Francisco Martins Rodrigues
Carta a MV (9)
26/6/1986
Camaradas:
Temos recebido livros, revistas e bonecos do M, mas só uns pequenos bilhetes a acompanhá-los e não a carta detalhada que postaríamos de ter da vossa parte, para nos apercebermos melhor dos vossos problemas e perspectivas de actividade. Soubemos pelo R que pensam vir aqui em fins de Julho e esperamos nessa altura ter um dia para uma discussão a sério de todos os nossos problemas. Seria bom que nos avisassem com antecedência do dia que terão disponível para estar em Lisboa connosco.
A seguir damos as notícias mais importantes sobre o que estamos a fazer.
PO nº 5 – Enviamos pelo R apenas 3 exemplares porque sabemos que têm bastante dificuldade em colocá-la aí. Se estiverem de acordo, será esta quantidade que pastaremos a enviar. Este número saiu com algumas semanas de atraso por dificuldades de toda a ordem, mas parece-nos que mantém o nível dos anteriores; ainda não é desta que entramos nos grandes problemas de fundo, mas a pressão dos acontecimentos e o quadro reduzido dos nossos redactores não nos deixou fazer melhor. Como verão, temos um novo colaborador, MC, de quem vocês se devem lembrar. Está disposto a fazer uma série de artigos e a sua perspectiva parece-nos correcta. E colaborações do M? Não compreendemos por que não mandas nada, nem que seja a Carta de Paris. Só se é por não gostar de nós.
Decidimos adiar o nº que calhava no período de férias porque a venda seria muito difícil. O nº 6 sairá em fins de Setembro-princípios de Outubro e tentaremos aproveitar este intervalo maior para trabalhar alguns artigos mais de fundo e, se possível, fazer um nº melhorado para comemorar este primeiro aniversário. Discutiremos convosco o sumário e a v/colaboração.
Pensamos também fazer na altura uma campanha de publicidade para tornar a revista mais conhecida. As vendas têm tido uma certa quebra, que aliás esperávamos: houve um movimento inicial de curiosidade que levou a esgotar o nº 1. Mas à medida que um certo número de pessoas de tendência social-democrata se aperceberam da orientação da revista, deixaram de a comprar. Estamos a colocá-la numas 25 livrarias de Lisboa, mais umas 20 na província, mas a venda principal é a venda militante. Temos umas 100 a 150 de sobras, que se vão vendendo depois lentamente. Aproveitamos manifestações, Feira do livro, etc., para mostrar a revista a público. O desafio que temos pela frente é descobrir os leitores de esquerda que ainda ignoram a nossa existência e isso depende sobretudo da acção militante.
Assembleia – depois de vários adiamentos, realiza-se em definitivo nos próximos dias 5 e 6 de Julho. Já conhecem o relatório de actividade da direcção que vai ser discutido. Seguem junto as Tribunas nº 6 e 7 e, se possível, ainda vos enviaremos antes daquela data outras duas que devem sair com materiais para discussão. A Assembleia está a ser preparada por uma comissão organizadora com dois elementos da direcção e três dos núcleos para assegurar completa democracia. Temos feito diversas reuniões preparatórias envolvendo a maioria dos camaradas. Principais problemas em debate, para além dos que estão no relatório;
- definição da situação de diversos camaradas que têm funcionado na prática mais como simpatizantes do que como membros da OCPO. Lutamos pela aplicação do artº 1º dos estatutos, tentando ganhar todos os camaradas como membros activos, mas não conseguiremos evitar que alguns passem a simpatizantes, porque é esse o seu desejo. Ê o caso do R. Como não há perspectivas imediatas de recrutamento e entretanto já perdemos alguns outros camaradas, esta situação preocupa-nos. O principal é mentalizar o conjunto dos camaradas para a ideia de que não há nada de dramático na situação de sermos um pequeno grupo, combater o pânico. Há épocas para estar num partido e há épocas para estar num grupo.
- a atitude perante as eleições (as que houve e as que poderá voltar a haver dentro de meses) tem gerado bastante polémica. Embora todos concordem em que essa não é neste momento uma questão prioritária para nós, dada a nossa escassíssima influência, o certo é que em torno da abstenção ou não abstenção se geram divergências. A direcção não foi capaz de apresentar um balanço de sua autoria e iremos confrontar opiniões pessoais; em todo o caso, não pensamos que as divergências sobre esse assunto se tornem graves,pelo menos nos tempos mais próximos.
Quanto à futura direcção, procede-se a consultas e a comissão organizadora apresentará uma lista de candidatos à Assembleia. O G saiu da direcção há já meses por razões que todos consideraram injustificadas; na realidade, segundo pensamos, porque nunca se sentiu bem com essa responsabilidade; o ZB teve que emigrar para a Suíça à procura de trabalho por se encontrar em situação aflitiva; está agora connosco (partiu um pé e veio-se tratar cá) mas voltará para lá mais 3 meses, a cumprir um contrato. Está moralizado e garante-nos que estará aqui de vez em Outubro. Os restantes continuam a funcionar, mas muito assoberbados com trabalho, sobretudo desde que nos começámos a meter mais na intervenção política.
A vossa participação na Assembleia poderá fazer-se, de acordo com os estatutos, através do voto por correspondência, com quaisquer declarações que entendam úteis e que serão levadas ao conhecimento da Assembleia. Achamos de bastante interesse que o façam, tanto sobre o relatório da direcção como sobre outros assuntos. Se ainda nos for possível, enviar-vos-emos os projectos de moções que vão ser postos à votação, para que se pronunciem por carta. Achamos que o vosso afastamento não deverá impedir a vossa participação no essencial dos trabalhos.
Internacional – como tínhamos informado, estiveram entre nós dois dirigentes do MLP dos EUA, com quem tivemos uma semana de discussões bastante frutuosas; quando nos encontrarmos em Julho poderemos informar detalhadamente do que se tratou. Para já, resumidamente, podemos dizer que há um acordo no essencial; o entendimento do marxismo-leninismo como a demarcação nítida dos interesses do proletariado e portanto, a crítica às correntes burguesas democráticas, nacionais, etc., a crítica à linha do 7º congresso da IC, a crítica ao rumo da União Soviética desde os anos 30, a crítica ao PTA, a crítica às revoluções tipo sandinistas, etc. Alguns pontos em que fazemos apreciações diferentes: a corrente ML é ML com erros (tese deles) ou é apenas centrista? centralismo democrático significa monolitismo (tese deles) ou esse conceito deve ser rejeitado? Os últimos 50 anos tiveram grandes vitórias (tese deles) ou devem considerar-se 50 anos de derrotas? não interessa destrinçar qual dos dois blocos é mais perigoso (tese deles) ou deve-se dizer que o imperialismo EUA é o principal inimigo?
Vamos continuar a debater mas ficámos com uma impressão geral bastante boa. Eles publicaram recentemente um longo artigo no jornal deles a nosso respeito. Infelizmente não temos cópia feita para vos enviar, mostrar-vos-emos quando cá vierem.
Quanto ao PC do Irão, como já dissemos antes, entrou em contacto connosco e mandou-nos muito material que estamos a estudar. Parece-nos ter algumas fraquezas teóricas, como poderão ver pelos extractos do programa que publicamos na PO 5 mas é um partido com real base de massas e que se bate de arrumas na mão contra o Khomeiny. Do PC da Nicarágua (ex-MAPML) é que ainda não obtivemos nada mas, pelo que temos lido, parece-nos ser um partido sério, que conjuga uma posição anti-imperialista inequívoca com uma crítica aberta aos sandinistas e às suas incoerências.
Tribuna Operária – seguem junto 3 exemplares do nº 0, que temos estado a fazer circular entre sectores operários que tocamos, para ver se ganhamos base de apoio para a sua edição definitiva. Só por nós não podemos fazer um jornal destes: precisamos de recolher notícias e informações de muitas empresas e ter uma rede de difusores. Vamos usar estes meses do Verão para tentar criar uma equipa de redacção e difusão, com vistas a iniciar publicação regular em Outubro. Está em preparação um encontro sindical com activistas de vários pontos do país (alguns deles ex-UDPs) para Setembro. A dificuldade aqui resulta do facto de a iniciativa ser disputada por outros agrupamentos e nós não queremos fazer um consórcio de grupos, que acaba sempre em guerras.
O almoço comemorativo do centenário do 1º de Maio, de que já tínhamos falado, fez-se com 130 pessoas, na maioria operários, e intervenções dos representantes dos vários grupos promotores. Teve um efeito positivo na ideia de que se pode começar a reagrupar a esquerda.
Técnico/finanças – acabamos de dar um novo “grande salto em frente” com a troca da máquina da composição por outra mais evoluída que nos permitirá agarrar encomendas de livros e trabalhos de mais vulto. Evidentemente, empenhámo-nos até a raiz dos cabelos (mais uma vez) mas pensamos não estar a ser aventureiros. SÓ o futuro o dirá, e o nosso esforço, evidentemente; discutiremos também este assunto convosco quando cá estiverem. Recebemos os dois vales que mandaram (…) que saldaram as vossas dívidas em publicações. Vocês dir-nos-ão em Julho se têm possibilidade de manter uma quotização regular.
Bonecos Zav – receamos que Zav esteja desgostoso com o pouco aproveitamento que temos dado aos bonecos. Isto não resulta de desinteresse da nossa parte. Pelo contrário, temo-los apreciado atentamente porque sentimos muito a necessidade de comentários gráficos; os reparos que têm sido feitos aos bonecos são os seguintes; o humor amargo e por vezes brutal (o que é um defeito) torna-se em muitos casos difícil de apreender pelo leitor comum; as críticas a acontecimentos nacionais surgem com muito atraso, perdendo actualidade; há um certo número de piadas relativas à emigração que só se justificariam como ilustração a um artigo sobre o assunto (ex: a excelente venda de emigrantes às postas) mas a dificuldade é que não temos cartas de Paris.
Propomos pois que o Zav se procure inspirar em temas (nacionais ou internacionais) tratados na revista, que não sejam de mera conjuntura eleitoral, para não sofrerem com a perda de actualidade. Sugestões: o povo espera pacientemente na bicha da sopa dos pobres que Cavaco, Soares, Eanes, etc. decidam nos seus congressos se vão aliar-se ou guerrear; parabéns ao general Pedro Cardoso, super-comandante da nova PIDE; 183 novos desempregados em cada dia – avançamos aceleradamente para níveis europeus; Cunhal nega terminantemente que existam divergências no PCP, enquanto atrás da cortina se esmurram eurocomunistas e “ortodoxos”; etc, etc. Também as questões internacionais poderiam ser tema para bonecos: como o massacre dos presos políticos no Peru pelo social-democrata Alan Garcia, na presença da social-democracia internacional; os massacres de negros na Africa do Sul, etc, etc.
Por agora é tudo. Acabamos esta carta para a entregar ao R, que vai partir. Até breve, abraços para vocês de todos nós.
Carta a MV (10)
28/8/1986
Caros camaradas:
Recebemos ultimamente, além do “Monde” e da “Afrique-Asie”, cinco números da revista ’’Cause du Communisme” e as outras publicações.
A questão principal que gostaríamos de ver em andamento são os contactos directos com o OCML-VP e com os representantes do PCI, conforme debatemos no nosso encontro.
Em relação aos primeiros, estamos a estudar a revista e poderemos depois pôr algumas questões por escrito. Para já, gostaríamos de conhecer a razão por que não se referem ao movimento ML e ao PTA e se têm alguma posição definida a esse respeito. Não sabemos se esse silêncio, da parte de um grupo já estabilizado e com vários anos de existência, significa desinteresse ou vacilações no corte. Mandamos junto um resumo da nossa opinião sobre o movimento ML, que poderias pôr em francês e que serviria também para o teu contacto com os apoiantes do PCI. Seria bom se conseguisses, a partir desse resumo, ter uma discussão com alguém responsável da OCML.
Vemos também que a OCML faz ura apreciação muito positiva da revolução cultural chinesa. Gostaríamos de ler algum trabalho que tenham sobre o assunto. Outra sugestão: estariam eles interessados em publicar no “Partisan” ou na “Cause du Communisme” algum artigo da PO que tu ou a R lhes traduzissem? Nós encaramos a hipótese de publicar alguma coisa deles.
O objectivo essencial seria, através de um debate com alguém responsável da OCML e falando tu como representante da OCPO, ficarmos com uma ideia mais precisa do que são e abrirmos caminho a um encontro formal de delegações, que se poderia fazer aqui ou em Paris. Seria bom também que averiguasses se têm conhecimento e o que pensam dos posições do MLP, EUA.
Quanto ao grupo de apoio ao PCI, deverias dizer-lhes que recebemos a carta deles, que estamos a receber os materiais do comité exterior em Estocolmo (“Bolshevik Messsge” e “Report”), dar-lhes o mesmo resumo das nossas opiniões sobre a corrente MI. (fizeram-nos perguntas a esse respeito) e procurar travar debate com eles.
A preparação da PO 6 está atrasada. Cá estamos à espera da certa de Paris (urgente!) e de bonecos do Zav. Enviaremos 10 ex. como pediste. Da lista de livros que te entregámos, destacamos o Castoriadis, que valeria a pena comprar (usado?).
E é tudo. Abraços para os três. Vemo-nos em Dezembro?
Sobre a corrente ML
Desde a nossa constituição como grupo independente, há cerca de 18 meses, informámos os partidos ML das razões da nossa ruptura com o PC(R) e propusemos a troca de publicações e o debate. Apenas com uma excepção, não nos responderam.
Verificamos que o conjunto dos partidos ML não admitem qualquer investigação crítica ao processo de degeneração da União Soviética, a Staline, ao 7º– congresso da IC, à teoria das “democracias populares”, à política do PTA, etc. Temos conhecimento de que numa reunião de 10 partidos ML realizada em Outubro de 1935 em Quito (Equador), o MLP/EUA e a OCPO foram denunciados como forças “provocatórias” por terem abordado publicamente estas questões.
Nestas condições, parece-nos irrealista esperar que os partidos da chamada corrente ML possam evoluir para posições revolucionárias consequentes. Em nossa opinião, trata-se de uma corrente centrista decadente que de marxista-leninista só tem o nome e que se mantém à sombra do PTA, como sua força dc apoio externo.
A chamada corrente ML constitui-se herdeira de todos os desvios do movimento comunista internacional que nos anos 30-50 estiveram na origem do revisionismo moderno. Defende em palavras a política leninista de hegemonia do proletariado mas aplica na prática a política stalinista-dimitrovista de “frente popular” e de “democracia popular”, visando a formação dum bloco operário-pequeno-burguês. Denuncia o maoísmo mas adopta a política maoísta de apoio às burguesias nacionais dependentes. Proclama o marxismo-leninismo como “doutrina sempre jovem e científica” mas mantém uma atitude dogmático-praticista face à evolução da luta de classes. Declara-se fiel ao centralismo democrático mas suprime a democracia interna no Partido para defender o seu oportunismo.
Apesar do esforço para ocultar as divergências crescentes, a corrente ML está a ficar dividida em duas alas: uma, mais acentuadamente oportunista, constituída pelos “incondicionais” do PTA: PC do Brasil, PC(R) de Portugal, PC da Dinamarca, etc. Destaca-se nesta corrente o PC do Brasil, pela força com que exporta as suas próprias posições extremamente oportunistas de aliança com a burguesia liberal. 0 PC do Brasil teve um papel preponderante na degeneração oportunista do PC(R) e na nossa expulsão desse partido. Possuímos documentação, de que podemos ceder fotocópias, sobre a política do PC do Brasil.
A outra, ala, que agrupa actualmente a maioria dos partidos (PCs de Espanha, França, Suécia, Equador, México, Japão, Colômbia, etc.) faz algumas demarcações indirectas e cautelosas em relação ao nacionalismo da política albanesa, mas nenhuma crítica de princípios ao oportunismo, como se constata pela revista internacional que editam, “Teoria e Prática”. Nesta ala, o PC de Espanha (m-l) tem sido o mais agressivo no esforço para isolar as posições de esquerda.
O PC da Nicarágua (ex-MAP-ML), que tem aparecido associado a esta corrente, mantém ao mesmo tempo relações com o MLP/EUA e, no terreno de política interna, faz uma crítica à pequena burguesia sandinista que nos parece correcta. O PC do Japão (Esquerda), também associado a esta corrente, parece ter desistido por completo das análises críticas que há anos iniciara ao passado do movimento comunista internacional.
Concluímos que a actual corrente ML não pode dar origem a uma nova corrente comunista. Só a afirmação e a ampla divulgação de posições narxistas-leninistas consequentes pode tornar-se um pólo de atracção das forças revolucionárias, cortar caminho à proliferação do oportunismo e precipitar a crise do centrismo pseudo-ML.
Por isso atribuímos a maior importância ao debate e à troca de documentos entre os partidos e grupos que iniciaram a crítica às origens do revisionismo moderno. No que se refere aos artigos até agora publicados na nossa revista “Política Operária”, não nos é possível de momento traduzi-los mas procuraremos, na medida do possível, fornecer-vos resumos do que nos parece mais importante.
Propomos pois à vossa organização a troca de documentos e o início dum debate sobre as grandes questões do Movimento ML, como a tarefa mais urgente para a elaboração de uma plataforma comunista internacional, sem a qual é impossível a reorganização do movimento comunista.
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