Cartas a JV – 15

Francisco Martins Rodrigues

Carta a JV – 15

16/6/1997

Caro Camarada:

Recebi o teu recado para nos encontrarmos mas foi-me completamente impossível. Ainda telefonei para a casa do Bairro Alto (tua prima, julgo) mas ela disse-me que não estavas lá e eu não tenho o outro telefone. Vão por esta via as minhas desculpas. Nos últimos meses os meus problemas familiares têm tomado um tal volume, aceleração e imprevisto que com frequência me obrigam a cancelar compromissos. Uma família onde só há terceira idade e não se procedeu em devido tempo à renovação dos quadros pode ver-se em grandes apertos, sou eu que te digo.

Fiz uma pequena recensão (também muito à pressa) do teu livro, que li em diagonal e me pareceu bastante interessante. Sai na próxima PO. que receberás na semana que vem. Tens editor em vista cá no burgo?

E a tua estadia, que tal? Fizemos a nossa passeata e lanche do 1º de Maio, correu bem, na medida do possível. No próximo ano, espero que nos encontremos no nosso café, para nos embebedarmos e conspirarmos em conjunto, como bons extremistas que somos. Perguntas se Lisboa ainda existirá para o ano? Decerto existe mas talvez já esteja promovida a capital de província. Os castelhanos estão a tomar posse de tudo. Falta-nos cá o Nuno Alvares Pereira, esse é que lhes fazia ver. Enfim, haja confiança na revolução mundial. De mais a mais agora, que o semicamarada Jospin chegou ao poder e meteu 4 camaradas em ministros, vai ser imparável. Um abraço.

 

Cartas a HN – 12

Francisco Martins Rodrigues

Carta a HN – 12

7/5/1998

Caro Camarada:

Respondo à tua carta de 27 de Abril e, o que é grave, também às de 6 de Fevereiro e 12 de Janeiro, que ficaram por responder. Resultados da sobrecarga de trabalho que tu certamente compreenderás. Agora com a PO nº 64 despachada e o 1º de Maio passado, dedico-me a pôr a correspondência em dia. No 1º de Maio desfilámos (poucos, como sempre) com uma faixa dizendo “Já só falta pedir desculpa aos pides pelo 25 de Abril”. Foi bastante aplaudida porque as pessoas estão motivadas com o escândalo do pide Rosa Casaco, fugido há anos e que veio a Lisboa dar uma entrevista à imprensa, deves ter sabido. Também distribuímos um manifesto intitulado “sinais de perigo” (vem na próxima PO) e um outro sobre “Cem vítimas da PIDE” que fez sucesso Em seguida, fizemos o lanche de confraternização com 40 pessoas e… até para o ano! Vou agora dedicar algum tempo para preparar artigos para a PO, é essa a minha vida. E quanto à preparação de algum material de fundo, com vista a um livro, como tu sugeres, vai ficando eternamente adiado.

Recebi o vale postal de 4.000S00 (além dos 50 francos anteriores). Tenho recebido os diversos materiais que tens mandado, nomeadamente a “Rcvue Internationale” e o livro sobre “La révolution manquée”, de que fiz uma recensão na PO, deves ter visto. A encomenda com os livros que pediste segue dentro de dias, porque o Brecht está atrasado na tipografia. Só segue um exemplar do Thomas porque de momento não dispomos de mais, estão todos distribuídos; fica registado e logo que houver mais mandamos-te, certo? E fico à espera do livro de Lafargue de que falas, será que dava para uma edição em português? A Dinossauro está a postos, embora quase falida…

Espero que a tua actividade associativa te dê boas possibilidades de contactos, pelo que contas parece que sim. Calculo que o meio da emigração seja em geral muito pouco politizado, de resto aqui é o mesmo. Tomei parte recentemente em três debates (dois deles de estudantes) e pude constatar como os defensores das teses reaccionárias se movem à vontade e os defensores de ideias marxistas são incompreendidos ou mal vistos pela assistência. Faz dó ver os jovens, sem audácia nenhuma, a repetir as baboseiras capitalistas que lhes ensinam, como se fossem verdades incontroversas. Mas vai-se à luta e são obrigados a ouvir umas tantas verdades. Será que podemos programar um encontro lá mais para o fim do ano? Bem gostaria mas vejo as tropas muito desmobilizadas. pouco a pouco vão-se todos retirando para a sua vida pessoal.

Bem, mas não quero acabar em tom de lamentação. A disposição de prosseguir é firme cá pelo lado da PO. Estou a preparar um artigo para a próxima, que se chamará possivelmente “Partido: cuidado com os partos prematuros”, que vai ao encontro da vossa ideia do Centro Marxista. Estamos numa fase de germinação e não compensa querer queimar etapas. Temos é que saber cumprir as tarefas próprias desta etapa: jornais, debates, núcleos, etc. Só daí poderá surgir uma corrente de ideias suficientemente forte para dar base ao partido. Esforçamo-nos por que a PO cumpra a sua parte nesse trabalho preparatório, mas são precisas muitas mais iniciativas. Foi essa ideia que procurei transmitir na curta alocução que fiz no lanche do 1º de Maio.

Por agora c tudo. Desejo êxitos no vosso trabalho. Aceitem abraços de todos

 

Cartas a HN – 10

Francisco Martins Rodrigues

Carta a HN – 10

16/6/1997

Caro Camarada:

A P.O. está na tipografia e, como de costume, meto-me a pôr em dia a correspondência, escandalosamente atrasada. Nos últimos meses, para complicar as coisas, os meus problemas familiares (mãe com 91 anos e três irmãos doentes, todos velhos e solteiros) têm-se embrulhado de tal maneira que a minha produção tem sido muito dificultada. Mesmo assim, nesta P.O. enfiei dois artigos grandes, um de história do PC e outro de resposta ao AN, acerca do tema do imperialismo. Acho que ele está influenciado por certa teorias que minimizam o papel do imperialismo, julgam ver o centro da revolução mundial na Europa e encaram com superioridade os países atrasados do “terceiro mundo”. É uma perspectiva perigosa porque abre a porta ao reformismo, como se viu com os velhos Pcs. Enfim, vocês verão o que acham.

Na parte da vossa colaboração, vão ter razões para ficar zangados comigo, pois guardei tão bem os dois textos que enviaste que lhes perdi o esconderijo e não puderam ser incluídos. Só agora, depois da P.O. pronta e quando fiz uma limpeza geral à papelada consegui descobri-los. Irão entrar na próxima P.O., um como carta (resposta a C. Nunes) e o outro como artigo (resposta a Af. Gonçalves). Desculpem o mau jeito mas foi resultado da acumulação de trabalho. Entretanto, podem mandar mais colaboração para o próximo número, que só sai no começo de Outubro (fecho da redacção = 20 de Setembro), visto que fazemos as habituais férias de Verão. Seria conveniente, em minha opinião, que as vossas colaborações localizem melhor o tema central e procurem aprofundar a argumentação em tomo dele, evitando as demasiadas generalizações que alongam o texto tirando força à argumentação. Claro que vocês me deixam sempre à vontade para fazer cortes e adaptações mas eu gostaria de evitá-lo, pode-se deturpar sem querer aquilo que o autor queria transmitir.

O 1º de Maio correu normalmente, entrámos na manifestação da CGTP com a nossa faixa e o nosso manifesto, que despertou interesse. Em seguida fizemos o lanche de confraternização, com 30 pessoas, e que deu para vender livros e recolher alguns fundos. Uma semana depois, fizemos um colóquio no teatro da Comuna (só apareceram 20), que decorreu com interesse, vários participantes pedem continuação. Talvez marquemos outro debate antes de começarem as férias.

A troca de cartas que houve entre a redacção e um grupo de camaradas foi um pouco agreste no tom mas não me parece que tivesse gravidade de maior. O núcleo redactorial não gostou das críticas feitas por alguns camaradas que muito pouco têm colaborado e que apareceram de repente a dizer que “devia ser assim e devia ser assado”. Mas depois de algumas explicações o diferendo aplanou-se e continuamos a trabalhar em conjunto porque os pontos de vista políticos são semelhantes. O lº de Maio foi uma oportunidade para desfazer quaisquer ressentimentos. O MV prometeu fazer o Contraponto nº 3 antes de voltar para Paris (volta para lá definitivamente em Setembro), mas está a andar devagarinho. Não o deixo ir embora sem dar o trabalho como pronto.

O Zé Morais passou por aqui como um foguete, só deu para irmos beber um copo juntos. E que tal de planos de férias? Manda notícias vossas, que nos dão sempre muito prazer. E mais publicações, recortes, etc. Um grande abraço.

 

Cartas a JM – 7

Francisco Martins Rodrigues

Carta a JM – 7

20/11/1988

Caro Z.:

Enquanto aguardamos notícias tuas, algumas informações:

A festa da P.O. na Voz do Operário, a 12 de Novembro, foi um êxito pois, apesar da escassez das nossas forças, reunimos 200 pessoas que não foram apenas assistir a um espectáculo (como se tornou hábito ultimamente nas coisas de esquerda) mas também a uma sessão política. Fiz uma intervenção sobre os nossos objectivos e falaram dois camaradas de duas grandes empresas onde há movimentações operárias com intervenção da nossa parte (STCP e Sorefame). Houve um lanche de confraternização, venda de publicações, poemas de Brecht e no final o José Mário Branco, que expressou publicamente a sua simpatia pela P.O. Estamos satisfeitos porque o ambiente continua difícil e receávamos pouca adesão.

Ainda não sabemos quais as tuas impressões sobre o novo figurino da P.O. (recebeste os 20 exemplares que anunciei na carta de 15/10?). Pela nossa parte, embora lhe achemos várias fraquezas a corrigir, estamos animados porque pela primeira vez conseguimos distribuir toda a tiragem (1000 exemplares) em menos de um mês. Fizemos l14 bancas de venda militante, na maioria à porta de empresas, e conseguimos alguma venda. Também aumentámos bastante a colocação em barcas comerciais e quiosques. Estamos agora a. trabalhar no nº 17 (a sair para a rua só no início de Janeiro, devido aos feriados do Natal que impedem a distribuição comercial) e, para já, vamos editar mais um suplemento gratuito dedicado sobretudo ao congresso do PCP.

Sempre fizeste a viagem a Paris? Que resultados deu? 0 que viste com o MV sobre o alargamento da distribuição na emigrarão? Ficamos a espera das tuas notícias. A Elizabeth veio cá à festa, acho que levou boa impressão. Propusemos encarregar-nos da composição do “Anti-Dimitrov” em francês mas ela diz que prefere fazê-la pelos seus meios. Pensas que o calsal [sic] terá alguma possibilidade de ajudar a difusão da P.O. entre os emigrantes portugueses? Será bom, quando possas, ires conversar um pouco com eles. Entre outras coisas, poderias propor-lhes que passassem a dar uma quotização regular de apoio que sairia publicada na P.O. E não te esqueças que também tens que fixar e enviar a tua quota. E como vão os ML suiços?

Prevemos a reunião de uma assembleia em Janeiro. Seguirão mais notícias brevemente. Abraços para ti e para a V

Cartas a JM – 5

Francisco Martins Rodrigues

Carta a JM – 5

26/9/1988

Caro Z.:

Só um pequeno suplemento à carta de 13/9, que espero tenhas recebido. Faltou enviar-te uma carta de contacto para Paris. Segue junta, para tu tentares conversar e saber o que são.

A nossa assembleia realizou-se a 17, teve boa participação e discutiu apenas as questões práticas que se relacionam com o novo modelo de revista. Deve sair para a rua em 15 de Outubro. Quanto à festa do 3º aniversário da P.O., que tínhamos marcado para 22 Outubro, concluímos que tem que ser adiada para 12 Novembro. Será na Voz do Operário e o José Mário Branco já concordou em ir cantar.

Sei que telefonaste a dar conta do andamento dos trabalhos. Quando estiver livre da redacção da revista escrevo-te com mais detalhe. Abraços para ti o para a V.

Não esqueças fixar a tua quota !

Cartas a PA – 4

Francisco Martins Rodrigues

Carta a PA (4)

7/5/1985

Amigo P:

Algumas informações sobre a nossa actividade e perspectivas:

“Anti-Dimitrov” – Está praticamente todo vendido, estamos a pensar em reeditar. Não sei se tens aí algum comprador em perspectiva. Já leste? Que te pareceu? Estamos a realizar algumas reuniões de debate para agitar as ideias do livro e tentar criar corrente de ideias. Junto dois recortes dos muitos que saíram nos jornais daqui.

“Política Operária” – é o nome da futura revista de crítica marxista, a começar em Outubro. Segue junto o manifesto de lançamento e o estatuto editorial. Vão também algumas folhas para subscrição antecipada. Estamos a preparar as condições técnicas, financeiras e de redacção para assegurar a revista a partir de Outubro, bimensal. Vamos fazer um número experimental, no mês próximo, que não será impresso e servirá só para nos treinarmos. Como já te pedi anteriormente, será muito importante a tua ajuda: recortes da imprensa, jornais ou revistas, livros ou folhetos, artigos ou notas tuas. 0 ideal era seres o nosso correspondente em Londres, o que implicava mandares-nos de dois em dois meses um comentário sobre questões em foco aí (na política interna, na política externa, ou na corrente ML). Poderemos contar contigo? Lembrámo-nos de que poderias fazer aí uma assinatura para nós de uma revista que nos ponha ao par dos debates na corrente ML. Falaram-nos na “New Left Review”, mas não sabemos se é essa a mais interessante. Tu estás em melhores condições para decidir. Podemos contar?

Organização – Inaugurámos a nossa sede no 12 de Maio, com uma confraternização e debate que reuniu cerca de 70 camaradas e amigos. Participámos com as nossas faixas e palavras de ordem próprias nas manifestações do 25 de Abril e do 1º de Maio. Estamos agrupados em núcleos, temos uma direcção constituída e vamos fazer debates amplos periódicos. Para já, um sobre intervenção sindical, para o mês que vem haverá outro sobre a experiência do PC(R) e da corrente ML em Portugal.

Partidos ML – enviámos a 25 partidos e grupos ML, incluindo o PTA e PC do Brasil, uma carta em que expomos resumidamente a nossa plataforma política e as razões do nosso corte com o PC(R). Segue junta uma cópia traduzida em inglês. Talvez tu pudesses enviá-la a partidos ou grupos (Inglaterra, índia, Canadá, etc.) de que tenhas referência. Podes fazer-nos chegar os endereços de partidos ou grupos ML para completarmos o nosso ficheiro? Pretendemos enviar a revista para todos os que estejam interessados em fazer troca de publicações.

PC(R) – Depois de alguns artigos no “BV” a chamar-nos anarco-trotskistas, têm feito silêncio a nosso respeito. Sabemos que prometeram aos militantes uma resposta ao “Anti-Dimitrov” numa Conferência que vão realizar em breve, mas temos fortes dúvidas de que se metam nisso. A táctica do PC(R) para “um candidato único das oposições contra a reacção” nas eleições presidenciais, ou seja, na prática, o apoio à candidatura de Lurdes Pintasilgo, está a provocar algum descontentamento nas fileiras, ao mesmo tempo que reforça as tendências mais direitistas. Isto reforça a nossa convicção de que o PC(R) se irá afastando gradualmente e cada vez mais do campo revolucionário, depois da ruptura que fez com a sua ala esquerda (nós).

Manifesto – Tirámos 1.000 exemplares do manifesto inaugural da OC-PO (Organização Comunista “Política Operária”), que estamos a usar para debates em torno das nossas posições e para ganhar novas adesões. Gostaria que mandasses a tua opinião e que digas se há alguma possibilidade de traduzir em inglês para divulgação aí. Mando também uma carta que temos estado aqui a enviar a militantes do PC(R).

Finanças – Apoiando-nos nos nossos recursos financeiros e num empréstimo, vamos comprar uma máquina de fotocomposição em segunda mão, que nos servirá não só para fazer a revista como para trabalhos comerciais que a financiem. Esperamos ter a funcionar dentro dos próximos dois meses um ateliê de composição, fotografia e montagem, pois vieram do PC(R) vários camaradas especializados nestes trabalhos. Como decerto compreendes, a questão financeira é a mais premente. Haverá aí algumas condições para recolheres verbas de apoio para o lançamento deste projecto? Peço-te que faças todo o possível neste campo, pois as dificuldades são enormes. Neste sentido escrevi também ontem ao MV.

Contando com notícias tuas logo que possível e com todo o apoio que possas dar ao nosso projecto, aceita um abraço

 

Cem vítimas do fascismo

Francisco Martins Rodrigues

Distribuído no 1º de Maio de 1994

O regime de Salazar-Caetano foi ou não fascista? A PIDE foi ou não
uma organização de assassinos? Estas parecem ser as grandes questões
em debate, neste 209 aniversário do 25 de Abril. Para avivar a memória
dos “distraídos”, recordamos os nomes de cem vítimas, extraídos de um
folheto publicado em 1974 pela Associação de Ex-Presos Anti-Fascistas.
Com uma pergunta: os que se sacrificaram pela liberdade merecem
o espectáculo vergonhoso a que se assiste de reabilitação do
fascismo?
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Cartas a MV – 41

Francisco Martins Rodrigues

Carta a MV (47)

6/12/1993

Caro M.:

Deves estar a receber muito em breve a P.O. nQ 42, que está na tipografia. Publicámos com destaque as matérias que nos mandaste e esperamos comprometer-te, de modo a continuares. A tua escrita verrinosa faz-nos falta. A carta de Paris é imprescindível. Afinal somos europeus ou não?

O que estava prometido e não veio foi o Albatroz. Problemas com a poluição dos mares? Repetimos o anúncio das últimas publicações Albatroz mas esperamos que até meados de Janeiro haja novidades quanto à revista. Uma coisa que me preocupa é que a colaboração que te mandei já está muito desactualizada. Se vires interesse e ainda for a tempo,
posso fazer outro comentário mais actualizado, mas só se fizer mesmo falta. Diz alguma coisa sobre isto.

O governo está a sofrer um sério desgaste com os efeitos da ressaca económica. O Cavaco perdeu os ares olímpicos e está a dar mostras de nervosismo e insegurança. Ainda agora substituiu quatro ministros e prevê-se uma votação muito baixa nas autarquias, dia 12 deste mês. Afinal o “gigante” PSD aparece com os seus pés de barro. A pequena burguesia, sempre instável, passa da adoração ao retraimento. Os estudantes são como sempre um bom barómetro; em menos de dois anos passaram dum cavaquismo entusiasta para uma aversão ardorosa ao governo, sobretudo depois de terem levado uma carga da polícia nas escadarias da Assembleia.

Na frente do trabalho, também há sintomas, que a comunicação social procura desdramatizar e apagar, mas com algum significado, como a manifestação da TAP no aeroporto, uma greve “selvagem” no porto de Setúbal, uma marcha da fome dos vidreiros da Marinha Grande até Lisboa, uma greve na Lisnave…

Está a passar o centenário do nascimento de Mao e fui convidado, juntamente com a Ana, o Arnaldo Matos (!), Pacheco Pereira (!!) e Pedro Baptista (da ex-OCMLP) para uma semana de colóquios no Museu da Resistência, que é uma coisa dependente da Câmara Municipal de Lisboa e dominada pelos PS. Decidimos aceitar e ir lá largar umas bujardas
em defesa do presidente Mao, embora o público seja bastante restrito. Veremos o que se apura como agitação revolucionária.

Quanto ao “Courrier International”, não me parece que valha a pena renovares assinatura. Eu julgava que tu o obtinhas em qualquer lado de borla. É interessante como informação geral mas para a P.O. pouco adianta e não merece a despesa. O que nos é útil (até pelos desacordos que motiva…) é a revista da “Politis”. Se puderes, continua a enviar, pelo
menos os números dedicados a temas que interessem à nossa área. Outra coisa: podes obter ou sabes onde obter um CD editado há anos e chamado “Obrigado Otelo”?

Abraços para todos.

 

Cartas a MV – 35

Francisco Martins Rodrigues

Carta a MV (41)

7/6/1993

Caro M:

Recebi há dias uma forte molhada de revistas, catálogos, panfletos da festa da “Lutte
Ouvrière”, etc., que estou a estudar com vagar. Calculo que tenhas recebido as segundas
provas do “Anal/f/abertos” e que esteja tudo a andar por esse lado. E o Albatroz, nunca mais sai? Queria pôr um anúncio na P.O. mas não sei se se pode já indicar a data de saída.

Também soube pelo teu postal que estiveste a fazer umas férias em Creta, como
verdadeiro europeu. E quando vens visitar o Portugalório arruinado? Daqui não há muito para contar, ou sou eu que ando distraído. PSD e PS andam entusiasmados em ataques mútuos, com vista às eleições autárquicas que são em Dezembro, mas tenho a sensação que o pagode está-se marimbando, soa tudo a manipulação. A grande arma do Cavaco é que a massa das pessoas entrou mesmo na lógica de que a política não vale a pena e o que interessa é ganhar mais dinheiro.

Marchámos na manifestação da CGTP no 1º de Maio, bem concorrida mas mais folclórica que militante e encontrámo-nos depois com os amigos num lanche, em simples confraternização. É o que se arranja e viva o velho.

As actividades anti-racistas do MAR é que apresentam melhores perspectivas e atraem alguns jovens. Está em preparação um espectáculo teatral para celebração condigna do Dia da Raça, o 10 de Junho: um leilão de escravos, “colhidos na costa da Berbéria, todos sãos e fermosos”. O infante D. Henrique preside à divisão dos escravos em lotes, montado num cavalo. E para maior picante, a coisa vai-se passar frente à Casa dos Bicos, que é sede da Comissão Nacional dos Descobrimentos. Vamos a ver se não vai tudo corrido à batatatada pela polícia.

A P.O. está pronta para a tipografia; embora um pouco atrasada, vai sair dentro de
uma semana. Decidimos iniciar uma nova série em Outubro, quando entrarmos no 9º ano.
Passamos a formato A4, para poder paginar no computador e aproveitamos para arejar um pouco a maquete. O AB fez um projecto de maquete, de que te mando cópia
junto. Gostaríamos de conhecer as tuas críticas e sugestões. Também seria bom se desses
algumas sugestões para a capa, de que ainda não há nada feito, tipo de letra do título, etc.
Enfim, peço-te que aproveites a ocasião para nos dizer tudo o que te parece mal no modelo
actual e na maquete prevista, para ver se nos modernizamos e europeizamos.

Estava para publicar neste n° 40 o último artigo da série que tenho vindo a fazer sobre
a revolução russa, “Afinal Kautsky tinha razão?” Os livros que me mandaste foram-me muito úteis e gostei de descobrir o tão falado Kautsky não apenas por referências mas nas suas próprias palavras. (Desculpa não ter respondido à tua oferta do livro “Terrorisme et
Communisme” de Trotsky, mas tenho-o cá). É estimulante ver a revolução confrontada por
uma reformista quando é da classe do “renegado Kautsky” — activa as ideias, apresenta as
coisas sob outros ângulos. Acontece que o artigo ainda estava um pouco cru e como já não havia tempo, ficou adiado para Outubro.

Penso até coligir e melhorar os artigos que tenho feito sobre a revolução russa, com vista à publicação em livro (ou livrinho) no Outono. Se isso for avante, mando-te uma cópia lá para Agosto/Setembro, a fim de tu me dares uma opinião. Gostaria de dar por encerradas as minhas reflexões sobre este assunto, até porque já me dá a sensação de estar sempre a mastigar no mesmo. De qualquer modo, chego ao fim com uma perspectiva que me parece mais marxista do que foi a revolução russa, o Lenine, Staline, Trotsky, etc. Tinha uma camada tão espessa de ideias feitas, adquiridas nos bons tempos da propaganda oficial da URSS, que foi preciso remexer nisto tudo para conseguir libertar o pensamento. Espero que isso tenha consequências positivas quanto aos outros assuntos que têm que ser repensados.

Perguntavas numa das tuas últimas cartas se podes reproduzir o artigo do R,
nem se pergunta! Usas os artigos da P.O. como entenderes. Eu colhi dos Anal/f/abertos o
texto sobre o futebol, que sairá na P.O. 40. Espero que não tenha metido água. (…)

E é tudo, por agora. Não vens mostrar Portugal à tua companheira? Espero que a S
desembarque numa boa. Um grande abraço.

Cartas a MV – 32

Francisco Martins Rodrigues

Carta a MV (37)

15/9/1992

Caríssimo:

Não recebi resposta às questões que te pus na minha carta de 14 de Julho: colaboração tua para a P.O., renovação da assinatura do Monde Diplomatique, contacto com o Serfaty, notícias sobre o Albatroz. Estou preocupado com a tua falta de notícias mas espero que estejas apenas de férias, numa boa.

Escrevo-te esta para te dizer que renovei aqui a assinatura do Monde Diplomatique; não faças aí uma em duplicado. Estamos a fechar a P.O., se quiseres mandar alguma coisa ainda vem a tempo. Escreve ou tomamos pública a tua irradiação! Além disso, só te escrevo sobre a política cá da terra quando escreveres uma carta em condições.

Um abraço

Carta a MV (38)

9/12/1992

Caro Manuel:

Só agora, depois de enviada para a tipografia a P.O. nº 37, pude meter-me a pôr em dia a vastíssima correspondência que aflui de todos os cantos do mundo… Respondo à tua carta de 28 de Outubro.

A visita do torcionário Hassan II não está marcada, nem oficialmente confirmada. Já foi mais de uma vez anunciada na imprensa, desde Abril ou Maio, mas depois fica tudo em silêncio. Suponho que há dificuldades no estabelecimento da agenda, interesses económicos conflituais (pescas, conservas). Uma coisa parece certa: do lado de cá, o Mário Soares está interessado em promover a visita e tem lançado periodicamente referências simpáticas a Marrocos na imprensa, além de abafar as referências desagradáveis. Uma coisa positiva foi a aparição recente do Abraham Serfaty num programa organizado pela Amnistia Internacional, no novo canal da SIC (Balsemão/«Expresso»), denunciando a situação dos presos marroquinos. De acordo com a tua sugestão, vou escrever ao Serfaty propondo a redacção desse manifesto, para não sermos colhidos de surpresa se a visita for avante dum momento para o outro. Procurei mas não encontrei fotos de visitas dos grandes chefes lusitanos a Marrocos.

A P.O. passou para 32 páginas e está a ampliar a lista de colaboradores regulares, como verás pelo nº 37 que te chegará dentro de dias. Só a «Carta de Paris» não corresponde. Quando te irritas com algum acontecimento e tens um dos teus desabafos, fazes óptimas cartas; o pior é que te irritas poucas vezes… Será desta que vais mandar algo? Ganhámos um novo colaborador, João Paulo Monteiro, do Porto, que parece ter ideias e sabe expô-las. Diz-me o que te parecem os artigos dele.

 A distribuição da revista também deu um «grande salto em frente»: passámos para 120 pontos de venda na região de Lisboa e estamos a alargar também no Porto e a arranjar outras localidades, tudo na base militante. O nosso sonho continua a ser a passagem à publicação mensal, mas só se assegurarmos uma rede maior de colaboradores certos.

Quanto a outras áreas de actividade, continuamos bloqueados. O único campo em que temos feito alguma intervenção tem sido na questão do racismo e colonialismo, através do MAR, Movimento Anti-Racista. Deslocámos uma delegação a Cádiz em Setembro, onde participámos num encontro internacional contra as Comemorações dos 500 anos dos Descobrimentos; contactos com esquerdas latino-americanas, índios, teologia da libertação, não nos faltam. Continuamos a ir para a rua Augusta fazer agitação anti-racista e anti- descobrimentos. De cada vez, é um êxito quanto à comoção pública que causa, mas, como digo numa crónica que escrevi na última P.O., as reacções de extrema-direita e mesmo abertamente nazis começam a tomar-se descaradas, perante a vacilação e o receio da maioria das pessoas presentes. O ambiente aqui não tem termo de comparação com o do resto da Europa, vai tudo sempre mais devagar, mas, como bons alunos, acabam por lá chegar…

Um teste esclarecedor foram os acontecimentos em Angola, que levantaram na imprensa daqui uma vaga pró-Savimbi que nem queiras saber. Mando-te fotocópia dum artigo que consegui fazer sair no «Público». Agora estou a ver se publicam um outro que para lá enviei, em resposta a um artigo porco do Pacheco Pereira, que me referia entre os rivais infelizes de Cunhal (o velho passou à semi-reforma no congresso do PC que acaba de ter lugar).

Quanto ao terreno propriamente comunista, estamos a bradar no deserto. Espero que não me venham buscar um dia destes para o manicómio. Os nossos contactos internacionais não avançam, recuam. Os norte-americanos andam metidos num debate interno que possivelmente vai dar a divisão em duas ou três partes. Dos iranianos, quase nada sabemos, a não ser que o Mansor Hekmat saiu do partido. E pela tua parte? O último livro do Tom Thomas é interessante, eu tinha preparado um comentário-resumo, mas saltou por falta de espaço, sairá na próxima P.O. Estou a receber o «Monde Diplo».

Pedimos tudo o que vejas por aí de papéis com algum interesse. É tudo, Manel. Abraços de todos nós. Se vieres a Portugal, procura-nos!