Cartas a HN – 11

Francisco Martins Rodrigues

Carta a HN – 11

29/12/1997

Caro Camarada:

A resma das tuas cartas por responder já começa a ser assustadora, pelo que não sei como justificar a falta de resposta atempada. Mas no fundo considero-me ilibado, porque os últimos dois meses tiveram, além dos trabalhos habituais, a sobrecarga da mudança, com transporte de montanhas de papelada, classificação, arquivo, destruição Tudo isto a descer dum quarto andar e a subir para um quinto. De tal maneira que apanhei uma das minhas crises reumáticas, mas felizmente já passou. Quem tem feito força, é claro, tem sido o Bntónio Barata, que é rapaz novo e possante. Agora, com a mudança a chegar ao fim, a PO 62 expedida (recebeste?) e dois livros novos na tipografia, posso preparar-me para entrar no novo ano com espírito tranquilo.

Teus materiais – Aproveitei passagens duma carta tua sobre as actividades dos portugueses em Genève, mas, na dúvida sobre se te causaria problemas ter o teu nome por baixo, visto que agora és vice-presidente federativo (parabéns!), resolvi assinar com um pseudónimo. Fiz mal? Do artigo teu e do Z “Os caminhos difíceis do marxismo-leninismo” que já cá está desde Setembro, por não ter cabido no nº anterior, preparei agora uma condensação que sairá no próximo número. Creio que respeita a ideia central da vossa crítica. Esse problema da distância entre o que a OCPO se propôs fazer no início e o que é actualmente a PO preocupa-nos a todos, evidentemente, mas ainda não vejo meios de sair do impasse. Procurei tocar o assunto nesta última PO (“Acção comunista em tempo de maré baixa”) e penso continuar na próxima, para tentar clarificar um problema que muito tem contribuído para a paralisia dos antigos militantes saídos do PC(R): o que estava certo e o que estava errado na nossa prática anterior, nomeadamente na intervenção sindical, alianças, combate ao PC, táctica eleitoral, e sobretudo métodos de edificação do partido? Há quem pense, e ou sou um deles, que as ideias antigas sobre táctica comunista têm que ser passadas a pente fino, porque se infiltrou muito contrabando oportunista nos partidos comunistas, desde os anos 30, a coberto da Internacional Comunista. Por onde passa o esquerdismo e onde começa o oportunismo? Esta questão esteve sempre em aberto no PC(R) e aeho que nunca ficou esclarecida. Continuem a mandar as vossas colaborações, com muitas críticas, que isso faz faliu à evolução colectiva.

Anti-Dimitrov — A ideia de o traduzir foi posta de parte há muito, embora já houvesse uma tradução francesa bastante avançada[i]. A causa fundamental é as limitações que eu e todos nós aqui reconhecemos hoje ao trabalho. Foi importante sobretudo para o colectivo que rompeu com o PC(R) mas a visão que eu tinha na altura sobre as lutas internas na URSS e na Internacional Comunista era ainda muito superficial, não tínhamos compreendido a impossibilidade do socialismo na URSS e o carácter de capitalismo de Estado do regime, toda a nossa crítica girava à volta de “erros” dos dirigentes, “burocratizaçâo do partido”, quando isso eram apenas manifestações de uma estrutura burguesa. Por isso, hoje, o Anti-Dimitrov, embora não me envergonhe, porque tem muitas críticas justas, já não satisfaz. Tenho estado sempre à espera de poder redigir uma nova síntese mais avançada, mas não tem sido possível. Ainda agora pensámos editar em livro o conjunto dos artigos que publiquei na PO sobre a revolução russa mas acabei por desistir porque teriam que ser trabalhados, melhorados e o tempo não dá. No fim de contas, a minha produção tem que ser de artigos e não de livros, mas se os artigos forem fazendo alguns avanços úteis para a reconstrução de um partido comunista, tudo bem, dou-me por satisfeito.

Debates — Estava de facto previsto um para Outubro mas a acumulação de trabalho relacionada com a mudança levou-nos a adiar para data mais oportuna. Também é verdade que não vimos muita motivação do círculo de pessoas mais próximas, toda a gente anda envolvida nos seus problemas pessoais, profissionais, etc., e não sobeja muita disponibilidade. Pode ser que algum acontecimento político nacional ou internacional desperte as pessoas para a necessidade de debater ideias.

Livros Dinossauro – Temos na tipografia dois volumes novos, anunciados na última PO. Sobretudo o do Thomas é importante, embora nada fácil, porque é tudo tratado em termos filosóficos. Ele tem estudado Marx a fundo e faz uma desmontagem das loas que por aí se vendem acerca das liberdades e dos direitos humanos. Quando estiverem prontos, envio-vos uma encomenda de 5 exemplares de cada, para possíveis vendas aí. Os que não venderem, podem devolver. De acordo? Morada do ZB – Ele está a trabalhar na Beira, na Junta Autónoma das Estradas, lá para o lado de Penacova. mas vem aos fins de semana a casa. Temo-nos visto de longe em longe e ele continua rijo. A morada: (…)

Entrevista com o Alberto Pereira-Cem porcento de acordo, se puder vir já para este número melhor. Até 20 de Janeiro!

Revistas — Perguntas-me a opinião sobre duas revistas que vocês assinaram, Revue Internationale e Révolution Internationale, mas eu não conheço nem uma nem outra. Importas-te de me mandar os números já lidos para eu dar uma vista?

Vossa contribuição — Chegou em boa ordem , a dificuldade é trocar os francos suíços, no banco cobram uma taxa exorbitante, é um roubo, por isso vou-os conservando à espera de alguém conhecido que vá à Suíça e queira comprar francos à taxa de câmbio.

E por agora é tudo. Sempre vens cá em Janeiro como tinhas previsto? Não deixes de nos procurar. Envio-te a ti e ao Z um forte abraço e para ti em particular parabéns pelos progressos acelerados que tens feito com o computador. Ninguém te agarra. Abraços de todos nós.

 

[i] Existe a versão em francês, corrigida por FMR. Haja quem a edite. (Nota de AB)

Cartas a JM – 3

 

Francisco Martins Rodrigues

Carta a JM – 3

24/5/1986

Camarada:

Respondemos à tua carta de 3/3 que recebemos com muito atraso porque tinha ido para a Rua de São Tomé, donde já saímos há uns meses. Mudámo-nos para uma casa maior, mas onde trabalha exclusivamente a nossa empresa gráfica. Deves por isso dirigir toda a correspondência a (…).

Também nós lamentamos muito o atraso em estabelecermos um contacto mais estreito. Quando o ZB esteve aí a trabalhar no Verão, mandámos um telegrama para a tua antiga morada a propor um encontro, mas veio devolvido com a indicação de “desconhecido”. O B chegou a procurar-te lá mas não conseguiu nenhuma informação a teu respeito. De modo que ficámos à espera que desses notícias. Actualmente, o B já regressou e a possibilidade de contacto entre nós será precisamente nas tuas férias, se te deslocares a Portugal. Seria muito importante conseguir discutir um bocado.

Tínhamos inicialmente a nossa 3ª Assembleia anual marcada para 27/28 de Junho, mas devido ao período eleitoral que se aproxima e que vai exigir de nós algum esforço, resolvemos adiá-la para Outubro. Não será por isso viável a tua participação na assembleia (supomos que vens em Agosto?) mas isso não impedirá de fazermos umas reuniões de debate, conheceres uns tantos camaradas e aperceberes-te melhor da situação por cá, do que é a OCPO e do que andamos a fazer. As condições de trabalho para uma força comunista revolucionária são neste momento péssimas em Portugal, devido ao ambiente de desmoralização que atravessa o movimento operário e a debandada reformista geral, que também já mina as fileiras do PC(R) e UDP. Cá vamos resistindo e tentando abrir espaço, baseados no debate teórico da PO e nalguma actividade sindical. O que é importante é não darmos o flanco a tendências de capitulação e aguentarmos o tempo que for preciso até a onda virar. Penso que temos um núcleo capaz de aguentar e furar.

Tudo isto teremos que discutir calmamente para tu saberes até onde deve ir a tua ligação à OCPO e o que poderás fazer em apoio deste projecto. É claro que o ideal seria tu fixares-te aqui em Portugal mas possivelmente não terás segurança de emprego. Assuntos para discutir, diz-nos rapidamente quando pensas chegar aqui e como nos poderemos encontrar. Um sítio aonde te poderás dirigir é à empresa, na Rua Frof. Sousa da Câmara, 166, Lis- boa (às Amoreiras-Campolide). Se houver desencontro, deverás ligar para … (empresa) ou para minha casa, …. Quanto aos materiais que pedes, fizemos seguir uma encomenda que já deves ter recebido, com factura junta. O valor do teu cheque foi de 5.520$00. Da “Tribuna Comunista” só enviámos o nº 9, com as resoluções da 2ª Assembleia; como os outros tratam de questões internas, não achámos bom enviá-los pelo correio. Poderas lê-los aqui, assim como obteres toda a informação sobre a nossa vida. Quanto ao jornal “Tribuna Operária”, não registámos a assinatura que pedes porque tem por enquanto uma saída irregular. Está agora para sair um nº que te enviaremos.

Enviamos junto um manifesto que distribuímos aqui e a que alguns jornais se referiram, propondo uma coligação eleitoral de esquerda. Não tivemos força para aglutinar os pequenos grupos de esquerda nesta coligação, como seria de prever. Os revisas, assim que souberam das negociações, trataram de ganhar um dos grupos (trotskista) oferecendo-lhe lugar nas suas listas; os outros dispersaram-se, por sectarismo de grupo e rivalidades, mas fundamentalmente por recearem aparecer a disputar publicamente espaço à esquerda do PCP. Enfim, estamos muito crus em todos os sentidos e somos ainda muito poucos para dar batalha a sério ao reformismo. Mas estamos na brecha.

No plano internacional, temos contacto com alguns partidos e grupos comunistas que romperam ou estão a romper com a corrente albanesa, cada vez mais amorfa. Contudo, também nessa frente as perspectivas são de uma luta prolongada, com poucas vitórias e curto prazo.

É tudo por agora. Ficamos a espera de notícias tuas, e sobretudo que nos apareças por aí um dia destes para discutirmos um bom bocado. Um grande abraço

 

PS – Se passares em Paris, poderias contactar o MV (conheces?). Mora na (…) Paris.

 

Cartas a JM – 1

Francisco Martins Rodrigues

Carta a JM – 1

30/12/1985

Caro Camarada Z.:

Deu-nos muita satisfação a tua carta, por reencontrarmos um camarada de quem nada sabíamos e por saber que a revista te agradou. Não somos muitos mas temos um grupo constituído há cerca de um ano, com núcleos na região de Lisboa e no Porto. Somos a Organização Comunista “Política Operária”, cuja tarefa principal é a edição da revista, mas também intervimos na acção sindical, fazemos debates, editamos manifestos, etc. 0 nosso objectivo, como já viste, é preparar as condições para se poder organizar um partido que seja comunista e não meio-comunista, como é o PC(R). Vai ser um trabalho longo e difícil mas estamos convencidos de que esta fase de propaganda que agora começámos dará os seus frutos. Agrupamos, além de um conjunto de camaradas que saiu do PC(R) em fins de 84, alguns outros que entretanto tinham ficado desorganizados.

Correspondendo ao teu pedido, enviamos hoje mesmo, 30, uma encomenda com: PO nº 1 e 2, Anti-Dimitrov, Manifesto da OCPO, e 3 cartas enviadas ao CC do PC(R) pelos camaradas José Borralho, Ana Barradas e Paulo Meneses, pouco antes de se demitirem. Por estes documentos já ficarás com uma informação mais completa a nosso respeito. Julgo que já deves saber que o principal animador da campanha para nos expulsar do PC(R) foi o Frederico Carvalho (Fred) que há meses acabou por aderir ao PCP revisa.

E tu, como vais? Manda-nos notícias tuas e diz o que pensas de tudo isto. Poderás colocar aí algumas revistas entre camaradas portugueses ou suíços? Vamos escrever ao grupo “Pour le Communisme” a propor troca de publicações. Temos uma assinante aí na Suíça: Elisabeth Étienne (…). Parece que tem uma livraria. Sabes quem é?

Quanto ao pagamento das publicações que enviamos, tu verás a melhor forma de o fazer. Vai a factura junto. Sugerimos que envies em notas dentro de uma carta, é o mais simples.

Aceita um grande abraço meu e dos restantes camaradas Quando pensas vir a Portugal?

 

Cartas a PA – 5

Francisco Martins Rodrigues

Carta a PA (5)

23/6/1985

Caro Amigo:

Como vais? Aqui estou a dar-te algumas notícias dos nossos trabalhos e a pedir de novo a tua colaboração no que te for possível.

Revista – Temos estado a montar as infraestruturas essenciais: temos formada uma empresa de composição e montagem de artes gráficas, com uma máquina de fotocomposição por nós comprada que nos vai servir para fazer a revista pelos nossos meios e obter receitas com trabalhos comerciais. É um projecto ambicioso, que nos obrigou a juntar todos os dinheiros disponíveis, empréstimos, etc., mas creio que vai singrar. Sem ele, a revista não teria hipótese de sobrevivência.

A saída do nº 1 está prevista para fins de Setembro-princípios de Outubro. Artigos de fundo em preparação neste momento:

– Portugal: revolução democrática e nacional ou revolução socialista?

– Disciplina e liberdade de discussão no Partido Bolchevique – um exemplo.

– Lições do Verão quente de 197b no seu 102 aniversário.

– 0 Partido Bolchevique e o movimento operário russo as vésperas da revolução de Outubro.

– Cometna: um exemplo das novas realidades da luta de classes nas empresas.

– A viragem à direita do PCE e o começo da guerrq de Espanha.

– Situação política – tendências de classe por detrás dos alinhamentos dos partidos.

Para além destes artigos principais, haverá um Editorial, comentários curtos, crítica de livros e revistas, etc. Pergunta: poderemos contar com uma carta de Londres feita por ti, sobre um tema à tua escolha? Para ser actual, deveria ser redigida em Setembro e enviada para cá até 13 de Setembro o mais tardar. Decerto compreendes a importância que terá para este começo da revista o aparecimento da tua colaboração. Espero que venças as tuas ideias de incapacidade e nos mandes um comentário sobre temas aqui desconhecidos.

Também seria importante para nós receber, como te pedi há tempos, jornais daí, ML ou outros, recortes da imprensa, uma revista de noticiário internacional que enriqueça a nossa informação, etc. Não te esqueças de que contamos com a tua ajuda para que a nossa revista ganhe público nos meios operários e no público avançado que, embora reduzido, ainda subsiste. Há um espaço para nós.

Mando junto alguns boletins de assinatura antecipada, que é uma forma de apoiar financeiramente o lançamento da revista. Peço-te que vejas o que podes fazer para angariar uma ou outra assinatura. Os preços, como vês, são excepcionalmente baixos reste período de promoção .

“Anti-Dimitrov” – Gostaria de saber se já leste e qual a tua opinião. Aqui não passou despercebido, foi bastante referido na imprensa e vendeu-se já praticamente toda a edição, o que deu uma fonte de receita apreciável para a revista. Podes vender aí algum exemplar ou fazer chegar a gente da emigração?

Actualmente, o meu plano é começar a trabalhar na preparação de um livro, a publicar no Outono do ano que vem, acerca da evolução do PCP, para fazer a tal crítica concreta às origens do revisionismo, que o PC(R) nunca consentiu que se fizesse.

PC(R) – Os dois últimos acontecimentos espectaculares desta banda são a estrondosa adesão do Frederico Carvalho (c pequeno Fred) ao PCP de Alvaro Cunhal e a demissão colectiva de 37 membros da UDP do Porto, quase todos operários. O núcleo central desses operários, encabeçado polo ex-membro do CC do PC(R), José Magalhães, aderiu à nossa organização c constituiu-se em núcleo de apoio da revista .

Seguem junto recortes de imprensa sobre um e outro caso, assim como uma carta por nós dirigida aos membros do , C(R) sobre o caso Fred, lembrando-lhes que ele foi o nosso principal inimigo no 4º congresso e o promotor da nossa expulsão. Afinal quem tinha razão?

Organização – Fizemos a 12 de Maio um encontro para debater a nossa intervenção operária e sindical, çue nos abre algumas perspectivas. A 2 de Junho fizemos a nossa Assembleia, para tomar decisões sobre a constituição do empresa gráfica, que envolve grandes responsabilidades financeiras, e para debater o andamento geral do nosso trabalho. A 16 de Junho realizámos um Encontro, aberto a diversos amigos, onde debatemos o balanço da experiência do PC(R) e da corrente ML em Portugal. Continuará no dia 30 e será transformado num artigo para o nº 2 da revista. Publicamos um boletim interno de debate, “Tribuna Comunista”, de que já saíram três números.

Movimento ML internacional – Segue junto cópia de uma carta aos partidos e grupos ML informando sobro o caso de Frederico Carvalho. Poderás endereçá-la a partidos e grupos ingleses ou de outros países de que tenhas o endereço? rodes mandar-nos os endereços de todos os partidos e grupos ML que conheças?

Até breve, camarada, escreve-nos. Um abraço

Cartas a PA – 4

Francisco Martins Rodrigues

Carta a PA (4)

7/5/1985

Amigo P:

Algumas informações sobre a nossa actividade e perspectivas:

“Anti-Dimitrov” – Está praticamente todo vendido, estamos a pensar em reeditar. Não sei se tens aí algum comprador em perspectiva. Já leste? Que te pareceu? Estamos a realizar algumas reuniões de debate para agitar as ideias do livro e tentar criar corrente de ideias. Junto dois recortes dos muitos que saíram nos jornais daqui.

“Política Operária” – é o nome da futura revista de crítica marxista, a começar em Outubro. Segue junto o manifesto de lançamento e o estatuto editorial. Vão também algumas folhas para subscrição antecipada. Estamos a preparar as condições técnicas, financeiras e de redacção para assegurar a revista a partir de Outubro, bimensal. Vamos fazer um número experimental, no mês próximo, que não será impresso e servirá só para nos treinarmos. Como já te pedi anteriormente, será muito importante a tua ajuda: recortes da imprensa, jornais ou revistas, livros ou folhetos, artigos ou notas tuas. 0 ideal era seres o nosso correspondente em Londres, o que implicava mandares-nos de dois em dois meses um comentário sobre questões em foco aí (na política interna, na política externa, ou na corrente ML). Poderemos contar contigo? Lembrámo-nos de que poderias fazer aí uma assinatura para nós de uma revista que nos ponha ao par dos debates na corrente ML. Falaram-nos na “New Left Review”, mas não sabemos se é essa a mais interessante. Tu estás em melhores condições para decidir. Podemos contar?

Organização – Inaugurámos a nossa sede no 12 de Maio, com uma confraternização e debate que reuniu cerca de 70 camaradas e amigos. Participámos com as nossas faixas e palavras de ordem próprias nas manifestações do 25 de Abril e do 1º de Maio. Estamos agrupados em núcleos, temos uma direcção constituída e vamos fazer debates amplos periódicos. Para já, um sobre intervenção sindical, para o mês que vem haverá outro sobre a experiência do PC(R) e da corrente ML em Portugal.

Partidos ML – enviámos a 25 partidos e grupos ML, incluindo o PTA e PC do Brasil, uma carta em que expomos resumidamente a nossa plataforma política e as razões do nosso corte com o PC(R). Segue junta uma cópia traduzida em inglês. Talvez tu pudesses enviá-la a partidos ou grupos (Inglaterra, índia, Canadá, etc.) de que tenhas referência. Podes fazer-nos chegar os endereços de partidos ou grupos ML para completarmos o nosso ficheiro? Pretendemos enviar a revista para todos os que estejam interessados em fazer troca de publicações.

PC(R) – Depois de alguns artigos no “BV” a chamar-nos anarco-trotskistas, têm feito silêncio a nosso respeito. Sabemos que prometeram aos militantes uma resposta ao “Anti-Dimitrov” numa Conferência que vão realizar em breve, mas temos fortes dúvidas de que se metam nisso. A táctica do PC(R) para “um candidato único das oposições contra a reacção” nas eleições presidenciais, ou seja, na prática, o apoio à candidatura de Lurdes Pintasilgo, está a provocar algum descontentamento nas fileiras, ao mesmo tempo que reforça as tendências mais direitistas. Isto reforça a nossa convicção de que o PC(R) se irá afastando gradualmente e cada vez mais do campo revolucionário, depois da ruptura que fez com a sua ala esquerda (nós).

Manifesto – Tirámos 1.000 exemplares do manifesto inaugural da OC-PO (Organização Comunista “Política Operária”), que estamos a usar para debates em torno das nossas posições e para ganhar novas adesões. Gostaria que mandasses a tua opinião e que digas se há alguma possibilidade de traduzir em inglês para divulgação aí. Mando também uma carta que temos estado aqui a enviar a militantes do PC(R).

Finanças – Apoiando-nos nos nossos recursos financeiros e num empréstimo, vamos comprar uma máquina de fotocomposição em segunda mão, que nos servirá não só para fazer a revista como para trabalhos comerciais que a financiem. Esperamos ter a funcionar dentro dos próximos dois meses um ateliê de composição, fotografia e montagem, pois vieram do PC(R) vários camaradas especializados nestes trabalhos. Como decerto compreendes, a questão financeira é a mais premente. Haverá aí algumas condições para recolheres verbas de apoio para o lançamento deste projecto? Peço-te que faças todo o possível neste campo, pois as dificuldades são enormes. Neste sentido escrevi também ontem ao MV.

Contando com notícias tuas logo que possível e com todo o apoio que possas dar ao nosso projecto, aceita um abraço

 

Cartas a PA – 2

Francisco Martins Rodrigues

Carta a PA (2)

4/1/1985

Camarada:

Estranho não ter ainda recebido resposta tua à minha carta de 22/11. Sei que me telefonaste quando eu não estava e que falaste ao telefone com o R e o V. A Ana mostrou-me o teu cartão de Boas Festas . Calculo que já estejas informado das causas principais que me levaram a abandonar o PC(R), juntamente com mais 40 camaradas. Resumidamente:

– consideramos que o 4º congresso foi muito importante por ter iniciado o corte com uma série de concepções oportunistas que têm anulado as posições revolucionárias do partido e que se exprimiram nomeadamente na perspectiva do ’’>Governo antifascista e patriótico” (1976),  na “via do 25 de Abril do povo”, na “política  de milhões”, na coligação eleitoral UDP-PSR, no apagamento do partido atrás da UDP, etc. e que deram origem as duas cisões de direita sofridas pelo partido em 1975 e 1982;

– verificámos que o CC do partido não se resolvia a levar à prática a viragem do 4º congresso e, aconselhado por outros partidos, tem continuado a procurar posições intermédias, centristas. Que não permitem um corte efectivo com o oportunismo; desde o 4º congresso, aconselhado por outros partidos, tem continuado a promover posições intermédia, centristas, que não permitem um corte efectivo com o oportunismo; desde o 4º congresso, a direita e o centro aliaram-se para isolar e expulsar a ala esquerda, “culpada” por ter feito triunfar posições de principio no congresso;

– denunciámos a gravidade extrema da situação do partido junto da classe operária (hoje quase não há van guarda operária organizada no PC(R) e Iutámos até ao fim por medidas que reforçassem as células de empresa e a implantação operaria;

– opusemo-nos enquanto pudemos ao abafamento da democracia interna no partido, que tem chegado a abusos inacreditáveis, e dissemos que o CC precisava de destruir o centralismo democrático para prosseguir na política já condenada no congresso;

 – concluímos que o 4º congresso levantou pistas para um balanço crítico profundo à linha do movimento comunista internacional desde o 7º congresso da IC, em 1935, que classificamos como centrista e fonte donde brotou o revisionismo do 20º congresso de PCUS; escrevi um documento sobre o assunto , que foi entregue ao CC antes de me demitir;

– reclamámos um debate interno sobre a política do PTA, o caso Mehmet Shehu, iniciativas da política externa da Albânia que causam estranheza (Turquia, Irão, Strauss, etc.), situação de descalabro da corrente ML internacional e política internacional do PC(R).

Esta luta ocupou-nos cerca de dois anos de debates internos em que respeitamos escrupulosamente as normas e as imposições do CC. Só saímos depois de ter esgotado todas as possibilidades de debate e de

termos recebido, como resposta às nossas críticas o impedimento do debate, acusações de “anarco-trotskismo”, sem nos darem o direito de responder perante o partido, despromoção de todos os “esquerdistas” para a base, marginalização absoluta de todos os camaradas em discordância, calúnias, etc. 0 CC só nos dava como alternativa ou calarmo-nos ou sairmos do partido. Decidimos sair porque estão em jogo questões de princípio, das quais depende a existência futura do Partido Comunista em Portugal. Não foi um passo leviano nem um abandono da luta. Chegamos à conclusão de que o PC(R) não pode já ser posto no caminho revolucionário e que a luta dos comunistas tem que prosseguir de fora, até se tornar possível a reconstituição do partido.

Em 8 de Dezembro, num encontro a que compareceram os 40 camaradas demitidos, decidimos convocar uma Assembleia para constituir um agrupamento comunista, cuja actividade central será a publicação duma revista de crítica marxista-leninista, que lance os alicerces para definir o programa, a estratégia, a táctica e os estatutos do futuro Partido Comunista. £ inevitável um período talvez longo de reagrupamento, de formação de uma corrente de ideias comunistas, que até hoje no. tem faltado e que tem sido a origem dos nossos fracassos. Não estamos dispostos a desviar-nos desta tarefa de propaganda, por muito difícil que seja.

A Comissão Preparatória nomeada no encontro de 8/12 está a preparar projectos dos documentos para aprovação da Assembleia (Manifesto–Programa, Estatutos, plano da revista, balanço da crise do PC(R), etc) c procura reunir todos os meios necessários para a concretização do projecto. Esperamos que a Assembleia possa ter lugar em princípios de Fevereiro.

Para nós, é importante saber o aue pensas tu da situação e deste projecto, se estás disposto a ligar-te a ele e em que termos. Na impossibilidade de te deslocares a Portugal (suponho), vamos enviar-te os documentos à medida que forem elaborados, pera poderes formar uma opinião e dizer-nos c que pensas deles.

Decidimos também editar em livro o documento que entreguei ao CC do PC(R) sobre c 7º congresso da IC. Pode ter uma certa no debate que queremos travar. Mando junto uma folha de subscrição que está a circular. Peço que vejas a possibilidade que tens de contribuir. e eventualmente de angariar outras contribuições. As dificuldades financeiras estão a dificultar-nos muito o avanço rápido que queremos fazer para a edição do livro e da revista.

Mando também uma cópia de uma das cartas que dirigi ao CC do partido antes de sair, para teres uma ideia maio precisa da polémica. E ainda uma fotocópia de artigos saídos na imprensa (há mais, seguem depois). Um abraço

 

Cartas a PA – 1

Francisco Martins Rodrigues

Carta a PA (1)

22/11/1984

Amigo A.

Não tenho recebido notícias tuas e não sei se me conseguiste obter alguns dos livros que te tinha pedido, é natural que as tuas ocupações não te deixem tempo para respirar, mas temos que procurar manter contacto.

Tenho uma novidade que não sei como receberás, saí do PC(R) ontem mesmo, outros camaradas, entre eles o ZB e o JME, antigos dirigentes do partido, também saíram ou foram demitidos. Não foi uma decisão leviana, como calculas, mas fomos forçados a ela pela campanha de perseguições a que vínhamos sendo sujeitos desde há ano e meio. O conflito gira à volta de nós exigirmos que se levasse à prática a viragem à esquerda decidida pelo 4º congresso, de Março 83, e o CC estar a encostar-se cada vez mais aos elementos direitistas. Actualmente, todos os elementos “esquerdistas” estavam metidos em células de base, marginalizados e sujeitos a uma série de ataques. Já não nos davam o mínimo espaço para travar uma luta interna, os atropelos ao centralismo democrático por parte do CC eram diários e, em nome do perigo de fraccionismo, impunham-se as proibições mais absurdas à discussão, mesmo só dentro das células.

Lima das coisas que mais contribuiu para a agudização do conflito era um estudo que tenho andado a fazer sobre o 7º congresso da IC, reavaliando o relatório de Dimitrov e a linha de Staline nos anos 30-50 como fontes donde nasceu o revisionismo. Consegui acabá-lo, com grande dificuldade, e ontem mesmo o entreguei ao CC, para ver se é capaz de o criticar com o mínima de seriedade. É absurdo tentar congelar a crítica rnarxista-leninista em nome dos “princípios”, como vem fazendo o CC. Está a conduzir o PC(R) a um definhamento desastroso, no que têm graves responsabilidades, na minha opinião, o PTA e o PC do Brasil.

Gostaria que lesses o meu estudo e me desses uma opinião. Eu e outros camaradas que se afastaram ou foram afastados neste processo estamos dispostos a dar corpo organizada à nossa corrente de ideias. Somos marxistas-leninistas, queremos um partido comunista em Portugal e não nos resignamos à confusão, impotência e esvaziamento de ideias a que se chegou. A acusação de “anarco-trotskismo” que nos é feita não tem pés nem cabeça.

Gostaria de saber o que pensas disto tudo e se estás disposto a continuar a corresponder-te comigo, Isso depende naturalmente da tua atitude face ao PC(R). Poderias dar opinião sobre o meu estudo e outros materiais que temos em preparação, obteres aí livros e jornais, dares-nos contactos para grupas ou organizações estrangeiras, contactares camaradas da emigração, etc. Duma coisa te posso dar a certeza; vamos fazer um trabalho sério para renovar a corrente marxista-leninista, crítico, revolucionário, e virado para os operários avançados. Vamos fazer um trabalho preparatório para reorganizar o partido comunista no nosso país.

Seja o que for que pensares do sucedido, peço que me escrevas a dar a tua opinião. Se tiveres algum dos livros de que te falei, peço que mo envies. Se pensas vir a Portugal proximamente, gostaria de conversar contigo.

Um abraço