Cartas a MV – 29

Francisco Martins Rodrigues

Carta a MV (34)

15/4/1992

Caríssimo:

Agora que a P.O. 34 foi para o correio, já posso pôr a correspondência em dia. Estás recomposto do desastre de ter perdido a bagagem? E de saúde, tudo bem? Eu continuo na maior.

P.O. – Espero que já tenhas recebido os 2 exemplares pedidos da P.O. 33. Da P.O. 34 seguiram 5 para a tua morada, mais um para o “Albatroz”. Como deves observar, estamos com dificuldade para fazer avanços teóricos. Falta de tempo, falta de gente. Aproveitei as tuas notas sobre o Amazonas e pus o teu nome a assinar comigo um artigo sobre o assunto. Correcto? Agora fico à espera de mais produção tua para o próximo nº, até 15 de Maio. Não esqueças!

Caso Joel Lamy – Fiz um artigo na P.O. 34 e enviei-lhe um postal para a prisão.

Marrocos – Com os materiais que me enviaste, fiz cartas às “forças vivas” cá da terra, desde o presidente da República, Assembleia, Amnistia Internacional, agência Lusa, jornais, denunciando as torturas, etc. e pedindo divulgação. Silêncio sepulcral! Ninguém disse nada, deve haver recomendações para não desfeitear sua majestade o torcionário em vésperas de visita (ainda não foi marcada data). Entretanto, recebi mais correspondência de Marrocos e vou fazer mais uma circular, a ver se furo o bloqueio.

Albatroz – suponho que estejas a lutar para o pôr na rua. Não escrevi nenhuma colaboração porque também não me deste um ultimatum com uma data precisa, e a tendência é para ficar à espera do último prazo. Francamente, também não estou a ver o que interesse mais para os teus leitores. Dá-me um palpite. Diz-me o que há.

Assinatura – Talvez tenhas recebido um aviso de fim de assinatura, enviado pelos nossos zelosos serviços administrativos. Não ligues.

PC(R) – seguem junto recortes do “Expresso” e da “Sábado” com entrevistas do Eduardo Pires, sobre a dissolução do partido. Lamentável. A “Sábado” tem umas declarações minhas, muito truncadas e com a cara do Tomé!

Situação política – Da situação internacional não digo nada; tu é que tens obrigação de me informar. A situação nacional está bastante repugnante: só se fala de altos negócios, corrupções, e intriguinhas políticas reles. As velhas famílias de tubarões, Mello, Champalimaud, Espírito Santo estão a refazer os seus impérios graças às privatizações. O governo, que andou uns anos a subornar os eleitores com concessões, para garantir a vitória nas eleições, agora está a pôr as contas em dia: aumento de preços e de impostos, tecto salarial. As pessoas não protestam; queixam-se, lamentam-se, e daí não passam.

 Em 21 de Março houve uma manifestação de protesto da CGTP; não chegou a mil pessoas. Um fiasco como nunca se tinha visto. Acho que já ninguém espera nada da CGTP. Quanto à UGT, além de furar as reivindicações, anda envolvida em casos mafiosos de roubos, que comentámos na última P.O., mas as pessoas verificam que é aceite pelo poder e portanto aceitam-na! De referir apenas uma boa e longa greve do Metro, com uma unidade fora do vulgar e contrariando inclusive decisões amarelas das duas centrais. Protestos há, sim, mas de sectores da burguesia que estão a ser atropelados pela integração europeia: professores, agricultores, magistrados, pequenos industriais… Os estudantes animaram o ambiente durante umas semanas com os seus protestos contra as restrições de acesso à Universidade e o aumento das propinas, mas é sol de pouca dura. Para onde vamos? Se a recessão europeia comprometer os planos de ajuda ao capitalismo nacional, as falências das pequenas e médias empresas podem tomar um ritmo assustador, e não sei como conseguirá o poder reintegrar toda a gente que está a ser mandada para a rua: têxteis, calçado, metalurgia, etc. Por enquanto o desemprego ainda não assusta. Seja o que deus quiser.

Os dissidentes social-democratas do PCP (Judas, Barros Moura) vão constituir um grupo político. Será a semente dum PS “de esquerda”, mais vocacionado para receber a herança do PCP quando o velho arrumar as botas? Em princípio, parece ter um espaço, mas não lhes vejo genica para isso. Por nós, seria bom que se metessem todos a negociantes e não viessem criar novas expectativas em alguns trabalhadores. O terreno da esquerda está quase todo varrido. Agora só falta nós tomarmos posse dele…

Quando cá vieres temos que trocar ideias sobre a hipótese duma revista não partidária, de esquerda, para penetrar mais longe do que a P.O., que continuaria, mais vocacionada para o debate ideológico. Não sei se estás a ver a ideia. Só falta dinheiro e gente… Um abraço, até breve.  

Cartas a JCC

Francisco Martins Rodrigues

Carta a JCC (1)

22/3/1989

Camarada:

Correu muito bem o Encontro de sábado na Casa da Imprensa, com mais de uma centena de pessoas. Foi decidido avançar com a Frente da Esquerda Revolucionária para as próximas eleições, como talvez já tenhas sabido pela imprensa ou pela rádio. Mando junto o Apelo lá aprovado, com um pedido: caso estejas de acor­do, assinares e recolheres assinaturas de apoio, para dar um impulso a esta candidatura que se vai ver cercada pela hostilidade da UDP e do PSR, além dos outros, mas que pode dar saída a umas afirmações de esquerda que estão a fazer falta. Temos uma sessão marcada para a Voz do Operário na noite de 24- de Abril, seria bom se cá estivesses a apoiar. Também, evidentemen­te, te peço apoio financeiro, o que esteja ao teu alcance. Diz-me o que pensas disto tudo.

Com um abraço e esperando ir em breve visitar-te aí

 Carta a JCC (2)

1/4/1989

Camarada:

Como te disse o Lgo e terás visto nos jornais, vamos para as eleições com uma fren­te da Esquerda Revolucionária, cujo objectivo é fazer um ataque forte à CEE. e ao governo, assim como à oposição paralítica. Estamos a discutir o manifesto-programa e a lista dos candidatos. Será que tu ou os teus camaradas daí propõem al­gum nome como independente para fazer parte da lista? Precisamos de saber urgentemente. Que es­pécie de colaboração estão dispostos a dar? Poderão mandar uma delegação com uma mensagem ao comício na Voz do Operário de 24 Abril? Seria muito importante.

Mando-te o texto de apoio que está a circular e será publicado nos jornais em anúncio. Podes recolher assinaturas, tanto de no­mes conhecidos como de apoiantes em geral? O li­mite para a devolução é 20 Abril. Outra coisa, mas que poderemos preparar com mais tempo, é a recolha de denúncias fortes, depoimentos, etc., para lançar no tempo de antena. Espero poder ir aí conversar convosco antes de dia 24. Um abraço

 Carta a JCC (3)

15/5/1989

Caro Camarada:

Espero que tenhas recebido uma encomen­da que te enviámos com manifestos da FER. Preve­mos a ida aí do camarada SG, no próxi­mo domingo dia 21, para discutir as possibilida­des de apoio vosso à campanha eleitoral da FEE, em especial a possibilidade de fazer uma sessão de propaganda ou até criar uma comissão local de apoio.

Escrevo-te também pele seguinte: marcá­mos para o dia 28 de Maio, domingo, um almoço de apoio à FER que será simultaneamente de protesto contra a recuperação do Salazar e dos faxos. Ha­verá uma intervenção do Varela Gomes e vamos pro­curar obter cobertura da TV, rádio e imprensa. Seria importante que estivesses presente com ou­tros camaradas daí, ou pelo menos enviassem uma mensagem para tornar público. Que dizes? 0 SG discutirá contigo todos os problemas. Vis­te na televisão a queima do boneco que fizemos na Praça da Figueira? Vamos enviar mais material. Um abraço

 Carta a JCC (4)

14/6/1989

Caro Camarada:

Deves estar surpreendido e confuso pelas notícias sobre a nossa saída da FER. Foi muito chato mas não tivemos outra alternativa porque os golpes eram constantes e não tínhamos força para obrigar os tipos da LST a respeitar os acordos que tinham assinado connosco. O nosso erro foi acreditar que haveria um mínimo de lealdade. Dentro de dias receberás a PO com informações e um artigo sobre o assunto.

De qualquer maneira, gostaria na mesma do fazer aí una reunião convosco depois disto passado. O S irá aí logo que possa.

Um abraço do camarada

 Carta a JCC (5)

20/12/1990

Caro Camarada:

Espero que já tenhas recebido a PO 27 e visto a “Resposta aos comunistas americanos”, produto final dos debates que vínhamos fazendo uns meses, Que achas? Fizemos uma sessão no dia 14 contra a guerra do Golfo o que não teve di­reito a notícia na imprensa mas que foi boa, com 100 pessoas presentes. Pensa-se em convocar uma manifestação, porque os riscos aumentam e as pessoas estão insensíveis. Haverá condições para uma sessão sobre o assunto aí (…)? Poderia aí ir eu com mais alguma pessoa da CCIG[i]. Por favor escreve ou telefona e diz o que pensas.

Atenção: o nosso telefone agora já não é (…) . A melhor hora ê das 17 às 20 heras todos os dias úteis.

Abraços para ti e para todos os camaradas

PS – Segue encomenda com boletim “Denúncia”.

Carta a JCC (6)

12/6/1991

Camarada:

Envio pele carreira da Rodoviária um envelope contendo 5 ex. da PO 30, para a hipótese de poderes vender (ou oferecer) aí a pessoas conhecidas. Segue também um boletim duma comissão lançada por nossa iniciativa com a colaboração de outras pessoas, para fazer campanha contra o nacionalismo e o racismo. Tu verás o que te pare­ce. Pensamos na hipótese de recolher assinaturas para o texto ou para uma versão melhorada. Esta­rias interessado em assinar e recolher assinatu­ras? Diz alguma coisa.

Anteontem, 10 de Junho, fizemos uma exposição no Parque Eduardo VII, à entrada da Feira do Livro, desmascarando os Des­cobrimentos. Foi um êxito. Vamos continuar. Conse­gues que a exposição vá aí (…), a uma escola ou à biblioteca?

Foi pena não teres vindo ao lanche do 1º de Maio, juntaram-se uns 40, bastantes dos velhos tempos, numa de confraternização. Não deixes de dar notícias. Um abraço

 Carta a JCC (7)

7/11/1991

Camarada:

Li a tua mininota que deixaste na cai­xa do correio. Foi pena não nos apanhares. Estáva­mos & contar contigo para animares o debate sobre a URSS mas não apareceste.

Que tal te pareceu a última PO? Vamos fazer assim: como tu não tens pachorra para escrever, um dia que venhas a Lisboa telefonas para o (…) (eu agora paro aqui bas­tante), vens cá e ditas-me os teus palpites que eu escrevo directamente no computador. Podes falar sobre tudo o que quiseres, desde as broncas do Monterroso[ii] até à crise do marxismo. E já agora fazes uma assinatura da P.O. para mostrares a tua sim­patia por esta excelente revista. Agora a sério, precisamos de assinantes.

Quando vocês acharem que vale a pena eu ir aí para um papo, digam. Leste o boletim do MAR? Poderia fazer-se aí uma pequena reunião com pessoas interessadas nas questões do racismo? Temos tido alguns contactos interessantes em Coimbra e no Porto. Um abraço. Telefona.

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[i] Comissão Contra a Intervenção no Golfo, que mais tarde se chamaria CCG (Comissão Contra a Guerra). (Nota de AB).

[ii] O antigo presidente socialista da Câmara da Nazaré, Luís Monterroso,  com vários outros autarcas, mantinha`na altura laços duvidosos e nunca devidamente esclarecidos pelas autoridades judiciárias com a Gitap/Oficina de Eventos, empresa controlada e administrada pelos irmãos José e Álvaro Geraldes Pinto – dois engenheiros e militantes socialistas originários da zona da Covilhã, de onde são também naturais os dirigentes António Guterres e Luís Patrão. O Partido Socialista recebeu importantes apoios para as eleições da parte da Gitap, que controlava o mercado de estudos e projectos das câmaras do PS. (Nota de AB).

 

Oposição precisa-se

A AD aí está com as tripas à mostra. Há que concordar que não é um espectáculo bonito.

O Balsemão, que prometera governar-nos por quatro anos sai ao fim de sete meses. Nunca te arrependas, rapaz! Vai com Deus!

Foi uma decisão muito digna, garantem os amigos. Que tem, de resto, a vantagem de passar a bola a outro, agora que vem aí o impopular pacote dos preços, em Setembro. Quem vai agarrar a batata quente?

Os barões pepedês, os magnifícios, reuniram 30 horas a fio “com alto espírito de militância”, segundo consta. Estavam lá todos, o Eurico, o Carlinhos Macedo, o Ângelo, o Amândio, o Cavaco, a Helena temperamental — tudo rapaziada fina. Só não se esfaquearam porque estava gente a olhar.

O Freitas, depois de puxar o tapete debaixo dos pés do parceiro, vem dizer, protector, que ele não governou mal e que não tem de que se envergonhar. Cada vez mais parecido com o Salazar, este Freitas! Vocês repararam no outro dia na televisão como ele até lhe imita a vozinha aflautada?

Aí estão os estadistas eminentes, os altos pensadores políticos, que definhavam por falta de condições para salvar o país. Agora já têm um balanço para apresentar. De cabeça erguida.

“Estabilidade”: crise permanente, rasteiras, intrigas reles. “Seriedade”: EPAC, casinos da Torralta, os aumentozitos dos deputados, o Abecassis a facilitar umas concessões publicitárias aos cunhados, a Mafia no Alentejo, os 800 contos para o filme sobre Sá Carneiro. “Recuperação”: aumentos de preços todos os quinze dias.

A AD é a nossa burguesia em corpo inteiro: mesquinha, obtusa, corrupta até à medula. A única coisa que aprendeu com o 25 de Abril foi ser mais sórdida ainda, se possível. O lema é enriquecer depressa, aviar o farnel antes que se acabe o forrobodó.

E enquanto eles discutem se a culpa da crise é do Balsemão, político de carregar pela boca, do Freitas, mais guloso pelo poder do que macaco por banana, ou do Eurico, que pensa que vai governar o país como governa as suas fábricas têxteis — enquanto eles se esfarrapam, cada um a querer mostrar aos Mellos, ao Champalimaud, aos americanos, que é o gerente ideal — nós, o que fazemos?

Porque uma coisa é verdade: o Governo caiu de podre, não porque a Oposição o derrubasse. As greves, o descontentamento geral, a aversão aos ricos que cresce outra vez nas oficinas, nos bairros de lata, nas aldeias, como há dez anos — quem lhes pega?

Em Marcha, s. d.