A privação do sono

Francisco Martins Rodrigues

A privação do sono

(s. d.) [1966]

Entrei na sede da PIDE pelas 21:30 horas do dia 30 de Janeiro. Mandaram-me despir. Obedeci. Depois de me revistarem, devolveram-me as roupas. Entrou então o chefe de brigada José Gonçalves e vários agentes. Perguntou-me o nome. Disse que nada tinha a responder. Imediatamente, começaram a dar-me socos e pontapés, insultando-me e ameaçando-me de morte. Eu nada disse. Retiraram-se e veio um outro inspector, com modos correctos, que, sem nada me perguntar, mandou fazer um curativo, pois sangrava do nariz e dum lábio e tinha um sobrolho deitado a baixo. Fizeram-me o curativo e levaram-me para um gabinete no último andar, na secção reservada para os interrogatórios e espancamentos. Comecei pois imediatamente uma sessão de privação de sono.

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RELATÓRIO AO CMLP

Francisco Martins Rodrigues

RELATÓRIO AO CMLP[i]

(s. d.)

Como não sei se foram recebidos os dois relatórios anteriores, repito a descrição do meu porte na PIDE, procurando ser o mais completo possível.

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Carta ao CMLP no exterior

Francisco Martins Rodrigues

Lisboa, 27/1/1966

Camaradas:

Recebemos a carta 1/66 e os fundos que indicam. Estamos a tratar de levantar a encomenda na morada indicada. Aproveitamos este portador para tratar detalhadamente algumas questões urgentes. Continuar a ler

Carta a João Pulido Valente

Francisco Martins Rodrigues

Carta manuscrita enviada de Paris – para onde fora destacado pelo PCP ainda enquanto militante, mas já expulso à data em que escreve – a João Pulido Valente

29 de Março de 1964

Meu caro João[i]:

A tua carta e as notícias que já tinha acerca da tua posição deram-me uma grande alegria. Num momento difícil como aquele que temos vindo a atravessar, é bom encontrar ao nosso lado os velhos companheiros de luta, não é assim?

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Cem vítimas do fascismo

Francisco Martins Rodrigues

Distribuído no 1º de Maio de 1994

O regime de Salazar-Caetano foi ou não fascista? A PIDE foi ou não
uma organização de assassinos? Estas parecem ser as grandes questões
em debate, neste 209 aniversário do 25 de Abril. Para avivar a memória
dos “distraídos”, recordamos os nomes de cem vítimas, extraídos de um
folheto publicado em 1974 pela Associação de Ex-Presos Anti-Fascistas.
Com uma pergunta: os que se sacrificaram pela liberdade merecem
o espectáculo vergonhoso a que se assiste de reabilitação do
fascismo?
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Cartas a MV – 8

 Francisco Martins Rodrigues

Carta a MV (12)

12/12/1986

Caríssimos:

Respondemos à vossa carta de 15 Novembro (…).

A PO nº 7 sai amanhã. Vamos enviar-vos 10 exemplares, conforme combinado. Seguem também os 5 exemplares que faltavam da PO nº 5 e 25 da PO nº 1. O artigo de fundo desta PO é sobre Staline e os processos de Moscovo. Por ter sido acabado à última hora, já não foi possível enviar-vos o projecto para darem opinião. Mas queremos muito que digam o que vos parece. Julgo que, de qualquer maneira, alguma coisa avança quanto à posição ML sobre Staline. Pôs-se aqui a hipótese de se seria possível vocês passarem para francês o arti­go ou extractos, a fim de poder ser distribuído a MLs de diversos países. Tu dirás o que te parece.

Com vistas à PO n° 8 (Janeiro-Fevereiro), pedimos que prepares uma “Carta de Paris” – a crise estudantil e as dificuldades do governo Chirac parecem coisas importantes que mereceriam um bom comentário. Ao teu cuidado. Com fotos boas, se possível. Pedimos também que nos envies logo que possível o artigo teórico que saiu na “Pravda” sobre a actualização do marxismo e o perigo das guer­ras de libertação nacional. Foi aqui referido na imprensa mas muito brevemente. Gostaríamos de ter o texto para comentar e supomos que terá saído aí no “Monde” ou noutros jornais. Nesta PO 8 vamos tra­tar com certo desenvolvimento o 9º congresso do PTA e o 5º congres­so do PC(R), que acaba de ter lugar. Seria um número um pouco cen­trado na crítica à corrente ML. Para o nº 9, estamos a iniciar o estudo colectivo da revolução cultural chinesa. Como sempre, pedimos que colabores com tudo o que queiras e possas, inclusive em polémica com artigos que têm saído.

Contactos europeus – chegaste a encontrar-te com dirigen­tes da OCML-VP em 28 de Novembro? Há alguma reacção à circular em francês que lhes enviaste? E do MM, há alguma resposta? A hipótese de eu ir aí em Janeiro por enquanto é muito hipótese, seria preciso que se confirmasse o projecto dos iranianos sobre o seminá­rio internacional, o que até agora não é o caso porque não soubemos mais nada. Não sabemos se andam nas diligências “diplomáticas” jun­to dos diversos grupos ou se desistem da ideia por agora. Aguardamos notícias.

Encontro sindical – Foi bastante positivo e deu uma po­lémica esclarecedora, como poderás ver por um longo artigo que vem nesta PO 7. A polémica polarizou-se entre nós, à esquerda, e o PSR à direita. Estamos a preparar a Tribuna Operária nº 2, que publicará uma versão final das nossas teses sobre a corrente sindical de es­querda. Está-se a formar em volta da “TO” uma rede de amigos e cor­respondentes espalhada por diversos pontos do país, muitos deles ex-UDPs que andavam à deriva. Só não avançamos mais depressa por escassez de forças mas estamos animados.

Presos – deves ter visto que foi pedida uma pena de 20 anos para o Otelo. Continuamos a participar na comissão de soli­dariedade e em breve enviaremos o boletim “Denúncia” nº 3, para fa­zeres aí a circulação que te for possível. Tem havido mais prisões e as perspectivas das FP-25/ORA parecem sombrias. Embora critique­mos a ideologia da “acção directa” como uma variante “explosiva” do oportunismo (deves ter visto na PO), continuamos a desmascarar a campanha antiterrorista e a solidarizarmo-nos com os presos.

Infraestruturas – continuamos a lutar desesperadamente para pagar as dívidas da máquina e obter o máximo de trabalho para a rentabilizar. Só nos falta pagar uma letra mas temo-nos endivida­do junto de vários amigos porque a carga é pesadíssima. Esperamos lá para Março-Abril estarmos donos definitivos da máquina e com a situação financeira mais desafogada. De toda a maneira, estamos a fazer o que julgávamos impossível: pagar a máquina no prazo de pou­cos meses. O FM veio-nos pedir orçamento para a revis­ta mas quando lho demos desistiu logo, porque julgava que nós fa­zíamos um “preço de amigos” – quase de borla. A expansão da PO não tem progredido e tivemos que adiar o plano que tínhamos de uma cam­panha de publicidade na imprensa por ocasião do 1º aniversário – os preços são exorbitantes. Fizemos cartazes e tarjas de propaganda que temos colado nas paredes. Vimos a tua boa iniciativa do dossier de propaganda.

O resto do trabalho vai andando. Não alargamos mas man­temos. A Tribuna Coumnista não tem saído por absoluta falta de for­ças. Fazias-nos jeito cá. Mais dois pedidos: da colecção de Documen­tação sobre o Leste, um volume sobre a escala salarial na URSS. E a defesa da srª Chiang Ching em tribunal, que. nos seria útil para o artigo sobre a revolução cultural. Vi a revista que mandaste “Archimède et Leonard” mas é complexa demais para o meu entendimento. Também vi a tua poesia vicentina mas está num português di­ficílimo.

Um último pedido: podem enviar-nos alguma contribuição financeira nesta altura de fim de ano, subsídios de Natal, etc.? Precisamos de todo o apoio possível.

Abraços de todos nós

A arma do ódio de classe

Francisco Martins Rodrigues

“A organização é a arma dos oprimidos”. Falso. A organização é um instrumento indispensável, mas se fosse essa a nossa arma para vencer os opressores estávamos bem lixados. A arma dos oprimidos é o ódio aos opressores, e não há outra, nem nunca houve.

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A ruptura com o PCP em 1964-1965 (2)

Francisco Martins Rodrigues

A ruptura com o PCP em 1964-1965 (2)

A saída do capitalismo só pode ser encontrada pelo proletariado

A crítica de 1964 pôs o dedo na ferida do reformismo que submetia o proletariado à burguesia liberal, em nome das exigências do antifascismo. Faltou-lhe muito, porém, para ser uma plataforma comunista coerente e essa falta esteve na origem dos problemas que levaram o movimento nascente dos marxistas-leninistas a desagregar-se, duas décadas mais tarde. Continuar a ler

A ruptura com o PCP em 1964-1965 (1)

Francisco Martins Rodrigues

A ruptura com o PCP em 1964-1965 (1)

Duas linhas opostas na luta contra a ditadura de Salazar

Este texto recupera um conjunto de artigos escritos quando do meu abandono do PCP cm 1963, já lá vão 40 anos. Editados no ano seguinte em Paris, na revista Revolução Popular, do Comité Marxista-Leninista Português (à excepção do primeiro, publicado cm panfleto nos finais de 1963), há muito esquecidos, tiveram contudo na altura, apesar da circulação reduzida, uma influência indiscutível nos meios mais radicalizados da resistência, sobretudo entre a juventude. Basicamente, abriram a discussão sobre qual deveria ser a política comunista para o derrubamento da ditadura fascista, quando o início das guerras coloniais anunciava a crise final desta.

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A arma dos oprimidos é o ódio aos opressores

Francisco Martins Rodrigues

A arma dos oprimidos é o ódio aos opressores

“A organização é a arma dos oprimidos”. Falso. A organização é um instrumento indispensável, mas se fosse essa a nossa arma para vencer os opressores estávamos bem lixados. A arma dos oprimidos é o ódio aos opressores, e não há outra, nem nunca houve.

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