Francisco Martins Rodrigues
Carta a MV (24)
8/8/1989
Caríssimo M.:
Tenho recebido ultimamente um rio de encomendas da tua parte, o que é muito agradável. Só fico doente quando tu insistes em escrever para te mandar a P.O. quando nós a expedimos pontualmente cada vez que sai. Que número não recebeste? O 18? O 19? O 20? Será que o carteiro, não encontrando ninguém em casa, deita fora a encomenda? Queres que seja expedida para outra morada? Agora o próximo nº só vai sair em fins de Setembro, princípio de Outubro. Diz se queres que vá para outro lado. O que te parece a revista?
Temos consciência de que tem evoluído pouco, tem dito poucas coisas novas e vamos fazer um esforço maior nesse sentido, O nosso carácter é de revista de propaganda e não ganhamos nada em ser uma espécie de revista-jornal. Tencionamos manter o figurino actual, mais ligeiro que o anterior, mas procurar dar mais conteúdo às secções, fugir ao estilo informativo que não nos compete. Fizemos recentemente um debate inconclusivo sobre problemas da revolução russa e estou a preparar um artigo nessa base, talvez para o próximo nº. A nossa vida continua dentro de parâmetros estreitos, numa área de influência reduzida, a participação na FER com os trotskistas foi uma tentativa para nos tornarmos mais conhecidos e alargarmos a influência mas estava de facto “acima das nossas posses” e fomos forçados a desistir.
Quanto à questão que colocas sobre a homenagem no próximo Albatroz ao militante kanaka que matou Tjibou[i], só sei o que li na imprensa e no recorte que me mandaste. Parece-me fora de dúvida a justeza disso, para trazer ao de cima toda a podridão do processo dos acordos neocoloniais. Mas só tu aí no terreno francês podes medir os reflexos e a maneira de tratar o problema. Receias que produza um isolamento em relação aos meios de esquerda dai? As tuas impressões sobre a jornada de 8 de Julho na Bastilha estão interessantes e pensamos publicar na próxima P.O., embora saia com atraso. Escreve mais. O boneco também irá sair, só estamos a matar a cabeça em como traduzir a tua piada “A bas la dette! A bas la disette!“.
Escreveu-me um moço francês, PK, a pedir contacto para ti. Dei-lhe a morada da R, não sei se fiz mal. Queres escrever-lhe? Era do Partisan. Um grande abraço e continua a mandar papel
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[i] Djoubelly Wea, militante independentista kanaka da Nova Caledónia que, em 5 de Maio de 1989, executou os líderes Tjibaou e Yeiwene do FLNKS, movimento local que negociava com os colonos franceses uma solução neocolonial para a nação kanaka. (Nota de AB).