Francisco Martins Rodrigues
Carta a MV (14)
16/9/1987
Caro M:
Respondo à tua carta de 9/9, que recebi hoje, pedindo também desculpas por este silêncio tão prolongado que te terá causado estranheza. A causa única é a grande sobrecarga de trabalho que caiu sobre mim e sobre todos os camaradas mais activos, devido à situação financeira difícil da empresa gráfica. Como já te tinha dito na última carta, a acumulação das dívidas estava a tomar-se ameaçadora, pelo que decidimos, em fins de Junho, concentrar todas as forças disponíveis na produção. Neste momento, felizmente, já pagámos cerca de metade da dívida e, continuando assim neste ritmo por mais uns meses, ficaremos com a situação normalizada.
É claro que isto cria uma situação preocupante quanto ao nível da revista e quanto à nossa actividade organizada, porque as pessoas menos activas são precisamente as que ficam sem assistência política e em risco de fazer a sua crise geral ideológica, que é coisa agora muito em moda. Mas não vemos alternativa porque, sem base gráfica própria, a revista ficaria tão cara que teríamos que a suspender. Para já, interrompemos a publicação da folha sindical “Tribuna Operária” e reduzimos os nossos contactos ao mínimo (o que também se proporcionou, naturalmente, pelo período das férias).Até ao fim do ano, teremos que fazer o ponto da situação e tomar novas medidas, até porque a assembleia que deveria ter sido realizada em Junho ficou adiada.
Com tudo isto, não pretendo fazer-te crer que não tivesse uma hora para me sentar a máquina e escrever-te (até tive tempo para uma semana na praia…), mas o facto é que a mudança de ocupações levou-me a deixar de lado toda a correspondência que habitualmente mantinha. Estou neste momento a ver se ponho as coisas em ordem.
Acerca do “Albatroz” – Foi especialmente chato da minha parte não te ter dito uma palavra sobre o trabalho em que puseste tanto empenho. Mas confesso que, além das razões acima mencionadas, fiquei desnorteado pelo tipo da revista e sem saber muito bem que apreciação fazer. Esperava uma coisa mais empenhada na crítica política e social, mais séria, o que não quer dizer que não fosse mordaz. Sou muito pouco competente para fazer apreciações a textos literários, mas a impressão que me ficou foi duma certa exibição de irreverência e agressividade que se pretende demolidora, mas que na realidade fica muito pela superfície, é muito mais uma atitude do que um ataque. Depois, pergunto-me: que espécie de público esperam vocês atingir com a vossa literatura de aguarrás? Não será precisamente o tipo de público que neste momento já renunciou a troçar do sistema e que redescobre os encantos da ordem estabelecida? É claro que não tenho ilusões de que fosse possível uma revista para a massa dos emigrantes. Esses, na melhor das hipóteses, papam as “Peregrinações”.
Mas não será que, ao rebelares-te contra a estreiteza mental da “Peregrinação”, foste para um tipo de divertimento gratuito que faz pouca mossa?
Estas são, com toda a franqueza, as minhas reservas, sobre o vosso trabalho. Gostaria que vocês fizessem denúncias concretas, certeiras, com vistas a construir uma corrente de crítica ao que existe. É possível que esteja inteiramente desfasado das vossas preocupações, nas, já sabes, sou de ideias fixas.
Sobre a colaboração que me pedes, e à parte as minhas tremendas dificuldades de tempo, não tenho nenhuma objecção e pelo contrário tenho muito gosto em colaborar nessa questão dos salários em atraso. Tentarei escrever alguma coisa mas terás que me avisar com antecedência do prazo.
E já agora, troca por troca, porque não nos mandas tu uma carta de Paris para o próximo nº da PO? O prazo é até ao fim de Setembro, impreterivelmente.
Tenho recebido o Monde e outros materiais teus com certa regularidade. Estou a ler o livro que me mandaste em fotocópia, mas não faço ideia de quem é aquele homem (era do Libération?) e acho-o muito declamatório e moralista. Os outros até se riem dele. Quanto à PO 9, de que só recebeste um exemplar, vou dizer para te mandarem, mas julgo que tenha havido extravio dos correios porque os nossos serviços de expedição são (quase) infalíveis. Os ditos serviços pedem para te perguntar se queres que continuem a enviar a PO para (…).
Quanto à próxima PO, a sair até meados de Outubro, terá um dossier relativo ao 70º aniversário da revolução russa, com artigos do PC do Irão, do PCR do Brasil e de um grupo italiano, que me parecem interessantes. Além disso, comentários às últimas eleições portuguesas e a situação nacional e internacional. Infelizmente não vai haver bagagem para nenhum estudo ou artigo mais profundo e assim teremos que continuar até ao fim do ano. Temos trocado ideias entre nós sobre uma possível mudança de figurino da PO, tornando-a mais política e acessível, para tentar captar um público operário que até agora se manifesta pouco receptivo às nossas elaborações ideológicas. De qualquer modo, o assunto terá que ser maduramente discutido.
Tive encontros, com pequeno intervalo, com dois franceses que por aqui passaram de férias: um, muito jovem, do Partisan “dissidente” (…); e outro, que não deu o nome, do Partisan maioritário. Conversei com eles, sobretudo com o último, mas não fiquei muito esclarecido sobre as causas da cisão e o que lhes vai acontecer, quer um quer outro mostraram-se interessados em contactar-te, tu verás o que podes dizer-lhes. Fora disso, os nossos contactos internacionais estão todos congelados, à excepção da Suécia, donde nos escreveram, quase simultaneamente, dois partidos ML a propor contactos. Como dizia o Enver Hoxha, “o movimento cresce e fortalece-se…”
Há mais notícias e pontos a discutir mas ficará para a próxima, que espero seja em breve. Um grande abraço para ti e para todos aí em casa