Cartas a MV – 2

Francisco Martins Rodrigues

Carta a MV (4)

20/6/1985

Camaradas M e R:

Como vão? Cá estamos mais uma vez a pedir resposta às nossas cartas, mesmo que seja resumida, para termos a certeza de que não estão zangados connosco. Sabemos que o M fez um telefonema para o R, mas há várias coisas a concretizar. Por isso vos pe­dimos que nos escrevam antes de partirem para férias. (Por acaso não lhes calhava fazer férias em Portugal? 0 clima é excelente, co­mo sabem, e era uma bela oportunidade para debatermos de viva voz os nossos problemas). Vamos aos factos.

Aparelho técnico – Estamos neste momento a legalizar uma sociedade e a montar um atelier de artes gráficas. Comprámos uma máquina de fotocomposição em segunda mão, a prestações, e vamos dedicar-nos a trabalhos de composição e montagem (asseguramos também a impressão, por acordo com uma tipografia). Esta vai ser a base económica e técnica para a sobrevivência da revista, mas exige que se obtenham clientes para rentabilizar a máquina, sustentar os funcionários, pagar a renda da casa, etc. Já temos alguns clientes e vamos empe­nhar-nos em singrar. Uma pergunta: não seria possivel canalizar para nós trabalhos de fotocomposição aí de Paris? A ideia pode parecer disparatada à primeira vista, mas justifica-se pela barateza da mão-de-obra portuga, o que nos permitiria competir com os preços aí praticados. A Grua[i] fazia uma pequena revista (de karate) que era redigida em Paris, impressa em Portugal e vendida em Paris. Nós po­deríamos. fazer o mesmo quanto a parte da composição e montagem. Po­derão vocês enviar-nos algum trabalho que aí obtenham? Garantimos preços vantajosos, cumprimento dos prazos, boa qualidade. Em breve vos enviaremos o cartão de apresentação da nossa sociedade. Vejam o que se pode fazer, tendo em conta que é neste momento uma das formas principais de criar base financeira para a edição da revista.

Atenção – O nosso atelier de artes gráficas está a funcionar na rua (…)Pedimos que nos digam como se encontra o plano para a compra e envio da PB Dick. Vai ser ume pedra essencial para a feitura da re­vista. Inicialmente imprimiremos fora, mas precisamos de dar andamento a essa questão, para nos tornarmos independentes e pouparmos dinheiro.

O título da revista está legalmente registado, temos apartados de correio em Lisboa e Porto, estamos a tratar do porte-pago e de outras questões burocráticas.

Revista – Como já tínhamos informado, estamos a trabalhar para a saída do nº 1 em fins de Setembro-princípios de Outubro. O projec­to para um nº experimental, como ensaio e só para consumo interno, não passou além de alguns pequenos artigos; temos andado todos ab­sorvidos nas actividades práticas e as capacidades de redacção es­tão pouco treinadas. Este é um dos aspectos mais sérios das dificuldades que vamos enfrentar.

Para o nº 1, estão em preparação alguns artigos de fundo, já em fase de redacção e discussão:

  • Portugal: revolução democrática e nacional ou revolução socialista?
  • Disciplina e liberdade de discussão no Partido Bolchevique – um exemplo.
  • Lições do Verão quente de 1975 no seu 10º aniversário.
  • O Partido Bolchevique e o movimento operário às vésperas da revolução de Outubro.
  • Cometna: um exemplo das novas realidades na luta de classes nas empresas.
  • A viragem à direita do PCE e o começo da guerra de Espanha.
  • Situação política – tendências de classe por detrás dos ali­nhamentos dos partidos.

Para além destes artigos (como vêem, ambição não nos falta), completaremos o nº inaugural com um Editorial, diversos comentários curtos, crítica de livros e revistas, etc. Pergunta: podemos contar com uma carta de Paris, feita por vós, sobre tema à vossa escolha? Para ser actual, deveria ser redigida em Setembro e enviada para cá até 15 de Setembro o mais tardar. Decerto compreendem a importância que terá para este começo da revista o aparecimento da vossa cola­boração. De acordo? Fizemos um pedido semelhante ao PA mas até agora não tivemos resposta. Se puderem, dêem-lhe um aperto.

Com vista ao nº 2, já temos um artigo feito sobre as medidas re­volucionárias da libertação da mulher na revolução russa e o recuo posterior. Como sairá em Dezembro, 10º aniversário da fundação do PC(R), terá um artigo desenvolvido de balanço à experiência do PC(R) e da corrente ML em Portugal. Para o preparação desse trabalho, fi­zemos no dia 16 um encontro, aberto a diversos amigos, em que se discutiu o tema na base de teses redigidas previamente por um bom número de camaradas. O debate prossegue no dia 30 do corrente.

Como apoio para c estudo, tendo em vista futuros artigos, pre­cisaríamos que nos mandassem mais fotocópias dos livros que nos in­dicaram poder obter. A ignorância é grande por estas bandas. Também estamos à espera que nos digam se podemos contar com uma assinatu­ra feita por vós de uma revista de informação internacional, que poderia ser, supomos, a “Afrique-Asie”.

Outra forma de apoiar o lançamento da revista será a subscrição dos boletins de assinatura antecipada, a preço muito baixo, de pro­moção. Enviamos junto alguns, pedindo a vossa atenção.

Anti-Dimitrovleram? Qual a vossa opinião global? A reacção aqui, naturalmente, foi para considerar o trabalho esclarecedor na nossa área e para o considerar como uma manifestação de esquerdismo incurável, na área dos arrependidos da esquerda, que são a lar­ga maioria. Em todo o caso, foi bastante falado na imprensa e a ti­ragem está quase toda vendida. A casa distribuidora (“Ulmeiro”) só tem umas dezenas e nós outros tantos como reserva. Ao todo, .já co­brámos 250 contos, que foram uma ajuda importante para nos abalan­çarmos à compra da máquina de fotocomposição, somados às quotiza­ções, donativos e empréstimos.

Esperamos que tenham recebido os 20 exemplares que vos enviámos em dois pacotes de 10 e que já tenham feito alguma massa com eles. Se tiverem possibilidades de colocar mais alguns aí nos meios da emigração, podemos arranjar-vos mais uns tantos. Se tiverem recei­tas da venda do livro, pedimos que mandem para cá tudo o que pude­rem, pois neste momento é vital para nós concentrar todo o dinheiro possível para fazer face às despesas de lançamento da empresa grá­fica. Ainda temos cerca de cem contos a receber de livros.

Quanto à hipótese de reedição do livro, pusemo-la de parte, pois implicava una grande despesa. Agora o meu plano, já aprovado em debate, é começar a trabalhar numa espécie de balanço histórico sobre a evolução do PCP: fazer a tal crítica as origens do revi­sionismo que o PC(R) nunca se atreveu a fazer. Seria ideologica­mente útil para o reforço da nossa corrente e comercialmente pode­rá ser uma boa ajuda para financiar a revista. O projecto é ter esse livro na rua no Outono do ano que vem, mas terei que me dedi­car muito mais ao estudo e combater a dispersão das tarefas urgen­tes que agora puxam de todos os lados.

PC(R) – dois últimos acontecimentos espectaculacres desta banda são a estrondosa adesão de Frederico Carvalho (o pequeno Fred) ao PCP e a demissão colectiva de 37 membros da UDP do Porto, quase todos operários. O ex-membro do CC do PC(R) José Magalhães, aderiu à OC-PO e consti­tuiu-se como núcleo de apoio à revista. Seguem junto recortes de imprensa sobre um e outro caso, assim como uma carta que dirigimos aos membros do PC(R) sobre o caso Fred, lembrando-lhes que ele foi o nosso principal inimigo no 4º Congresso. Afinal quem tinha razão? Prevemos um agravamento da crise interna do PC(P.) devido ao desen­rolar dos acontecimentos, assim como a complicada situação eleito­ral em que se está a meter. Vamos fazer trabalho de esclarecimento junto de todos os membros que pudermos contactar. Da Grua já saíram ou estão despedidos, prestes a sair, todos os que formavam a velha equipa, à excepção da mulher do EP.

Organização – fizemos a 12 de Maio um encontro para debater inter­venção operária e sindical, frente de trabalho que estamos a tentar impulsionar em paralelo à edição da revista, porque oferece perspectivas e é uma peça essencial para a reconstrução; a 2 de Junho fizemos a nossa 2ª Assembleia, para tomar decisões sobre a cohstituição da empresa, dadas as grandes responsabilidades finan­ceiras que envolve, e para debater o andamento geral do nosso tra­balho; verifica-se que a vida dos núcleos e a participação de bas­tantes camaradas é irregular, recaindo o grosso dos esforços sobre um pequeno número; não se pode dizer que a nossa situação quanto a mobilização e militância seja satisfatória. Está espalhada urna certa falta de confiança quanto à realização do nosso objectivo, dado o ambiente desfavorável na classe operária. Vamos ter que avançar a pulso, porque o tempo não é de facilidades.

Segue junto o boletim interno nº 1, agora baptizado ” Tribuna Comunista”. Continuamos a lutar por lhe elevar o nível como ponto de encontro de experiências e pontos de vista. Continua em aberto o pedido de críticas e colaborações vossas.

Movimento ML internacional – Embora não tendo ainda recebido nenhuma resposta è mensagem de Março aprovada pela 1ª Assembleia (deve haver uma atitude geral de retraimento, a ver em que param as mo­das), vamos enviar por estes dias uma segunda carta, informando sobre o caso do Fred. Segue junto cópia desta carta (que distribuímos em inglês para todos os partidos). Se puderem pô-la em francês e fazê-la chegar à “Avant-garde communiste”, ao PCOF, Kessel, etc., será uma boa ajuda.

Recebemos regularmente as publicações eu inglês do PC do Japão (Esquerda).

 

 

 

[i] Empresa gráfica que pertencia ao PC(R), onde FMR trabalhou. (Nota de AB).

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