Cartas a HN – 8

Francisco Martins Rodrigues

Carta a HN – 8

21/10/1996

Caro Camarada:

Estou a responder às tuas cartas de 3 e 6 de Setembro, desejando que te encontres de saúde e com a energia do costume. A P.O. 56 está na tipografia, esperamos poder fazer a distribuição amanhã. Como verás quando a receberes, houve desta vez acumulação de textos grandes, que nos obrigaram a retirar várias colaborações, entre elas o depoimento que enviaste. Fica para a próxima, tal como um artigo meu que tenho vindo a trabalhar, sobre o tema do Imperialismo. O Bitot é muito interessante e esclarecedor, mas no segundo livro dele, “Le Communisme n’a pas encore commencé” (que só existe em francês), apresenta, quanto a mim, uma forte incompreensão do fenómeno do imperialismo. O AN, embora lhe faça algumas críticas acertadas, na troca de cartas que publicamos nesta P.O., também acaba por lhe fazer algumas concessões e desvaloriza o trabalho de Lenine a este respeito. Espero por isso poder publicar na próxima P.O. um artigo claro sobre este assunto. Se se percebe a mecânica da concentração do capital mas se omite a espoliação e opressão dos países ricos sobre os países pobres, vamos por mau caminho. E muito fácil a quem vive na Europa esquecer-se que o avanço capitalista repousa sobre biliões de miseráveis do Terceiro Mundo.

Quanto ao depoimento-proposta que assinas em conjunto com o JM, ele retoma uma preocupação que já exprimiste anteriormente numa outra colaboração saída na P.O.: tomar medidas práticas para sair do impasse a que chegámos, atrevermo-nos a criar um núcleo orgânico, mesmo pequeno como seria esse Centro Marxista Popular, para tentar crescer a partir daí. Só posso apoiar a ideia e espero que a publicação do artigo desperte algumas vontades adormecidas. Tencionamos fazer até ao fim do ano um encontro com alguns camaradas e aí tentaremos ver a receptividade à ideia. Mais não te posso dizer, pois como deves ter constatado quando da vossa visita a Portugal, o problema actual do grupo P.O. é estar reduzido a tão poucas pessoas activas que fica esmagado só pelas tarefas da edição da revista, de um ou outro livro e da gestão da gráfica. Fizemos em Junho uma pequena reunião e os resultados não foram nada animadores, pois amigos que outrora já foram activos e agora estão desmobilizados só abrem a boca para pôr defeitos à P.O. e quando solicitados a colaborar no melhoramento, respondem que a sua vida não permite…

Enfim, creio que a atitude destas pessoas só se modificará quando algum acontecimento da luta de classes, nacional ou internacional, as sacuda do torpor e desânimo em que caíram. Há que confiar que gente nova também aparecerá, por força. Mas voltando ao teu artigo: proponho-me portanto incluí-lo na próxima P.O., fazendo alguns melhoramentos de redacção, desde que me dês autorização para isso. Para além das emendas que indicas na tua carta, eu aconselhar-te-ia, em futuros escritos, a usares mais a frase curta, porque as ideias encadeadas umas nas outras em frases muito extensas obrigam o leitor a muito maior atenção e daí até ao cansaço e ao pôr a leitura de lado vai só um passo…

A entrevista com a MM vem já neste número. Peço que lhe dês as minhas saudações e o pedido de que nos prepare um artigo sobre a condição da mulher trabalhadora na Suíça, como ela diz no fim da entrevista. Factos concretos, sem preocupações de teorizar muito. Pode ser bem interessante.

Assinatura P.O. — a tua assinatura está válida até ao nº 59, não precisas de te preocupar. Quando estiver prestes a caducar receberás um postal de renovação. Espero que nessa altura decidas assinar, caso contrário vou aí ajustar contas contigo.

Livro soviético sobre a religião — não sei do que se trata, lamento não te poder ser útil.

História do PC — já vem neste número um primeiro artigo, agora quero ver se mantenho a passada; material não me falta, com base na minha experiência. Vamos a ver se os artigos não ficam muito chatos, os leitores de hoje já pouco se interessam por essas histórias de outros tempos.

Dinossauro — o monstro sai da toca na próxima quinta-feira, para apresentar mais um trabalho: a novela “Kianda – O Rio da Sede”, do capitão Álvaro Fernandes, que foi pessoa muito em destaque na altura do Verão Quente de 75 pelo seu apoio à corrente da extrema-esquerda. São episódios da guerra colonial contados por quem lá esteve; a piada é ele dar alternadamente a luta vista do lado dos portugueses e do lado dos guerrilheiros. Pode ser que mais algumas cabeças deste país comecem a perceber que aquilo foi um crime colectivo em que não só o Salazar teve culpas. Agora que o ambiente por aqui é todo de regresso a África, creio que o livro é oportuno. Mando-te para já 3 exemplares, para tu e o Z angariarem por aí alguns compradores. As próximas edições Dinossauro ainda não se sabe quais são e quando são, tudo depende das massas, que estão curtas…

Jornais suíços — recebemos a batelada e vi que o Quotidien é progressista, mas para a próxima agradeço que mandes só os recortes do que te parecer mais útil para nós. Recebemos vários números do Solidarité mas só o que tu nos mandaste, não temos nenhuma assinatura.

Contraponto — Combinámos com o MV Vaz ele continuar em Paris a coligir os materiais, fazer e expedir pelo correio (o que ele diz que pode conseguir sem grande despesa), dando-nos a conhecer previamente o conteúdo de cada número. Aguardo agora notícias dele a este respeito, vou-lhe escrever.

Máquina de escrever eléctrica — Esse artigo está muito desclassificado nesta era dos computadores. Ainda não me informei mas vou saber e digo-te.

Marx e Engels em português — Conhecermos o seguinte, além do Capital . ——————- . Queres algum   deles?

Por agora é tudo. Aceita um abraço

Cartas a EL – 3

Francisco Martins Rodrigues

Carta a EL – 3

9/12/1992

Caro Amigo:

Deve estar a receber por estes dias a P.O. nº 37, onde publicámos a carta que nos enviou. Como bem calcula, não concordo com os seus argumentos, que me parece estarem a ser respondidos nos artigos que venho publicando sobre a revolução russa. A série vai continuar e talvez o conjunto dos artigos lhe permita entender melhor a nossa posição.

Resumidamente: concordo consigo em que o capitalismo de Estado se instalou na Rússia ainda em vida de Lenine e que Lenine estava enganado quando defendia que era uma solução segura para lançar as bases do socialismo. Mas não concordo consigo quando me diz que a revolução russa poderia ter tido êxito sem a acção do Partido Bolchevique; nem acredito que alguma revolução anticapitalista no futuro possa ter êxito sem uma acção centralizadora promovida por um partido revolucionário, o que não significa que se tenha que repetir a experiência negativa da URSS. A revolução russa estava condenada porque o desenvolvimento económico do país era escasso e a maioria camponesa não queria socialismo nenhum, queria era capitalismo. Parece-me grande ingenuidade acreditar-se que num mundo onde o poder burguês é detido por partidos políticos, os trabalhadores possam impor a sua lei sem se apoiarem num partido revolucionário. Mas, enfim, o debate sobre estes temas não tem fim. Só quando novas revoluções vitoriosas mostrarem o caminho para a liquidação da burguesia se resolverão as actuais divergências entre comunistas e libertários.

Esperamos que, apesar de tudo, a nossa revista continue a despertar-lhe interesse e estamos abertos a registar as suas críticas e sugestões. Aceite as nossas saudações.

 

 

Carta a MB – 5

Francisco Martins Rodrigues

Cartas a MB (5)

6/12/1993

 Caro M:

Registámos a renovação da tua assinatura e esperamos que estejas de saúde. Desde a última vez que nos vimos, tens vindo a Portugal, com certeza, mas como não nos procuras já julgava que ias desistir de assinante.

Nós cá vamos, não na mesma, mas pior, porque os tempos vão péssimos para a esquerda (alguma vez a esquerda teve tempos bons?). Toda a gente verifica que o capitalismo é uma selvajaria que não serve, todos estão a ver que as promessas de prosperidade geral foram uma burla, mas ninguém tem ânimo para meter mãos à obra e pôr isto abaixo. Vai ser preciso que a situação se tome tão insuportável que a revolução rebente em algum país, provavelmente não na Europa mas na Ásia ou no Médio Oriente ou em África, sabe-se lá.

Não sei se tens acompanhado a revista mas temos tido a preocupação de manter posições revolucionárias sem compromisso, combatendo ao mesmo tempo o isolamento. E assim nos vamos aguentando, embora conscientes de que muitas questões continuam por responder. Continuamos a tentar acertar no alvo.

Um abraço. Obrigado pelo teu apoio.

O Futuro Era Agora

Agora em https://www.marxists.org/portugues/tematica/livros/futuro/index.htm

O Futuro Era Agora
O movimento popular do 25 de Abril

Edições Dinossauro


Primeira Edição: 1994
Coordenador: Francisco Martins Rodrigues

Colaboraram na recolha e tratamento dos textos : Ana Barradas; Angelo Novo; António Barata; António Castela; Beatriz Tavares; Filipe Gomes e Rogério Dias Sousa

Capa: António Barata

Transcrição e HTML: Fernando Araújo.

Direitos de Reprodução: © Edições Dinossauro


Índice

capa
Baixe o livro em pdf

Os 580 dias

Prefácio

Cronologia

Molotovs no Palácio de Cristal, Rogério Dias de Sousa

O mestre disse que a Pide tinha fugido, Maria Luísa Ernesto

As perdizes, Cândido Ferreira

Durante três dias mandámos no quartel, Manuel Figueira

Toda a gente empenhada em mudar a vida, Jorge Falcato Simões

Obrigámos o Jaime Neves a recuar, Manuel Monteiro

Da JUC para a fábrica, Berta Macias

O assalto à esquadra das Antas, José Carretas

Sindicalismos em conflito, Custódio Lourenço

Foi a minha universidade, Maria de Lurdes Torres

A “revolução” no Estado Maior, António S

Autogestão na Sogantal, José Maria Carvalho Ferreira

Assobiámos o Spínola no 25 de Abril, Amílcar Sequeira

Um jornal diferente, Júlio Henriques

Sem o 25 de Abril seria uma patetinha, Helena Faria

Revistar os carros da polícia, Luís Chambel

Meu saudoso PREC, João Azevedo

Despertar dum sindicato, Vítor Hugo Marcela

Ambição era tomar o poder, Joaquim Martins

Alegria e candura, José Manuel Rodrigues da Silva

Tudo era tratado na comissão, Maria da Graça Duarte Silva

O “Che” a falar na praça, pendurado num eléctrico, Paulo Esperança

Alegria nos arrabaldes, Fernando Dias Martins

Confrontos nas ruas do Porto, Alberto Gonçalves

Os partidos não me diziam grande coisa, Maria Amélia da Silva

Passámos de caçados a caçadores, António José Vinhas

Não soubemos explorar a crise de poder, Mariano Castro

O único perigo era para a direita, Vitorino Santos

Primeiros passos da Reforma Agrária

Fazer frente aos pcs não era pêra doce, José Paiva

Lisboa – Luanda, Orlando Sérgio

Foi uma descoberta, Bárbara Guerra

Reunião de prédio, Pedro Alves

O Pires Veloso dormia na cave, José Guedes Mendes

A militância era uma festa, Nela

Os soldados não ligavam aos oficiais, Manuel Borges

Vivi por antecipação a derrocada, Helena Carmo

Sempre atrasados, José Manuel Vasconcelos Rodrigues

Uma estranha liberdade, Rita Gonçalves

Falharam os três D, Mário Viegas

O povo à porta do quartel a pedir armas, José Manuel Ferreira

Despertei no 25 de Novembro, Altamiro Dias

O povo em armas? Uma fraude, Tino Flores

Como entrei nas “catacumbas”, “Brezelius”

Andei a vasculhar a sede da PIDE, Avelino Freitas

Comecei a pensar no que poderia vir, Maria da Glória R. Borges

Dormir ao relento à porta da fábrica, Maria Luísa Campina Segundo

O poder parecia tão próximo…, Fernando Reis Júnior

Um cabo-verdiano em Lisboa, Álvaro Apoio Pereira

Os polícias de braços no ar, António Castela

Uma burguesa entre operários, Marta Matos

Recordando o soldado Luís, Valdemar Abreu

Greve aos bilhetes, João Marques

Falar de Abril

25 de Abril: transformações nas escolas e nos professores, Eduarda Dionísio….

25 de Novembro: como a esquerda foi encurralada, Francisco Rodrigues

Autonomia dos trabalhadores, Estado e mercado mundial, João Bernardo

Brandos costumes & maus hábitos antigos, Manuel Vaz

Siglas

Bibliografia


Cartas a SL

Francisco Martins Rodrigues

 Carta a SL (1)

 7/11/1991

 Caro Amigo L:

 Agradeço-te o interesse que te levou a escrever a úl­tima longa carta. Gostaria de responder brevemente. Francamente, não vejo razões para divisares “sintomas alarmantes” no nosso ali­nhamento político-ideológico. O problema não é querermos permanecer “cristalinos e puros” como tu dizes, mas estarmos atentos a uma muito real e muito brutal pressão de direita, contra-revolucionária, que hoje tenta varrer, cilindrar ou corromper tudo o que seja comunista ou próximo. O debate em torno da revolução russa e do leninismo inscreve-se nessa batalha. Muito francamente, também, acho que os teus argumentos revelam falta de vigilância da tua par­te quanto ao que está em jogo neste debate. Quer isto dizer que eu, para não ceder terreno à reacção, vou defender Lenine à viva força? Não. Não penso que os artigos da P.O. contenham nada disso. Dá-me a impressão do que tu os leste muito pela rama, pois tu próprio dás argumentos já expostos anteriormente nesses artigos. Achas muito es­tranho que se diga que os bolcheviques, ao não vir a revolução da Europa, aplicaram, em situação de emergência, um programa de sobre­vivência alheio ao seu programa inicial? Nesse caso peço que me digas, concretamente, na Rússia de 1918 tal como era nesse momento, como concebes que se pudesse levar por diante a ditadura do proleta­riado, a sério, com democracia de massas, sovietes com poder real, etc. Parece-me deduzir da tua argumentação que achavas preferível que a Rússia dos sovietes se tivesse deixado ir ao fundo sem ceder um palmo nos princípios do comunismo, que isso seria melhor do que acabar por ir ao fundo na mesma, apodrecida pelo capitalismo de Es­tado, a burocracia, o terror, etc. Hoje podemos fazer essa compara­ção, mas em 1920 ninguém podia fazê-la. Os homens que estavam à fren­te da Rússia pensavam: “fazemos uma série de entorses ao que deveria ser a ditadura do proletariado mas é a única forma de mantermos o poder de pé e, quem sabe, talvez dentro de um ano ou dois, venha uma revolução na Alemanha, que nos permita depois endireitar a nossa”. Tentavam ganhar tempo. Explica-me então qual teria sido a política de princípios neste caso. Mas em concreto; porque tu dizes sempre que nós não fazemos análises concretas mas dás opi­niões muito no abstracto.

Capitalismo de Estado – Não sabia que tu tinhas objecções a esse conceito. Marx e Engels não o usaram porque era desconhecido no seu tempo. Foi usado na Alemanha bismarckiana, e depois em escala crescente por outras burguesias que precisavam de se apoiar nos capitais do Estado por insuficiência de acumulação privada. Lenine não disfarçou a dura realidade e disse que pôr a economia a fun­cionar na Rússia (houve uma fome em que morreu um milhão de pes­soas no Volga devido à guerra civil e à desorganização total da economia) tinha que se recorrer ao capitalismo de Estado. Mostrou a sua atitude de princípio: não disfarçar de “socialismo” uma coi­sa que não o era. Mais tarde, foi esse sistema que ficou a vigorar na URSS, assim como nos países da Europa de Leste, etc. Não perce­bo o teu reparo. Não chamamos a esses regimes pura e simplesmente capitalistas porque não tinham apropriação privada dos capitais, concorrência, etc. A burguesia “comunista” desfrutava-se da mais-valia através do capital do Estado. Parece-me um conceito claro, que já demonstrou a sua aplicação. O crescimento e apodrecimento desse regime, com todas as suas taras, é uma coisa; a sua aplicação inicial, como recurso de emergência num país devastado que não con­segue organizar a produção socialista, é outra. Se não fosse isso, que alternativa ficava? Devolver as fábricas e as terras à burgue­sia?’ Deduzo dos teus argumentos que vês uma certa justificação na “propriedade privada fundada no trabalho pessoal”. Mas não sabemos nós que o pequeno burguês gera diariamente o médio e o grande, que o processo de acumulação capitalista reproduz sempre os mesmos fe­nómenos?

Imperialismo soviético – Acusas-me de o “camuflar” e mais uma vez foges à análise concreta da situação concreta do que foi esse tal imperialismo que ruiu como um castelo de cartas. Temos sobre o as­sunto artigos publicados e dispenso-me de os repetir. Sou eu que te alerto para um desvio de que pareces não ter consciência: ao repetir as histórias infundadas postas a correr pelo imperialismo ocidental acerca do “império soviético” perdes contacto com a realidade e co­laboras involuntariamente numa barragem de propaganda destinada a amortecer a oposição ao imperialismo.

Pensas ver espírito de seita da nossa parte quando dizemos que “tínhamos razão”. Mas, caro         L, não achas que temos motivos para sentir algum orgulho por ter dito há anos que o “império soviético” era um mito porque não tinha base económica e portanto era vulnerável? Tu, por exemplo, acreditavas que a URSS tinha um poderio terrível, estava em igualdade ou até acima do Ocidente… Somos nós que temos espírito de seita ou és tu, neste caso, que resistes a dar um balanço a ideias que tinhas e que se comprova­ram erradas?

Conhecemo-nos há bastantes anos e por isso não hesito em falar-te com toda a franqueza, sem rodeios, como tu, aliás, fazes em relação a mim.

A tua carta termina com uma proposta concreta: colaborares na revista com um estatuto independente, para expores as tuas opiniões sobre a URSS, a evolução actual do capitalismo, etc. Levei esta proposta ao conhecimento da redacção e considerámos unanimemente que não deve haver esse estatuto de colaborador indepen­dente. Os artigos passam todos pela discussão na redacção e, em­bora tenham uma margem de pontos de vista individuais, saem quan­do a redacção considera que não vão contra a sua linha geral.

O que não quer dizer que recusemos publicar artigos que nos man­des. Já os temos publicado e estamos interessados em continuar a fazê-lo, teus e de outros leitores da revista, como tens vis­to. Só que essas pessoas não são colaboradores independentes, mas leitores que enviam trabalhos que nós publicamos ou não con­forme entendemos. Vários têm sido publicados, outros têm sido recusados por não lhes acharmos interesse. O que não podemos é assumir qualquer compromisso contigo de passarmos a considera-te nosso colaborador independente e de publicarmos o que tu nos envies. Julgo que a nossa atitude é perfeitamente clara e não foge às normas habituais em qualquer revista de opinião, como a nossa. Continuamos portanto abertos e interessados em publicar textos que nos envies, pondo em questão as nossas posições, apenas com a reserva quanto à oportunidade e espaço para o fazermos.

E é tudo, caro  L. Fico à espera de uma ocasião para prosse­guirmos o nosso debate de viva voz. Um abraço

Carta a SL (2)

 28/4/1994

 Caro Amigo:

Não sei se teremos oportunidade de nos ver na apresentação do livro[i], no Clube dos Jornalistas, sábado, dia 30, a partir das 18.30, e por isso respondo já por este meio à tua carta. No que diz respeito à necessidade duma avaliação ponderada do PREC, para destrinçar entre o que nele foi autenticamente revolucionário e o que foi folclore “revolucionarista” pequeno-burguês, estou de acordo contigo. Mas já nos exemplos que evocas, se concordo inteiramente em que a palavra de ordem do “não à guerra civil” teve um conteúdo capitulacionista, já quanto a ter sido erro o começar, naquela situação concreta, pela formação da UDP, tenho as minhas dúvidas; e quanto ao assalto à embaixada de Espanha ter sido anarqueirada estudantil, já não concordo nada contigo – pensa só na escassez de acções de confronto com a ordem que todo o PREC registou – não houve um desastroso excesso de moderação? Não nos devemos regozijar com um dos raros actos violentos – inteiramente justificado, aliás, dada a barbaridade do crime franquista, e que foi imitado noutras capitais?

Mas se o que importa é uma avaliação política reflectida desse período, penso que o livro que fizemos só ajudará a avançar-se nesse sentido, na medida em que reúne testemunhos de intervenientes directos e desenterra experiências que têm vindo há vinte anos a ser cobertas de entulho. Romper com a prática do silêncio e da calúnia gratuita que por aí se fazem é do interesse da esquerda, parece-me. Não sei se tencionas promover alguma referência da Lusa à edição, mas, se for esse o caso, peço que tenhas em consideração o mérito que representa darmos voz aos que estão privados dela há longos anos. Se não fores ao lançamento, vou enviar-te um exemplar para poderes ajuizar por ti e veres se é possível chamar a atenção para esta iniciativa.

A segunda parte da tua carta, relativa à apreciação da revolução russa à luz do marxismo de Marx, retoma uma polémica que vimos fazendo há anos, sem aproximação dos nossos pontos de vista. Só posso responder às tuas notas repetindo as opiniões que já expus noutras oportunidades e que, pelos vistos, não te convencem. Eu acho que há um erro metodológico na tua perspectiva, que é admitires que as revoluções russa, chinesa, cubana, poderiam ter sido socialistas, se os seus dirigentes tivessem sido melhores marxistas. Isso parece-me puro idealismo. Não tomas em consideração que o nível económico-social desses países impossibilitava a instauração do socialismo, por muito que os líderes revolucionários, os partidos ou as massas o desejassem; só permitiam a passagem ao capitalismo – que foi o que aconteceu. O leninismo, que tu culpas pelo fracasso, foi justamente a aplicação viva do marxismo que permitiu o êxito inicial dessas revoluções, o cumprimento das suas tarefas antifeudais, anti-imperialistas, burguesas, da forma mais radical e acelerada. Sem leninismo, não teríamos tido revoluções nenhumas porque teriam sido afogadas pela reacção logo à partida.

Isto, para te apontar brevemente como encaro a tua conclusão de que “a estreiteza revolucionária actual está na hesitação em romper definitivamente com o leninismo”. Do meu ponto de vista, uma tal atitude só poderia levar a recuarmos para trás de Lenine e a afastarmo-nos do marxismo. Enfim, este é um debate para continuar entre nós. Chegaste a ler a série de artigos que publiquei na P.O. sobre a revolução russa? Não lhe encontraste nenhum argumento que abalasse as tuas convicções?

Se não me disseres nada em contrário, publicarei na próxima P.O. a primeira parte da tua carta, relativa ao PREC (assinada com iniciais). A segunda parte repete opiniões tuas que já temos publicado noutras ocasiões e por isso penso omiti-la, para não ocupar muito espaço. Em todo o caso, se entenderes fazer-nos chegar algum texto nesse sentido, de crítica ao leninismo, não como carta, mas como artigo, estamos abertos a publicá-lo.

Um abraço

 

[i] “O futuro era agora”, ed. Dinossauro, 1994. (Nota de AB).

Carta a PS

Francisco Martins Rodrigues

Carta a PS

7/3/1993

Caro Camarada:

Não sei explicar por que razão não recebeste a P.O. de Janeiro/Fevereiro (nº 38), pois ela foi expedida na primeira semana de Fevereiro, para ti como para todos os assinantes. Só vejo como explicação que se tenha extraviado nos correios. Vou enviar-te outro exemplar, que te deve chegar quase ao mesmo tempo que o nº 39 (Março/Abril), prestes a sair. A tua assinatura está válida ainda por mais um ano, e mesmo que tivesse caducado, eu não deixaria de te enviar a revista.

Compreendo que, no ambiente que existe, possas ter pensado que a falta da revista era sinal de desistência da nossa parte, mas posso-te tranquilizar. Cá continuamos com a nossa pedalada habitual e não temos vontade nenhuma de desistir. O capitalismo faz-nos tanto nojo que isso só por si é um estímulo para continuar a condená-lo e a dizer aos trabalhadores que é preciso perderem o medo a experimentar outra organização social, sem explorados nem exploradores. Por muitos erros que os trabalhadores façam, seria sempre melhor do que a desgraça que por aí vai.

Espero visitar-te muito breve, o que já deveria ter feito. Dá os meus cumprimentos a tua companheira e aceita um abraço deste camarada que te estima

Cartas a OS

Francisco Martins Rodrigues

Carta a OS (1)

1/8/1989

Caro Amigo:

Desculpe a demora a responder à sua car­ta, mas foi devido ao período de férias. Rece­bi c dinheiro e segue por correio separado o livro Anti-Dimitrov. Gostaria que me comunicas­se mais tarde a sua opinião, assim como sobre os temas tratados na revista. Registámos a as­sinatura por 9 números a partir do nº 21 inclusive) e os 50$00 restantes entram como apoio à P.O. Apesar de a situação não ser nada favorá­vel para quem tem ideias comunistas (é o meu caso há muitos anos), penso que há muito que analisar e reflectir sobre as derrotas passa­das, para estarmos à altura de novos aconteci­mentos revolucionários que forçosamente surgi­rão. O capitalismo gostaria de dormir descan­sado mas faz tantos crimes que não pode. Quan­to aos revolucionários que se viram para os ta­chos, que lhes faça bom proveito! Por mim, já estou velho para virar a casaca. Por aí pode estar descansado. Um abraço

 Carta a OS (2)

23/8/1993

Caro Amigo:

Obrigado pela sua carta e pela renovação da assinatura. Mas quanto a esta tenho a dizer-lhe que deve haver engano da sua parte, pois a sua assinatura está válida até ao nº 45 da revista. Fiz o seguinte com o seu dinheiro: registei mais uma renovação por cinco números (até ao nº 50) e inscrevi o restante como apoio à revista. Se não achar bem, diga-nos, por favor.

Quanto às suas considerações políticas, tenciono transcrever um largo extracto na próxima revista, na secção das cartas dos leitores, se não vir inconveniente. Penso que há concordância entre nós no seguinte: os países que se apregoavam como socialistas afinal eram ditaduras governadas por uma cambada de privilegiados, dando ordens a toda a gente em nome do comunismo. Para manter o seu regime, arregimentavam, impunham a lei da rolha, prendiam, matavam, etc. Os trabalhadores de todo o mundo que julgavam ver no Leste uma alternativa ao capitalismo sentem-se burlados e desmoralizados.

Agora não posso concordar consigo quando escreve que o mal está no colectivismo, que o homem é egoísta e individualista por natureza, etc. É que se não defendemos o colectivismo, teremos que aceitar como inevitável que a maioria da humanidade trabalhe à jorna para os capitalistas, e que os destinos de todos nós andem ao sabor dos interesses do Capital. O amigo Orlando, como operário, certamente não apoia isso. É certo que todo o ser humano defende a sua individualidade mas isso não impede que se crie uma organização social em que ninguém possa ser proprietário de fábricas, empresas, terras, em que ninguém viva do trabalho alheio e todos trabalhem para o bem comum. À burguesia é que interessa convencer-nos de que isso é impossível.

Digo-lhe mais: a sucessão de crises económicas, escravização, fomes, guerras, que o capitalismo provoca vai levar-nos à necessidade absoluta de acabarmos com ele, se não queremos que ele acabe connosco. O capitalismo, esse é que é o grande problema por resolver. Por isso, eu, que fui durante anos militante do PCP e depois do PC(R), que apoiei a União Soviética, a China, a Albânia, hoje digo: é verdade que me enganei e tenho muita pena de me ter enganado. Mas durante esses anos em que apoiei um falso comunismo, estive sempre a lutar contra o capitalismo, contra o fascismo de Salazar, contra o imperialismo americano, etc. Por isso, não dou o meu tempo por perdido. Muito pior seria se não tivesse feito nada contra o capitalismo.

Estou plenamente convicto que da experiência dos falsos caminhos destes 50 anos o movimento operário há-de tirar lições para fazer melhor na próxima. Se calhar, já não será no nosso tempo, mas será um pouco o resultado de tudo aquilo que fizemos, com todos os nossos erros, para acabar com o capitalismo. Isto para lhe dizer em poucas palavras o que penso do assunto.

Quanto à sua pergunta sobre Jean-Paul Sartre, confesso que não sei muito. Penso que teve de facto posições muito firmes e independentes em certos casos, mas noutros não tanto. Vou procurar na nossa biblioteca alguma obra que lhe possa emprestar para sua informação.

Já agora, gostaria de lhe pedir uma informação, se possível. A nossa revista teve em tempos um assinante aí de (…), chamado (…), metalúrgico, que morava na Rua (…). Perdemos o contacto com ele já há bastante tempo, mas gostaríamos que ele renovasse a assinatura da revista. Escrevemos e não recebemos resposta. Será que o amigo por acaso o conhece? Desculpe fazer-lhe este pedido, mas nós tentamos alargar a distribuição da revista, arranjar novos assinantes, novos postos de venda, etc. Se puder ajudar-nos nisto, fico-lhe muito grato. Será um contributo para a revista continuar e melhorar.

 Carta a OS (3)

8/12/1993

Caro Amigo:

Caro amigo:Antes de mais, temos que lhe agradecer o interesse com que correspondeu ao pedido para indicar possíveis novos assinantes. Vamos enviar a P.O. n9 42 (a sair dentro de dias) para as pessoas que indicou com uma proposta para se tomarem assinantes. Veremos se alguns aceitam.

Quanto à sua opinião sobre a necessidade de mudar o nome da revista para ter mais aceitação, embora eu pessoalmente discorde, reconheço que a proposta já tem sido levantada por outras pessoas e que há alguns argumentos nesse sentido. Publicamos essa passagem da sua carta na P.O. 42 e tenciono fazer um artigo sobre o assunto no número seguinte, se for capaz.

Aqui, de novo apenas um convite que recebemos, a Ana Barradas e eu, para intervirmos numa semana de debates sobre o centenário de Mao, realizada pela Biblioteca-Museu da Resistência, organismo dependente da Câmara de Lisboa. Outros participantes (em dias diferentes!) são o Arnaldo Matos, Pacheco Pereira e Pedro Baptista (ex-OCMLP). Decidimos aceitar, embora o público seja restrito, para valorizar os aspectos revolucionários de Mao, sobretudo nos anos da luta contra Chiang Kai-chek, os japoneses e os americanos. A revolução chinesa não deu o socialismo que muitos de nós esperávamos mas arrancou o povo mais numeroso do planeta à miséria e à ignorância feudal e deu um grande impulso às lutas anti-imperialistas em todo o mundo. Como estaria hoje o mundo se não tivesse havido revolução popular na China? É isto mais ou menos que tentaremos dizer.

Não esqueci o seu pedido sobre Sartre mas não encontrei nada na nossa biblioteca e tento conseguir junto de pessoas amigas. Por hoje é tudo. Aceite um abraço e desejos de um ano novo melhor que este.

Carta a OS (4)

14/2/1997

Caro Amigo:

Só agora respondo às suas cartas, devido à acumulação de trabalho. A P.O. nº 58 está finalmente na tipografia e em breve a receberá. Julgo que terá recebido o livro “Os meus anos com o Che”, pago por seu cheque em Dezembro passado e que o relato lhe tenha interessado. Fica-se com uma ideia viva da força dos sentimentos anti-imperialistas na América Latina, onde não há país que não tenha sofrido interferências e golpes militares inspirados pelos Estados Unidos. Quanto a futuras edições nossas, as perspectivas não são boas. São raros os livros que não dão prejuízo e não temos capacidade financeira para aguentar. Possivelmente iremos suspender por alguns meses a edição de livros para manter só a revista.

Sem outro assunto, envio as minhas cordiais saudações.

 

 

 

 

A ruptura com o PCP em 1964-1965 (3)

Francisco Martins Rodrigues

A ruptura com o PCP em 1964-1965 (3)

Uma polémica não tão antiga: o reformismo é um beco sem saída

Quando insistimos em conceber a política como um método para ganhar as massas para a ideia do derrube da ordem burguesa, o que implica promover a hegemonia do proletariado pela crítica da pequena burguesia, e portanto combater o oportunismo nas fileiras revolucionárias, e portanto construir um partido capaz de se revolucionarizar permanentemente… suscitamos o escárnio dos representantes da “esquerda moderna”. Consideram a nossa concepção da política como “sectária”, como um “esquema que já não é do nosso tempo”, responsável pelas derrotas da esquerda no passado e cuja única função seria justificar “seitas de iluminados”. Continuar a ler

A ruptura com o PCP em 1964-1965 (1)

Francisco Martins Rodrigues

A ruptura com o PCP em 1964-1965 (1)

Duas linhas opostas na luta contra a ditadura de Salazar

Este texto recupera um conjunto de artigos escritos quando do meu abandono do PCP cm 1963, já lá vão 40 anos. Editados no ano seguinte em Paris, na revista Revolução Popular, do Comité Marxista-Leninista Português (à excepção do primeiro, publicado cm panfleto nos finais de 1963), há muito esquecidos, tiveram contudo na altura, apesar da circulação reduzida, uma influência indiscutível nos meios mais radicalizados da resistência, sobretudo entre a juventude. Basicamente, abriram a discussão sobre qual deveria ser a política comunista para o derrubamento da ditadura fascista, quando o início das guerras coloniais anunciava a crise final desta.

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Notas para discussão

Francisco Martins Rodrigues

Notas para discussão

Partimos há dez anos com a convicção de iniciar a marcha para um novo partido comunista e um novo movimento comunista internacional; julgávamos que bastaria corrigir o desvio centrista que assaltara a corrente M-L para retomar os carris do leninismo e da revolução russa.

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