Francisco Martins Rodrigues
Carta a HN – 11
29/12/1997
Caro Camarada:
A resma das tuas cartas por responder já começa a ser assustadora, pelo que não sei como justificar a falta de resposta atempada. Mas no fundo considero-me ilibado, porque os últimos dois meses tiveram, além dos trabalhos habituais, a sobrecarga da mudança, com transporte de montanhas de papelada, classificação, arquivo, destruição Tudo isto a descer dum quarto andar e a subir para um quinto. De tal maneira que apanhei uma das minhas crises reumáticas, mas felizmente já passou. Quem tem feito força, é claro, tem sido o Bntónio Barata, que é rapaz novo e possante. Agora, com a mudança a chegar ao fim, a PO 62 expedida (recebeste?) e dois livros novos na tipografia, posso preparar-me para entrar no novo ano com espírito tranquilo.
Teus materiais – Aproveitei passagens duma carta tua sobre as actividades dos portugueses em Genève, mas, na dúvida sobre se te causaria problemas ter o teu nome por baixo, visto que agora és vice-presidente federativo (parabéns!), resolvi assinar com um pseudónimo. Fiz mal? Do artigo teu e do Z “Os caminhos difíceis do marxismo-leninismo” que já cá está desde Setembro, por não ter cabido no nº anterior, preparei agora uma condensação que sairá no próximo número. Creio que respeita a ideia central da vossa crítica. Esse problema da distância entre o que a OCPO se propôs fazer no início e o que é actualmente a PO preocupa-nos a todos, evidentemente, mas ainda não vejo meios de sair do impasse. Procurei tocar o assunto nesta última PO (“Acção comunista em tempo de maré baixa”) e penso continuar na próxima, para tentar clarificar um problema que muito tem contribuído para a paralisia dos antigos militantes saídos do PC(R): o que estava certo e o que estava errado na nossa prática anterior, nomeadamente na intervenção sindical, alianças, combate ao PC, táctica eleitoral, e sobretudo métodos de edificação do partido? Há quem pense, e ou sou um deles, que as ideias antigas sobre táctica comunista têm que ser passadas a pente fino, porque se infiltrou muito contrabando oportunista nos partidos comunistas, desde os anos 30, a coberto da Internacional Comunista. Por onde passa o esquerdismo e onde começa o oportunismo? Esta questão esteve sempre em aberto no PC(R) e aeho que nunca ficou esclarecida. Continuem a mandar as vossas colaborações, com muitas críticas, que isso faz faliu à evolução colectiva.
Anti-Dimitrov — A ideia de o traduzir foi posta de parte há muito, embora já houvesse uma tradução francesa bastante avançada[i]. A causa fundamental é as limitações que eu e todos nós aqui reconhecemos hoje ao trabalho. Foi importante sobretudo para o colectivo que rompeu com o PC(R) mas a visão que eu tinha na altura sobre as lutas internas na URSS e na Internacional Comunista era ainda muito superficial, não tínhamos compreendido a impossibilidade do socialismo na URSS e o carácter de capitalismo de Estado do regime, toda a nossa crítica girava à volta de “erros” dos dirigentes, “burocratizaçâo do partido”, quando isso eram apenas manifestações de uma estrutura burguesa. Por isso, hoje, o Anti-Dimitrov, embora não me envergonhe, porque tem muitas críticas justas, já não satisfaz. Tenho estado sempre à espera de poder redigir uma nova síntese mais avançada, mas não tem sido possível. Ainda agora pensámos editar em livro o conjunto dos artigos que publiquei na PO sobre a revolução russa mas acabei por desistir porque teriam que ser trabalhados, melhorados e o tempo não dá. No fim de contas, a minha produção tem que ser de artigos e não de livros, mas se os artigos forem fazendo alguns avanços úteis para a reconstrução de um partido comunista, tudo bem, dou-me por satisfeito.
Debates — Estava de facto previsto um para Outubro mas a acumulação de trabalho relacionada com a mudança levou-nos a adiar para data mais oportuna. Também é verdade que não vimos muita motivação do círculo de pessoas mais próximas, toda a gente anda envolvida nos seus problemas pessoais, profissionais, etc., e não sobeja muita disponibilidade. Pode ser que algum acontecimento político nacional ou internacional desperte as pessoas para a necessidade de debater ideias.
Livros Dinossauro – Temos na tipografia dois volumes novos, anunciados na última PO. Sobretudo o do Thomas é importante, embora nada fácil, porque é tudo tratado em termos filosóficos. Ele tem estudado Marx a fundo e faz uma desmontagem das loas que por aí se vendem acerca das liberdades e dos direitos humanos. Quando estiverem prontos, envio-vos uma encomenda de 5 exemplares de cada, para possíveis vendas aí. Os que não venderem, podem devolver. De acordo? Morada do ZB – Ele está a trabalhar na Beira, na Junta Autónoma das Estradas, lá para o lado de Penacova. mas vem aos fins de semana a casa. Temo-nos visto de longe em longe e ele continua rijo. A morada: (…)
Entrevista com o Alberto Pereira-Cem porcento de acordo, se puder vir já para este número melhor. Até 20 de Janeiro!
Revistas — Perguntas-me a opinião sobre duas revistas que vocês assinaram, Revue Internationale e Révolution Internationale, mas eu não conheço nem uma nem outra. Importas-te de me mandar os números já lidos para eu dar uma vista?
Vossa contribuição — Chegou em boa ordem , a dificuldade é trocar os francos suíços, no banco cobram uma taxa exorbitante, é um roubo, por isso vou-os conservando à espera de alguém conhecido que vá à Suíça e queira comprar francos à taxa de câmbio.
E por agora é tudo. Sempre vens cá em Janeiro como tinhas previsto? Não deixes de nos procurar. Envio-te a ti e ao Z um forte abraço e para ti em particular parabéns pelos progressos acelerados que tens feito com o computador. Ninguém te agarra. Abraços de todos nós.
[i] Existe a versão em francês, corrigida por FMR. Haja quem a edite. (Nota de AB)