Francisco Martins Rodrigues
Segunda carta ao MLP – 2
- Luta interna no Partido
Manifestam na vossa carta preocupações quanto à nossa crítica à concepção do partido “monolítico”. Não temos dúvidas de que é uma questão vital, que precisa de um exame ponderado no espírito do leninismo e sem quaisquer concessões à social-democracia, ao trotskismo e ao anarquismo. Gostaríamos de conhecer materiais vossos sobre o assunto.
Resumidamente, dir-vos-emos que nos parece haver um abismo entre as posições expressas-por Lenine acerca da unidade e da luta interna noz partido, antes e depois da tomada do poder, e aquelas que a partir dos anos 30 foram divulgadas e postas em prática, em nome do leninismo, por Staline e pela IC. Pensamos que, ao recusar-se a reconhecer esse abismo (nesta como noutras questões) a corrente ML tomou como herança os erros e desvios e não o leninismo.
Lenine defendeu de facto no “Esquerdismo” uma “centralização absoluta” e uma disciplina “confinando a disciplina militar”. Mas fê-lo em período de guerra civil, quando a conquista do poder surgia como iminente numa série de países e era necessário romper com a tradição social-democrata da maioria dos novos partidos comunistas. Essa opinião de Lenine não abarca de forma nenhuma o conjunto das suas ideias acerca da vida interna do Partido.
Temos vindo a fazer uma recolha de textos de Lenine sobre o assunto e o debate que até agora travámos levou-nos à conclusão de que a concepção moderna do partido “monolítico” (isto é, não apenas unido em torno de um centro único mas feito de um só bloco e sem espaço para pontos de vista divergentes) surgiu paralelamente à penetração do oportunismo no movimento comunista e é uma expressão desse oportunismo.
Quando os partidos comunistas começaram a orientar-se para o adiamento das tarefas revolucionárias do proletariado e a procurar compromissos de classe sob a forma das “frentes populares” e revoluções “democrático-populares”, começou a predominar nas suas fileiras a necessidade de suprimir o debate interno, como forma de paralisar tanto a oposição de direita como a oposição de esquerda que esta linha não podia deixar de suscitar.
A tentativa de estabilizar os partidos numa política interméđia entre o leninismo e a social-democracia, entre o proletariado e a pequena burguesia, criou a necessidade de congelar a luta interna. O monolitismo foi a expressão orgânica do centrismo. Quanto mais difícil se tornava essa política de equilíbrio, mais se acentuava a tendência para a monolitismo.
A corrente ML, ao dar continuidade à política centrista do 7º congresso da IC, teve que fazer reviver também o estilo monolítico de vida interna que ela gerara. Foi isto que observámos também pela nossa experiência, sob a orientação de Diógenes Arruda. Na artigo sobre o PC(R) publicado no nº 3 da nossa revista, referimos alguns aspectos da falsificação do centralismo democrático provocada por essa linha centrista. Por isso concluímos que a Juta para liquidar o centrismo na política dos comunistas portugueses tem que ser acompanhada pela luta para liquidar o “monolitismo”, destruidor do centralișmo democrático.
Não será que ao fazer campanha contra o monolitismo comprometemos o centro único dirigente, a coesão ideológica e a unidade de vontade no Partido? A esta pergunta vossa contestamos que a unidade ideológica do partido é diariamente minada pelas práticas “monolíticas” que em nome da unidade impedem a luta ideológica de ser levada às suas consequências. Nenhum partido pode derrotar o oportunismo no movimento operário se não travar luta contra ele nas suas próprias fileiras, e para isso é necessário que exista liberdade de discussão.
Pensar que a melhor maneira de poupar o partido a perigos é “matar o oportunismo no ovo” sem deixar que se manifeste, é um erro que desarma a massa dos militantes para reconhecerem o oportunismo e que não permite ao Partido ir traçando diariamente os limites entre a linha de classe e o oportunismo. No PC(R) observámos como os elementos centristas mais empedernidos, que buscavam sempre a via intermédia entre o reformismo declarado e o marxismo, eram os mais acérrimos defensores do monolitismo: sabiam que o seu espaço de manobra desapareceria se se chocassem as tendências opostas no partido.
Aceitar o centralismo democrático leninista implica pois, quanto a nós, não só manter fora de questão o centro único dirigente, mas também restabelecer o princípio da democracia interna que vigorava no tempo de Lenine e foi mais tarde restringido por Staline até quase desaparecer. Staline, pensamos, tomava demasiado à letra a imagem do Partido como um exército em combate e tendia a reduzir a disciplina política dos comunistas a uma disciplina de tipo militar. Essa ilusão não só não impediu como facilitou a conquista lenta e subterrânea do partido bolchevique e dos restantes partidos comunistas pelo oportunismo.
Naturalmente, não temos ainda experiência suficiente que nos dê respostas seguras sobre a prática do centralismo democrático, que na verdade nunca conhecemos. Mas pensamos que ele será encontrado pela crítica simultânea às deformações opostas do PC de China (eclectismo, convivência entre linhas) e do PT da Albânia (ultracentralismo reinando sobre uma democracia em grande parte fəlseada).
Pensamos avançar com prudência, mas avançar, na busca do centralismo democrático. Nos nossos estatutos adoptámos alguns princípios e normas de vida interna que temos vindo a ensaiar, como por exemplo a publicação de um boletim interno através do qual cada membro possa levar as suas opiniões ao conhecimento de todos os membros, nenhum obstáculo ao contacto entre camaradas de diferentes organismos – as fracções combatem-se se surgirem e não com policiamento preventivo; respeito pelo princípio, electivo para todos os cargos; realização de consultas alargadas antes de serem tomadas decisões graves; abertura das reuniões da direcção à presença de delegados dos núcleos; abertura dos debates políticos da organização à participação dos simpatizantes.
Vamos enviar-vos, em correio separado, um exemplar dos nossos estatutos, para vossa apreciação. Sabemos que as soluções que adoptámos se relacionam com a nossa dimensão reduzida na actualidade, de grupo de propaganda, e que será necessário alterar muitas delas à medida que nos transformarmos numa organização com influência de massas. Mas queremos manter-nos vigilantes contra o estilo de omnipotência e de segredo que no PC(R) rodeava os órgãos dirigentes, contra o estilo de vigilância e supressão do debate que vigorava nas células e comités, e que matavam o espírito crítico e a iniciativa dos militantes, por mais apelos que se fizessem em sentido contrário.
Teremos muito gosto em conhecer as vossas opiniões a este respeito e aprofundar o debate em torno destas questões. (continua)
(Carta ao Comité Executivo Nacional do Marxist-Leninist Party, USA, 18/2/1986), 2ª parte