Cartas a JV – 10

Francisco Martins Rodrigues

Carta a JV – 10

8/12/1993

Caro Amigo:

Não sei donde partiu o atraso mas a tua carta datada de 22 Novembro só me foi entregue no Correio em 6 Dezembro. Já temos a P. O. na tipografia e não nos foi possível incluir nada dos elementos que mandaste. Sobre a greve da Air France, felizmente, o MV mandou uns comentários que publicámos com destaque. Aqui também houve “bernarda” com os trabalhadores da TAP, mas o pessoal mostrou muito menos combatividade que o daí. De qualquer modo, o apertar da crise obriga o ambiente social a mudar lentamente. Para já, quem aparece na ribalta são os estudantes, cujas manifestações devem ter obrigado o Cavaco a uma remodelação governamental,, que deu um sinal de fraqueza. O homem até agora fazia gala da sua firmeza de rocha, de modo que esta cedência talvez lhe vá tirar muita da confiança quase supersticiosa que a pequena burguesia tinha nele – a admiração pelo “homem forte”. A oposição está ao ataque, tentando capitalizar tudo o que puder dos resultados das eleições autárquicas – a campanha eleitoral, desta vez, é um carnaval imbecil, com “debates” na televisão com as claques a gritar por um ou por outro dos candidatos e a agitar bandeirinhas, numa algazarra infernal em que se faz tudo menos debater seja o que for. Um espectáculo miserável, que dá bem a medida da democracia a que temos direito.

De qualquer modo, por enquanto é cedo para saber se é irreversível a crise do governo. Só se a situação económica tiver agravamentos dramáticos. Para já, além da TAP, houve alguns protestos operários (que a imprensa, como de costume, “desdramatiza” o mais possível), nomeadamente uma marcha de fome de vidreiros da Marinha Grande para Lisboa e uma greve “selvagem” dos portuários de Setúbal, greve na Lisnave, etc. As centrais não assinaram a concertação social (ou 4% ou nada, disse o governo) e falam em greve geral mas de forma mole e indecisa. Em Espanha já está marcada para Janeiro, mas lá a situação é sempre mais agitada e desperta do que aqui. Aqui, num resumo que pode ser muito subjectivo, eu diria que o governo está mais ameaçado pelos estudantes, médicos, juízes, empresários agrícolas, do que pelos operários e assalariados. E no entanto, a situação destes vai-se tomando dramática. Coisas…

Pela nossa parte, de novo apenas um convite que recebemos, a Ana e eu, para intervirmos numa semana de debates sobre o centenário de Mao, realizada pela Biblioteca-Museu da Resistência, organismo dependente da Câmara de Lisboa. Outros participantes (em dias diferentes!) são o Arnaldo de Matos, Pacheco Pereira e Pedro Baptista (ex-OCMLP). Pelo menos, estão convidados, não sei se vão. Decidimos aceitar, embora o público seja restrito, para valorizar o Mao revolucionário dos primeiros anos e fazer fogo contra a bronca ironia com que os tipos do PS e do PC falam da revolução chinesa, como se fosse uma anedota.

Espero que a Fora do Texto mande o teu livrinho (costumam mandar sempre) e far-lhe-emos referência sem falta. Também espero poder aproveitar a tua sugestão de publicar algum extracto dos teus artigos como carta. Faço votos por que tudo vos corra bem. A P.O. deve estar a sair da tipografia. Abraços para ti e para a S. de todos nós.

Cartas a HN – 1

Francisco Martins Rodrigues

Carta a HN – 1

19/3/1995

Caro Amigo:

A sua carta foi uma agradável surpresa. Não é todos os dias que nos chegam saudações tão amigas e calorosas como a sua. O nosso pequeno núcleo editor da P.O. conta com apoios e colaborações preciosas mas infelizmente escassas e, ao longo destes dez anos que já levamos de caminho, cada vez mais escassas. Vivem-se tempos em que o comunismo não está na moda e as pessoas arredam-se de nós, umas por preconceito, outras intimidadas com a campanha da comunicação social, todas achando-nos mais ou menos excêntricos ou antiquados, por teimarmos em dizer coisas óbvias. Mais saborosa por isso a sua carta, que espero não seja a última.

Pelo que me relata fico com uma ideia dos baldões que deve ter sofrido, aliás como quase todos os aderentes dos grupos ML. Foi uma corrente de ideias que não vingou, embora tenha dito muita coisa acertada e desempenhado um certo papel durante a agitação de 74/75; tendo sido um dos seus iniciadores no nosso país, custa- me reconhecê-lo mas não posso deixar de o fazer.

O mal de partida (em que tenho a minha pesada parte de responsabilidade) foi pensar-se que a crítica à degeneração evidente da URSS devia traduzir-se pelo apoio incondicional ao período anterior (Staline) e aos que mantinham essa bandeira: a China, primeiro, a Albânia, depois. Ora, isso continha um compromisso no qual se deixou ir por água abaixo a capacidade de crítica marxista radical com que tínhamos partido e nos fomos cegando aos poucos, até que a corrente ML se desagregou no meio duma confusão tremenda, que não teria sido inevitável, mesmo que houvesse um recuo temporário.

Houve, é claro, os estragos causados pelos oportunistas. Houve quem fizesse muita trampolinice com o marxismo-leninismo enquanto se julgou que era produto com saída assegurada no mercado, que permitia agrupar umas tantas pessoas, fazer uns comícios e ganhar o apoio de algum país “socialista”. Isto aplica-se a quase todos os grupos, uns em maior, outros em menor grau. Quando veio a derrota do movimento e a desilusão, os que mais se tinham destacado em declarações inflamadas contra a burguesia e o imperialismo sentiram-se obrigados a renegar bem alto, para terem direito a sentar-se à mesa…

Mas misérias destas são inevitáveis em período de agitação, todo o processo revolucionário tem os seus parasitas. Pior foi a falta de lucidez marxista dos sinceros marxistas (e aqui contra mim falo). Tardámos muitíssimo em compreender as chamadas sociedades socialistas, em saber combinar a defesa intransigente das revoluções que lhes deram origem (russa, mas também chinesa, cubana, etc.) com uma crítica igualmente intransigente aos regimes que delas resultaram. Não percebemos que esses regimes eram transitórios, híbridos, e, como tal, iriam desaguar no grande rio do capitalismo. Tardámos em compreender que o fracasso dessas revoluções não foi culpa dos comunistas ou devido a traição deste ou daquele dirigente, mas porque as condições de atraso desses países não lhes permitiam dar o salto que os explorados e os comunistas desejavam. Marx já tinha dito que não se podia esperar a transformação comunista antes de se passar pela explosão produtiva que o capitalismo traz e o próprio Lenine fartou-se de fazer avisos sobre as limitações da revolução bolchevique, que foram depois considerados pessimistas.

Como não chegámos a uma visão de conjunto, coerente, do que eram essas sociedades, oscilámos entre posições igualmente erradas – uns desculpando tudo o que vinha da “pátria do socialismo”, outros considerando-a como “o inimigo principal dos povos”, outros ainda convencendo-se de que a China “boa” jamais seguiria as pisadas da URSS, etc. Foi preciso a derrocada do “campo socialista” para olharmos todo o processo com maior distanciamento e frieza. Agora que se fechou o parêntese, verifica-se que era Marx que tinha razão e que os marxistas não lhe deram ouvidos. Escrevo um pouco sobre tudo isto num artigo que Fiz para a próxima P.O. e que espero que leia. Temos muito orgulho na nossa P.O., em que andamos a batalhar desde 1984, mas não temos ilusões de que o nosso trabalho nestes dez anos no campo do marxismo-leninismo tenha sido alguma coisa do outro mundo. Temos progredido muito mais devagar do que seria necessário. E nestes períodos de refluxo da revolução que se pode aproveitar melhor o tempo para fazer balanços e traçar ideias gerais úteis num próximo ascenso, mas os nossos balanços e programas estão muito inacabados. Se daqui amanhã rebentasse uma nova grande comoção proletária e popular neste país (do que estamos bem livres pelos anos mais chegados…), os comunistas iam ver-se outra vez em palpos de aranha: como assegurar no partido comunista uma boa combinação de centralismo com democracia? como fugir à inevitável tendência de apodrecimento do movimento sindical? como explorar em nosso proveito a farsa das eleições burguesas? como evitar a hegemonia pequeno- burguesa sobre as massas proletárias? como conduzir o movimento revolucionário a fazer frente à repressão burguesa e a encaminhar-se para a conquista revolucionária do poder? como fazer vingar uma autêntica democracia proletária que não se deixe cair sob a pata da burocracia?

Já se sabe que estes problemas são para resolver na luta, não em gabinete, mas é preciso que os erros do passado estejam devidamente apontados e “catalogados”, para evitar que o movimento os repita por falta de conhecimentos. Uma das manifestações mais duras que encontrei do atraso do marxismo no nosso país e na nossa extrema-esquerda foi ver a ingenuidade arrogante com que militantes nascidos no calor da luta achavam que o caminho se descobre espontaneamente e olhavam desconfiados para as minhas preocupações “teoricistas” e “livrescas”. Enquanto o nosso movimento operário for dominado por esse culto da ignorância não poderá ir muito longe. Falta-nos ainda muito para chegar a algo que se possa chamar a “fusão do marxismo com o movimento operário”.

É claro que é preciso acompanhar o sentir do movimento, manter laços com ele, aprender com as suas lutas e nesse aspecto o balanço do nosso grupo também é modesto. Como somos um grupo reduzido (mais reduzido agora do que quando começámos), temos dificuldade em estar presentes nas lutas que se travam e em fazer agitação nos meios operários. A esse propósito, não sei se tem alguma disponibilidade para recolher alguma entrevista ou depoimento de trabalhadores emigrados aí na Suíça, seria uma boa ajuda para nós. Temos aí em Genève um camarada que já nos tem obtido algumas colaborações interessantes mas há muito tempo que não dá sinal de vida.

Para além da revista, cuja distribuição é outra luta que enfrentamos a cada número, lançámo-nos no ano passado no campo da edição de livros. Junto um catálogo para lhe dar a conhecer o que já fizemos e o que temos em preparação. Fora disso, há intervenções no plano sindical, na luta contra o racismo (que vai crescendo a olhos vistos), mas tudo em escala muito incipiente.

Agradeço muito a oferta do livro “Fin del capitalismo”, de que nunca tinha ouvido falar; vou lê-lo atentamente e passá-lo aos outros camaradas do comité de redacção para se analisar da vantagem e possibilidade duma edição portuguesa.

Não sei se esta carta, escrita a correr, lhe deixa alguma impressão de pessimismo, mas se for esse o caso, não se preocupe; é jeito meu ver mais os erros do que os acertos. No balanço final, sou firmemente optimista quanto à inevitabilidade de deitarmos para o lixo o capitalismo e passarmos a viver como seres humanos, em comunismo. E esse de facto o único assunto que me interessa, de há uns 50 anos para cá.

Aceite as minhas saudações calorosas.

Cartas a MV – 8

 Francisco Martins Rodrigues

Carta a MV (12)

12/12/1986

Caríssimos:

Respondemos à vossa carta de 15 Novembro (…).

A PO nº 7 sai amanhã. Vamos enviar-vos 10 exemplares, conforme combinado. Seguem também os 5 exemplares que faltavam da PO nº 5 e 25 da PO nº 1. O artigo de fundo desta PO é sobre Staline e os processos de Moscovo. Por ter sido acabado à última hora, já não foi possível enviar-vos o projecto para darem opinião. Mas queremos muito que digam o que vos parece. Julgo que, de qualquer maneira, alguma coisa avança quanto à posição ML sobre Staline. Pôs-se aqui a hipótese de se seria possível vocês passarem para francês o arti­go ou extractos, a fim de poder ser distribuído a MLs de diversos países. Tu dirás o que te parece.

Com vistas à PO n° 8 (Janeiro-Fevereiro), pedimos que prepares uma “Carta de Paris” – a crise estudantil e as dificuldades do governo Chirac parecem coisas importantes que mereceriam um bom comentário. Ao teu cuidado. Com fotos boas, se possível. Pedimos também que nos envies logo que possível o artigo teórico que saiu na “Pravda” sobre a actualização do marxismo e o perigo das guer­ras de libertação nacional. Foi aqui referido na imprensa mas muito brevemente. Gostaríamos de ter o texto para comentar e supomos que terá saído aí no “Monde” ou noutros jornais. Nesta PO 8 vamos tra­tar com certo desenvolvimento o 9º congresso do PTA e o 5º congres­so do PC(R), que acaba de ter lugar. Seria um número um pouco cen­trado na crítica à corrente ML. Para o nº 9, estamos a iniciar o estudo colectivo da revolução cultural chinesa. Como sempre, pedimos que colabores com tudo o que queiras e possas, inclusive em polémica com artigos que têm saído.

Contactos europeus – chegaste a encontrar-te com dirigen­tes da OCML-VP em 28 de Novembro? Há alguma reacção à circular em francês que lhes enviaste? E do MM, há alguma resposta? A hipótese de eu ir aí em Janeiro por enquanto é muito hipótese, seria preciso que se confirmasse o projecto dos iranianos sobre o seminá­rio internacional, o que até agora não é o caso porque não soubemos mais nada. Não sabemos se andam nas diligências “diplomáticas” jun­to dos diversos grupos ou se desistem da ideia por agora. Aguardamos notícias.

Encontro sindical – Foi bastante positivo e deu uma po­lémica esclarecedora, como poderás ver por um longo artigo que vem nesta PO 7. A polémica polarizou-se entre nós, à esquerda, e o PSR à direita. Estamos a preparar a Tribuna Operária nº 2, que publicará uma versão final das nossas teses sobre a corrente sindical de es­querda. Está-se a formar em volta da “TO” uma rede de amigos e cor­respondentes espalhada por diversos pontos do país, muitos deles ex-UDPs que andavam à deriva. Só não avançamos mais depressa por escassez de forças mas estamos animados.

Presos – deves ter visto que foi pedida uma pena de 20 anos para o Otelo. Continuamos a participar na comissão de soli­dariedade e em breve enviaremos o boletim “Denúncia” nº 3, para fa­zeres aí a circulação que te for possível. Tem havido mais prisões e as perspectivas das FP-25/ORA parecem sombrias. Embora critique­mos a ideologia da “acção directa” como uma variante “explosiva” do oportunismo (deves ter visto na PO), continuamos a desmascarar a campanha antiterrorista e a solidarizarmo-nos com os presos.

Infraestruturas – continuamos a lutar desesperadamente para pagar as dívidas da máquina e obter o máximo de trabalho para a rentabilizar. Só nos falta pagar uma letra mas temo-nos endivida­do junto de vários amigos porque a carga é pesadíssima. Esperamos lá para Março-Abril estarmos donos definitivos da máquina e com a situação financeira mais desafogada. De toda a maneira, estamos a fazer o que julgávamos impossível: pagar a máquina no prazo de pou­cos meses. O FM veio-nos pedir orçamento para a revis­ta mas quando lho demos desistiu logo, porque julgava que nós fa­zíamos um “preço de amigos” – quase de borla. A expansão da PO não tem progredido e tivemos que adiar o plano que tínhamos de uma cam­panha de publicidade na imprensa por ocasião do 1º aniversário – os preços são exorbitantes. Fizemos cartazes e tarjas de propaganda que temos colado nas paredes. Vimos a tua boa iniciativa do dossier de propaganda.

O resto do trabalho vai andando. Não alargamos mas man­temos. A Tribuna Coumnista não tem saído por absoluta falta de for­ças. Fazias-nos jeito cá. Mais dois pedidos: da colecção de Documen­tação sobre o Leste, um volume sobre a escala salarial na URSS. E a defesa da srª Chiang Ching em tribunal, que. nos seria útil para o artigo sobre a revolução cultural. Vi a revista que mandaste “Archimède et Leonard” mas é complexa demais para o meu entendimento. Também vi a tua poesia vicentina mas está num português di­ficílimo.

Um último pedido: podem enviar-nos alguma contribuição financeira nesta altura de fim de ano, subsídios de Natal, etc.? Precisamos de todo o apoio possível.

Abraços de todos nós

Cartas a MV – 6

Francisco Martins Rodrigues

Carta a MV (9)

26/6/1986

Camaradas:

Temos recebido livros, revistas e bonecos do M, mas só uns pequenos bilhetes a acompanhá-los e não a carta detalhada que postaríamos de ter da vossa parte, para nos apercebermos melhor dos vossos problemas e perspectivas de actividade. Soubemos pelo R que pensam vir aqui em fins de Julho e esperamos nessa al­tura ter um dia para uma discussão a sério de todos os nossos problemas. Seria bom que nos avisassem com antecedência do dia que terão disponível para estar em Lisboa connosco.

A seguir damos as notícias mais importantes sobre o que es­tamos a fazer.

PO nº 5 – Enviamos pelo R apenas 3 exemplares porque sa­bemos que têm bastante dificuldade em colocá-la aí. Se estiverem de acordo, será esta quantidade que pastaremos a enviar. Este número saiu com algumas semanas de atraso por dificuldades de to­da a ordem, mas parece-nos que mantém o nível dos anteriores; ainda não é desta que entramos nos grandes problemas de fundo, mas a pressão dos acontecimentos e o quadro reduzido dos nossos redactores não nos deixou fazer melhor. Como verão, temos um novo colaborador, MC, de quem vocês se devem lembrar. Está disposto a fazer uma série de artigos e a sua perspectiva parece-nos correcta. E colaborações do M? Não compreendemos por que não mandas nada, nem que seja a Carta de Paris. Só se é por não gostar de nós.

Decidimos adiar o nº que calhava no período de férias porque a venda seria muito difícil. O nº 6 sairá em fins de Setembro-princípios de Outubro e tentaremos aproveitar este intervalo maior para trabalhar alguns artigos mais de fundo e, se possí­vel, fazer um nº melhorado para comemorar este primeiro aniver­sário. Discutiremos convosco o sumário e a v/colaboração.

Pensamos também fazer na altura uma campanha de publicidade para tornar a revista mais conhecida. As vendas têm tido uma certa quebra, que aliás esperávamos: houve um movimento inicial de curiosidade que levou a esgotar o nº 1. Mas à medida que um certo número de pessoas de tendência social-democrata se aperceberam da orientação da revista, deixaram de a comprar. Estamos a colocá-la numas 25 livrarias de Lisboa, mais umas 20 na provín­cia, mas a venda principal é a venda militante. Temos umas 100 a 150 de sobras, que se vão vendendo depois lentamente. Aproveita­mos manifestações, Feira do livro, etc., para mostrar a revista a público. O desafio que temos pela frente é descobrir os leito­res de esquerda que ainda ignoram a nossa existência e isso de­pende sobretudo da acção militante.

Assembleia – depois de vários adiamentos, realiza-se em definitivo nos próximos dias 5 e 6 de Julho. Já conhecem o relatório de actividade da direcção que vai ser discutido. Seguem junto as Tribunas nº 6 e 7 e, se possível, ainda vos enviaremos antes da­quela data outras duas que devem sair com materiais para discus­são. A Assembleia está a ser preparada por uma comissão organi­zadora com dois elementos da direcção e três dos núcleos para assegurar completa democracia. Temos feito diversas reuniões preparatórias envolvendo a maioria dos camaradas. Principais problemas em debate, para além dos que estão no relatório;

  • definição da situação de diversos camaradas que têm fun­cionado na prática mais como simpatizantes do que como membros da OCPO. Lutamos pela aplicação do artº 1º dos estatutos, tentando ganhar todos os camaradas como mem­bros activos, mas não conseguiremos evitar que alguns pas­sem a simpatizantes, porque é esse o seu desejo. Ê o caso do R. Como não há perspectivas imediatas de recruta­mento e entretanto já perdemos alguns outros camaradas, esta situação preocupa-nos. O principal é mentalizar o conjunto dos camaradas para a ideia de que não há nada de dramático na situação de sermos um pequeno grupo, combater o pânico. Há épocas para estar num partido e há épocas pa­ra estar num grupo.
  • a atitude perante as eleições (as que houve e as que pode­rá voltar a haver dentro de meses) tem gerado bastante po­lémica. Embora todos concordem em que essa não é neste mo­mento uma questão prioritária para nós, dada a nossa es­cassíssima influência, o certo é que em torno da abstenção ou não abstenção se geram divergências. A direcção não foi capaz de apresentar um balanço de sua autoria e iremos con­frontar opiniões pessoais; em todo o caso, não pensamos que as divergências sobre esse assunto se tornem graves,pelo menos nos tempos mais próximos.

Quanto à futura direcção, procede-se a consultas e a co­missão organizadora apresentará uma lista de candidatos à Assembleia. O G saiu da direcção há já meses por razões que todos consideraram injustificadas; na realidade, segundo pensamos, porque nunca se sentiu bem com essa res­ponsabilidade; o ZB teve que emigrar para a Suíça à procura de trabalho por se encontrar em situação aflitiva; está agora connosco (partiu um pé e veio-se tratar cá) mas voltará para lá mais 3 meses, a cumprir um contrato. Está moralizado e garante-nos que estará aqui de vez em Outubro. Os restantes continuam a funcionar, mas muito as­soberbados com trabalho, sobretudo desde que nos começámos a meter mais na intervenção política.

A vossa participação na Assembleia poderá fazer-se, de acor­do com os estatutos, através do voto por correspondência, com quaisquer declarações que entendam úteis e que serão levadas ao conhecimento da Assembleia. Achamos de bastante interesse que o façam, tanto sobre o relatório da direcção como sobre outros as­suntos. Se ainda nos for possível, enviar-vos-emos os projectos de moções que vão ser postos à votação, para que se pronunciem por carta. Achamos que o vosso afastamento não deverá impedir a vossa participação no essencial dos trabalhos.

Internacional – como tínhamos informado, estiveram entre nós dois dirigentes do MLP dos EUA, com quem tivemos uma semana de discussões bastante frutuosas; quando nos encontrarmos em Julho poderemos informar detalhadamente do que se tratou. Para já, re­sumidamente, podemos dizer que há um acordo no essencial; o en­tendimento do marxismo-leninismo como a demarcação nítida dos interesses do proletariado e portanto, a crítica às correntes burguesas democráticas, nacionais, etc., a crítica à linha do 7º congresso da IC, a crítica ao rumo da União Soviética desde os anos 30, a crítica ao PTA, a crítica às revoluções tipo sandinistas, etc. Alguns pontos em que fazemos apreciações diferentes: a corrente ML é ML com erros (tese deles) ou é apenas centrista? centralismo de­mocrático significa monolitismo (tese deles) ou esse conceito deve ser rejeitado? Os últimos 50 anos tiveram grandes vitórias (tese deles) ou devem considerar-se 50 anos de derrotas? não in­teressa destrinçar qual dos dois blocos é mais perigoso (tese deles) ou deve-se dizer que o imperialismo EUA é o principal inimigo?

Vamos continuar a debater mas ficámos com uma impressão geral bastante boa. Eles publicaram recentemente um longo artigo no jornal deles a nosso respeito. Infelizmente não temos cópia feita para vos enviar, mostrar-vos-emos quando cá vierem.

Quanto ao PC do Irão, como já dissemos antes, entrou em con­tacto connosco e mandou-nos muito material que estamos a estudar. Parece-nos ter algumas fraquezas teóricas, como poderão ver pelos extractos do programa que publicamos na PO 5 mas é um partido com real base de massas e que se bate de arrumas na mão contra o Khomeiny. Do PC da Nicarágua (ex-MAPML) é que ainda não obtivemos nada mas, pelo que temos lido, parece-nos ser um partido sério, que conjuga uma posição anti-imperialista inequívoca com uma crí­tica aberta aos sandinistas e às suas incoerências.

Tribuna Operária – seguem junto 3 exemplares do nº 0, que temos estado a fazer circular entre sectores operários que toca­mos, para ver se ganhamos base de apoio para a sua edição defi­nitiva. Só por nós não podemos fazer um jornal destes: precisamos de recolher notícias e informações de muitas empresas e ter uma rede de difusores. Vamos usar estes meses do Verão para tentar criar uma equipa de redacção e difusão, com vistas a iniciar pu­blicação regular em Outubro. Está em preparação um encontro sin­dical com activistas de vários pontos do país (alguns deles ex-UDPs) para Setembro. A dificuldade aqui resulta do facto de a ini­ciativa ser disputada por outros agrupamentos e nós não queremos fazer um consórcio de grupos, que acaba sempre em guerras.

O almoço comemorativo do centenário do 1º de Maio, de que já tínhamos falado, fez-se com 130 pessoas, na maioria operários, e intervenções dos representantes dos vários grupos promotores. Teve um efeito positivo na ideia de que se pode começar a reagru­par a esquerda.

Técnico/finanças – acabamos de dar um novo “grande salto em frente” com a troca da máquina da composição por outra mais evo­luída que nos permitirá agarrar encomendas de livros e trabalhos de mais vulto. Evidentemente, empenhámo-nos até a raiz dos cabe­los (mais uma vez) mas pensamos não estar a ser aventureiros. SÓ o futuro o dirá, e o nosso esforço, evidentemente; discutiremos também este assunto convosco quando cá estiverem. Recebemos os dois vales que mandaram (…) que saldaram as vossas dívidas em publicações. Vocês dir-nos-ão em Julho se têm possibilidade de manter uma quotização regular.

Bonecos Zav – receamos que Zav esteja desgostoso com o pouco apro­veitamento que temos dado aos bonecos. Isto não resulta de de­sinteresse da nossa parte. Pelo contrário, temo-los apreciado atentamente porque sentimos muito a necessidade de comentários gráficos; os reparos que têm sido feitos aos bonecos são os se­guintes; o humor amargo e por vezes brutal (o que  é um de­feito) torna-se em muitos casos difícil de apreender pelo lei­tor comum; as críticas a acontecimentos nacionais surgem com muito atraso, perdendo actualidade; há um certo número de piadas relativas à emigração que só se justificariam como ilustração a um artigo sobre o assunto (ex: a excelente venda de emigrantes às postas) mas a dificuldade é que não temos cartas de Paris.

Propomos pois que o Zav se procure inspirar em temas (nacio­nais ou internacionais) tratados na revista, que não sejam de mera conjuntura eleitoral, para não sofrerem com a perda de ac­tualidade. Sugestões: o povo espera pacientemente na bicha da sopa dos pobres que Cavaco, Soares, Eanes, etc. decidam nos seus congressos se vão aliar-se ou guerrear; parabéns ao gene­ral Pedro Cardoso, super-comandante da nova PIDE; 183 novos de­sempregados em cada dia – avançamos aceleradamente para níveis europeus; Cunhal nega terminantemente que existam divergências no PCP, enquanto atrás da cortina se esmurram eurocomunistas e “ortodoxos”; etc, etc. Também as questões internacionais poderiam ser tema para bonecos: como o massacre dos presos políticos no Peru pelo social-democrata Alan Garcia, na presença da social-democracia internacional; os massacres de negros na Africa do Sul, etc, etc.

Por agora é tudo. Acabamos esta carta para a entregar ao R, que vai partir. Até breve, abraços para vocês de todos nós.

Carta a MV (10)

28/8/1986

Caros camaradas:

Recebemos ultimamente, além do “Monde” e da “Afrique-Asie”, cinco números da revista ’’Cause du Communisme” e as outras publicações.

A questão principal que gostaríamos de ver em andamento são os contactos directos com o OCML-VP e com os representantes do PCI, conforme debatemos no nosso encontro.

Em relação aos primeiros, estamos a estudar a revista e podere­mos depois pôr algumas questões por escrito. Para já, gostaríamos de conhecer a razão por que não se referem ao movimento ML e ao PTA e se têm alguma posição definida a esse respeito. Não sabemos se esse silêncio, da parte de um grupo já estabilizado e com vários anos de existência, significa desinteresse ou vacilações no corte. Mandamos junto um resumo da nossa opinião sobre o movimento ML, que poderias pôr em francês e que serviria também para o teu contacto com os apoiantes do PCI. Seria bom se conseguisses, a partir desse resumo, ter uma discussão com alguém responsável da OCML.

Vemos também que a OCML faz ura apreciação muito positiva da revolução cultural chinesa. Gostaríamos de ler algum trabalho que tenham sobre o assunto. Outra sugestão: estariam eles interessados em publicar no “Partisan” ou na “Cause du Communisme” algum artigo da PO que tu ou a R lhes traduzissem? Nós encaramos a hipó­tese de publicar alguma coisa deles.

O objectivo essencial seria, através de um debate com alguém responsável da OCML e falando tu como representante da OCPO, ficar­mos com uma ideia mais precisa do que são e abrirmos caminho a um encontro formal de delegações, que se poderia fazer aqui ou em Pa­ris. Seria bom também que averiguasses se têm conhecimento e o que pensam dos posições do MLP, EUA.

Quanto ao grupo de apoio ao PCI, deverias dizer-lhes que rece­bemos a carta deles, que estamos a receber os materiais do comité exterior em Estocolmo (“Bolshevik Messsge” e “Report”), dar-lhes o mesmo resumo das nossas opiniões sobre a corrente MI. (fizeram-nos perguntas a esse respeito) e procurar travar debate com eles.

A preparação da PO 6 está atrasada. Cá estamos à espera da certa de Paris (urgente!) e de bonecos do Zav. Enviaremos 10 ex. como pediste. Da lista de livros que te entregámos, destacamos o Castoriadis, que valeria a pena comprar (usado?).

E é tudo. Abraços para os três. Vemo-nos em Dezembro?

 Sobre a corrente ML

Desde a nossa constituição como grupo independente, há cerca de 18 meses, informámos os partidos ML das razões da nossa ruptura com o PC(R) e propusemos a troca de publicações e o debate. Apenas com uma excepção, não nos responderam.

Verificamos que o conjunto dos partidos ML não admitem qualquer investigação crítica ao processo de degeneração da União Soviética, a Staline, ao 7º– congresso da IC, à teoria das “democracias populares”, à política do PTA, etc. Temos conhecimento de que numa reunião de 10 partidos ML realizada em Outubro de 1935 em Quito (Equador), o MLP/EUA e a OCPO foram denunciados como forças “provocatórias” por terem abordado publicamente estas questões.

Nestas condições, parece-nos irrealista esperar que os partidos da chamada corrente  ML possam evoluir para posições revolucionárias consequentes. Em nossa opinião, trata-se de uma corrente centrista decadente que de marxista-leninista só tem o nome e que se mantém à sombra do PTA, como sua força dc apoio externo.

A chamada corrente ML constitui-se herdeira de todos os des­vios do movimento comunista internacional que nos anos 30-50 es­tiveram na origem do revisionismo moderno. Defende em palavras a política leninista de hegemonia do proletariado mas aplica na prá­tica a política stalinista-dimitrovista de “frente popular” e de “democracia popular”, visando a formação dum bloco operário-pequeno-burguês. Denuncia o maoísmo mas adopta a política  maoísta de apoio às burguesias nacionais dependentes. Proclama o marxismo-leninismo como “doutrina sempre jovem e científica” mas mantém uma atitude dogmático-praticista face à evolução da luta de classes. Declara-se fiel ao centralismo democrático mas suprime a democra­cia interna no Partido para defender o seu oportunismo.

Apesar do esforço para ocultar as divergências crescentes, a corrente ML está a ficar dividida em duas alas: uma, mais acentuadamente oportunista, constituída pelos “incondicionais” do PTA: PC do Brasil, PC(R) de Portugal, PC da Dinamarca, etc. Destaca-se nesta corrente o PC do Brasil, pela força com que exporta as suas próprias posições extremamente oportunistas de aliança com a bur­guesia liberal. 0 PC do Brasil teve um papel preponderante na de­generação oportunista do PC(R) e na nossa expulsão desse partido. Possuímos documentação, de que podemos ceder fotocópias, sobre a política do PC do Brasil.

A outra, ala, que agrupa actualmente a maioria dos partidos (PCs de Espanha, França, Suécia, Equador, México, Japão, Colômbia, etc.) faz algumas demarcações indirectas e cautelosas em relação ao nacionalismo da política albanesa, mas nenhuma crítica de princípios ao oportunismo, como se constata pela revista internacional que editam, “Teoria e Prática”. Nesta ala, o PC de Espanha (m-l) tem sido o mais agressivo no esforço para isolar as posições de esquerda.

O PC da Nicarágua (ex-MAP-ML), que tem aparecido associado a esta corrente, mantém ao mesmo tempo relações com o MLP/EUA e, no terreno de política interna, faz uma crítica à pequena burguesia sandinista que nos parece correcta. O PC do Japão (Esquerda), tam­bém associado a esta corrente, parece ter desistido por completo das análises críticas que há anos iniciara ao passado do movimento comunista internacional.

Concluímos que a actual corrente ML não pode dar origem a uma nova corrente comunista. Só a afirmação e a ampla divulgação de posições narxistas-leninistas consequentes pode tornar-se um pólo de atracção das forças revolucionárias, cortar caminho à prolife­ração do oportunismo e precipitar a crise do centrismo pseudo-ML.

Por isso atribuímos a maior importância ao debate e à troca de documentos entre os partidos e grupos que iniciaram a crítica às origens do revisionismo moderno. No que se refere aos artigos até agora publicados na nossa revista “Política Operária”, não nos é possível de momento traduzi-los mas procuraremos, na medida do possível, fornecer-vos resumos do que nos parece mais importante.

Propomos pois à vossa organização a troca de documentos e o início dum debate sobre as grandes questões do Movimento ML, como a tarefa mais urgente para a elaboração de uma plataforma comunista internacional, sem a qual é impossível a reorganização do movimento comunista.

 

 

Cartas a MV – 5

Francisco Martins Rodrigues

Carta a MV (8)

28/5/1986

 

Caros camaradas:

Ainda não recebemos resposta à nossa carta de 14 de Fevereiro e estamos muito preocupados com o vosso silêncio tio prolongado. Esperamos que não seja motivado por quaisquer problemas pessoais graves nem por desinteresse em relação ao nosso projecto. Escrevam mesmo só umas linhas para sabermos que estão bem. Temos recebido os vossos jornais e revistas e enviámos há dias para a vossa mo­rada o último nº 2 daPO”. Algumas notícias:

Solidariedade contra a repressão – organizámos, em colaboração com elementos independentes, FUP e trotskistas e também com a UDP, uma associação que lançou um abaixo-assinado e um boletim, de que enviamos exemplares. Desfilámos no 25 de Abril com faixas da “Po­lítica Operária” e juntos com as famílias dos presos da FUP. Esti­vemos na vigília de Caxias, na véspera do 25 de Abril e lemos lá uma saudação da OCPO. Parece-nos que a luta contra a repressão se torna importante, dado o avanço do regime na criação de estrutu­ras de polícia secreta. Poderão vocês aí em Paris fazer alguma agitação em torno do problema, criar algum comité de apoio, etc.?

Almoço-debate de 5 de Maio – também em colaboração com inde­pendentes, FUP e trotskistas (mas neste caso sem a participação da UDP), lançámos um manifesto conjunto sobre o centenário do 1º de Maio, organizámos a participação conjunta na manifestação da CGTP e vamos fazer um almoço-debate comemorativo, que se espera que tenha de 150 a 200 pessoas. Esperamos com estes contactos “sair da casca” e conhecer gente desorganizada de esquerda com quem possamos trabalhar.

Jornal sindical – já vos falámos deste projecto na nossa car­ta anterior. Fizemos uma reunião em Setúbal com alguns elementos interessados e estamos a procurar criar uma base de ligações que permita a sua edição. Seria uma espécie de Tribuna das empresas, com denúncias, coisa que aqui não existe e faz uma falta tremenda. Estamos a preparar um nº 0, experimental, para ganhar mais apoios.

Assembleia – Está marcada definitivamente para 7-8 de Junho a nossa 2ª Assembleia anual, que discutirá o relatório de activi­dade da direcção, questões de linha política e elegerá a nova di­recção. Enviamos por correio separado a “Tribuna Comunista” nº 5 com os primeiros materiais para discussão. Pedimos que leiam es­tes documentos e nos façam chegar as vossas opiniões, a tempo de serem tomadas em consideração na Assembleia.

Internacional — temos mantido contactos estreitos com o Marxist-Leninist Party dos EUA e vamos receber no dia 16 de Maio um diri­gente deste partido. Preparamos os pontos para debate neste encontro. Informaremos depois do resultado. Começámos também a corresponder-nos com o PC do irão, que nos enviou grande quantidade de publicações que estamos a estudar. Como podereis ver pelo relató­rio, pensamos que começam a surgir perspectivas para um reagrupamento de uma nova corrente comunista internacional independente dos oportunismos do PTA, PC do Brasil ,etc.

Situação financeira – estamos prestes a assinar um contrato pa­ra fazer diversos livros até ao fim do ano, o que nos exigirá e permitirá trocarmos a máquina de composição actual por outra me­lhor. O negócio envolve mais 2.000 contos, mas é a única maneira de ficarmos equipados a sério e podermos aceitar todas as encomendas de trabalhos comerciais. Como calculam, isto é vital para ga­rantirmos a continuidade e independência do nosso projecto. No relatório da direcção à Assembleia, poderão ver os números prin­cipais das nossas contas neste ano de existência.

Neste momento, estamos a apelar à elevação das contribuições e à actualização das que estão em atraso, para podermos fazer face a este novo desafio (…)

E é tudo. O ZB está a trabalhar na Suíça, esperamos que possa regressar brevemente, logo que faça unas massas. Está lá também o ZM quo nos escreveu e apoia a revista. Pe­dimos que não se ocupem a mandar o “Parti san” (passámos a receber directamente) e a “Teoria y practica” (vamos fazer assinatura). Escrevam depressa. E mais bonecos? Um abraço

Carta a MV (9)

26/6/1986

Camaradas:

Temos recebido livros, revistas e bonecos do M, mas só uns pequenos bilhetes a acompanhá-los e não a carta detalhada que postaríamos de ter da vossa parte, para nos apercebermos melhor dos vossos problemas e perspectivas de actividade. Soubemos pelo R que pensam vir aqui em fins de Julho e esperamos nessa al­tura ter um dia para uma discussão a sério de todos os nossos problemas. Seria bom que nos avisassem com antecedência do dia que terão disponível para estar em Lisboa connosco.

A seguir damos as notícias mais importantes sobre o que es­tamos a fazer.

PO nº 5 – Enviamos pelo R apenas 3 exemplares porque sa­bemos que têm bastante dificuldade em colocá-la aí. Se estiverem de acordo, será esta quantidade que pastaremos a enviar. Este número saiu com algumas semanas de atraso por dificuldades de to­da a ordem, mas parece-nos que mantém o nível dos anteriores; ainda não é desta que entramos nos grandes problemas de fundo, mas a pressão dos acontecimentos e o quadro reduzido dos nossos redactores não nos deixou fazer melhor. Como verão, temos um novo colaborador, MC, de quem vocês se devem lembrar. Está disposto a fazer uma série de artigos e a sua perspectiva parece-nos correcta. E colaborações do M? Não compreendemos por que não mandas nada, nem que seja a Carta de Paris. Só se é por não gostar de nós.

Decidimos adiar o nº que calhava no período de férias porque a venda seria muito difícil. O nº 6 sairá em fins de Setembro-princípios de Outubro e tentaremos aproveitar este intervalo maior para trabalhar alguns artigos mais de fundo e, se possí­vel, fazer um nº melhorado para comemorar este primeiro aniver­sário. Discutiremos convosco o sumário e a v/colaboração.

Pensamos também fazer na altura uma campanha de publicidade para tornar a revista mais conhecida. As vendas têm tido uma certa quebra, que aliás esperávamos: houve um movimento inicial de curiosidade que levou a esgotar o nº 1. Mas à medida que um certo número de pessoas de tendência social-democrata se aperceberam da orientação da revista, deixaram de a comprar. Estamos a colocá-la numas 25 livrarias de Lisboa, mais umas 20 na provín­cia, mas a venda principal é a venda militante. Temos umas 100 a 150 de sobras, que se vão vendendo depois lentamente. Aproveita­mos manifestações, Feira do livro, etc., para mostrar a revista a público. O desafio que temos pela frente é descobrir os leito­res de esquerda que ainda ignoram a nossa existência e isso de­pende sobretudo da acção militante.

Assembleia – depois de vários adiamentos, realiza-se em definitivo nos próximos dias 5 e 6 de Julho. Já conhecem o relatório de actividade da direcção que vai ser discutido. Seguem junto as Tribunas nº 6 e 7 e, se possível, ainda vos enviaremos antes da­quela data outras duas que devem sair com materiais para discus­são. A Assembleia está a ser preparada por uma comissão organi­zadora com dois elementos da direcção e três dos núcleos para assegurar completa democracia. Temos feito diversas reuniões preparatórias envolvendo a maioria dos camaradas. Principais problemas em debate, para além dos que estão no relatório;

  • definição da situação de diversos camaradas que têm fun­cionado na prática mais como simpatizantes do que como membros da OCPO. Lutamos pela aplicação do artº 1º dos estatutos, tentando ganhar todos os camaradas como mem­bros activos, mas não conseguiremos evitar que alguns pas­sem a simpatizantes, porque é esse o seu desejo. Ê o caso dc R. Como não há perspectivas imediatas de recruta­mento e entretanto já perdemos alguns outros camaradas, esta situação preocupa-nos. O principal é mentalizar o conjunto dos camaradas para a ideia de que não há nada de dramático na situação de sermos um pequeno grupo, combater o pânico. Há épocas para estar num partido e há épocas pa­ra estar num grupo.
  • a atitude perante as eleições (as que houve e as que pode­rá voltar a haver dentro de meses) tem gerado bastante po­lémica. Embora todos concordem em que essa não é neste mo­mento uma questão prioritária para nós, dada a nossa es­cassíssima influência, o certo é que em torno da abstenção ou não abstenção se geram divergências. A direcção não foi capaz de apresentar um balanço de sua autoria e iremos con­frontar opiniões pessoais; em todo o caso, não pensamos que as divergências sobre esse assunto se tornem graves, pelo menos nos tempos mais próximos.

Quanto àfutura direcção, procede-se a consultas e a co­missão organizadora apresentará uma lista de candidatos à Assembleia. O G saiu da direcção há já meses por razões que todos consideraram injustificadas; na realidade, segundo pensamos, porque nunca se sentiu bem com essa res­ponsabilidade; o ZB teve que emigrar para a Suíça à procura de trabalho por se encontrar em situação aflitiva; está agora connosco (partiu um pé e veio-se tratar cá) mas voltará para lá mais 3 meses, a cumprir um contrato. Está moralizado e garante-nos que estará aqui de vez em Outubro. Os restantes continuam a funcionar, mas muito as­soberbados com trabalho, sobretudo desde que nos começámos a meter mais na intervenção política.

A vossa participação na Assembleia poderá fazer-se, de acor­do com os estatutos, através do voto por correspondência, com quaisquer declarações que entendam úteis e que serão levadas ao conhecimento da Assembleia. Achamos de bastante interesse que o façam, tanto sobre o relatório da direcção como sobre outros as­suntos. Se ainda nos for possível, enviar-vos-emos os projectos de moções que vão ser postos à votação, para que se pronunciem por carta. Achamos que o vosso afastamento não deverá impedir a vossa participação no essencial dos trabalhos.

Internacional – como tínhamos informado, estiveram entre nós dois dirigentes do MLP dos EUA, com quem tivemos uma semana de discussões bastante frutuosas; quando nos encontrarmos em Julho poderemos informar detalhadamente do que se tratou. Para já, re­sumidamente, podemos dizer que há um acordo no essencial; o en­tendimento do marxismo-leninismo como a demarcação nítida dos interesses do proletariado e portanto, a crítica às correntes burguesas democráticas, nacionais, etc., a crítica à linha do 7º congresso da IC, a crítica ao rumo da União Soviética desde os anos 30, a crítica ao PTA, a crítica às revoluções tipo sandinistas, etc. Alguns pontos em que fazemos apreciações diferentes: a corrente ML é ML com erros (tese deles) ou é apenas centrista? centralismo de­mocrático significa monolitismo (tese deles) ou esse conceito deve ser rejeitado? Os últimos 50 anos tiveram grandes vitórias (tese deles) ou devem considerar-se 50 anos de derrotas? não in­teressa destrinçar qual dos dois blocos é mais perigoso (tese deles) ou deve-se dizer que o imperialismo EUA é o principal inimigo?

Vamos continuar a debater mas ficámos com uma impressão geral bastante boa. Eles publicaram recentemente um longo artigo no jornal deles a nosso respeito. Infelizmente não temos cópia feita para vos enviar, mostrar-vos-emos quando cá vierem.

Quanto ao PC do Irão, como já dissemos antes, entrou em con­tacto connosco e mandou-nos muito material que estamos a estudar. Parece-nos ter algumas fraquezas teóricas, como poderão ver pelos extractos do programa que publicamos na PO 5 mas é um partido com real base de massas e que se bate de arrumas na mão contra o Khomeiny. Do PC da Nicarágua (ex-MAPML) é que ainda não obtivemos nada mas, pelo que temos lido, parece-nos ser um partido sério, que conjuga uma posição anti-imperialista inequívoca com uma crí­tica aberta aos sandinistas e às suas incoerências.

Tribuna Operária – seguem junto 3 exemplares do nº 0, que temos estado a fazer circular entre sectores operários que toca­mos, para ver se ganhamos base de apoio para a sua edição defi­nitiva. Só por nós não podemos fazer um jornal destes: precisamos de recolher notícias e informações de muitas empresas e ter uma rede de difusores. Vamos usar estes meses do Verão para tentar criar uma equipa de redacção e difusão, com vistas a iniciar pu­blicação regular em Outubro. Está em preparação um encontro sin­dical com activistas de vários pontos do país (alguns deles ex-UDPs) para Setembro. A dificuldade aqui resulta do facto de a ini­ciativa ser disputada por outros agrupamentos e nós não queremos fazer um consórcio de grupos, que acaba sempre em guerras.

O almoço comemorativo do centenário do 1º de Maio, de que já tínhamos falado, fez-se com 130 pessoas, na maioria operários, e intervenções dos representantes dos vários grupos promotores. Teve um efeito positivo na ideia de que se pode começar a reagru­par a esquerda.

cnico/finanças – acabamos de dar um novo grande salto em frente” com a troca da máquina da composição por outra mais evo­luída que nos permitirá agarrar encomendas de livros e trabalhos de mais vulto. Evidentemente, empenhámo-nos até a raiz dos cabe­los (mais uma vez) mas pensamos não estar a ser aventureiros. SÓ o futuro o dirá, e o nosso esforço, evidentemente; discutiremos também este assunto convosco quando cá estiverem. Recebemos os dois vales que mandaram (…) que saldaram as vosas dívidas em publicações. Vocês dir-nos-ão em Julho se têm possibilidade de manter uma quotização regular.

Bonecos Zav – receamos que Zav esteja desgostoso com o pouco apro­veitamento que temos dado aos bonecos. Isto não resulta de de­sinteresse da nossa parte. Pelo contrário, temo-los apreciado atentamente porque sentimos muito a necessidade de comentários gráficos; os reparos que têm sido feitos aos bonecos são os se­guintes; o humor amargo e por vezes brutal (o que  é um de­feito) torna-se em muitos casos difícil de apreender pelo lei­tor comum; as críticas a acontecimentos nacionais surgem com muito atraso, perdendo actualidade; há um certo número de piadas relativas à emigração que só se justificariam como ilustração a um artigo sobre o assunto (ex: a excelente venda de emigrantes às postas) mas a dificuldade é que não temos cartas de Paris.

Propomos pois que o Zav se procure inspirar em temas (nacio­nais ou internacionais) tratados na revista, que não sejam de mera conjuntura eleitoral, para não sofrerem com a perda de ac­tualidade. Sugestões: o povo espera pacientemente na bicha da sopa dos pobres que Cavaco, Soares, Eanes, etc. decidam nos seus congressos se vão aliar-se ou guerrear; parabéns ao gene­ral Pedro Cardoso, super-comandante da nova PIDE; 183 novos de­sempregados em cada dia – avançamos aceleradamente para níveis europeus; Cunhal nega terminantemente que existam divergências no PCP, enquanto atrás da cortina se esmurram eurocomunistas e “ortodoxos”; etc, etc. Também as questões internacionais poderiam ser tema para bonecos: como o massacre dos presos políticos no Peru pelo social-democrata Alan Garcia, na presença da social-democracia internacional; os massacres de negros na Africa do Sul, etc, etc.

Por agora é tudo. Acabamos esta carta para a entregar ao R, que vai partir. Até breve, abraços para vocês de todos nós.

 

 

Cartas a MV – 4

Francisco Martins Rodrigues

Carta a MV (6)

18/12/1985

Caros camaradas,

 Cá estou finalmente a dar notícias mais detalhadas, depois de termos acabado com o carroussel da PO2. Aguardamos as vossas opiniões, sugestões e críticas implacáveis.

Foi geralmente considerada melhor que a PO nº 1, pela variedade de temas e realização gráfica mais cuidada, mas estamos conscientes de que ainda temos muito que melhorar. A nossa preocupação maior é evitar cair na superficialidade dos artigos feitos em cima do joelho, estilo “Bandeira Vermelha”, É preciso tempo para discutir, escrever e amadurecer ideias, mas o tempo falta-nos em absoluto porque somos poucos. O comité de redacção vai aprovar um programa de artigos de fundo, para preparar a longo prazo e destacar alguns camaradas para os irem trabalhando. Mandar-vos-emos esse programa e pedimos que vejam se, além das cartas de Paris, podem responsabilizar-se por algum artigo, dossier ou outra coisa de sumo. Há muito para dizer, falta-nos o fôlego.

A distribuição está a melhorar. Este nº já foi para umas 30 em Lisboa, 2 no Porto e outros 30 na província. A venda militante anda pelos 600 exemplares. Do nº 1 ficámos praticamente sem sobras. As vendas a operários são cerca de 30% da venda militante total – número a melhorar. As assinaturas é que vão subindo muito lentamente (até agora cerca de 70), são o nosso ponto mais fraco de difusão. (…)

Quanto aos bonecos, parecem-nos bons e têm sal. O problema é que ficámos com uma escolha limitada, por ser quase tudo sobre emigração ou então temas desactualizados.

 Carta a MV (7)

14/2/1986

Camaradas M e R,

 Temos recebido encomendas vossas, com revistas, jornais e li­vros, mas nada de notícias. Naturalmente os afazeres são muitos mas pedimos que nos escrevam nem que sejam umas linhas para sabermos que tudo vai bem por aí. Enviámos anteontem 15 exemplares da PO3 que acaba de sair, juntamente com um manifesto que editámos sobre as eleições. Passamos aos assuntos principais.

Revista – Interessa-nos muito receber as vossas (e outras) críti­cas, tanto sobre este nº como sobre o nº 2. Apesar das opiniões que nos chegam serem em geral favoráveis, temos consciência de que nos falta bastante para correspondermos ao nosso objectivo. Vai ser preciso um grande esforço sobretudo para atacamos as questões de fundo em aberto na corrente ML, como a degeneração da União Sovié­tica e da China, relações entre imperialismo e social-imperialismo, construção do Partido, perspectivas actuais da revolução, etc.

Nesse sentido, programámos a preparação a médio prazo de alguns artigos de maior fôlego, que tentaremos fazer sair nos próximos números: os processos de Moscovo 1936-38, a revolução cultural na China, a classe operária em Portugal, a guerra civil de Espanha, os 10 anos de democracia burguesa em Portugal… Se nos puderem dar quaisquer sugestões ou enviar materiais para estes temas, seria grande ajuda porque vamos ter grandes dificuldades.

Gostaríamos de saber se podemos contar com colaboração do M. para a PO 4, que já está na forja. Como sairá para a rua em fins de Março, seria interessante que trouxesse um comentário sobre a campanha eleitoral francesa. Mesmo sem poder analisar os resulta­dos (fechamos a redacção a 14 de Março), poderia fazer uma resenha das posições defendidas pelas diversas forças, orientação do PCF, ambiente na classe operária, ponto de vista dos emigrantes, etc. Pode ser? Pedimos resposta urgente.

Há além disso o artigo sobre associativismo dos emigrantes, que gostaríamos de publicar neste nº 4, com as modificações já suge­ridas pela redacção e que o MC expôs em carta anterior. a ideia geral era tornar o artigo mais interessante para o leitor de cá, pouco familiarizado com a questão. Digam-nos urgentemente se poderemos contar com ele. Continuamos muito interessados em bonecos do M. Metemos mais um no nº 3 (com uma pequena adap­tação) e gostaríamos de ter outros que focassem aspectos da situação política nacional ou internacional.       

Situação política – Editámos um manifesto sobre as eleições presidenciais, que segue junto. Não foi fácil chegar a conclusões so­bre a atitude a assumir, porque a situação actual reflecte a perda de espaço político a que chegou a esquerda neste país. A direita apresenta-se com o seu candidato de direita e a esquerda tem que se contentar em apoiar o outro candidato de direita…

As tentativas para apresentar uma candidatura contra o regime não deram nada porque se basearam apenas em reuniões de troskistas, otelistas e alguns independentes. De modo que realizámos uma assembleia em 5 de Janeiro, na qual aprovámos este manifesto por larga maioria, embora houvesse também opiniões favoráveis ao apoio à Pintasilgo, outras pela abstenção em todos os casos e outras no sentido de ignorarmos pura e simplesmente o processo eleitoral. Distribuímos o manifesto nos empresas e nas ruas. A imprensa ignorou-o, como já fizera com o nosso outro mani­festo, quando das legislativas. Agora vamos fazer o balanço aos resultados eleitorais (impossível prever qual dos dois vai ganhar). O ambiente operário é de grande desmoralização por terem falhado todos os planos do PCP, desde há 6 anos, para criar um aliado nos eanistas. O partido eanista parece sem consistência e tudo conti­nuará a jogar—se entre a direita e a social-democracia. A deslocação geral à direita, com um grande entusiasmo da juventude pelo Freitas (!) parece ser o primeiro presente que nos chega da CEE. Vamos continuar no refluxo “peculiar”, como dizia o Arruda.

Trabalho operário – Estamos neste momento a fazer esforços para lançar outra publicação! Pode parecer-vos loucura, mas temos verificado que o trabalho de propaganda feito pela revista precisa de ser completado por uma folha mais fácil, mais noticiosa, mais vi­rada para a luta económica, as denúncias locais, etc. Como não con­cordamos com os camaradas e amigos que gostariam de reduzir a PO a essa função (o que nos levaria a abdicar do projecto inicial de elaboração programática), resolvemos lançar esta folha ou pequeno jornal, para começar mensal. Não terá vinculação pública à OCPO, a fim de poder funcionar como animador da corrente sindical de es­querda que é, com a revista, a nossa grande tarefa.

Quem pode assegurar esta folha? Temos verificado que vários dos nossos camaradas operários estão desaproveitados, assim como ou­tros que andam na nossa orla, e vamos tentar ganhá-los para o pro­jecto. A elaboração e venda da folha poderia servir-nos de veícu­lo para dar corpo a um começo de estrutura nas empresas.

Assembleia anual – Tendo em conta que a OCPO completa um ano de existência em Março, a assembleia de 5 de Janeiro decidiu convo­car para fins de Maio uma assembleia com plenos poderes para dar o balanço ao trabalho realizado neste ano, aprovar documentos políticos e eleger nova direcção. Já está a funcionar uma comissão organizadora desta assembleia, com representantes da direcção e dos núcleos, e será editado o boletim interno de discussão durante o período preparatório. Na impossibilidade de uma participação direc­ta vossa, pedimos que vejam com atenção e dêm opiniões sobre os temas que vão ser tratados no boletim interno e nos projectos, que vos enviaremos à medida que sairem. É importante juntarmos a opi­nião e experiência de todos nós para reflectirmos sobre este ano de actividade e caminhos para a frente.

Situação financeira – A nossa empresa vai singrando, embora não tão depressa como desejaríamos. Sobrevivemos mas não estamos a cres­cer. Falta-nos dinheiro para trocar esta máquina por outra mais ren­tável; enquanto assim for, o volume de trabalho comercial que con­seguimos fazer é limitado. Lançámos no fim do ano uma campanha de contribuições extra para e compra de novo equipamento, que rendeu até agora 100 contos. É muito pouco. Quanto ao sector de impressão, deixámo-lo de parte porque não vemos perspectivas de nos ocuparmos dele num futuro próximo.

Gostaríamos de saber com o que poderemos contar de contribuições vossas e como e quando poderemos recebê-las, uma vez que já não se põe a ideia inicial de comprarem aí o tal pequeno offset. (…)

 Contactos – estabelecemos relações regulares por correspondência com o Marxist-Leninist Party USA, que nos parece um grupo sério, em crí­tica aberta ao centrismo do 7º congresso da IC, PC do Brasil, PTA. Pu­blicam um jornal mensal, “Worker’s Advocate”, no qual se propõem transcrever artigos nossos. Concordam no essencial com o “Anti-Dimitrov”. Estamos em processo de discussão com eles acerca de vários temas: social-imperialismo, centralismo democrático, frente única, apreciação do PTA, etc. Esperamos através deste grupo estabelecer também relações com o MAP da Nicarágua e com um PC do Irão que, se­gundo parece, não é o mesmo que está aí em ligação com o FCOF.

Do resto da corrente ML não nos chegou até agora mais nenhuma reacção. Continuamos a enviar—lhes a revista. Recentemente, tomámos conhecimento através dum camarada na Suíça da existência dum grupo suíço chamado “La cause du communisme”. Sabem alguma coisa a seu respeito?

PC(R) – Temos enviado a revista (nº 2 e 3) em oferta a umas deze­nas de militantes de vários pontos do país. Não há reacções aparen­tes mas sabemos que se atravessa um período de confusão e de certa crise nas suas fileiras por causa das tácticas eleitorais. Depois de ter feito uma campanha abnegada e totalmente bajuladora da can­didatura Pintasilgo, agora está a fazer campanha activa pelo Mário Soares. Pensamos que se está a dar uma gradual reconversão do lu­gar do PC(R) e da UDP, com os direitistas no comando, e que isso poderá eventualmente fazer saltar um ou outro militante com mais instinto de esquerda. Não prevemos contudo rupturas espectaculares, porque sabemos por experiência que o oportunismo é uma questão de hábito: começando a escorregar na ladeira, tudo vai parecendo nor­mal e admissível…

Publicações – Temos recebido jornais e revistas e 2 livros: L’Etat du monde e “Les metamorphoses de ia crise” de Fougeyrollas.

Propomos que concentrem os vossos envios em: boletim do Kessel, Afrique-Asie, Monde Diplomatique, Teoria y Practica, Partisans e Cause du Communisme.(…). 0 Canard e o Libération, só se virem que há algum tema de interesse para cá: do que temos visto, parece-nos que não justifica a despesa.

Poderiam obter-nos e enviar 2 livros de Bebei: A mulher e o so­cialismo e Situação da mulher? Não sabemos se estão esgotados, mas aqui não se encontra.

Por agora, é tudo. Têm algumas notícias do PA? Manda uma revista de vez em quando mas há muito que não escreve. (…)

Ficamos a aguardar notícias vossas. Aceitem os abraços de todos nós.

 

 

Cartas a MV – 3

 Francisco Martins Rodrigues

Carta a MV (5)

18/10/1985

Como vão de saúde? Esperamos que não vos tenha desiludido o nº 1 da PO, de que enviámos 13 exemplares. Para a venda aí vocês verão o preço a fixar, tendo em conta despesas de correio. Se houver aí pessoas a quem vos pareça que vale a pena fazer uma oferta, propondo que se tornem assinantes, não hesitem em fazê-lo. Oferecemos aqui umas dezenas, até para levar a revista ao conhecimento de pessoas que nos interessa tocar. Seguem junto alguns exemplares da carta de oferta e boletins de assinatura. Se precisarem de mais exemplares, apressem-se a fazer a vossa encomenda porque a tiragem está quase esgotada. Temos feito uma boa venda militante em Lisboa e Perto, em empresas e locais de passagem. A saída nas livrarias também tem sido boa, graças às notícias que saíram na imprensa (junto fotocópia).

Seguiu para todos os partidos e grupos M-L, com proposta de permuta, mas até agora sem reposta, à excepção do grupo americano (“Workers’ Advocate”).

A opinião geral dos camaradas e amigos foi bastante favorável. Fizemos no passado dia 12 um encontro a que comparecem, além de membros da OCPO, 15 amigos, sobretudo operários. Discutimos a orientação da revista, as eleições legislativas e problemas do movimento operário. Agora falta vocês também darem as vossas críticas, sugestões e colaborações.

Estamos a preparar o nº 2, a sair em fim de Novembro. Inclui artigos sobre a crise e reconstituição da família na União Soviética, papel dos comités de fábrica e dos sovietes na revolução russa, lutas internas no PCP, crítica à política do PC do Brasil, a restauração do capitalismo na China, actualidade política, entrevista com operários dos STCP, etc. Traz também o segundo artigo sobre a imi­gração em França, adaptado pelo MC a partir do que mandaste. Parece-nos muito interessante incluir uma carta de Paris, comentando questões da actualidade política em França. Pode ser? Seria necessário que cá estivesse até 7-10 Novembro, o mais tardar. Pedimos também ao PA uma carta de Londres mas até agora não temos resposta.

Vamos iniciar neste nº 2 uma secção de cartas, aberta a opiniões polémicas, críticas, sugestões. Se nos puderem enviar as vossas ideias sobre o nº 1 em carta, seria óptimo para publicar. Outro pe­dido urgente: consta aqui, segundo várias fontes bem informadas, que o M é bom caricaturista: será possível contarmos para o nº 2 com alguma caricatura ou desenho teu? Caso seja possível para já, também nos interessaria se nos enviasses bonecos recolhidos na imprensa aí. Queremos muito melhorar o aspecto gráfico e a qualidade das fotografias.

Outros materiais – Recebemos os jornais e revistas do PC do B, que estamos a aproveitar para um artigo. Tudo o que nos possam enviar da imprensa ML é do máximo interesse, para nossa informação e para alimentar a secção do Debate internacional. Lembramos a necessida­de de reatarem o envio dos cadernos de Kessel. Quanto à “Afrique-Asie”, não nos parece que justifique a despesa, porque tem uma in­formação limitada e uma orientação estreita. Se nos puderem mandar alguma coisa com documentação para artigos internacionais, nem que seja o “Monde Diplomatique”, valeria mais a pena.

Quanto a livros, pedimos que o M retome logo que possa o envio das fotocópias de textos da IC, como vinha fazendo. Mando junto uma lista do que recebemos, até agora, para evitar repetições. Além disso, dois títulos em que estamos interessados, se não for muita despesa:

  • biografia de Bukarine pelo prof. Cohen (EUA) – Galimard
  • Robert Linhart – Lénine, les paysans, Taylor – la Brèche, 9, rue Tunis.

Finanças – O RO entregou 2 contos vossos. A nossa empresa gráfica está a andar e temos algumas boas encomendas em perspectiva. Mas para tirarmos todo o rendimento da máquina de composição temos de lhe adaptar um disco especial, que permite gravar todo o texto, fazer emendas, etc., antes de passar ao papel. São mais 500 contos que vamos ter de gastar e estamos a apelar ao apoio de todos os camaradas. Contamos com a vossa boa vontade, na medida das vossas pos­sibilidades. Como a compra do offset parece não se concretizar, pedimos que nos canalizem para cá as vossas quotas ou outras contribuições sempre que possível. As assinaturas da revista são outra forma importante de ajuda e tem que ser feito um grande esforço porque ainda só vamos em 50 assinaturas, o que é ridículo.

OCPO- em reunião recente da direcção verificou-se que a absorção das tarefas de redacção e técnicas-comerciais, embora fosse inevitável, tem provocado um certo esvaziamento da frente da actividade política, sindical, etc., que não têm ganho corpo. Só com tarefas ideológicas e técnicas não se motivam muitos camaradas para uma actividade militante. Decidimos dar maior apoio político aos núcleos e tomar iniciativas para furar no terreno sindical, sem deixar de manter o centro dos esforços na saída e melhoria da revista.

Acerca das eleições legislativas,contamos enviar-vos uma apreciação em breve, assim como perspectivas quanto às presidenciais.

Um abraço

 

LIVROS EM FOTOCÔPIA (já recebidos)

  • Actas do I congresso da IC
  • Actas, resoluções, etc., entre o I e II congressos
  • Programme de 1’IC (VI congresso)
  • Resoluções da IX sessão plenária do CEIC, 60 pág.
  • X sessão plenária, 88 pág.
  • Teses e resoluções da XI sessão plenária, 42 pág.
  • Les PC et la crise du capitalisme, Manuilski, XI sessão plenária, 14-4 pág.
  • Correspondence Internationale, nº especial VI congresso
  • Correspondence Internationale, nº especial VII congresso
  • Le chemin de l’IC, 1934,54 pág.
  • Le fascisme, la social-démocratie et les communistes, Knorine, 1934, 55 pág.
  • L’IC et ses sections, Bewer, 1932, 102 pág.
  • Questions d’organisation, Kaganovitch, 1934,116 pág.
  • L’lC, Georges Cogniot, 1969, 158 pág.
  • Cahiers d’Histoire de l’Institut Maurice Thorez, nº 34 e nº 12
  • Histoire du bolchévisme, Arthur Rosenherg
  • Les bolchéviks et la lutte pour le pouvoir, B.Nikolaievski
  • Colloque International Karx-marxismes, Agosti, etc.,

 

Cartas a SL

Francisco Martins Rodrigues

 Carta a SL (1)

 7/11/1991

 Caro Amigo L:

 Agradeço-te o interesse que te levou a escrever a úl­tima longa carta. Gostaria de responder brevemente. Francamente, não vejo razões para divisares “sintomas alarmantes” no nosso ali­nhamento político-ideológico. O problema não é querermos permanecer “cristalinos e puros” como tu dizes, mas estarmos atentos a uma muito real e muito brutal pressão de direita, contra-revolucionária, que hoje tenta varrer, cilindrar ou corromper tudo o que seja comunista ou próximo. O debate em torno da revolução russa e do leninismo inscreve-se nessa batalha. Muito francamente, também, acho que os teus argumentos revelam falta de vigilância da tua par­te quanto ao que está em jogo neste debate. Quer isto dizer que eu, para não ceder terreno à reacção, vou defender Lenine à viva força? Não. Não penso que os artigos da P.O. contenham nada disso. Dá-me a impressão do que tu os leste muito pela rama, pois tu próprio dás argumentos já expostos anteriormente nesses artigos. Achas muito es­tranho que se diga que os bolcheviques, ao não vir a revolução da Europa, aplicaram, em situação de emergência, um programa de sobre­vivência alheio ao seu programa inicial? Nesse caso peço que me digas, concretamente, na Rússia de 1918 tal como era nesse momento, como concebes que se pudesse levar por diante a ditadura do proleta­riado, a sério, com democracia de massas, sovietes com poder real, etc. Parece-me deduzir da tua argumentação que achavas preferível que a Rússia dos sovietes se tivesse deixado ir ao fundo sem ceder um palmo nos princípios do comunismo, que isso seria melhor do que acabar por ir ao fundo na mesma, apodrecida pelo capitalismo de Es­tado, a burocracia, o terror, etc. Hoje podemos fazer essa compara­ção, mas em 1920 ninguém podia fazê-la. Os homens que estavam à fren­te da Rússia pensavam: “fazemos uma série de entorses ao que deveria ser a ditadura do proletariado mas é a única forma de mantermos o poder de pé e, quem sabe, talvez dentro de um ano ou dois, venha uma revolução na Alemanha, que nos permita depois endireitar a nossa”. Tentavam ganhar tempo. Explica-me então qual teria sido a política de princípios neste caso. Mas em concreto; porque tu dizes sempre que nós não fazemos análises concretas mas dás opi­niões muito no abstracto.

Capitalismo de Estado – Não sabia que tu tinhas objecções a esse conceito. Marx e Engels não o usaram porque era desconhecido no seu tempo. Foi usado na Alemanha bismarckiana, e depois em escala crescente por outras burguesias que precisavam de se apoiar nos capitais do Estado por insuficiência de acumulação privada. Lenine não disfarçou a dura realidade e disse que pôr a economia a fun­cionar na Rússia (houve uma fome em que morreu um milhão de pes­soas no Volga devido à guerra civil e à desorganização total da economia) tinha que se recorrer ao capitalismo de Estado. Mostrou a sua atitude de princípio: não disfarçar de “socialismo” uma coi­sa que não o era. Mais tarde, foi esse sistema que ficou a vigorar na URSS, assim como nos países da Europa de Leste, etc. Não perce­bo o teu reparo. Não chamamos a esses regimes pura e simplesmente capitalistas porque não tinham apropriação privada dos capitais, concorrência, etc. A burguesia “comunista” desfrutava-se da mais-valia através do capital do Estado. Parece-me um conceito claro, que já demonstrou a sua aplicação. O crescimento e apodrecimento desse regime, com todas as suas taras, é uma coisa; a sua aplicação inicial, como recurso de emergência num país devastado que não con­segue organizar a produção socialista, é outra. Se não fosse isso, que alternativa ficava? Devolver as fábricas e as terras à burgue­sia?’ Deduzo dos teus argumentos que vês uma certa justificação na “propriedade privada fundada no trabalho pessoal”. Mas não sabemos nós que o pequeno burguês gera diariamente o médio e o grande, que o processo de acumulação capitalista reproduz sempre os mesmos fe­nómenos?

Imperialismo soviético – Acusas-me de o “camuflar” e mais uma vez foges à análise concreta da situação concreta do que foi esse tal imperialismo que ruiu como um castelo de cartas. Temos sobre o as­sunto artigos publicados e dispenso-me de os repetir. Sou eu que te alerto para um desvio de que pareces não ter consciência: ao repetir as histórias infundadas postas a correr pelo imperialismo ocidental acerca do “império soviético” perdes contacto com a realidade e co­laboras involuntariamente numa barragem de propaganda destinada a amortecer a oposição ao imperialismo.

Pensas ver espírito de seita da nossa parte quando dizemos que “tínhamos razão”. Mas, caro         L, não achas que temos motivos para sentir algum orgulho por ter dito há anos que o “império soviético” era um mito porque não tinha base económica e portanto era vulnerável? Tu, por exemplo, acreditavas que a URSS tinha um poderio terrível, estava em igualdade ou até acima do Ocidente… Somos nós que temos espírito de seita ou és tu, neste caso, que resistes a dar um balanço a ideias que tinhas e que se comprova­ram erradas?

Conhecemo-nos há bastantes anos e por isso não hesito em falar-te com toda a franqueza, sem rodeios, como tu, aliás, fazes em relação a mim.

A tua carta termina com uma proposta concreta: colaborares na revista com um estatuto independente, para expores as tuas opiniões sobre a URSS, a evolução actual do capitalismo, etc. Levei esta proposta ao conhecimento da redacção e considerámos unanimemente que não deve haver esse estatuto de colaborador indepen­dente. Os artigos passam todos pela discussão na redacção e, em­bora tenham uma margem de pontos de vista individuais, saem quan­do a redacção considera que não vão contra a sua linha geral.

O que não quer dizer que recusemos publicar artigos que nos man­des. Já os temos publicado e estamos interessados em continuar a fazê-lo, teus e de outros leitores da revista, como tens vis­to. Só que essas pessoas não são colaboradores independentes, mas leitores que enviam trabalhos que nós publicamos ou não con­forme entendemos. Vários têm sido publicados, outros têm sido recusados por não lhes acharmos interesse. O que não podemos é assumir qualquer compromisso contigo de passarmos a considera-te nosso colaborador independente e de publicarmos o que tu nos envies. Julgo que a nossa atitude é perfeitamente clara e não foge às normas habituais em qualquer revista de opinião, como a nossa. Continuamos portanto abertos e interessados em publicar textos que nos envies, pondo em questão as nossas posições, apenas com a reserva quanto à oportunidade e espaço para o fazermos.

E é tudo, caro  L. Fico à espera de uma ocasião para prosse­guirmos o nosso debate de viva voz. Um abraço

Carta a SL (2)

 28/4/1994

 Caro Amigo:

Não sei se teremos oportunidade de nos ver na apresentação do livro[i], no Clube dos Jornalistas, sábado, dia 30, a partir das 18.30, e por isso respondo já por este meio à tua carta. No que diz respeito à necessidade duma avaliação ponderada do PREC, para destrinçar entre o que nele foi autenticamente revolucionário e o que foi folclore “revolucionarista” pequeno-burguês, estou de acordo contigo. Mas já nos exemplos que evocas, se concordo inteiramente em que a palavra de ordem do “não à guerra civil” teve um conteúdo capitulacionista, já quanto a ter sido erro o começar, naquela situação concreta, pela formação da UDP, tenho as minhas dúvidas; e quanto ao assalto à embaixada de Espanha ter sido anarqueirada estudantil, já não concordo nada contigo – pensa só na escassez de acções de confronto com a ordem que todo o PREC registou – não houve um desastroso excesso de moderação? Não nos devemos regozijar com um dos raros actos violentos – inteiramente justificado, aliás, dada a barbaridade do crime franquista, e que foi imitado noutras capitais?

Mas se o que importa é uma avaliação política reflectida desse período, penso que o livro que fizemos só ajudará a avançar-se nesse sentido, na medida em que reúne testemunhos de intervenientes directos e desenterra experiências que têm vindo há vinte anos a ser cobertas de entulho. Romper com a prática do silêncio e da calúnia gratuita que por aí se fazem é do interesse da esquerda, parece-me. Não sei se tencionas promover alguma referência da Lusa à edição, mas, se for esse o caso, peço que tenhas em consideração o mérito que representa darmos voz aos que estão privados dela há longos anos. Se não fores ao lançamento, vou enviar-te um exemplar para poderes ajuizar por ti e veres se é possível chamar a atenção para esta iniciativa.

A segunda parte da tua carta, relativa à apreciação da revolução russa à luz do marxismo de Marx, retoma uma polémica que vimos fazendo há anos, sem aproximação dos nossos pontos de vista. Só posso responder às tuas notas repetindo as opiniões que já expus noutras oportunidades e que, pelos vistos, não te convencem. Eu acho que há um erro metodológico na tua perspectiva, que é admitires que as revoluções russa, chinesa, cubana, poderiam ter sido socialistas, se os seus dirigentes tivessem sido melhores marxistas. Isso parece-me puro idealismo. Não tomas em consideração que o nível económico-social desses países impossibilitava a instauração do socialismo, por muito que os líderes revolucionários, os partidos ou as massas o desejassem; só permitiam a passagem ao capitalismo – que foi o que aconteceu. O leninismo, que tu culpas pelo fracasso, foi justamente a aplicação viva do marxismo que permitiu o êxito inicial dessas revoluções, o cumprimento das suas tarefas antifeudais, anti-imperialistas, burguesas, da forma mais radical e acelerada. Sem leninismo, não teríamos tido revoluções nenhumas porque teriam sido afogadas pela reacção logo à partida.

Isto, para te apontar brevemente como encaro a tua conclusão de que “a estreiteza revolucionária actual está na hesitação em romper definitivamente com o leninismo”. Do meu ponto de vista, uma tal atitude só poderia levar a recuarmos para trás de Lenine e a afastarmo-nos do marxismo. Enfim, este é um debate para continuar entre nós. Chegaste a ler a série de artigos que publiquei na P.O. sobre a revolução russa? Não lhe encontraste nenhum argumento que abalasse as tuas convicções?

Se não me disseres nada em contrário, publicarei na próxima P.O. a primeira parte da tua carta, relativa ao PREC (assinada com iniciais). A segunda parte repete opiniões tuas que já temos publicado noutras ocasiões e por isso penso omiti-la, para não ocupar muito espaço. Em todo o caso, se entenderes fazer-nos chegar algum texto nesse sentido, de crítica ao leninismo, não como carta, mas como artigo, estamos abertos a publicá-lo.

Um abraço

 

[i] “O futuro era agora”, ed. Dinossauro, 1994. (Nota de AB).

Cartas a OS

Francisco Martins Rodrigues

Carta a OS (1)

1/8/1989

Caro Amigo:

Desculpe a demora a responder à sua car­ta, mas foi devido ao período de férias. Rece­bi c dinheiro e segue por correio separado o livro Anti-Dimitrov. Gostaria que me comunicas­se mais tarde a sua opinião, assim como sobre os temas tratados na revista. Registámos a as­sinatura por 9 números a partir do nº 21 inclusive) e os 50$00 restantes entram como apoio à P.O. Apesar de a situação não ser nada favorá­vel para quem tem ideias comunistas (é o meu caso há muitos anos), penso que há muito que analisar e reflectir sobre as derrotas passa­das, para estarmos à altura de novos aconteci­mentos revolucionários que forçosamente surgi­rão. O capitalismo gostaria de dormir descan­sado mas faz tantos crimes que não pode. Quan­to aos revolucionários que se viram para os ta­chos, que lhes faça bom proveito! Por mim, já estou velho para virar a casaca. Por aí pode estar descansado. Um abraço

 Carta a OS (2)

23/8/1993

Caro Amigo:

Obrigado pela sua carta e pela renovação da assinatura. Mas quanto a esta tenho a dizer-lhe que deve haver engano da sua parte, pois a sua assinatura está válida até ao nº 45 da revista. Fiz o seguinte com o seu dinheiro: registei mais uma renovação por cinco números (até ao nº 50) e inscrevi o restante como apoio à revista. Se não achar bem, diga-nos, por favor.

Quanto às suas considerações políticas, tenciono transcrever um largo extracto na próxima revista, na secção das cartas dos leitores, se não vir inconveniente. Penso que há concordância entre nós no seguinte: os países que se apregoavam como socialistas afinal eram ditaduras governadas por uma cambada de privilegiados, dando ordens a toda a gente em nome do comunismo. Para manter o seu regime, arregimentavam, impunham a lei da rolha, prendiam, matavam, etc. Os trabalhadores de todo o mundo que julgavam ver no Leste uma alternativa ao capitalismo sentem-se burlados e desmoralizados.

Agora não posso concordar consigo quando escreve que o mal está no colectivismo, que o homem é egoísta e individualista por natureza, etc. É que se não defendemos o colectivismo, teremos que aceitar como inevitável que a maioria da humanidade trabalhe à jorna para os capitalistas, e que os destinos de todos nós andem ao sabor dos interesses do Capital. O amigo Orlando, como operário, certamente não apoia isso. É certo que todo o ser humano defende a sua individualidade mas isso não impede que se crie uma organização social em que ninguém possa ser proprietário de fábricas, empresas, terras, em que ninguém viva do trabalho alheio e todos trabalhem para o bem comum. À burguesia é que interessa convencer-nos de que isso é impossível.

Digo-lhe mais: a sucessão de crises económicas, escravização, fomes, guerras, que o capitalismo provoca vai levar-nos à necessidade absoluta de acabarmos com ele, se não queremos que ele acabe connosco. O capitalismo, esse é que é o grande problema por resolver. Por isso, eu, que fui durante anos militante do PCP e depois do PC(R), que apoiei a União Soviética, a China, a Albânia, hoje digo: é verdade que me enganei e tenho muita pena de me ter enganado. Mas durante esses anos em que apoiei um falso comunismo, estive sempre a lutar contra o capitalismo, contra o fascismo de Salazar, contra o imperialismo americano, etc. Por isso, não dou o meu tempo por perdido. Muito pior seria se não tivesse feito nada contra o capitalismo.

Estou plenamente convicto que da experiência dos falsos caminhos destes 50 anos o movimento operário há-de tirar lições para fazer melhor na próxima. Se calhar, já não será no nosso tempo, mas será um pouco o resultado de tudo aquilo que fizemos, com todos os nossos erros, para acabar com o capitalismo. Isto para lhe dizer em poucas palavras o que penso do assunto.

Quanto à sua pergunta sobre Jean-Paul Sartre, confesso que não sei muito. Penso que teve de facto posições muito firmes e independentes em certos casos, mas noutros não tanto. Vou procurar na nossa biblioteca alguma obra que lhe possa emprestar para sua informação.

Já agora, gostaria de lhe pedir uma informação, se possível. A nossa revista teve em tempos um assinante aí de (…), chamado (…), metalúrgico, que morava na Rua (…). Perdemos o contacto com ele já há bastante tempo, mas gostaríamos que ele renovasse a assinatura da revista. Escrevemos e não recebemos resposta. Será que o amigo por acaso o conhece? Desculpe fazer-lhe este pedido, mas nós tentamos alargar a distribuição da revista, arranjar novos assinantes, novos postos de venda, etc. Se puder ajudar-nos nisto, fico-lhe muito grato. Será um contributo para a revista continuar e melhorar.

 Carta a OS (3)

8/12/1993

Caro Amigo:

Caro amigo:Antes de mais, temos que lhe agradecer o interesse com que correspondeu ao pedido para indicar possíveis novos assinantes. Vamos enviar a P.O. n9 42 (a sair dentro de dias) para as pessoas que indicou com uma proposta para se tomarem assinantes. Veremos se alguns aceitam.

Quanto à sua opinião sobre a necessidade de mudar o nome da revista para ter mais aceitação, embora eu pessoalmente discorde, reconheço que a proposta já tem sido levantada por outras pessoas e que há alguns argumentos nesse sentido. Publicamos essa passagem da sua carta na P.O. 42 e tenciono fazer um artigo sobre o assunto no número seguinte, se for capaz.

Aqui, de novo apenas um convite que recebemos, a Ana Barradas e eu, para intervirmos numa semana de debates sobre o centenário de Mao, realizada pela Biblioteca-Museu da Resistência, organismo dependente da Câmara de Lisboa. Outros participantes (em dias diferentes!) são o Arnaldo Matos, Pacheco Pereira e Pedro Baptista (ex-OCMLP). Decidimos aceitar, embora o público seja restrito, para valorizar os aspectos revolucionários de Mao, sobretudo nos anos da luta contra Chiang Kai-chek, os japoneses e os americanos. A revolução chinesa não deu o socialismo que muitos de nós esperávamos mas arrancou o povo mais numeroso do planeta à miséria e à ignorância feudal e deu um grande impulso às lutas anti-imperialistas em todo o mundo. Como estaria hoje o mundo se não tivesse havido revolução popular na China? É isto mais ou menos que tentaremos dizer.

Não esqueci o seu pedido sobre Sartre mas não encontrei nada na nossa biblioteca e tento conseguir junto de pessoas amigas. Por hoje é tudo. Aceite um abraço e desejos de um ano novo melhor que este.

Carta a OS (4)

14/2/1997

Caro Amigo:

Só agora respondo às suas cartas, devido à acumulação de trabalho. A P.O. nº 58 está finalmente na tipografia e em breve a receberá. Julgo que terá recebido o livro “Os meus anos com o Che”, pago por seu cheque em Dezembro passado e que o relato lhe tenha interessado. Fica-se com uma ideia viva da força dos sentimentos anti-imperialistas na América Latina, onde não há país que não tenha sofrido interferências e golpes militares inspirados pelos Estados Unidos. Quanto a futuras edições nossas, as perspectivas não são boas. São raros os livros que não dão prejuízo e não temos capacidade financeira para aguentar. Possivelmente iremos suspender por alguns meses a edição de livros para manter só a revista.

Sem outro assunto, envio as minhas cordiais saudações.

 

 

 

 

Segunda carta ao MLP (3)

Francisco Martins Rodrigues

Segunda carta ao MLP (3)

  1. Situação no movimento ML

Enviámos o nosso Manifesto e a revista a 25 partidos ML, propondo a troca de publicações e de pontos de vista, mas, a não ser da vossa parte doe  “Progressive Labor Party”, não obtivemos resposta. O PC do Brasil devolveu-nos os documentos classificando-nos de trotskistas.

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