Cartas a LC (13)

Francisco Martins Rodrigues

Carta a LC – 13

13/12/2001

Caro Amigo:

Demos entrada da tua transferência de 100 marcos. Como estava a caducar a tua assinatura da PO, registei 3.000$ para renovação da assinatura (fica paga até ao n° 87) e os restantes 7.250$ para crédito na tua conta do Clube, como verás pelo extracto que  mando junto. Espero que estejas de acordo. Quanto aos 100 marcos que tinhas enviado no ano passado, foram registados a crédito no Clube Dinossauro, como também verás pelo extracto. Está tudo certo. 

Tenho-te enviado dois exemplares da PO, um da tua assinatura e o outro para  ofereceres a alguém que te pareça que vale a pena. Quanto aos livros novos que vamos editar, diz-me se tos posso enviar quando saírem ou se devo aguardar encomenda tua. Tu dirás. 

Propuseram-me um trabalho para editar que ainda só comecei a ler: uma estudante daqui fez uma série de entrevistas a mulheres chilenas cujos maridos “desapareceram” durante a ditadura fascista. O tema é interessante, vamos ver se tem qualidades para editar.[i] De qualquer modo, talvez te interesse conhecer o original, não? 

Caro Amigo, despeço-me com desejos de um Bom Ano e boas actividades. 


[i] O livro Mulheres de Desaparecidos acabou por ser publicado pela editora Ela por Ela. (Nota de AB)

Cartas a LC – 2

Francisco Martins Rodrigues

Carta a LC (2)

7/11/1991

Caro Camarada:

O nosso último encontro em Lisboa não chegou a realizar-se. Ainda telefonei duas vezes pare casa de tua irmã mas tinhas-te ausentado e já não deu. Escrevo para saber se já recebeste aí a revista que te mandei como oferta e o que achaste. Gostaria que fizesses una assinatura, claro, e que me indicasses alguém eventualmente interessado em assinar. Se tiveres materiais ou notas tuas relativas a situação dos imigrantes portugueses aí, ao racismo que por aí está a crescer, etc., seria interessante. No próximo nº vamos publicar uma carta duma rapariga alemã de Hamburgo que conta coisas sobre os skinheads.

Nós cá vamos com dificuldades mas com fôlego para continuar mais uns cinquenta anos, pelo menos. Nem sempre a escumalha há de estar na mó de cima. Um abraço

 

Cartas a MV – 45

Francisco Martins Rodrigues

Carta a MV (50)

8/8/1994

Caríssimo:

Será que o selo [1] não vale mesmo ou és tu que queres ficar com o tesouro só para ti? Eis a dúvida pungente que não me deixa dormir. Mas eu vou aí a Paris tirar a coisa a limpo, podescrer! Quando menos esperares, bato-te à porta. E quando te vir a viver à grande e à francesa, já sei que foi o fruto do meu selo.

Por aqui, tudo calmo. De novo, apenas uma tentativa para formar uma Associação de
Antigos Desertores da Guerra Colonial, de que te mando o texto convocatório, feito pelo Zé Mário Branco. Se tiveres aí possíveis interessados, informa-os. Bem se precisam apoios, porque a iniciativa por enquanto está muito restrita. Poderia ser uma boa plataforma para fazer fogo contra a faxaria que não desperdiça nenhuma ocasião para refazer a história, dizer que “a guerra estava quase ganha”, “os cabo-verdianos não queriam a independência”, o “Conselho da Revolução foi uma cambada de traidores”, etc.

As minhas actividades têm estado reduzidas ao mínimo, infelizmente por causa da doença de uma minha irmã, que acabou por falecer recentemente. Estou a ver se me relanço ao trabalho mas primeiro quero arranjar meia dúzia de dias de férias, que estas últimas semanas têm sido bem pesadas.

Recebeste os 5 volumes do “Futuro”? Penso meter as tuas “bocas” ao Sousa Tavares nas cartas dos leitores do próximo número, mas, à parte disso, não me arranjas uma carta de Paris? Cá fico à espera. Um abraço.

[1]  Segundo MV, em carta de 21/6/94:

Cem vítimas do fascismo

Francisco Martins Rodrigues

Distribuído no 1º de Maio de 1994

O regime de Salazar-Caetano foi ou não fascista? A PIDE foi ou não
uma organização de assassinos? Estas parecem ser as grandes questões
em debate, neste 209 aniversário do 25 de Abril. Para avivar a memória
dos “distraídos”, recordamos os nomes de cem vítimas, extraídos de um
folheto publicado em 1974 pela Associação de Ex-Presos Anti-Fascistas.
Com uma pergunta: os que se sacrificaram pela liberdade merecem
o espectáculo vergonhoso a que se assiste de reabilitação do
fascismo?
Continuar a ler

Cartas a MV – 43

Francisco Martins Rodrigues

Carta a MV (49)

5/5/1994

M:

Com que então, de férias outra vez! Ainda vais ser sujeito a um inquérito do colectivo! Espero que tenhas voltado com as baterias bem carregadas para mais produção
literária.

O livro O futuro era agora saiu. No dia 25 de Abril, lá estávamos nós com a nossa banquinha, na Rua Augusta, cheia de multidão, a apresentar o nosso produto. Vendemos duas dúzias de exemplares, porque as grandes massas estavam mais interessadas nas quinquilharias dos africanos e chineses e no espectáculo de canções que ia decorrer no Terreiro do Paço.

Depois, fizemos o lançamento formal, com todo o aparato (caro como fogo!), no Clube dos
Jornalistas; apareceram umas dezenas de amigos, mas jornalistas, só um! Vendemos mais
umas dezenas de exemplares. A seguir, veio o desfile do 1º de Maio (menos concorrido este
ano), em que distribuímos um panfleto que te mando junto e depois, fizemos um lanche de
confraternização. Vendemos mais umas dezenas de exemplares. Entretanto, negociei com
um distribuidor, que vai colocar o livro nas livrarias e ando a bater à porta dos críticos
literários dos jornais, para ver se se dignam fazer a sua recensão. É assim a vida. Tu
conheces bem este calvário, não é? Enfim, como só imprimimos mil exemplares e vem aí a
Feira do Livro, estou convencido de que, pouco a pouco, há-de ir saindo e que salvamos a
despesa.

E o trabalho em si? A nós, que andámos em corrida contra relógio, a coligir os
depoimentos, a cronologia, etc., deu-nos uma grande satisfação fazê-lo e reencontrar coisas
importantes que já não lembrávamos. O livro saiu limpinho e, apesar de alguns erros, não
nos envergonha. Pelas primeiras reacções, acho que a mensagem vai ser recebida, mas, é
claro, no círculo restrito dos que não se envergonham do 25 de Abril. Este ano, os festejos
do 20º aniversário foram “apimentados” com entrevistas a tudo o que é reaccionário;
tivemos que gramar os salazaristas a darem os seus arrotos contra o “populismo”, a
descolonização, os capitães.

A emulação entre as televisões para conseguirem mesas redondas mais chamativas levou a SIC (do Balsemão) a pôr o parvo do Tengarrinha a dialogar com um pide, com o entrevistador cheio de respeito a recolher as opiniões do “senhor inspector” (que foi justamente o chefe do bando que me torturou em 1966, um Óscar Cardoso, que no ano seguinte foi para Angola como chefe dos “Flechas”). A coisa foi tão sórdida que causou uma reacção geral de indignação, protestos, declarações em massa de ex-presos na rádio e na imprensa, mas, como seria de esperar, acabou por ser tudo capitalizado pelo PS, o arauto da democracia pluralista. Dei dois depoimentos para a TSF e um para o Expresso, mas foram de tal modo “sintetizados” que quase não ficou nada além do meu nome! Foi na sequência desta onda de protestos que fizemos o folheto das Cem Vítimas, que foi bastante bem recebido pelos manifestantes no 19 de Maio e se esgotou em menos de uma hora.

E que tal aí as comemorações pascácias do Prado Coelho e companhia? Estiveste
lá? Sempre conseguiste espalhar o teu papel? Foste preso como desordeiro?

Mandei-te um pacote com 5 exemplares do livro e, mais recentemente, um
exemplar, oferta para ti do editor. Recebeste? Já deste uma vista de olhos? Como creio que
te disse no bilhete que acompanhava os 5 exemplares, o teu texto teve que ser amputado
das partes que já não se referiam ao PREC, porque foi essa a norma que adoptámos para
manter a unidade do tema. Tivemos que fazer o mesmo com muitos outros testemunhos e
um trabalho diabólico de condensação das entrevistas gravadas. De qualquer modo, acho
que a tua colaboração fecha muito bem o conjunto dos textos.
Apesar de termos procurado
compor um mosaico representativo das diversas áreas da “extrema esquerda” da época, há
um peso excessivo de udps. Teria sido preciso mais tempo para chegarmos a outra gente,
mas mesmo assim os anarquistas não têm de que se queixar. O amigo V não saiu
porque me mandou um artigo quase à última hora, e em francês, para eu traduzir!! Disse-lhe que assim não dá, não sei se ficou zangado. Também já não tivemos braços para
considerar a tua justa sugestão de enumerarmos os filmes produzidos sobre o assunto.
Mais grave foi a falta de testemunhos de assalariados rurais e camponeses pobres, mas no
prazo que nos demos, não foi possível ir à busca deles. Fica para a edição do 25º
aniversário!

Agora conto com o teu empenho em promoveres o livro aí junto do pessoal portuga.
Mando junto duas folhas de propaganda, que te podem ajudar a vender a mercadoria. As
eventuais receitas revertem, tal como as da P.O., para o teu fundo de maneio, claro.

O Albatroz 10 chegou aqui já depois de estar distribuída a P.O. 44 e, com a corrida
em que nos metemos com o livro, teve que ficar para trás. Conto tratar da sua distribuição
junto com a próxima P.O., no fim deste mês. É um bocado tarde mas, francamente, não
estamos com disponibilidades para mais. O colectivo cá continua e, apesar de
conseguirmos mais um ou outro colaborador para a revista, gente para trabalhar é que não se arranja. Estamos no osso, esfalfados, e sem tempo para trabalharmos e pensarmos
temas de fundo.
Se puderes mandar-nos alguma colaboração até dia 20 de Maio, será uma
boa ajuda: não tens nada para dizer sobre as eleições para o Parlamento Europeu?

Mando também junto cópia de uma carta que envio hoje ao Tom Thomas. Será que
o podes contactar para acelerar a passagem da declaração que aí lhe pedimos? Ou tens
para nos sugerir algum outro texto que fosse interessante nós traduzirmos e editarmos pelo Dinossauro? A condição para nos candidatarmos ao subsídio é termos na nossa mão uma autorização escrita do autor até dia 30 de Maio e as obras devem obedecer a certos
critérios, como podes verificar pela folha do regulamento cuja cópia envio. Devido ao aperto do prazo, pensámos que o mais viável seria o livro do Thomas, que todos nós achámos interessante e adequado para dar uma pedrada nas teias de aranha ecológico-folclóricas cá do burgo. Diz o que pensas disto, mas depressa!

 

 

O Futuro Era Agora

Agora em https://www.marxists.org/portugues/tematica/livros/futuro/index.htm

O Futuro Era Agora
O movimento popular do 25 de Abril

Edições Dinossauro


Primeira Edição: 1994
Coordenador: Francisco Martins Rodrigues

Colaboraram na recolha e tratamento dos textos : Ana Barradas; Angelo Novo; António Barata; António Castela; Beatriz Tavares; Filipe Gomes e Rogério Dias Sousa

Capa: António Barata

Transcrição e HTML: Fernando Araújo.

Direitos de Reprodução: © Edições Dinossauro


Índice

capa
Baixe o livro em pdf

Os 580 dias

Prefácio

Cronologia

Molotovs no Palácio de Cristal, Rogério Dias de Sousa

O mestre disse que a Pide tinha fugido, Maria Luísa Ernesto

As perdizes, Cândido Ferreira

Durante três dias mandámos no quartel, Manuel Figueira

Toda a gente empenhada em mudar a vida, Jorge Falcato Simões

Obrigámos o Jaime Neves a recuar, Manuel Monteiro

Da JUC para a fábrica, Berta Macias

O assalto à esquadra das Antas, José Carretas

Sindicalismos em conflito, Custódio Lourenço

Foi a minha universidade, Maria de Lurdes Torres

A “revolução” no Estado Maior, António S

Autogestão na Sogantal, José Maria Carvalho Ferreira

Assobiámos o Spínola no 25 de Abril, Amílcar Sequeira

Um jornal diferente, Júlio Henriques

Sem o 25 de Abril seria uma patetinha, Helena Faria

Revistar os carros da polícia, Luís Chambel

Meu saudoso PREC, João Azevedo

Despertar dum sindicato, Vítor Hugo Marcela

Ambição era tomar o poder, Joaquim Martins

Alegria e candura, José Manuel Rodrigues da Silva

Tudo era tratado na comissão, Maria da Graça Duarte Silva

O “Che” a falar na praça, pendurado num eléctrico, Paulo Esperança

Alegria nos arrabaldes, Fernando Dias Martins

Confrontos nas ruas do Porto, Alberto Gonçalves

Os partidos não me diziam grande coisa, Maria Amélia da Silva

Passámos de caçados a caçadores, António José Vinhas

Não soubemos explorar a crise de poder, Mariano Castro

O único perigo era para a direita, Vitorino Santos

Primeiros passos da Reforma Agrária

Fazer frente aos pcs não era pêra doce, José Paiva

Lisboa – Luanda, Orlando Sérgio

Foi uma descoberta, Bárbara Guerra

Reunião de prédio, Pedro Alves

O Pires Veloso dormia na cave, José Guedes Mendes

A militância era uma festa, Nela

Os soldados não ligavam aos oficiais, Manuel Borges

Vivi por antecipação a derrocada, Helena Carmo

Sempre atrasados, José Manuel Vasconcelos Rodrigues

Uma estranha liberdade, Rita Gonçalves

Falharam os três D, Mário Viegas

O povo à porta do quartel a pedir armas, José Manuel Ferreira

Despertei no 25 de Novembro, Altamiro Dias

O povo em armas? Uma fraude, Tino Flores

Como entrei nas “catacumbas”, “Brezelius”

Andei a vasculhar a sede da PIDE, Avelino Freitas

Comecei a pensar no que poderia vir, Maria da Glória R. Borges

Dormir ao relento à porta da fábrica, Maria Luísa Campina Segundo

O poder parecia tão próximo…, Fernando Reis Júnior

Um cabo-verdiano em Lisboa, Álvaro Apoio Pereira

Os polícias de braços no ar, António Castela

Uma burguesa entre operários, Marta Matos

Recordando o soldado Luís, Valdemar Abreu

Greve aos bilhetes, João Marques

Falar de Abril

25 de Abril: transformações nas escolas e nos professores, Eduarda Dionísio….

25 de Novembro: como a esquerda foi encurralada, Francisco Rodrigues

Autonomia dos trabalhadores, Estado e mercado mundial, João Bernardo

Brandos costumes & maus hábitos antigos, Manuel Vaz

Siglas

Bibliografia


Cartas a LN

Francisco Martins Rodrigues

Carta a LN (1)

28/8/1998

Caro Amigo:

Agradeço a sua carta. Das suas observações, creio que se destaca a preocupação com a questão do Partido Comunista. Eu também o considero a questão política central, para que possamos passar de meros espectadores a interventores activos. Mas por isso mesmo, porque o assunto tem uma importância decisiva, receio a repetição das experiências de partidos que se fizeram no nosso país nos anos 70. No próximo número da P.O., que receberá em Outubro, volto à carga sobre o assunto, para falar das experiências negativas em que participei. Hoje não tenho dúvida que se tivesse sido possível uma perspectiva mais amadurecida do partido nesses anos, os acontecimentos políticos poderiam ter seguido outro rumo. Não digo que a revolução pudesse ser vitoriosa (faltavam imensas condições para isso) mas de certeza o proletariado teria saído da prova sem o sentimento de frustração e desmoralização em que se encontra. E se, da esquerda m-l, que então parecia tão pujante, nada restou, creio que isso se deve em grande medida às falsificações que se praticaram em nome do partido leninista, que de leninista pouco tinha.

Se dou portanto alertas contra o perigo de um partido prematuro é porque já me pareceu detectar aqui ou além tendências de “criar o partido” sem querer saber da crítica ao que esteve mal na fase anterior. Talvez não haja razão para os meus alertas; o abatimento é tanto que se calhar ainda vão passar muitos anos antes de um núcleo de gente capaz tomar o assunto em mãos. Se assim for, fica pelo menos a crítica aos erros anteriores (aquela que eu sou capaz de fazer), poderá ser uma ajuda para os que venham mais tarde. Francamente, se for para fazer um novo PC(R) ou um novo MRPP, acho que é tempo perdido.

Aqui afasto-me de si, julgo, no que toca à tradição stalinista de partido. Foi essa que conhecemos no passado, apoiámo-la como uma alternativa positiva aos partidos revisionistas, mas hoje, com maior distanciamento, acho que era preciso ter dado o salto que não se deu para o partido inspirado no leninismo. E que, de facto, o partido bolchevique que sob a direcção de Lenine lutou pela revolução tinha métodos muito diferentes dos que depois adoptou com Staline, embora nos fizessem crer o contrário. Compreende-se porquê: exercendo o poder em nome de uma ditadura do proletariado que de facto não existia na Rússia (nem podia ainda existir), o partido foi deformado, tornou-se muito diferente do que era nos seus tempos revolucionários, estagnou sob o monolitismo e a “caça às bruxas”. É a repetição desse estilo que eu procuro evitar, porque um partido desses será absolutamente incapaz de conduzir uma luta revolucionária coerente.

Quanto às questões teóricas, reconheço que temos muitas limitações, mas creia que, ao longo dos 13 anos que já leva a nossa revista, tem abordado diversos temas marxistas. É verdade que não fazemos muitas citações dos textos clássicos mas procuramos aplicar e desenvolver as suas ideias em torno das questões políticas actuais. Também aí, estou de pé atrás com o “marxismo-leninismo” de citações que se praticava há vinte ou trinta anos. Verifiquei como muitos dos que papagueavam com mais ardor essas citações e estavam sempre com o Lenine e o Staline na boca viraram a casaca assim que viram as coisas a correr para o torto. Era “cultura marxista” só para enfeitar… Num ponto lhe dou inteira razão: a necessidade de fazer uma análise das classes em Portugal e de fundamentar o carácter da nossa revolução (também eu penso que só pode ser socialista). Somos poucos e faltam-nos os elementos para produzir essas análises com um mínimo de seriedade marxista. Mas espero que ainda o conseguiremos. Não estamos cansados e a revista vai continuar a batalhar.

Sobre a Marinha Grande. Não pretendemos promover as pessoas a que se refere a militantes comunistas. Simplesmente, apoiamos e divulgamos as poucas críticas de esquerda ao PCP que ainda aparecem. No ponto a que chegámos, e que o meu Amigo deve conhecer tão bem como eu, seria insensato abafar essas críticas a pretexto de que os seus autores têm algumas contradições e o seu passado contém muitos erros. Em números anteriores da P.O. temos publicado entrevistas com operários, alguns mesmo da orla do PCP, quando eles fazem críticas de esquerda que merecem ser divulgadas. Publicamos o que há, não é por nossa culpa que não ocupamos as páginas da revista com tomadas de posição de revolucionários comunistas.

Refere-se a José Gregório e a um trabalho meu de há trinta anos (ou mais) sobre o assunto. Continuo a achar que Gregório deve ser respeitado e apresentado como exemplo de militante comunista mas a minha opinião sobre ele e sobre o PCP do seu tempo é hoje diferente da que tinha há trinta anos. Se devemos valorizá-los em oposição ao revisionismo cunhalista que veio depois, não devemos idealizá-los nem ocultar as suas limitações. O PCP dos anos 30-40, com a sua abnegação e combatividade antifascista, sofreu dos mesmos problemas que todo o movimento comunista, forçado pelas circunstâncias a apoiar a URSS de Staline e a calar tudo o que aí corria mal, envolvido numa desastrosa política de “frente popular”, etc. O caso de Manuel Domingues é apenas um episódio na história desse tempo; evoquei-o não para minimizar Gregório mas para mostrar a duplicidade de Cunhal, que continua a fazer silêncio sobre o assunto.

E por agora é tudo. Creio ter tocado os tópicos principais da sua carta. Espero que poderemos continuar a corresponder-nos e aguardo com muito interesse todas as críticas e sugestões que a leitura da P.O. lhe vá suscitando. Aceite as minhas saudações comunistas.

 Carta a LN (2)

29/12/1988

Caro Amigo:

Já deve ter recebido por esta altura a P.O. 67 e por ela verá a solução que encontrei para os extractos da sua carta, em que procurei conservar aquilo que há de mais significativo quanto ao estilo de partido e ao problema da vigilância de classe. São questões que tendem a ser esquecidas no clima democrático-pacífico actual e a sua carta vem lembrá-las. Também alterei o nome, tendo em conta as suas reservas a esse respeito. Espero que lhe tenha agradado a solução. Se de futuro nos quiser enviar para publicação as suas reflexões sobre o problema do Partido, ou outros, teremos muito gosto nisso.

Tem acompanhado as notícias sobre a aproximação entre a UDP, PSR e Política XXI, com vistas a uma candidatura conjunta às próximas eleições? Há quem fale num projecto de fusão para criação de um novo partido da esquerda. Pessoalmente, sou muito céptico quanto à viabilidade e sobretudo quanto aos reflexos políticos de um tal partido. Só será útil na medida em que, percorrendo até ao fim o seu reformismo intrínseco, esse novo partido apressará a abertura de um espaço na esquerda para um real partido revolucionário. Em todo o caso, a curto prazo, talvez cause alguma ilusão em pessoas de esquerda que têm estado isoladas.

Aceite as minhas saudações e votos de bom Ano Novo.

 Carta a LN (3)

9/3/1999

Caro Amigo:

O seu artigo saiu, como deve ter visto. Não me incomodou absolutamente nada a discordância, pois o tom é correcto. Temos por norma dar espaço à polémica na nossa revista, polémica que sentimos como absolutamente indispensável para a corrente marxista sair da crise em que se encontra e que foi devida, em boa medida, à supressão do debate. Não sei ainda se redigirei algum artigo de resposta ao seu, mas por agora parece-me preferível deixar os leitores interessados compararem as duas posições. Em todo o caso, gostaria de lhe sublinhar o seguinte: 1) não pretendi pôr em causa a política de vigilância do tempo de José Gregório nem o documento dos Espiões e Provocadores, mas apenas chamar a atenção para o mistério da morte de Manuel Domingues; 2) é um facto incontestável que o documento relaciona o Domingues com os titistas; leia-o atentamente e verá a importância que é dada a esse assunto; 3) parece hoje fora de dúvida que não foi a P1DE que matou Domingues; 4) quando falo em “paranóia da perseguição” refiro-me, não à vigilância necessária, mas a suspeitas infundadas que no início dos anos 50 levaram ao afastamento de bastantes militantes honestos; em todo o caso, refiro que essa paranóia é inseparável da perseguição bárbara a que o partido era submetido na época; 5) não pretendi omitir nada quanto a Militão Ribeiro, só não o referi porque não é o caso dos militantes assassinados no momento da prisão ou sob a tortura nos interrogatórios; 6) agitar hoje o caso Manuel Domingues não é favorecer de modo nenhum o cunhalismo (que aliás venho criticando em dezenas de artigos), mas justamente desafiar Cunhal a fazer luz sobre o assunto, ele que tanto fala em transparência e em “paredes de vidro”. Enfim, o assunto ainda tem muito que se lhe diga e se calhar durante muitos anos, porque os principais envolvidos não querem falar.

Quanto ao seu outro artigo, acho-o, como aliás você diz, um bocado “complicado”, isto é, não ressaltam claras as conclusões a que se pretende chegar. Se não se importa que lhe faça uma sugestão, proponho que o trabalhe melhor e o reformule, com vista a publicação futura. Continuamos abertos à sua colaboração. Extraí uma passagem da sua carta, que publico sob o mesmo pseudónimo anterior. Aceite as minhas saudações.

 Carta a LN (4)

 17/9/2000

Caro Camarada:

A sua resposta vai ser publicada, e na íntegra, como pede, no próximo n° da PO. a sair em meados de Outubro (em Agosto, como de costume, fazemos a pausa das férias). Não queremos que suspeite de qualquer discriminação da nossa parte. Se efectivamente somos obrigados muitas vezes a fazer cortes nas cartas que nos são enviadas é sempre por razões de espaço e não para mutilar ou deturpar as opiniões dos nossos colaboradores. Neste caso em debate, que gira em torno da apreciação do PREC, não creio que haja mal entendidos entre nós; há sim perspectivas diferentes no balanço à luta de classes que se travou naquela altura em Portugal e ao papel social desempenhado pelo PCP, como de resto esta sua última colaboração confirma, quanto a mim. Você argumenta como se eu fosse inclinado a poupar e a desculpar o PCP, o que me deixa… sem palavras, já que há quase 40 anos que não faço outra coisa senão escrever que ele é um falso partido comunista, um partido burguês para operários. A nossa grande divergência é em saber se os PCs são uma peça subalterna da sociedade burguesa ou se são aparelhos de tipo fascista vocacionados para a tomada do poder. Aqui é que está o ponto a esclarecer. Essa diferença de opiniões manifestou-se desde que nos começámos a corresponder e possivelmente nenhum de nós consegue convencer o outro dos seus pontos de vista. Infelizmente não será possível dar-lhe a conhecer a grande quantidade de artigos que temos publicado desde o começo da revista, nem os debates que fizemos sobre o assunto, sobretudo nos primeiros anos, após sairmos do PC(R). Também seria bom que outros colaboradores se manifestassem e que o debate se alargasse. Veremos se isso acontece. Eu, pela minha parte, ainda gostaria de voltar a comentar, mais tarde, o que você escreve nesta carta.

Agora uma questão prática. Do seu artigo sobre o Joaquim Carreira, não se poderia extrair para a próxima P.O., na secção de Cartas dos Leitores, a lista de abusos e prepotências do PC na Marinha Grande? Tem o mérito de ser muito concreta e poder elucidar os nossos leitores mais simpatizantes do PC (também os temos). Diga-me, o mais breve possível, se está de acordo, em que termos, que nome se deve pôr a assinar a carta, etc.

Fico a aguardar a sua resposta. Aceite as minhas saudações

 Carta a LN (5)

 30/7/2002

Caro Camarada:

Depois de alguns dias de férias, encontrei a sua carta com os 25 euros, para duas assinaturas da PO por um ano. Ficou registado, receberá o próximo número em Outubro, como habitualmente. O seu reparo sobre a fraca cobertura dada às medidas do novo governo tem toda a razão de ser: vamos ver se no próximo número corrigimos o tiro.

No que se refere à “Voz do Trabalho”, é uma folha iniciada há cerca de um ano por um grupo de activistas da Margem Sul. Inicialmente participavam alguns elementos do Bloco de Esquerda mas, passado pouco tempo, por indicação dos seus dirigentes, afastaram-se. De modo que a folha é editada só por camaradas sem organização partidária, a maioria antigos membros do PC(R), uns mais próximos do colectivo da PO, outros mais afastados. O interesse desta iniciativa é que tem tido um acolhimento muito bom na Lisnave, Autoeuropa e outras grandes empresas da região. A edição de mil exemplares esgota-se em poucos dias e os apoios recolhidos junto dos operários cobrem as despesas de edição. Creio que é uma iniciativa válida e de apoiar. Se lhes quiser enviar pequenas crónicas, em estilo simples, ou mesmo recortes da imprensa do Norte, será uma forma de ajuda. Já agora, digo o mesmo para a nossa P.O.: se tiver materiais que ache de interesse não hesite em enviá-los.

Por agora é tudo. Aceite as saudações do nosso colectivo

 Carta a LN (6)

26/8/2004

 Caro camarada:

Recebi o dinheiro que enviaste e registei a renovação da tua assinatura (entendo que queres continuar a receber dois exemplares, como até aqui). As observações e reparos que fazes sobre artigos da P.O. sairão no próximo número.

Levantas na tua carta uma série de questões de cuja importância não duvido, mas que infelizmente, ainda não se aplicam àquilo que somos neste momento, e não sei por quanto tempo mais. O colectivo que edita a “P.O.” não é ainda um grupo político estruturado, porque para tal não temos encontrado condições. É um grupo que se dedica a fazer propaganda através da revista e de livros, tentando ajudar a criar uma corrente de opinião para a existência de um partido comunista revolucionário neste país. Participamos em acções pontuais (por exemplo contra a invasão do Iraque, no Io de Maio, etc.), mas até agora os ecos da nossa propaganda têm sido pouquíssimos. E se continuamos dispostos a prosseguir nesta actividade, que julgamos indispensável, não pretendemos fazer-nos passar por aquilo que não somos. Devido à fase incipiente em que nos encontramos e ao nosso pequeno número, as questões relativas à vigilância de classe e ao perigo de infiltrações que tu colocas põem-se num plano ainda bastante restrito. Naturalmente, procuramos afastar de nós indivíduos que nos sejam suspeitos, mas não temos questões organizativas internas que seja preciso defender. Em relação à pessoa que julgo que referes em particular, houve apenas uma troca de correspondência e o aproveitamento de umas notas que nos enviou sobre antigos militantes comunistas. Mesmo que seja pessoa pouco recomendável, como dizes, não vejo que esse contacto esporádico nos tenha causado nenhum prejuízo. De qualquer modo, tomo em conta os teus alertas.

E é tudo por agora. Aceita um abraço

 Carta a LN (7)

31/8/2004

 Caro Camarada:

Devolvo por correio separado o teu trabalho que puseste à nossa consideração, para se ver a hipótese de ser publicado. Como tu próprio dizes, o texto ainda precisa de ser trabalhado. Mas a nossa dúvida (minha e de outro camarada que também leu) é se, mesmo melhorado, o texto se presta a uma edição em livro. Como deves saber, existe uma inflação tremenda de edições e os distribuidores e livreiros rejeitam à partida todos os livros que lhes parecem pouco vendáveis, argumentando que não têm espaço para tanto livro, etc. Nós, na Dinossauro, somos obrigados a entremear certos livros mais teóricos com novelas e textos mais ligeiros, para tentar ir andando. Mesmo assim, o nosso distribuidor recusou-se há três meses a continuar a aceitar os nossos livros, porque lhe davam pouco lucro. Estamos agora a tentar um novo distribuidor, sem saber ainda o que vai acontecer.

Falaste na hipótese de pagares 100 exemplares mas os custos da edição seriam tão pesados, mesmo que se fizessem só 300 ou 400 exemplares, que haveria sempre um prejuízo enorme que não podemos suportar, nem tu provavelmente.

Existe no teu livro um relato de uma experiência directa que viveste na Marinha Grande, na fase final do fascismo. Essa experiência não se deve perder. Porque não tentas abordar o tema por outra forma, fazendo um relato não romanceado, bastante mais curto, dos acontecimentos? Poderia dar um caderno de que tirarias fotocópias e que se poderia fazer circular nos meios que conservam interesse pela história da luta de classes no nosso país. Seria um registo válido de acontecimentos que hoje se procuram fazer esquecer. É a sugestão que te podemos dar.

Com as nossas saudações

 Carta a LN (8)

30/8/2007

 Caro Camarada:

 Respondo à tua carta. Quanto aos materiais que comentas, algumas informações:

Foi de nossa iniciativa o projecto de criação de uma organização “anticapitalista” que foi lançado em Novembro do ano passado e que levou à Declaração “Mudar de vida” e ao projecto de um jornal com o mesmo nome. Fizeram-se várias reuniões juntando camaradas da PO com alguns amigos como o cantor José Mário Branco, com vista à preparação desse jornal. Todavia, desde Julho deixámos de ter qualquer relação com esse projecto devido a um conflito surgido com José Mário Branco. Este exigia que os comunistas não falassem das suas actividades nas reuniões do colectivo. Praticamente, quis pôr a PO fora do projecto e conseguiu porque nos retirámos. Seguem junto alguns documentos que te ajudarão a entender o que aconteceu. Na próxima PO sairá um artigo de polémica com as opiniões de J. Mário acerca das relações entre a vanguarda e as massas (artigo dele que saiu na PO 109).

Neste momento, portanto, a PO retomou a sua intervenção independente. Continuamos com a edição da revista e damos passos para lançar um jornal mensal, a que chamámos provisoriamente “Visor”. Não se sabe por enquanto quando poderá esse jornal sair para a rua, ainda poderá demorar alguns meses a definir melhor o modelo e a reunir as condições quanto a colaboradores, distribuição, apoio financeiro, etc. Entretanto, a PO sairá como normalmente. O próximo número em fins de Setembro.

Sobre as tuas sugestões de trabalho – Como creio que já te disse na nossa troca de cartas anterior, as tuas propostas para criarmos uma comissão de organização, que apure os currículos dos futuros membros, aprove um programa, crie um jornal interno, prepare a criação do partido comunista, não corresponde à situação real. Continuamos sem condições para criar uma organização comunista. A prática totalidade dos camaradas que se aproximam da PO aceitam fazer alguma acção sindical, anti-imperialista, etc. mas não querem organizar-se numa base comunista. Por isso tentámos esta experiência da organização anticapitalista, mas mesmo assim logo apareceram os fantasmas contra os comunistas que “querem controlar tudo”, etc. Mantemos por isso o comité editor da PO, com as actividades limitadas que conheces e assim nos vamos manter até que surjam outras perspectivas.

Visor – Este é o nosso projecto de jornal. Depois do primeiro número experimental, lançaremos um outro melhorado em Outubro, que te será enviado e para que pedimos as tuas críticas e sugestões. O título é provisório, tal como a ficha técnica.[i]

“Erguer o trabalho contra o Capital” – Essa foi a Declaração (que eu próprio redigi e a que depois foram acrescentadas algumas ideias) e que agora se chama “Mudar de Vida”. O grupo que se mantêm em tomo dessa Declaração inclui dois anteriores colaboradores da PO que a abandonaram, Manuel Raposo e Vladimiro Guinot.

Envio junto vários documentos para te pôr em dia com a situação. Fico à espera das tuas opiniões sobre tudo isto e propostas de trabalho.

Saudações

 ———–

[i] Este projecto do jornal Visor não foi para a frente porque, em Setembro de 2007, FMR começou a manifestar sintomas graves da doença que o vitimou em 22/4/2008. (Nota de AB).

Cartas a HN

 Francisco Martins Rodrigues

Carta a HN (1)

6/2/1998

Exmo Senhor:

Foi-me completamente impossível corresponder ao seu amável convite para estar presente no lançamento do seu livro[i] e espero que me desculpe por só agora responder ao seu cartão. Não vi até agora na imprensa de Lisboa referências ao seu trabalho, o que de resto não é de estranhar, dados os critérios e os gostos em vigor. Se entender enviar-me um exemplar para recensão na “Política Operária”, terei muito gosto em dar a conhecer o seu livro.

Sem outro assunto e na expectativa de uma outra oportunidade para nos encontrarmos, envio as minhas cordiais saudaçôes.

Carta a HN (2)

24/2/1998

Caro Amigo:

Agradeço o envio dos seus livros, que já estou a ler com interesse e de que farei recensão na próxima P.O., a sair em princípio de Abril. Verifico pela sua carta que tem em prepara­ção um novo livro sobre o 18 de Janeiro para o próximo ano e que procura materiais relativos à Marinha Grande. Contudo, pela bibliografia referida no fim do seu livro, vejo que consultou prati­camente todos os livros que conheço relativos ao assunto. Poderei talvez conseguir-lhe alguns artigos ou documentos internos, de carácter mais ideológico e de menor valor histórico. Um exem­plo é um artigo que publiquei na Política Operária há anos e que aqui lhe envio com muito gosto. Se entretanto encontrar outros, prometo enviar-lhe fotocópia. Ocorre-me também o livro de Gil­berto de Oliveira Memória viva do Tarrafal, das edições Avante, que faz referência a vários depor­tados da Marinha Grande, António Guerra, etc., e que não vejo mencionado na sua bibliografia. Se estiver interessado, poderei emprestar-lho.

Quando se lhe proporcionar vir a Lisboa, terei muito gosto em encontrar-me consi­go para trocarmos impressões. O meu contacto, além do que vai indicado no cabeçalho, pode ser pelo telefone (…). Sem mais por agora, envio cordiais cumprimentos

Carta a HN (3)

9/2/2002

Caro Amigo:

Estou a responder às suas duas últimas cartas, pedindo desde já desculpa pelo atraso. Registámos a sua assinatura e mando-lhe aqui junto os nº 63 e 64 da revista. Quanto aos números atrasados, temos todos excepto o nº 1. Poderíamos fornecer-lhos se estivesse interessado.

No que se refere à hipótese de colaboração sua, nomeadamente sobre a situação do operariado da Marinha Grande, posso desde já dizer-lhe que nos agradaria muito. Como talvez já tenha notado, a revista inclui sempre artigos enviados por leitores. Preocupa-nos apenas que tenham uma índole de denúncia do capitalismo. Como também decerto compreende, sendo uma revista de tipo militante, não comercial, não nos é possível retribuir monetariamente a colaboração. Posto isto, se tiver notícias, comentários, entrevistas, nomeadamente a respeito da situação do operariado da Marinha Grande, teremos gosto em publicá-las.

Faço votos pelo progresso do seu trabalho de investigação de história do movimento, que me parece escrupuloso. Gostaria de poder fazer o mesmo, mas as limitações da minha vida não mo permitem. Duas notas sobre o caso António Guerra:

Sobre a data da fuga de António Guerra — Procurei no Avante desses anos qualquer referência a essa fuga mas não encontrei nada. O meu único ponto de referência foi o testemunho de Joaquim Campino, que cita no seu folheto “18 de Janeiro Rostos”. Campino foi para Peniche em 1947, segundo diz ali. Durante esse ano falou com Guerra sobre a necessidade de “acabar com a paz podre” que ali se vivia, com o que este não concordou. “Mais tarde — escreve — “aproveitando aquele afrouxamento de vigilância, o António Guerra… tentou evadir-se”. Isto levou-me a situar a data da tentativa de fuga em começos de 1948, E uma data aproximada, reconheço, mas que permite excluir, penso, essa informação de que tivesse sido em 1946. Não concorda?

Quanto aos outros nomes que cita que teriam participado na fuga, nada sei.

Sobre a saúde de Guerra Não referi no meu artigo a informação de que ele sofreria de distúrbios mentais. A ficha prisional refere uma passagem de poucos dias pelo Hospital Júlio de Matos, após a vinda do Tarrafal, o que só por si não basta para pensar que ele tivesse perturbações mentais, a não ser que haja outras informações. Poderia vir em greve da fome, por exemplo, o que, sei por outros casos, era motivo para o preso ser levado pela Pide ao Júlio de Matos para ser alimentado à força. Terá sido esse o caso? Quais eram os padecimentos de Guerra para além da perda de visão? A rapidez da sua morte depois de regressar ao campo de concentração sugere que o seu estado de saúde estaria bastante debilitado, mas poderia não ser mais do que isso. Muitos outros foram ceifados em pouco tempo pelas febres.

Fico a aguardar as suas notícias. Caso tenha colaboração para o nº 66, que só sai em começos de Outubro (paramos sempre nas férias), peço-lhe que a faça chegar até 15-20 de Setembro. Aceite as minhas saudações

Carta a HN (4)

8/7/1998

Caro Amigo:

Agradeço o artigo que me enviou sobre o 18 de Janeiro. Este ano não preparámos nada na PO para assinalar a data. Se a revista não estivesse já na tipografia ainda poderíamos ter posto algo a partir do seu artigo mas recebi-o demasiado tarde. Vai receber a PO dentro de dias e espero que continue a interessar-lhe. Suponho que terá rçcebido a proposta de renovação da sua assinatura, visto que esta caducou no n° 79, há já bastantes meses. Em todo o caso, mando-lhe aqui um novo boletim.

Conto sempre com as suas notícias e informações para enriquecer a revista.

Um abraço

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[i] Hermínio Nunes, “Augusto Costa, um vidreiro no Tarrafal. Memórias do 18 de Janeiro de 1934, na Marinha Grande”. (Nota de AB).

A ruptura com o PCP em 1964-1965 (1)

Francisco Martins Rodrigues

A ruptura com o PCP em 1964-1965 (1)

Duas linhas opostas na luta contra a ditadura de Salazar

Este texto recupera um conjunto de artigos escritos quando do meu abandono do PCP cm 1963, já lá vão 40 anos. Editados no ano seguinte em Paris, na revista Revolução Popular, do Comité Marxista-Leninista Português (à excepção do primeiro, publicado cm panfleto nos finais de 1963), há muito esquecidos, tiveram contudo na altura, apesar da circulação reduzida, uma influência indiscutível nos meios mais radicalizados da resistência, sobretudo entre a juventude. Basicamente, abriram a discussão sobre qual deveria ser a política comunista para o derrubamento da ditadura fascista, quando o início das guerras coloniais anunciava a crise final desta.

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O período dos grupos

Francisco Martins Rodrigues

[i]O período dos grupos[ii]

A partir de 1968, passado o marasmo que se seguiu a destruição da FAF, a influência da “revolução cultural” chinesa, dos movimen­tos de libertação e guevaristas, dos movimentos radicais na Europa, da reanimação da oposição sob o marcelismo (campanha eleitoral da CDE em 1969) provocou a multiplicação de grupos maoístas entre os estudantes avançados que descobriam o reformismo do PCP.

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