.

Revista – Como já tínhamos informado, estamos a trabalhar para a saída do nº 1 em fins de Setembro-princípios de Outubro. O projec­to para um nº experimental, como ensaio e só para consumo interno, não passou além de alguns pequenos artigos; temos andado todos ab­sorvidos nas actividades práticas e as capacidades de redacção es­tão pouco treinadas. Este é um dos aspectos mais sérios das dificuldades que vamos enfrentar.

Para o nº 1, estão em preparação alguns artigos de fundo, já em fase de redacção e discussão:

  • Portugal: revolução democrática e nacional ou revolução socialista?
  • Disciplina e liberdade de discussão no Partido Bolchevique – um exemplo.
  • Lições do Verão quente de 1975 no seu 10º aniversário.
  • O Partido Bolchevique e o movimento operário às vésperas da revolução de Outubro.
  • Cometna: um exemplo das novas realidades na luta de classes nas empresas.
  • A viragem à direita do PCE e o começo da guerra de Espanha.
  • Situação política – tendências de classe por detrás dos ali­nhamentos dos partidos.

Para além destes artigos (como vêem, ambição não nos falta), completaremos o nº inaugural com um Editorial, diversos comentários curtos, crítica de livros e revistas, etc. Pergunta: podemos contar com uma carta de Paris, feita por vós, sobre tema à vossa escolha? Para ser actual, deveria ser redigida em Setembro e enviada para cá até 15 de Setembro o mais tardar. Decerto compreendem a importância que terá para este começo da revista o aparecimento da vossa cola­boração. De acordo? Fizemos um pedido semelhante ao PA mas até agora não tivemos resposta. Se puderem, dêem-lhe um aperto.

Com vista ao nº 2, já temos um artigo feito sobre as medidas re­volucionárias da libertação da mulher na revolução russa e o recuo posterior. Como sairá em Dezembro, 10º aniversário da fundação do PC(R), terá um artigo desenvolvido de balanço à experiência do PC(R) e da corrente ML em Portugal. Para o preparação desse trabalho, fi­zemos no dia 16 um encontro, aberto a diversos amigos, em que se discutiu o tema na base de teses redigidas previamente por um bom número de camaradas. O debate prossegue no dia 30 do corrente.

Como apoio para c estudo, tendo em vista futuros artigos, pre­cisaríamos que nos mandassem mais fotocópias dos livros que nos in­dicaram poder obter. A ignorância é grande por estas bandas. Também estamos à espera que nos digam se podemos contar com uma assinatu­ra feita por vós de uma revista de informação internacional, que poderia ser, supomos, a “Afrique-Asie”.

Outra forma de apoiar o lançamento da revista será a subscrição dos boletins de assinatura antecipada, a preço muito baixo, de pro­moção. Enviamos junto alguns, pedindo a vossa atenção.

Anti-Dimitrovleram? Qual a vossa opinião global? A reacção aqui, naturalmente, foi para considerar o trabalho esclarecedor na nossa área e para o considerar como uma manifestação de esquerdismo incurável, na área dos arrependidos da esquerda, que são a lar­ga maioria. Em todo o caso, foi bastante falado na imprensa e a ti­ragem está quase toda vendida. A casa distribuidora (“Ulmeiro”) só tem umas dezenas e nós outros tantos como reserva. Ao todo, .já co­brámos 250 contos, que foram uma ajuda importante para nos abalan­çarmos à compra da máquina de fotocomposição, somados às quotiza­ções, donativos e empréstimos.

Esperamos que tenham recebido os 20 exemplares que vos enviámos em dois pacotes de 10 e que já tenham feito alguma massa com eles. Se tiverem possibilidades de colocar mais alguns aí nos meios da emigração, podemos arranjar-vos mais uns tantos. Se tiverem recei­tas da venda do livro, pedimos que mandem para cá tudo o que pude­rem, pois neste momento é vital para nós concentrar todo o dinheiro possível para fazer face às despesas de lançamento da empresa grá­fica. Ainda temos cerca de cem contos a receber de livros.

Quanto à hipótese de reedição do livro, pusemo-la de parte, pois implicava una grande despesa. Agora o meu plano, já aprovado em debate, é começar a trabalhar numa espécie de balanço histórico sobre a evolução do PCP: fazer a tal crítica as origens do revi­sionismo que o PC(R) nunca se atreveu a fazer. Seria ideologica­mente útil para o reforço da nossa corrente e comercialmente pode­rá ser uma boa ajuda para financiar a revista. O projecto é ter esse livro na rua no Outono do ano que vem, mas terei que me dedi­car muito mais ao estudo e combater a dispersão das tarefas urgen­tes que agora puxam de todos os lados.

PC(R) – dois últimos acontecimentos espectaculacres desta banda são a estrondosa adesão de Frederico Carvalho (o pequeno Fred) ao PCP e a demissão colectiva de 37 membros da UDP do Porto, quase todos operários. O ex-membro do CC do PC(R) José Magalhães, aderiu à OC-PO e consti­tuiu-se como núcleo de apoio à revista. Seguem junto recortes de imprensa sobre um e outro caso, assim como uma carta que dirigimos aos membros do PC(R) sobre o caso Fred, lembrando-lhes que ele foi o nosso principal inimigo no 4º Congresso. Afinal quem tinha razão? Prevemos um agravamento da crise interna do PC(P.) devido ao desen­rolar dos acontecimentos, assim como a complicada situação eleito­ral em que se está a meter. Vamos fazer trabalho de esclarecimento junto de todos os membros que pudermos contactar. Da Grua já saíram ou estão despedidos, prestes a sair, todos os que formavam a velha equipa, à excepção da mulher do EP.

Organização – fizemos a 12 de Maio um encontro para debater inter­venção operária e sindical, frente de trabalho que estamos a tentar impulsionar em paralelo à edição da revista, porque oferece perspectivas e é uma peça essencial para a reconstrução; a 2 de Junho fizemos a nossa 2ª Assembleia, para tomar decisões sobre a cohstituição da empresa, dadas as grandes responsabilidades finan­ceiras que envolve, e para debater o andamento geral do nosso tra­balho; verifica-se que a vida dos núcleos e a participação de bas­tantes camaradas é irregular, recaindo o grosso dos esforços sobre um pequeno número; não se pode dizer que a nossa situação quanto a mobilização e militância seja satisfatória. Está espalhada urna certa falta de confiança quanto à realização do nosso objectivo, dado o ambiente desfavorável na classe operária. Vamos ter que avançar a pulso, porque o tempo não é de facilidades.

Segue junto o boletim interno nº 1, agora baptizado ” Tribuna Comunista”. Continuamos a lutar por lhe elevar o nível como ponto de encontro de experiências e pontos de vista. Continua em aberto o pedido de críticas e colaborações vossas.

Movimento ML internacional – Embora não tendo ainda recebido nenhuma resposta è mensagem de Março aprovada pela 1ª Assembleia (deve haver uma atitude geral de retraimento, a ver em que param as mo­das), vamos enviar por estes dias uma segunda carta, informando sobre o caso do Fred. Segue junto cópia desta carta (que distribuímos em inglês para todos os partidos). Se puderem pô-la em francês e fazê-la chegar à “Avant-garde communiste”, ao PCOF, Kessel, etc., será uma boa ajuda.

Recebemos regularmente as publicações eu inglês do PC do Japão (Esquerda).

 

 

 

[i] Empresa gráfica que pertencia ao PC(R), onde FMR trabalhou. (Nota de AB).

Cartas a SL

Francisco Martins Rodrigues

 Carta a SL (1)

 7/11/1991

 Caro Amigo L:

 Agradeço-te o interesse que te levou a escrever a úl­tima longa carta. Gostaria de responder brevemente. Francamente, não vejo razões para divisares “sintomas alarmantes” no nosso ali­nhamento político-ideológico. O problema não é querermos permanecer “cristalinos e puros” como tu dizes, mas estarmos atentos a uma muito real e muito brutal pressão de direita, contra-revolucionária, que hoje tenta varrer, cilindrar ou corromper tudo o que seja comunista ou próximo. O debate em torno da revolução russa e do leninismo inscreve-se nessa batalha. Muito francamente, também, acho que os teus argumentos revelam falta de vigilância da tua par­te quanto ao que está em jogo neste debate. Quer isto dizer que eu, para não ceder terreno à reacção, vou defender Lenine à viva força? Não. Não penso que os artigos da P.O. contenham nada disso. Dá-me a impressão do que tu os leste muito pela rama, pois tu próprio dás argumentos já expostos anteriormente nesses artigos. Achas muito es­tranho que se diga que os bolcheviques, ao não vir a revolução da Europa, aplicaram, em situação de emergência, um programa de sobre­vivência alheio ao seu programa inicial? Nesse caso peço que me digas, concretamente, na Rússia de 1918 tal como era nesse momento, como concebes que se pudesse levar por diante a ditadura do proleta­riado, a sério, com democracia de massas, sovietes com poder real, etc. Parece-me deduzir da tua argumentação que achavas preferível que a Rússia dos sovietes se tivesse deixado ir ao fundo sem ceder um palmo nos princípios do comunismo, que isso seria melhor do que acabar por ir ao fundo na mesma, apodrecida pelo capitalismo de Es­tado, a burocracia, o terror, etc. Hoje podemos fazer essa compara­ção, mas em 1920 ninguém podia fazê-la. Os homens que estavam à fren­te da Rússia pensavam: “fazemos uma série de entorses ao que deveria ser a ditadura do proletariado mas é a única forma de mantermos o poder de pé e, quem sabe, talvez dentro de um ano ou dois, venha uma revolução na Alemanha, que nos permita depois endireitar a nossa”. Tentavam ganhar tempo. Explica-me então qual teria sido a política de princípios neste caso. Mas em concreto; porque tu dizes sempre que nós não fazemos análises concretas mas dás opi­niões muito no abstracto.

Capitalismo de Estado – Não sabia que tu tinhas objecções a esse conceito. Marx e Engels não o usaram porque era desconhecido no seu tempo. Foi usado na Alemanha bismarckiana, e depois em escala crescente por outras burguesias que precisavam de se apoiar nos capitais do Estado por insuficiência de acumulação privada. Lenine não disfarçou a dura realidade e disse que pôr a economia a fun­cionar na Rússia (houve uma fome em que morreu um milhão de pes­soas no Volga devido à guerra civil e à desorganização total da economia) tinha que se recorrer ao capitalismo de Estado. Mostrou a sua atitude de princípio: não disfarçar de “socialismo” uma coi­sa que não o era. Mais tarde, foi esse sistema que ficou a vigorar na URSS, assim como nos países da Europa de Leste, etc. Não perce­bo o teu reparo. Não chamamos a esses regimes pura e simplesmente capitalistas porque não tinham apropriação privada dos capitais, concorrência, etc. A burguesia “comunista” desfrutava-se da mais-valia através do capital do Estado. Parece-me um conceito claro, que já demonstrou a sua aplicação. O crescimento e apodrecimento desse regime, com todas as suas taras, é uma coisa; a sua aplicação inicial, como recurso de emergência num país devastado que não con­segue organizar a produção socialista, é outra. Se não fosse isso, que alternativa ficava? Devolver as fábricas e as terras à burgue­sia?’ Deduzo dos teus argumentos que vês uma certa justificação na “propriedade privada fundada no trabalho pessoal”. Mas não sabemos nós que o pequeno burguês gera diariamente o médio e o grande, que o processo de acumulação capitalista reproduz sempre os mesmos fe­nómenos?

Imperialismo soviético – Acusas-me de o “camuflar” e mais uma vez foges à análise concreta da situação concreta do que foi esse tal imperialismo que ruiu como um castelo de cartas. Temos sobre o as­sunto artigos publicados e dispenso-me de os repetir. Sou eu que te alerto para um desvio de que pareces não ter consciência: ao repetir as histórias infundadas postas a correr pelo imperialismo ocidental acerca do “império soviético” perdes contacto com a realidade e co­laboras involuntariamente numa barragem de propaganda destinada a amortecer a oposição ao imperialismo.

Pensas ver espírito de seita da nossa parte quando dizemos que “tínhamos razão”. Mas, caro         L, não achas que temos motivos para sentir algum orgulho por ter dito há anos que o “império soviético” era um mito porque não tinha base económica e portanto era vulnerável? Tu, por exemplo, acreditavas que a URSS tinha um poderio terrível, estava em igualdade ou até acima do Ocidente… Somos nós que temos espírito de seita ou és tu, neste caso, que resistes a dar um balanço a ideias que tinhas e que se comprova­ram erradas?

Conhecemo-nos há bastantes anos e por isso não hesito em falar-te com toda a franqueza, sem rodeios, como tu, aliás, fazes em relação a mim.

A tua carta termina com uma proposta concreta: colaborares na revista com um estatuto independente, para expores as tuas opiniões sobre a URSS, a evolução actual do capitalismo, etc. Levei esta proposta ao conhecimento da redacção e considerámos unanimemente que não deve haver esse estatuto de colaborador indepen­dente. Os artigos passam todos pela discussão na redacção e, em­bora tenham uma margem de pontos de vista individuais, saem quan­do a redacção considera que não vão contra a sua linha geral.

O que não quer dizer que recusemos publicar artigos que nos man­des. Já os temos publicado e estamos interessados em continuar a fazê-lo, teus e de outros leitores da revista, como tens vis­to. Só que essas pessoas não são colaboradores independentes, mas leitores que enviam trabalhos que nós publicamos ou não con­forme entendemos. Vários têm sido publicados, outros têm sido recusados por não lhes acharmos interesse. O que não podemos é assumir qualquer compromisso contigo de passarmos a considera-te nosso colaborador independente e de publicarmos o que tu nos envies. Julgo que a nossa atitude é perfeitamente clara e não foge às normas habituais em qualquer revista de opinião, como a nossa. Continuamos portanto abertos e interessados em publicar textos que nos envies, pondo em questão as nossas posições, apenas com a reserva quanto à oportunidade e espaço para o fazermos.

E é tudo, caro  L. Fico à espera de uma ocasião para prosse­guirmos o nosso debate de viva voz. Um abraço

Carta a SL (2)

 28/4/1994

 Caro Amigo:

Não sei se teremos oportunidade de nos ver na apresentação do livro[i], no Clube dos Jornalistas, sábado, dia 30, a partir das 18.30, e por isso respondo já por este meio à tua carta. No que diz respeito à necessidade duma avaliação ponderada do PREC, para destrinçar entre o que nele foi autenticamente revolucionário e o que foi folclore “revolucionarista” pequeno-burguês, estou de acordo contigo. Mas já nos exemplos que evocas, se concordo inteiramente em que a palavra de ordem do “não à guerra civil” teve um conteúdo capitulacionista, já quanto a ter sido erro o começar, naquela situação concreta, pela formação da UDP, tenho as minhas dúvidas; e quanto ao assalto à embaixada de Espanha ter sido anarqueirada estudantil, já não concordo nada contigo – pensa só na escassez de acções de confronto com a ordem que todo o PREC registou – não houve um desastroso excesso de moderação? Não nos devemos regozijar com um dos raros actos violentos – inteiramente justificado, aliás, dada a barbaridade do crime franquista, e que foi imitado noutras capitais?

Mas se o que importa é uma avaliação política reflectida desse período, penso que o livro que fizemos só ajudará a avançar-se nesse sentido, na medida em que reúne testemunhos de intervenientes directos e desenterra experiências que têm vindo há vinte anos a ser cobertas de entulho. Romper com a prática do silêncio e da calúnia gratuita que por aí se fazem é do interesse da esquerda, parece-me. Não sei se tencionas promover alguma referência da Lusa à edição, mas, se for esse o caso, peço que tenhas em consideração o mérito que representa darmos voz aos que estão privados dela há longos anos. Se não fores ao lançamento, vou enviar-te um exemplar para poderes ajuizar por ti e veres se é possível chamar a atenção para esta iniciativa.

A segunda parte da tua carta, relativa à apreciação da revolução russa à luz do marxismo de Marx, retoma uma polémica que vimos fazendo há anos, sem aproximação dos nossos pontos de vista. Só posso responder às tuas notas repetindo as opiniões que já expus noutras oportunidades e que, pelos vistos, não te convencem. Eu acho que há um erro metodológico na tua perspectiva, que é admitires que as revoluções russa, chinesa, cubana, poderiam ter sido socialistas, se os seus dirigentes tivessem sido melhores marxistas. Isso parece-me puro idealismo. Não tomas em consideração que o nível económico-social desses países impossibilitava a instauração do socialismo, por muito que os líderes revolucionários, os partidos ou as massas o desejassem; só permitiam a passagem ao capitalismo – que foi o que aconteceu. O leninismo, que tu culpas pelo fracasso, foi justamente a aplicação viva do marxismo que permitiu o êxito inicial dessas revoluções, o cumprimento das suas tarefas antifeudais, anti-imperialistas, burguesas, da forma mais radical e acelerada. Sem leninismo, não teríamos tido revoluções nenhumas porque teriam sido afogadas pela reacção logo à partida.

Isto, para te apontar brevemente como encaro a tua conclusão de que “a estreiteza revolucionária actual está na hesitação em romper definitivamente com o leninismo”. Do meu ponto de vista, uma tal atitude só poderia levar a recuarmos para trás de Lenine e a afastarmo-nos do marxismo. Enfim, este é um debate para continuar entre nós. Chegaste a ler a série de artigos que publiquei na P.O. sobre a revolução russa? Não lhe encontraste nenhum argumento que abalasse as tuas convicções?

Se não me disseres nada em contrário, publicarei na próxima P.O. a primeira parte da tua carta, relativa ao PREC (assinada com iniciais). A segunda parte repete opiniões tuas que já temos publicado noutras ocasiões e por isso penso omiti-la, para não ocupar muito espaço. Em todo o caso, se entenderes fazer-nos chegar algum texto nesse sentido, de crítica ao leninismo, não como carta, mas como artigo, estamos abertos a publicá-lo.

Um abraço

 

[i] “O futuro era agora”, ed. Dinossauro, 1994. (Nota de AB).

Cartas a LN

Francisco Martins Rodrigues

Carta a LN (1)

28/8/1998

Caro Amigo:

Agradeço a sua carta. Das suas observações, creio que se destaca a preocupação com a questão do Partido Comunista. Eu também o considero a questão política central, para que possamos passar de meros espectadores a interventores activos. Mas por isso mesmo, porque o assunto tem uma importância decisiva, receio a repetição das experiências de partidos que se fizeram no nosso país nos anos 70. No próximo número da P.O., que receberá em Outubro, volto à carga sobre o assunto, para falar das experiências negativas em que participei. Hoje não tenho dúvida que se tivesse sido possível uma perspectiva mais amadurecida do partido nesses anos, os acontecimentos políticos poderiam ter seguido outro rumo. Não digo que a revolução pudesse ser vitoriosa (faltavam imensas condições para isso) mas de certeza o proletariado teria saído da prova sem o sentimento de frustração e desmoralização em que se encontra. E se, da esquerda m-l, que então parecia tão pujante, nada restou, creio que isso se deve em grande medida às falsificações que se praticaram em nome do partido leninista, que de leninista pouco tinha.

Se dou portanto alertas contra o perigo de um partido prematuro é porque já me pareceu detectar aqui ou além tendências de “criar o partido” sem querer saber da crítica ao que esteve mal na fase anterior. Talvez não haja razão para os meus alertas; o abatimento é tanto que se calhar ainda vão passar muitos anos antes de um núcleo de gente capaz tomar o assunto em mãos. Se assim for, fica pelo menos a crítica aos erros anteriores (aquela que eu sou capaz de fazer), poderá ser uma ajuda para os que venham mais tarde. Francamente, se for para fazer um novo PC(R) ou um novo MRPP, acho que é tempo perdido.

Aqui afasto-me de si, julgo, no que toca à tradição stalinista de partido. Foi essa que conhecemos no passado, apoiámo-la como uma alternativa positiva aos partidos revisionistas, mas hoje, com maior distanciamento, acho que era preciso ter dado o salto que não se deu para o partido inspirado no leninismo. E que, de facto, o partido bolchevique que sob a direcção de Lenine lutou pela revolução tinha métodos muito diferentes dos que depois adoptou com Staline, embora nos fizessem crer o contrário. Compreende-se porquê: exercendo o poder em nome de uma ditadura do proletariado que de facto não existia na Rússia (nem podia ainda existir), o partido foi deformado, tornou-se muito diferente do que era nos seus tempos revolucionários, estagnou sob o monolitismo e a “caça às bruxas”. É a repetição desse estilo que eu procuro evitar, porque um partido desses será absolutamente incapaz de conduzir uma luta revolucionária coerente.

Quanto às questões teóricas, reconheço que temos muitas limitações, mas creia que, ao longo dos 13 anos que já leva a nossa revista, tem abordado diversos temas marxistas. É verdade que não fazemos muitas citações dos textos clássicos mas procuramos aplicar e desenvolver as suas ideias em torno das questões políticas actuais. Também aí, estou de pé atrás com o “marxismo-leninismo” de citações que se praticava há vinte ou trinta anos. Verifiquei como muitos dos que papagueavam com mais ardor essas citações e estavam sempre com o Lenine e o Staline na boca viraram a casaca assim que viram as coisas a correr para o torto. Era “cultura marxista” só para enfeitar… Num ponto lhe dou inteira razão: a necessidade de fazer uma análise das classes em Portugal e de fundamentar o carácter da nossa revolução (também eu penso que só pode ser socialista). Somos poucos e faltam-nos os elementos para produzir essas análises com um mínimo de seriedade marxista. Mas espero que ainda o conseguiremos. Não estamos cansados e a revista vai continuar a batalhar.

Sobre a Marinha Grande. Não pretendemos promover as pessoas a que se refere a militantes comunistas. Simplesmente, apoiamos e divulgamos as poucas críticas de esquerda ao PCP que ainda aparecem. No ponto a que chegámos, e que o meu Amigo deve conhecer tão bem como eu, seria insensato abafar essas críticas a pretexto de que os seus autores têm algumas contradições e o seu passado contém muitos erros. Em números anteriores da P.O. temos publicado entrevistas com operários, alguns mesmo da orla do PCP, quando eles fazem críticas de esquerda que merecem ser divulgadas. Publicamos o que há, não é por nossa culpa que não ocupamos as páginas da revista com tomadas de posição de revolucionários comunistas.

Refere-se a José Gregório e a um trabalho meu de há trinta anos (ou mais) sobre o assunto. Continuo a achar que Gregório deve ser respeitado e apresentado como exemplo de militante comunista mas a minha opinião sobre ele e sobre o PCP do seu tempo é hoje diferente da que tinha há trinta anos. Se devemos valorizá-los em oposição ao revisionismo cunhalista que veio depois, não devemos idealizá-los nem ocultar as suas limitações. O PCP dos anos 30-40, com a sua abnegação e combatividade antifascista, sofreu dos mesmos problemas que todo o movimento comunista, forçado pelas circunstâncias a apoiar a URSS de Staline e a calar tudo o que aí corria mal, envolvido numa desastrosa política de “frente popular”, etc. O caso de Manuel Domingues é apenas um episódio na história desse tempo; evoquei-o não para minimizar Gregório mas para mostrar a duplicidade de Cunhal, que continua a fazer silêncio sobre o assunto.

E por agora é tudo. Creio ter tocado os tópicos principais da sua carta. Espero que poderemos continuar a corresponder-nos e aguardo com muito interesse todas as críticas e sugestões que a leitura da P.O. lhe vá suscitando. Aceite as minhas saudações comunistas.

 Carta a LN (2)

29/12/1988

Caro Amigo:

Já deve ter recebido por esta altura a P.O. 67 e por ela verá a solução que encontrei para os extractos da sua carta, em que procurei conservar aquilo que há de mais significativo quanto ao estilo de partido e ao problema da vigilância de classe. São questões que tendem a ser esquecidas no clima democrático-pacífico actual e a sua carta vem lembrá-las. Também alterei o nome, tendo em conta as suas reservas a esse respeito. Espero que lhe tenha agradado a solução. Se de futuro nos quiser enviar para publicação as suas reflexões sobre o problema do Partido, ou outros, teremos muito gosto nisso.

Tem acompanhado as notícias sobre a aproximação entre a UDP, PSR e Política XXI, com vistas a uma candidatura conjunta às próximas eleições? Há quem fale num projecto de fusão para criação de um novo partido da esquerda. Pessoalmente, sou muito céptico quanto à viabilidade e sobretudo quanto aos reflexos políticos de um tal partido. Só será útil na medida em que, percorrendo até ao fim o seu reformismo intrínseco, esse novo partido apressará a abertura de um espaço na esquerda para um real partido revolucionário. Em todo o caso, a curto prazo, talvez cause alguma ilusão em pessoas de esquerda que têm estado isoladas.

Aceite as minhas saudações e votos de bom Ano Novo.

 Carta a LN (3)

9/3/1999

Caro Amigo:

O seu artigo saiu, como deve ter visto. Não me incomodou absolutamente nada a discordância, pois o tom é correcto. Temos por norma dar espaço à polémica na nossa revista, polémica que sentimos como absolutamente indispensável para a corrente marxista sair da crise em que se encontra e que foi devida, em boa medida, à supressão do debate. Não sei ainda se redigirei algum artigo de resposta ao seu, mas por agora parece-me preferível deixar os leitores interessados compararem as duas posições. Em todo o caso, gostaria de lhe sublinhar o seguinte: 1) não pretendi pôr em causa a política de vigilância do tempo de José Gregório nem o documento dos Espiões e Provocadores, mas apenas chamar a atenção para o mistério da morte de Manuel Domingues; 2) é um facto incontestável que o documento relaciona o Domingues com os titistas; leia-o atentamente e verá a importância que é dada a esse assunto; 3) parece hoje fora de dúvida que não foi a P1DE que matou Domingues; 4) quando falo em “paranóia da perseguição” refiro-me, não à vigilância necessária, mas a suspeitas infundadas que no início dos anos 50 levaram ao afastamento de bastantes militantes honestos; em todo o caso, refiro que essa paranóia é inseparável da perseguição bárbara a que o partido era submetido na época; 5) não pretendi omitir nada quanto a Militão Ribeiro, só não o referi porque não é o caso dos militantes assassinados no momento da prisão ou sob a tortura nos interrogatórios; 6) agitar hoje o caso Manuel Domingues não é favorecer de modo nenhum o cunhalismo (que aliás venho criticando em dezenas de artigos), mas justamente desafiar Cunhal a fazer luz sobre o assunto, ele que tanto fala em transparência e em “paredes de vidro”. Enfim, o assunto ainda tem muito que se lhe diga e se calhar durante muitos anos, porque os principais envolvidos não querem falar.

Quanto ao seu outro artigo, acho-o, como aliás você diz, um bocado “complicado”, isto é, não ressaltam claras as conclusões a que se pretende chegar. Se não se importa que lhe faça uma sugestão, proponho que o trabalhe melhor e o reformule, com vista a publicação futura. Continuamos abertos à sua colaboração. Extraí uma passagem da sua carta, que publico sob o mesmo pseudónimo anterior. Aceite as minhas saudações.

 Carta a LN (4)

 17/9/2000

Caro Camarada:

A sua resposta vai ser publicada, e na íntegra, como pede, no próximo n° da PO. a sair em meados de Outubro (em Agosto, como de costume, fazemos a pausa das férias). Não queremos que suspeite de qualquer discriminação da nossa parte. Se efectivamente somos obrigados muitas vezes a fazer cortes nas cartas que nos são enviadas é sempre por razões de espaço e não para mutilar ou deturpar as opiniões dos nossos colaboradores. Neste caso em debate, que gira em torno da apreciação do PREC, não creio que haja mal entendidos entre nós; há sim perspectivas diferentes no balanço à luta de classes que se travou naquela altura em Portugal e ao papel social desempenhado pelo PCP, como de resto esta sua última colaboração confirma, quanto a mim. Você argumenta como se eu fosse inclinado a poupar e a desculpar o PCP, o que me deixa… sem palavras, já que há quase 40 anos que não faço outra coisa senão escrever que ele é um falso partido comunista, um partido burguês para operários. A nossa grande divergência é em saber se os PCs são uma peça subalterna da sociedade burguesa ou se são aparelhos de tipo fascista vocacionados para a tomada do poder. Aqui é que está o ponto a esclarecer. Essa diferença de opiniões manifestou-se desde que nos começámos a corresponder e possivelmente nenhum de nós consegue convencer o outro dos seus pontos de vista. Infelizmente não será possível dar-lhe a conhecer a grande quantidade de artigos que temos publicado desde o começo da revista, nem os debates que fizemos sobre o assunto, sobretudo nos primeiros anos, após sairmos do PC(R). Também seria bom que outros colaboradores se manifestassem e que o debate se alargasse. Veremos se isso acontece. Eu, pela minha parte, ainda gostaria de voltar a comentar, mais tarde, o que você escreve nesta carta.

Agora uma questão prática. Do seu artigo sobre o Joaquim Carreira, não se poderia extrair para a próxima P.O., na secção de Cartas dos Leitores, a lista de abusos e prepotências do PC na Marinha Grande? Tem o mérito de ser muito concreta e poder elucidar os nossos leitores mais simpatizantes do PC (também os temos). Diga-me, o mais breve possível, se está de acordo, em que termos, que nome se deve pôr a assinar a carta, etc.

Fico a aguardar a sua resposta. Aceite as minhas saudações

 Carta a LN (5)

 30/7/2002

Caro Camarada:

Depois de alguns dias de férias, encontrei a sua carta com os 25 euros, para duas assinaturas da PO por um ano. Ficou registado, receberá o próximo número em Outubro, como habitualmente. O seu reparo sobre a fraca cobertura dada às medidas do novo governo tem toda a razão de ser: vamos ver se no próximo número corrigimos o tiro.

No que se refere à “Voz do Trabalho”, é uma folha iniciada há cerca de um ano por um grupo de activistas da Margem Sul. Inicialmente participavam alguns elementos do Bloco de Esquerda mas, passado pouco tempo, por indicação dos seus dirigentes, afastaram-se. De modo que a folha é editada só por camaradas sem organização partidária, a maioria antigos membros do PC(R), uns mais próximos do colectivo da PO, outros mais afastados. O interesse desta iniciativa é que tem tido um acolhimento muito bom na Lisnave, Autoeuropa e outras grandes empresas da região. A edição de mil exemplares esgota-se em poucos dias e os apoios recolhidos junto dos operários cobrem as despesas de edição. Creio que é uma iniciativa válida e de apoiar. Se lhes quiser enviar pequenas crónicas, em estilo simples, ou mesmo recortes da imprensa do Norte, será uma forma de ajuda. Já agora, digo o mesmo para a nossa P.O.: se tiver materiais que ache de interesse não hesite em enviá-los.

Por agora é tudo. Aceite as saudações do nosso colectivo

 Carta a LN (6)

26/8/2004

 Caro camarada:

Recebi o dinheiro que enviaste e registei a renovação da tua assinatura (entendo que queres continuar a receber dois exemplares, como até aqui). As observações e reparos que fazes sobre artigos da P.O. sairão no próximo número.

Levantas na tua carta uma série de questões de cuja importância não duvido, mas que infelizmente, ainda não se aplicam àquilo que somos neste momento, e não sei por quanto tempo mais. O colectivo que edita a “P.O.” não é ainda um grupo político estruturado, porque para tal não temos encontrado condições. É um grupo que se dedica a fazer propaganda através da revista e de livros, tentando ajudar a criar uma corrente de opinião para a existência de um partido comunista revolucionário neste país. Participamos em acções pontuais (por exemplo contra a invasão do Iraque, no Io de Maio, etc.), mas até agora os ecos da nossa propaganda têm sido pouquíssimos. E se continuamos dispostos a prosseguir nesta actividade, que julgamos indispensável, não pretendemos fazer-nos passar por aquilo que não somos. Devido à fase incipiente em que nos encontramos e ao nosso pequeno número, as questões relativas à vigilância de classe e ao perigo de infiltrações que tu colocas põem-se num plano ainda bastante restrito. Naturalmente, procuramos afastar de nós indivíduos que nos sejam suspeitos, mas não temos questões organizativas internas que seja preciso defender. Em relação à pessoa que julgo que referes em particular, houve apenas uma troca de correspondência e o aproveitamento de umas notas que nos enviou sobre antigos militantes comunistas. Mesmo que seja pessoa pouco recomendável, como dizes, não vejo que esse contacto esporádico nos tenha causado nenhum prejuízo. De qualquer modo, tomo em conta os teus alertas.

E é tudo por agora. Aceita um abraço

 Carta a LN (7)

31/8/2004

 Caro Camarada:

Devolvo por correio separado o teu trabalho que puseste à nossa consideração, para se ver a hipótese de ser publicado. Como tu próprio dizes, o texto ainda precisa de ser trabalhado. Mas a nossa dúvida (minha e de outro camarada que também leu) é se, mesmo melhorado, o texto se presta a uma edição em livro. Como deves saber, existe uma inflação tremenda de edições e os distribuidores e livreiros rejeitam à partida todos os livros que lhes parecem pouco vendáveis, argumentando que não têm espaço para tanto livro, etc. Nós, na Dinossauro, somos obrigados a entremear certos livros mais teóricos com novelas e textos mais ligeiros, para tentar ir andando. Mesmo assim, o nosso distribuidor recusou-se há três meses a continuar a aceitar os nossos livros, porque lhe davam pouco lucro. Estamos agora a tentar um novo distribuidor, sem saber ainda o que vai acontecer.

Falaste na hipótese de pagares 100 exemplares mas os custos da edição seriam tão pesados, mesmo que se fizessem só 300 ou 400 exemplares, que haveria sempre um prejuízo enorme que não podemos suportar, nem tu provavelmente.

Existe no teu livro um relato de uma experiência directa que viveste na Marinha Grande, na fase final do fascismo. Essa experiência não se deve perder. Porque não tentas abordar o tema por outra forma, fazendo um relato não romanceado, bastante mais curto, dos acontecimentos? Poderia dar um caderno de que tirarias fotocópias e que se poderia fazer circular nos meios que conservam interesse pela história da luta de classes no nosso país. Seria um registo válido de acontecimentos que hoje se procuram fazer esquecer. É a sugestão que te podemos dar.

Com as nossas saudações

 Carta a LN (8)

30/8/2007

 Caro Camarada:

 Respondo à tua carta. Quanto aos materiais que comentas, algumas informações:

Foi de nossa iniciativa o projecto de criação de uma organização “anticapitalista” que foi lançado em Novembro do ano passado e que levou à Declaração “Mudar de vida” e ao projecto de um jornal com o mesmo nome. Fizeram-se várias reuniões juntando camaradas da PO com alguns amigos como o cantor José Mário Branco, com vista à preparação desse jornal. Todavia, desde Julho deixámos de ter qualquer relação com esse projecto devido a um conflito surgido com José Mário Branco. Este exigia que os comunistas não falassem das suas actividades nas reuniões do colectivo. Praticamente, quis pôr a PO fora do projecto e conseguiu porque nos retirámos. Seguem junto alguns documentos que te ajudarão a entender o que aconteceu. Na próxima PO sairá um artigo de polémica com as opiniões de J. Mário acerca das relações entre a vanguarda e as massas (artigo dele que saiu na PO 109).

Neste momento, portanto, a PO retomou a sua intervenção independente. Continuamos com a edição da revista e damos passos para lançar um jornal mensal, a que chamámos provisoriamente “Visor”. Não se sabe por enquanto quando poderá esse jornal sair para a rua, ainda poderá demorar alguns meses a definir melhor o modelo e a reunir as condições quanto a colaboradores, distribuição, apoio financeiro, etc. Entretanto, a PO sairá como normalmente. O próximo número em fins de Setembro.

Sobre as tuas sugestões de trabalho – Como creio que já te disse na nossa troca de cartas anterior, as tuas propostas para criarmos uma comissão de organização, que apure os currículos dos futuros membros, aprove um programa, crie um jornal interno, prepare a criação do partido comunista, não corresponde à situação real. Continuamos sem condições para criar uma organização comunista. A prática totalidade dos camaradas que se aproximam da PO aceitam fazer alguma acção sindical, anti-imperialista, etc. mas não querem organizar-se numa base comunista. Por isso tentámos esta experiência da organização anticapitalista, mas mesmo assim logo apareceram os fantasmas contra os comunistas que “querem controlar tudo”, etc. Mantemos por isso o comité editor da PO, com as actividades limitadas que conheces e assim nos vamos manter até que surjam outras perspectivas.

Visor – Este é o nosso projecto de jornal. Depois do primeiro número experimental, lançaremos um outro melhorado em Outubro, que te será enviado e para que pedimos as tuas críticas e sugestões. O título é provisório, tal como a ficha técnica.[i]

“Erguer o trabalho contra o Capital” – Essa foi a Declaração (que eu próprio redigi e a que depois foram acrescentadas algumas ideias) e que agora se chama “Mudar de Vida”. O grupo que se mantêm em tomo dessa Declaração inclui dois anteriores colaboradores da PO que a abandonaram, Manuel Raposo e Vladimiro Guinot.

Envio junto vários documentos para te pôr em dia com a situação. Fico à espera das tuas opiniões sobre tudo isto e propostas de trabalho.

Saudações

 ———–

[i] Este projecto do jornal Visor não foi para a frente porque, em Setembro de 2007, FMR começou a manifestar sintomas graves da doença que o vitimou em 22/4/2008. (Nota de AB).