Francisco Martins Rodrigues
Carta a MV (25)
5/6/1991
Caríssimo:
Os teus materiais têm chegado em ordem. Vimos o teu apelo para apoios para a saída do “Albatroz” e, a título mais simbólico do que outra coisa, dada a nossa escassez de meios, decidimos enviar 5.000$00. Foram num vale postal para essa morada (a Ana juntou mais 1.000$00 pela despesa do livro que lhe mandaste). Ficamos à espera do material. Já chegou aí a PO 29? Enviei para as três moradas.
Estamos a preparar um pequeno manifesto para o 25 Abril / 1º Maio e um encontro do pessoal. Também pensamos fazer uma assembleia em meados de Junho, será possível contar com a tua presença?
Em breve te escrevo com mais vagar. Um abraço
Carta a MV (26)
5/6/1991
M:
Tens razão, estou bravo contigo e vou cortar todas as relações: fizeste-me outra vez a partida de passar por cá e não me passar cartão. Só tens uma desculpa, foi essa das três frentes de combate simultâneas. £ pesado para qualquer um. Da próxima, tens denúncia pública na P.O. como “elemento suspeito anarco-trotskizante”, pelo menos. O “Albatroz” está mais sumarento que os anteriores e mais politizado, pareceu-me. Fiz uma nota à pressa na última P.O. (põe-te alerta, deve estar aí a chegar!), hão conheço nada dos meios da esquerda real aí de Paris, mas parece-me que o “Albatroz” se pode tornar um ponto de encontro de sensibilidades variadas, convivendo aí em boa paz. Pelo menos não há dúvida de que te tornaste mais atrevido nos teus contactos; agora já preparas uma colaboração do Bettelheim! Oxalá a distribuidora (…) faça alguma coisa pela revista aqui, criar um certo público aqui na parvónia seria um apoio para ter a continuidade assegurada. Nos meios da imigração portuguesa aí, calculo que não tenha saída, até pela pouca colaboração sobre temas que lhes digam directamente respeito. A minha colaboração, diz-me para quando será precisa; por acaso fiz para a P.O. um comentário justamente sobre o Papa e a religião, mas não impede que escreva outro, num registo um pouco diferente.
Esteve cá o V: interrogámo-lo sobre a saída do “Albatroz” mas ele, sempre sem querer fazer críticas, foi dizendo que tu monopolizas muito a condução das coisas. Deve ter uma parte de razão porque tu mesmo o reconheces na tua carta. A outra parte, que ele não diz, é a falta de genica dele para trabalhos desses. Só mesmo leninistas-stalinistas-maoístas-enveristas-kimilsunguistas como nós são capazes de fazer revistas subversivas num tempo destes.
A P.O. vai na mesma, apenas um pouco mais aberta também nas colaborações,o que não nos faz mal nenhum. Romper o cerco, é a palavra de ordem do presidente Mao. Ou melhor: combinar a guerra de subterrâneos com umas sortidas fulminantes para desorientar o inimigo! Agora vamos entrar na pausa de férias e eu vou aproveitar para trabalhar dois artigos que tenho andado a adiar por falta de tempo mas que tocam em pontos sensíveis: 1) Será que o descalabro do Leste prova que os anarquistas tinham alguma razão e que o Lenine era um autoritário e o próprio Marx teria aberto a porta ao triunfo dos burocratas? 2) Será que a evolução económico-social contemporânea está a dar o golpe de misericórdia na teoria da hegemonia operária e da ditadura do proletariado?
Atrevimento não me falta, como vês e o pior é que neste momento não faço ainda bem ideia de como responder a estas ideias. Ando a ler e a meditar, vamos a ver se daqui até Setembro não me embaraço em interrogações. Fora disto, agito-me em remorsos cíclicos por não avançar com o tão falado livro sobre o PCP e, como já é costume, todos os anos à entrada do Verão ponho-me a pensar que talvez tivesse tempo para…
De resto, cá vamos. O núcleo da P.O., depois de ter mirrado a olhos vistos, parece ter-se consolidado na sua travessia do deserto. Até quando? Financeiramente, acho que vamos sobrevivendo, com menos angústias do que antes.
Escreveu-nos o Paul, da “Voie Prolétarienne”, dizendo que está traduzir para francês a “Resposta aos comunistas americanos”. Tens contacto com ele? Seria bom fazermos um suplemento com este artigo e tu distribuíres aí pela tua lista de possíveis interessados.
Óptimo pela cassete do filme da Intifada, estamos a pensar numa sessão pública de aniversário lá para fins de Setembro e seria interessante. Piquei chateadíssimo com essa de se ter perdido o livro de Las Casas, a etiqueta ia colada, o que deve haver é muitos roubos nos correios aí em França. Agora não tenho nenhum outro exemplar para te mandar mas vou pedir ao editor. Andamos a animar uma comissão contra a histeria nacionalista em torno dos Descobrimentos, contra o “regresso a África” (palavras do presidente Bochechas) e contra a exploração dos imigrantes africanos e o racismo. Vamos a ver se singra. Depois mando-te os papéis que houver.
Quanto à eleição do Tomé na lista da CDU, em lugar cedido pelo PCP, sem comentários… O Pires deu uma entrevista ao “Expresso” justificando o acordo porque o PCP mudou, embora ainda não saiba que mudou! Autêntico! Eu a pensar que o tipo tinha entrado em depressão e eis que aí aparece o velho Pires todo risonho e optimista. Sou mesmo ingénuo!
Esta folha em que escrevo acabou. Não deves dinheiro nenhum à Ana. Um abraço
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