Cartas a MV – 35

Francisco Martins Rodrigues

Carta a MV (41)

7/6/1993

Caro M:

Recebi há dias uma forte molhada de revistas, catálogos, panfletos da festa da “Lutte
Ouvrière”, etc., que estou a estudar com vagar. Calculo que tenhas recebido as segundas
provas do “Anal/f/abertos” e que esteja tudo a andar por esse lado. E o Albatroz, nunca mais sai? Queria pôr um anúncio na P.O. mas não sei se se pode já indicar a data de saída.

Também soube pelo teu postal que estiveste a fazer umas férias em Creta, como
verdadeiro europeu. E quando vens visitar o Portugalório arruinado? Daqui não há muito para contar, ou sou eu que ando distraído. PSD e PS andam entusiasmados em ataques mútuos, com vista às eleições autárquicas que são em Dezembro, mas tenho a sensação que o pagode está-se marimbando, soa tudo a manipulação. A grande arma do Cavaco é que a massa das pessoas entrou mesmo na lógica de que a política não vale a pena e o que interessa é ganhar mais dinheiro.

Marchámos na manifestação da CGTP no 1º de Maio, bem concorrida mas mais folclórica que militante e encontrámo-nos depois com os amigos num lanche, em simples confraternização. É o que se arranja e viva o velho.

As actividades anti-racistas do MAR é que apresentam melhores perspectivas e atraem alguns jovens. Está em preparação um espectáculo teatral para celebração condigna do Dia da Raça, o 10 de Junho: um leilão de escravos, “colhidos na costa da Berbéria, todos sãos e fermosos”. O infante D. Henrique preside à divisão dos escravos em lotes, montado num cavalo. E para maior picante, a coisa vai-se passar frente à Casa dos Bicos, que é sede da Comissão Nacional dos Descobrimentos. Vamos a ver se não vai tudo corrido à batatatada pela polícia.

A P.O. está pronta para a tipografia; embora um pouco atrasada, vai sair dentro de
uma semana. Decidimos iniciar uma nova série em Outubro, quando entrarmos no 9º ano.
Passamos a formato A4, para poder paginar no computador e aproveitamos para arejar um pouco a maquete. O AB fez um projecto de maquete, de que te mando cópia
junto. Gostaríamos de conhecer as tuas críticas e sugestões. Também seria bom se desses
algumas sugestões para a capa, de que ainda não há nada feito, tipo de letra do título, etc.
Enfim, peço-te que aproveites a ocasião para nos dizer tudo o que te parece mal no modelo
actual e na maquete prevista, para ver se nos modernizamos e europeizamos.

Estava para publicar neste n° 40 o último artigo da série que tenho vindo a fazer sobre
a revolução russa, “Afinal Kautsky tinha razão?” Os livros que me mandaste foram-me muito úteis e gostei de descobrir o tão falado Kautsky não apenas por referências mas nas suas próprias palavras. (Desculpa não ter respondido à tua oferta do livro “Terrorisme et
Communisme” de Trotsky, mas tenho-o cá). É estimulante ver a revolução confrontada por
uma reformista quando é da classe do “renegado Kautsky” — activa as ideias, apresenta as
coisas sob outros ângulos. Acontece que o artigo ainda estava um pouco cru e como já não havia tempo, ficou adiado para Outubro.

Penso até coligir e melhorar os artigos que tenho feito sobre a revolução russa, com vista à publicação em livro (ou livrinho) no Outono. Se isso for avante, mando-te uma cópia lá para Agosto/Setembro, a fim de tu me dares uma opinião. Gostaria de dar por encerradas as minhas reflexões sobre este assunto, até porque já me dá a sensação de estar sempre a mastigar no mesmo. De qualquer modo, chego ao fim com uma perspectiva que me parece mais marxista do que foi a revolução russa, o Lenine, Staline, Trotsky, etc. Tinha uma camada tão espessa de ideias feitas, adquiridas nos bons tempos da propaganda oficial da URSS, que foi preciso remexer nisto tudo para conseguir libertar o pensamento. Espero que isso tenha consequências positivas quanto aos outros assuntos que têm que ser repensados.

Perguntavas numa das tuas últimas cartas se podes reproduzir o artigo do R,
nem se pergunta! Usas os artigos da P.O. como entenderes. Eu colhi dos Anal/f/abertos o
texto sobre o futebol, que sairá na P.O. 40. Espero que não tenha metido água. (…)

E é tudo, por agora. Não vens mostrar Portugal à tua companheira? Espero que a S
desembarque numa boa. Um grande abraço.

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