Cartas a MV – 21

Francisco Martins Rodrigues

Carta a MV (24)

20/2/1991

Velho M:

Estou aplicadamente a responder e a ausência não é de tantos meses como dizes; a minha última foi em Novembro, nada mau. Tenho recebido um rio de bilhetes, recortes, jornais, até um livro (“Mon ami le roi”). E também as tuas duas colaborações: a última, curta, saiu no PO 28 (por gralha não foi mencionada como “Carta de Paris”); a outra colaboração, com notas e discordâncias sobre a carta aos comunistas americanos já está composta e ere para sair no caderno cor-de-rosa deste nº 28 mas a acumulação de mate­riais sobre o Golfo obrigou a pô-la de parte. Sairá no próximo nº.

Creio que não tens razão nos teus receios a que deitemos demasiadas coisas pela borda fora. Julgo haver na tua visão sobre a URSS ainda uma carga antiga (quanto ao poderio, ao social-imperialismo, etc.) que me parece (que nos parece a nós aqui) desmentida pelos aconte­cimentos recentes. Eu acho a perspectiva que damos hoje nesta PO so­bre a degenerescência e apodrecimento do regime soviético muito mais marxista-leninista do que a que herdámos dos chineses, albaneses, etc. Sem dúvida, o assunto precisa de mais discussão e a tua carta aju­dará a essa reflexão. Esteve cá um dos dirigentes do MU americano e travámos debates, inconclusivos mas amigáveis. Eles prometeram publicar no seu jornal uma resposta à nossa resposta, dentro de alguns meses. Quando a tivermos mandar-te-ei; possivelmente publicaremos.

Golfo: temos estado desesperadamente a tentar agitar as águas pantanosas do consenso pró-americano nesta terra, como verás pela PO 28 e por uma folha da CCIG[i] que aqui te mando junto. Estamos de novo associados com os trotskistas da FER, porque foram os únicos a condenar sem reservas a agressão imperialista americana. Hoje esti­vemos mais uma vez com uma exposição de painéis na Rua augusta e dis­tribuindo comunicados. Suscita uma enorme atenção e discussões por vezes acaloradas, com opiniões fascistóides a vir ao de cima a cada passo. Depois de amanhã vamos fazer nova concentração frente à embai­xada americana, mas não espero mais de duas centenas. Mando-te também fotocópia de alguns artigos que tenho publicado na imprensa, é pos­sível que algum vá repetido; tenho um artigo no “Público” à espera que saia, sobre o “anti-americanismo primário” (a desculpa prefe­rida dos nossos intelectuais vendidos) mas está difícil de sair, desconfio que as minhas hipóteses no “Público” vão acabar.

Recebi o artigo que te mandei “Lisboa a sono solto” tra­duzido em francês, mas não percebi porquê, porque não me voltaste a dizer nada sobre o Albatroz” que iria sair e para o qual te man­dei esta colaboração. São dificuldades financeiras, suponho? Há perspectivas de sair a breve prazo? O V afinal sempre te dá alguma ajuda? Diz-me alguma coisa sobre isto.

Ficámos aqui muito satisfeitos por ter chegado a resposta de Serfaty[ii] e a confirmação de que recebeu a encomenda com a PO. Te­mos estado a enviar-lhe a PO regularmente, espero que a receba. Vou decifrar o texto elaborado pelos presos sobre os recentes acontecimentos em Marrocos, talvez se possa publicar algo no próximo nº. Foi pena não ter chegado quinze dias antes; fiz um pequeno artigo sobre o assunto com base nas notícias dos Jornais, que saiu na PO 28.

Quem apareceu aqui com alguns manifestos mais radicalizados sobre a cruzada do Golfo ainda foram os anarquistas, temos algumas pontas para alguns, procurando vias de colaboração nesta frente. E aí, depois das manifestações que informaste, amainou o ambiente?

Ainda não li a tua intervenção no congresso sindical, che­gou aqui ontem, depois te direi algo.

Quanto ao resto da nossa actividade, segue como normalmen­te, isto é, reduzida a um punhado de “fanáticos” e por isso cheia de deficiências, mas cá vamos. Eu canalizo as minhas fúrias para os jornais; enquanto mas publicarem… Ontem mandei um depoimento para o “Independente” (da direita) sobre o maoísmo.

Um abraço, até breve

 

[i] Comissão Contra a Intervenção no Golfo (CCIG), ver comunicado em https://ephemerajpp.com/2014/12/07/comissao-contra-a-intervencao-no-golfo-ccig/. (Nota de AB)

[ii] Tratava-se do marroquino Abraham Serfaty (1926 -2010), militante e activista político, que foi preso durante o reinado autoritário do rei Hassan II. Esteve quinze meses num cárcere subterrâneo, tendo cumprido dezassete anos de prisão.  Em parte graças a uma campanha internacional a seu favor, foi libertado e viveu oito anos de exílio em França, antes de regressar a Marrocos, onde faleceu. (Nota de AB)

 

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