Para uma Análise do Campesinato e da Agricultura

Para uma Análise do Campesinato e da Agricultura

Francisco Martins Rodrigues*

Nos últimos 30 anos a crescente procura de produtos agrícolas no mercado e o investimento de capitais na produção e comercio agrícolas actuaram como alavanca desintegradora da estrutura tradicional no campo; a velha economia agrícola de subsistência e ultrapassada pela produção mercantil que expulsa centenas de milhares de famílias camponesas para a emigração e para as cidades; o operário agrícola e o jornaleiro independente avantajam-se cada vez mais ao camponês independente; a exploração mecanizada, moderna começa a estender-se a largas zonas; o grande proprietário semi-feudal vivendo das rendas começa a perder a sua antiga omnipotência em face do lavrador capitalista, do comerciante de produtos agrícolas, do industrial, do proprietário citadino.
Continuar a ler

Carta a C.

Francisco Martins Rodrigues

Carta a C.

Março [de 1965]

Querida C.:[i]

Com a costumada irregularidade e atraso, venho escrever-te um pouco, porque os meses passam sem eu dar por isso e se não fosse a N.[ii] chamar-me a atenção e repreender-me constantemente, desconfio que o desleixo era ainda mais escandaloso. Eu sei que não é justo mas custa-me escrever e sobretudo estas cartas nossas em que temos de passar por cima de tudo o que é a nossa vida e os nossos problemas diários. Continuar a ler

Cartas a JV – 13

Francisco Martins Rodrigues

Carta a JV – 13

14/7/1996

Caro Amigo:

Lamentavelmente, a tua estadia em Portugal quase se sobrepôs com uma saída minha para o Norte, a gozar umas curtas férias. Ainda telefonei no sábado e domingo (dias 6 e 7) para os teus números de Lisboa e do Algarve mas ninguém atendeu; devias estar na praia a aproveitar o famoso sol português. Ficaremos assim a aguardar que se complete mais um ano para nova tentativa…

Recebi e agradeço os materiais que ofereceste. A entrevista do Paul Mattik Jr., digo-te já, é forte de mais para a minha estrutura ideológica. Vou voltar a lê-la e gostaria de te pôr por escrito algumas das objecções que me levanta. Embora conhecendo muito mal o conselhismo, duvido de que os pontos de vista dele correspondam aos dos “fundadores”. Mas esta é questão para uma mesa redonda, quando calhar. Por aqui, a revolução continua… na ordem e na paz dos espíritos, como recomendava o Botas. Os telejornais abrem e fecham com as últimas da bola, no meio da ansiedade das famílias. Pelo meio, para cortar a publicidade, lá metem umas breves imagens de operários postos na rua ou de guerra no fim do mundo.

Como está a S.? A Ana e a Beatriz mandam cumprimentos. A Beatriz trabalha agora no novo jornal . Qualquer dia, temos toda a comunicação social sob controlo e então…

Um abraço.

Cartas a JV – 10

Francisco Martins Rodrigues

Carta a JV – 10

8/12/1993

Caro Amigo:

Não sei donde partiu o atraso mas a tua carta datada de 22 Novembro só me foi entregue no Correio em 6 Dezembro. Já temos a P. O. na tipografia e não nos foi possível incluir nada dos elementos que mandaste. Sobre a greve da Air France, felizmente, o MV mandou uns comentários que publicámos com destaque. Aqui também houve “bernarda” com os trabalhadores da TAP, mas o pessoal mostrou muito menos combatividade que o daí. De qualquer modo, o apertar da crise obriga o ambiente social a mudar lentamente. Para já, quem aparece na ribalta são os estudantes, cujas manifestações devem ter obrigado o Cavaco a uma remodelação governamental,, que deu um sinal de fraqueza. O homem até agora fazia gala da sua firmeza de rocha, de modo que esta cedência talvez lhe vá tirar muita da confiança quase supersticiosa que a pequena burguesia tinha nele – a admiração pelo “homem forte”. A oposição está ao ataque, tentando capitalizar tudo o que puder dos resultados das eleições autárquicas – a campanha eleitoral, desta vez, é um carnaval imbecil, com “debates” na televisão com as claques a gritar por um ou por outro dos candidatos e a agitar bandeirinhas, numa algazarra infernal em que se faz tudo menos debater seja o que for. Um espectáculo miserável, que dá bem a medida da democracia a que temos direito.

De qualquer modo, por enquanto é cedo para saber se é irreversível a crise do governo. Só se a situação económica tiver agravamentos dramáticos. Para já, além da TAP, houve alguns protestos operários (que a imprensa, como de costume, “desdramatiza” o mais possível), nomeadamente uma marcha de fome de vidreiros da Marinha Grande para Lisboa e uma greve “selvagem” dos portuários de Setúbal, greve na Lisnave, etc. As centrais não assinaram a concertação social (ou 4% ou nada, disse o governo) e falam em greve geral mas de forma mole e indecisa. Em Espanha já está marcada para Janeiro, mas lá a situação é sempre mais agitada e desperta do que aqui. Aqui, num resumo que pode ser muito subjectivo, eu diria que o governo está mais ameaçado pelos estudantes, médicos, juízes, empresários agrícolas, do que pelos operários e assalariados. E no entanto, a situação destes vai-se tomando dramática. Coisas…

Pela nossa parte, de novo apenas um convite que recebemos, a Ana e eu, para intervirmos numa semana de debates sobre o centenário de Mao, realizada pela Biblioteca-Museu da Resistência, organismo dependente da Câmara de Lisboa. Outros participantes (em dias diferentes!) são o Arnaldo de Matos, Pacheco Pereira e Pedro Baptista (ex-OCMLP). Pelo menos, estão convidados, não sei se vão. Decidimos aceitar, embora o público seja restrito, para valorizar o Mao revolucionário dos primeiros anos e fazer fogo contra a bronca ironia com que os tipos do PS e do PC falam da revolução chinesa, como se fosse uma anedota.

Espero que a Fora do Texto mande o teu livrinho (costumam mandar sempre) e far-lhe-emos referência sem falta. Também espero poder aproveitar a tua sugestão de publicar algum extracto dos teus artigos como carta. Faço votos por que tudo vos corra bem. A P.O. deve estar a sair da tipografia. Abraços para ti e para a S. de todos nós.

Cartas a JC – 1

Francisco Martins Rodrigues

Carta a LC – 1

26/2/1987

Caro J:

Claro que me lembro de ti e tive grande satisfação em receber a tua carta, por ver que não perdeste o norte, apesar destes anos de pausa, Quando se esteve envolvido na luta de classes, directa e brutal, sem disfarces, como foi o nosso caso no tempo da Pide, é muito difícil iludirmo-nos com histórias sobre a “importância de cada um viver a sua vida”. Viver a nossa vida, plenamente, é trabalhar por virar esta organização social, porque é isso que os tempos pedem. Ninguém pode escolher a época da sua vida e a nossa época tem esse problema em aberto, que lhe havemos de fazer? Se lhe virarmos costas, não nos libertamos de nada, estaremos apenas a desperdiçar a nossa vida. É por isso que eu não sinto a militância comunista como um sacrifício: faço aquilo de que realmente gosto e que me faz sentir vivo. Já há gente demais reduzida ao papel de joguetes cegos do capital, não tenho vontade nenhuma de lhe seguir o exemplo.

É claro que os nossos velhos planos de batalha estavam cheios de erros e isso contribuiu para muitas derrotas e para a actual fase de dispersão. Mas não serve de nada cairmos por isso no pessimismo e na amargura, lamentar “os anos perdidos”, como por aí se faz agora. A revolução é uma longa aprendizagem, não há outra forma de descobrir o caminho.

Se passares os olhos pelos números já publicados da nossa revista, verás as interrogações que nos colocamos e as respostas que procuramos. No eixo de tudo vejo esta ideia: a corrente ML revoltou-se com a passagem dos revisas para o campo da burguesia, mas teve medo de levar a crítica até ao fim e tentou salvar um pouco do compromisso operário-pequeno-burguês, que já vinha muito de trás. Foi um corte a 50%, que tentou combinar as ideias revolucionárias com um bocado da herança reformista. Por isso nos era impossível explicar a União Soviética de Staline, a IC, o maoísmo, a luta de classes em Portugal e no mundo. Por isso nos agarrávamos a citações e fórmulas feitas em vez de olharmos abertamente o presente e o passado com olhos marxistas. É muito estimulante poder fazê-lo agora. No “Anti-Dimitrov” (… poderá arranjar-to) comecei essa reflexão, que ainda está nos primeiros passos e que prosseguimos na revista.

Já deves saber pelo (…) o que somos: um pequeno grupo de propaganda que procura lançar as bases para um programa comunista e para um partido comunista, combinando a teoria e a prática. Edita- mos a revista, que é o nosso esforço principal, mas também vamos intervindo na acção política e sindical. (Começámos a publicar um pequeno jornal sindical, a “Tribuna Operária”). As condições actuais no nosso país não são nada favoráveis a este esforço, porque o movimento operário está amachucado pela derrota das ilusões de Abril (Povo-MFA) e a pequena burguesia intelectual atravessa uma fase de carreirismo, cinismo e descrença absoluta na classe operária. Mas isto não nos impede de reagrupar um núcleo de vanguarda que passe ao ataque quando a conjuntura mudar e possa formar uma corrente sólida capaz de influir nos acontecimentos.

No plano internacional, não descuramos nenhum contacto com grupos que se orientem num sentido semelhante ao nosso e já temos relações com comunistas dos EUA, Irão, Brasil, França, Itália. Todos fracos como nós, excepto os do Irão, mas todos dispostos a limpar o marxismo-leninismo de lixos reformistas. No que se refere à OCML de França, estamos interessados em conhecer melhor as suas análises e o seu percurso e encaramos a hipótese de uma deslocação minha a Paris para um debate organizado. Vamos estudar esses números da “Cause du Communisme” que mos envias, só conhecemos o “Partisan”, que recebemos regularmente.

Inteiramente de acordo em que publiquem artigos traduzidos da “PO”, o que aliás já lhes propusemos. Podes pois dar-lhes a tradução que fizeste para que eles corrijam a ortografia e mesmo suprimam partes que lhes pareçam de menos interesse para o leitor francês. Seguem junto as notas que pediste[i]. Publicámos no nº 8 da “PO” uma tradução condensada de um artigo do “Partisan”, seria bom mostrar-lhes. Mais importante que tudo: gostaria que te informasses junto do MV sobre o que é a OCPO, que criámos há cerca de dois anos e que nos dissesses em que aspectos estás interessado em colaborar. Ele pode dar-te diversos documentos, para teres uma ideia do que pretendemos e como funcionamos. Conheces “Para a história de uma cisão”? Ê um conjunto de cartas de diversos camaradas em que estão resumidas as razões da nossa ruptura com o PC(R). Também lhe podes pedir o Manifesto inicial da OCPO e outros documentos.

Para além da nossa correspondência, que espero se mantenha, seria muito bom termos uma discussão directa. Como a minha ida a Paris está por enquanto indefinida, seria muito bom se pudesses vir cá (em Junho seria o ideal). Diz-me como pensas que poderás colaborar na nossa actividade.

Uma forma de apoiares a revista, além da tradução de artigos, será enviares-nos algumas colaborações ou materiais para artigos, fazeres uma assinatura, angariares assinantes. Lutamos com grandes dificuldades financeiras, como calculas.

E por agora é tudo. Fico à espera de notícias tuas. Aceita um abraço do camarada

[i] NOTAS

Carlos Brito – líder parlamentar do PCP revisionista.

FP-25 (Forças Populares 25 de Abril) – grupo clandestino inspi rado nas ideias do “poder popular de base” que nos últimos 6 anos praticou uma série de atentados contra capitalistas, latifundiários, contra a NATO, etc. Desmantelado pela polícia, os seus activistas estão e ser julgados como “terroristas”, junta- mente com Otelo Saraiva de Carvalho, acusado de ser o “mentor” da organização.

ORA (Organização Revolução Armada) – grupo dissidente das FP-25 surgido em 1986 e que pretende dar continuidade às acções armadas “excitativas”.

SIS (Serviço de Informações de Segurança) – embrião de uma nova polícia política, que tem na chefia um colaborador da antiga PIDE de Salazar.

FAP (Frente de Acção Popular) – primeiro grupo maoista surgido em Portugal em 1964, de tendência guerrilheirista. Destruído pela polícia em 1966.

LUAR (Liga de União e Acção Revolucionária) – grupo armado surgido em 1968, liderado por socialistas radicais. Dissolveu-se algum tempo depois do 25 de Abril.

ARA (Acção Revolucionária Armada) – destacamento criado pelo PCP em 1970, levou a cabo atentados e sabotagens à guerra colonial.

BR (Brigadas Revolucionárias) – braço armado do PRP (Partido Revolucionário do Proletariado), de tendência anarquizante, actuaram no início dos anos 70.

 

[1] NOTAS

Carlos Brito – líder parlamentar do PCP revisionista.

FP-25 (Forças Populares 25 de Abril) – grupo clandestino inspi rado nas ideias do “poder popular de base” que nos últimos 6 anos praticou uma série de atentados contra capitalistas, latifundiários, contra a NATO, etc. Desmantelado pela polícia, os seus activistas estão e ser julgados como “terroristas”, junta- mente com Otelo Saraiva de Carvalho, acusado de ser o “mentor” da organização.

ORA (Organização Revolução Armada) – grupo dissidente das FP-25 surgido em 1986 e que pretende dar continuidade às acções armadas “excitativas”.

SIS (Serviço de Informações de Segurança) – embrião de uma nova polícia política, que tem na chefia um colaborador da antiga PIDE de Salazar.

FAP (Frente de Acção Popular) – primeiro grupo maoista surgido em Portugal em 1964, de tendência guerrilheirista. Destruído pela polícia em 1966.

LUAR (Liga de União e Acção Revolucionária) – grupo armado surgido em 1968, liderado por socialistas radicais. Dissolveu-se algum tempo depois do 25 de Abril.

ARA (Acção Revolucionária Armada) – destacamento criado pelo PCP em 1970, levou a cabo atentados e sabotagens à guerra colonial.

BR (Brigadas Revolucionárias) – braço armado do PRP (Partido Revolucionário do Proletariado), de tendência anarquizante, actuaram no início dos anos 70.

 

Cartas a MV – 54

Francisco Martins Rodrigues 

Carta a MV (57)

22/2/998

Meu caro.

A PO 63 seguiu já há dias, deves ter recebido. Vão agora 2 exemplares de cada dos
últimos livros editados pela Dinossauro. Se precisares mais, diz. Estamos a racionar um pouco porque fizemos só 500 de cada, para cortar despesas e agora arranjámos um novo distribuidor a quem vamos entregar 400 de cada, pouco sobra para a distribuição interna. Mandei já 3 exemplares, salvo erro, ao Tom Thomas.

Agora estou a pedir com urgência e premência peças de teatro, poesias ou outros
textos do Brecht, para considerarmos a hipótese de editar um volume por ocasião do centenário que está a passar. Aqui está praticamente tudo esgotado. Podias escolher algumas coisas dele que achasses mais explosivas e mandar-nos? Soube que as obras dele em França foram em grande parte lançadas por uma editora Arche, deves conhecer. Claro que a ideia é fazer traduções sem pedir direitos, se não torna-se incomportável. Não me deixes pendurado![1]

Tenho visto pelas fotos , apelo e outros materiais que tens enviado que a luta dos
desempregados está aí a aquecer. Já não veio a tempo de meter na PO. Eu traduzi e condensei um extenso artigo do Courant Altematif. E a propósito: porque não preparamos o Contraponto 4 com materiais sobre o desemprego na Europa? Nada mais actual. Deves ter muitos elementos. O que é preciso é decidir depressa porque os meses passam.

Na próxima PO publicaremos uma carta do Claude Bitot, que mandou para o
Monde Diplomatique e de que eles só transcreveram uma parte. E uma boa resposta a essa canzoada que por aí a ganir contra os horrores do comunismo. Só num ponto discordo dele e di-lo-ei na revista: é absurdo criticar os bolcheviques por terem tomado a cabeça da revolução e terem tentado levá-la o mais longe possível. Nesse ponto é que o homem descarrila. Como se a opção não fosse entre isso ou traírem as massas que queriam pão, terra e sovietes. As coisas correram mal não por culpa deles mas porque a revolução não dava para mais.

Junto devolvo uma carta para ti que abri por não saber que era pessoal. Um abraço

——————-

[1] Veio a ser editado nesse ano de 1998 pela Dinossauro o livro Brecht. Poesia – Textos – Teatro, “selecção de poesias, textos e peças de teatro radiofónico de um dos mais importantes e influentes autores do século XX”, segundo o catálogo editorial. (Nota de AB)..

 

 

Cartas a MV – 51

Francisco Martins Rodrigues 

Carta a MV (54)

14/2/1997

Caro M:

Estamos apreensivos pela tua falta de notícias. Temos recebido alguns materiais teus (com destaque para os do negacionismo) mas nada de cartas nem de notícias.

Temos sido abordados por alguns assinantes do “Contraponto” que estranham que não tenha saído mais nenhum número e se sentem defraudados. Tens o nº 3 em preparação? Precisas de algum apoio em traduções, etc.? Diz alguma coisa.Mando junto algumas publicações que te podem interessar e uma carta para ti.

A PO 58 será expedida na próxima semana. Teve algum atraso devido a acumulação de trabalho e também a problemas familiares que me têm ocupado demasiado. De qualquer forma, conseguimos recuperar colaboradores que ultimamente estavam a falhar. Acho que não está mal. Fiz um bocado à pressa, como de costume, um artigo lançando alguma polémica com o Bitot, que, a meu ver, desvaloriza enormemente a questão do imperialismo. Espero que ele reaja bem e que a polémica se desenvolva.

Pelo lado da Dinossauro é que não vamos bem. Depois do enorme esforço que representaram para nós os últimos lançamentos (anunciados na PO 57) fizemos contas com a distribuidora e chegámos à conclusão de que temos que parar, pelo menos por alguns meses. As tiragens são pequenas, a tipografia leva muito dinheiro pela impressão e encadernação e a distribuidora já exige 54/o do preço de capa e alargou o prazo de pagamento de 60 para 90 dias, quando não são 120… Tirando a Viagem pela América de Che Guevara, todos os outros nossos títulos saem mal. Mesmo Os meus anos com o Che, em que púnhamos esperanças de recuperar algum dinheiro, está a vender pouco. Esperemos que com o correr do ano e o aniversário da morte do Che, haja maior interesse.

Tem havido alguma agitação operária, sobretudo no Norte, sobretudo mulheres, por causa dum célebre decreto “socialista” da “semana de 40 horas” que, em concreto, está a levar os patrões a considerarem como paragem do trabalho as pausas que até aqui eram pagas. Mas o panorama geral continua o mesmo. Os camionistas estão a contagiar-se um pouco com a greve que agora passou para Espanha mas uma tentativa de bloquear a estrada, ontem, perto de Vilar Formoso, foi logo reprimida com GNRs e cães. Fora disso, são os desfalques e roubos do costume, a bola e a bola…

Quando pensas vir a Portugal? Manda notícias. Abraços para ti e para a V.

Cartas a MV – 48

Francisco Martins Rodrigues

Carta a MV (53)

16/1/1995

 Caro M:

Continuo a receber materiais teus a um ritmo estonteante, o que é óptimo. Só me falta uma prosa tua para a próxima P.O., será que ainda desenrascas algo? Fecho impreterível no dia 24 do corrente.

E uma bela notícia, essa de que virás para cá por um ano. Decerto vão-se arranjar tarefas para te ocupar: o nosso glorioso partido é vasto e conduz actividades em muitas frentes, desde a teoria da revolução ao anti-racismo, desde uma empresa de edições a comités regionais em quase todo o território…

Por agora podes parar com o envio de originais para eventual tradução, pois o nosso conselho de leitura (que por sinal é formado pelas mesmas pessoas que compõem o conselho de redacção da P.O., o corpo de funcionários políticos, a equipa técnica, a contabilidade e o serviço de distribuição) já está submergido por materiais a examinar. Temos a sair um livro dum autor brasileiro-moçambicano[1], que é uma recolha de depoimentos sobre a guerra colonial, em cujo lançamento vamos apostar em força. É a guerra vista pelo outro lado, com episódios tenebrosos mais do que suficientes para deixar engasgados os patriotas cá do sítio que já se aventuram a falar outra vez do “espírito universalista dos portugueses”. Do livro do Thomas[2] envio-te 5 exemplares, para as primeiras impressões. Vou mandar também 3 para o autor (foi o que ele pediu). Do livro “Coração Forte”, igualmente cinco exemplares.

Acabo de receber o teu postal alarmado. Não, não estou doente. Estou em pânico, porque tenho falta de material para fechar a P.O. Desencava aí por favor uma prosa urgente e brilhante. Estou a ver se amanho um artigo sobre o “Marx em liberdade vigiada”, a propósito dos rapazes intelectuais que começam a conceder que “o velho até acertou nalgumas coisas”, desde que se dê como assente que a revolução proletária nunca mais! Também quero ver se faço alguma coisa à altura dos últimos movimentos operários, na Marinha Grande e Pejão (mineiros), deves ter lido algo: cargas da polícia, respostas duras dos operários, marchas sobre Lisboa. Parece haver sinais de que algo muda na disposição dos proletas, fartos de fome e pontapés. Veremos se tem sequência.

Escreve. Um abraço

——————-

[1] Licínio de Azevedo, autor de Coração Forte, ed. Dinossauro, 1994. O título da edição original moçambicana é Relatos do povo armado, ed INLD, Maputo, 1976 (N. de AB)

[2] A Ecologia do absurdo, ed. Dinossauro, 1994. (N. de AB)

Cartas a MV – 46

Francisco Martins Rodrigues

Carta a MV (51)

11/10/1994

Camarada Dinossauro Excelentíssimo:

Tenho visto pelos teus cartões que continuas a gozar férias a um ritmo apreciável e em sítios maravilhosos. E a revolução, como é? Ficas à espera que a gente faça aqui o trabalho todo? Bem podes ir esperando… Ao ritmo que isto por aqui vai, nem no ano 3000. Tirando a revolução da ponte, de que deves ter ouvido falar, todas as outras frentes de luta não dão luta. Neste momento, espera-se pela resposta das centrais sindicais a um plano de “concertação social” do governo absolutamente cínico e miserável, com aumentos de 2,5% (!!), mas pelas conversas moles que os líderes apresentam na televisão é de prever que não vão fazer nada.

Uma boa notícia, ontem, foi a ocupação das instalações da Rodoviária do Sul pelos operários, que sequestraram os administradores durante algumas horas e acabaram por ser expulsos pela polícia. Se houvesse meia dúzia de acções deste tipo, esta burguesia borrava-se toda. Eles fartam-se de dizer que a retoma dos negócios já começou mas o pagode, na parte que lhe toca, não nota retoma nenhuma.

De política, não falemos. O grande desafio, ao nível do PS é saber se vai optar por um oposicionismo sentimentaloide, como querem os soaristas, ou por uma linguagem tecnocrática, europeísta e abertamente reaccionária, como quer o Guterres, para ganhar as boas graças das grandes companhias. Há entre eles grandes divergências sobre
qual a fórmula que dará mais votos (porque é só de votos que se trata, evidentemente, o programa de governo é o mesmo, para Soares, Guterres ou Cavaco). Divergem também sobre qual a melhor maneira de engolir o PC: a chicote ou com abraços. Se continuarem a lutar nos próximos meses, quem vai ganhar as eleições por maioria absoluta é outra vez o Cavaco, a não ser que as dificuldades económicas empurrem as massas para a esquerda.

Outra grande “batalha em perspectiva é a entrada em cena dos aspirantes à corrida presidencial de 96: Jorge Sampaio, um social-democrata chato e sem imaginação, ou Eanes, o eterno general bronco, que o PSD estaria disposto a patrocinar. Estamos bem entregues.

O teu longo artigo sai nesta P.O. (para a semana) dividido em dois: Panamá e Pasqua, espero que aches bem. Agora há que começar a redigir para o próximo número, tem que cá estar até 15 de Novembro, o mais tardar, se não queres voltar a ser inscrito na lista dos redactores a abater.

Parecem-me até certo ponto justificadas as tuas objecções à associação de desertores (da qual, aliás, não voltei a ouvir falar), mas não me pareceu que a iniciativa estivesse a ser apadrinhada pelo Forum Cívico Europeu. Apenas o Zé Mário aproveitou o empurrão dado por esses tipos para pôr em movimento a ideia da associação, o que, se trouxesse a público o debate sobre a guerra colonial e os crimes, ajudaria a descomprimir a atmosfera. De qualquer modo, o medo é muito e o desinteresse maior, pelo que a ideia não conseguiu grandes ecos até à data.

Estive hoje com um nosso assinante de Paris, JR, ex-cabo da Força Aérea, ex-funcionário do PC, ex-preso político, que vive aí há já uns dez anos. É pessoa interessante; embora ainda preso à formação revisa, tem postura dissidente e simpatias anarco-trotsko-maoístas, não sei se me entendes. Se algum dia lhe quiseres falar ou mandar materiais, a morada é: (…).

Obrigado pelo Althusser, estou a penetrar nos meandros da sua história, mas devagar, para não ter algum acesso de loucura.

E que tal os pecadilhos de juventude do “mon ami Mitterrand”? O Bochechas deve estar embatucado com as proezas do seu amado líder e mentor espiritual. Não tarda, vais vê-lo a desfilar atrás do cortejo fúnebre, comovidíssimo. Aceita um grande abraço, até breve.

 

Cem vítimas do fascismo

Francisco Martins Rodrigues

Distribuído no 1º de Maio de 1994

O regime de Salazar-Caetano foi ou não fascista? A PIDE foi ou não
uma organização de assassinos? Estas parecem ser as grandes questões
em debate, neste 209 aniversário do 25 de Abril. Para avivar a memória
dos “distraídos”, recordamos os nomes de cem vítimas, extraídos de um
folheto publicado em 1974 pela Associação de Ex-Presos Anti-Fascistas.
Com uma pergunta: os que se sacrificaram pela liberdade merecem
o espectáculo vergonhoso a que se assiste de reabilitação do
fascismo?
Continuar a ler