Francisco Martins Rodrigues
Carta a MV (37)
15/9/1992
Caríssimo:
Não recebi resposta às questões que te pus na minha carta de 14 de Julho: colaboração tua para a P.O., renovação da assinatura do Monde Diplomatique, contacto com o Serfaty, notícias sobre o Albatroz. Estou preocupado com a tua falta de notícias mas espero que estejas apenas de férias, numa boa.
Escrevo-te esta para te dizer que renovei aqui a assinatura do Monde Diplomatique; não faças aí uma em duplicado. Estamos a fechar a P.O., se quiseres mandar alguma coisa ainda vem a tempo. Escreve ou tomamos pública a tua irradiação! Além disso, só te escrevo sobre a política cá da terra quando escreveres uma carta em condições.
Um abraço
Carta a MV (38)
9/12/1992
Caro Manuel:
Só agora, depois de enviada para a tipografia a P.O. nº 37, pude meter-me a pôr em dia a vastíssima correspondência que aflui de todos os cantos do mundo… Respondo à tua carta de 28 de Outubro.
A visita do torcionário Hassan II não está marcada, nem oficialmente confirmada. Já foi mais de uma vez anunciada na imprensa, desde Abril ou Maio, mas depois fica tudo em silêncio. Suponho que há dificuldades no estabelecimento da agenda, interesses económicos conflituais (pescas, conservas). Uma coisa parece certa: do lado de cá, o Mário Soares está interessado em promover a visita e tem lançado periodicamente referências simpáticas a Marrocos na imprensa, além de abafar as referências desagradáveis. Uma coisa positiva foi a aparição recente do Abraham Serfaty num programa organizado pela Amnistia Internacional, no novo canal da SIC (Balsemão/«Expresso»), denunciando a situação dos presos marroquinos. De acordo com a tua sugestão, vou escrever ao Serfaty propondo a redacção desse manifesto, para não sermos colhidos de surpresa se a visita for avante dum momento para o outro. Procurei mas não encontrei fotos de visitas dos grandes chefes lusitanos a Marrocos.
A P.O. passou para 32 páginas e está a ampliar a lista de colaboradores regulares, como verás pelo nº 37 que te chegará dentro de dias. Só a «Carta de Paris» não corresponde. Quando te irritas com algum acontecimento e tens um dos teus desabafos, fazes óptimas cartas; o pior é que te irritas poucas vezes… Será desta que vais mandar algo? Ganhámos um novo colaborador, João Paulo Monteiro, do Porto, que parece ter ideias e sabe expô-las. Diz-me o que te parecem os artigos dele.
A distribuição da revista também deu um «grande salto em frente»: passámos para 120 pontos de venda na região de Lisboa e estamos a alargar também no Porto e a arranjar outras localidades, tudo na base militante. O nosso sonho continua a ser a passagem à publicação mensal, mas só se assegurarmos uma rede maior de colaboradores certos.
Quanto a outras áreas de actividade, continuamos bloqueados. O único campo em que temos feito alguma intervenção tem sido na questão do racismo e colonialismo, através do MAR, Movimento Anti-Racista. Deslocámos uma delegação a Cádiz em Setembro, onde participámos num encontro internacional contra as Comemorações dos 500 anos dos Descobrimentos; contactos com esquerdas latino-americanas, índios, teologia da libertação, não nos faltam. Continuamos a ir para a rua Augusta fazer agitação anti-racista e anti- descobrimentos. De cada vez, é um êxito quanto à comoção pública que causa, mas, como digo numa crónica que escrevi na última P.O., as reacções de extrema-direita e mesmo abertamente nazis começam a tomar-se descaradas, perante a vacilação e o receio da maioria das pessoas presentes. O ambiente aqui não tem termo de comparação com o do resto da Europa, vai tudo sempre mais devagar, mas, como bons alunos, acabam por lá chegar…
Um teste esclarecedor foram os acontecimentos em Angola, que levantaram na imprensa daqui uma vaga pró-Savimbi que nem queiras saber. Mando-te fotocópia dum artigo que consegui fazer sair no «Público». Agora estou a ver se publicam um outro que para lá enviei, em resposta a um artigo porco do Pacheco Pereira, que me referia entre os rivais infelizes de Cunhal (o velho passou à semi-reforma no congresso do PC que acaba de ter lugar).
Quanto ao terreno propriamente comunista, estamos a bradar no deserto. Espero que não me venham buscar um dia destes para o manicómio. Os nossos contactos internacionais não avançam, recuam. Os norte-americanos andam metidos num debate interno que possivelmente vai dar a divisão em duas ou três partes. Dos iranianos, quase nada sabemos, a não ser que o Mansor Hekmat saiu do partido. E pela tua parte? O último livro do Tom Thomas é interessante, eu tinha preparado um comentário-resumo, mas saltou por falta de espaço, sairá na próxima P.O. Estou a receber o «Monde Diplo».
Pedimos tudo o que vejas por aí de papéis com algum interesse. É tudo, Manel. Abraços de todos nós. Se vieres a Portugal, procura-nos!