Francisco Martins Rodrigues
– Respondemos à vossa carta de 6 de Janeiro, que nos deu grande satisfação e esperamos iniciar estreitas relações comunistas entre as nossas duas organizações, com vistas ao levantamento da corrente marxista-leninista internacional.
Recebemos os vossos textos em espanhol sobre o 7º congresso da IC e sobre a polémica entre os partidos de Espanha e da Alemanha, assim como o boletim do PC do Irão. Temos continuado a receber regularmente as vossas publicações. Pela atenção nanifestada, os nossos agradecimentos.
Enviámos a 10 de Fevereiro o nº 3 da nossa revista, que acaba de sair. Pedimos que nos confirmem se receberam a nossa carta de 16/12, para nos certificarmos de que não há extravios nos correios.
Passamos a responder às questões levantadas na vossa carta, que discutimos colectivamente.
- 7º Congresso da IC
Consideramos de grande importância o acordo geral entre as nossas organizações acerca desta questão. O facto de os comunistas portugueses e americanos terem chegado por vias independentes a conclusões semelhantes acerca deste problema confirma-nos a ideia de que a crítica ao “dimitrovismo” é uma importante tarefa ideológica para a afirmação da nova corrente ML internacional.
Na verdade, a linha de colaboração de classe do 7º congresso foi um ponto-chave na degeneração oportunista do movimento comunista, um degrau no caminho do revisionismo. Não é por acaso que as tendências centristas que dominam a corrente ML fazem questão em recuperar as teses de Dimitrov. Elas são o cordão umbilical que amarra a corrente ML ao oportunismo e impede o renascimento do leninismo.
No PC(R), a deslocação: à direita fomentada pelo dirigente do PC do Brasil Diógenes Arruda apoiou-se precisamente nas teses de Dimitrov, o que nos alertou para o assunto e abriu um debate do qual saiu o livro “Anti-Dimitrov”.
Naturalmente, é preciso que a crítica ao dimitrovismo não seja confundida com qualquer menosprezo da luta antifascista e anti-imperialista. A vossa preocupação a esse respeito parece-nos justa. Mas é preciso não permitirmos que com este argumento seja paralisada a critica à noção tradicional, que vê a luta antifascista e anti-imperialişta como um adiamento da independência política do proletariado. Em Portugal, a concepção dinitrovista de antifascismo fez do partido comunista e da classe operária uma força de choque que se sacrificou para a restauração da democracia burguesa. Assim a burguesia pôde recuperar-se em 1974-75 da queda do regime fascista-colonialista, graças, à cooperação do PCP. É essa noção de antifascismo e anti-imperialismo pequeno-burguês que criticamos.
- Acordos e acção de massas
No que respeita à admissão de acordos de cúpula com organizações reformistas para acções de massas, problema levantado na vossa carta, não estamos em condições de vos dar uma opinião segura. Temos verificado pela nossa experiência, primeiro no PCP antes de se tornar revisionista, mais tarde no PC(R), que a busca dos acordos de cúpula surge em geral da desistência da mobilização independente das massas e serve de veículo às tendências oportunistas e reformistas no partido.
Admitimos que essa táctica possa ser correcta nas só quando o partido estiver solidamente implantado na classe e dotado de uma linha revolucionária clara, o que julgamos não ser o caso dos actuais partidos da corrente ML. Parece-nos por isso importante combater as esperanças que sempre surgem espontaneamente nos comunistas, de que será mais fácil abrir espaço em baixo recorrendo à política dos acordos por cima.
É necessário tornar claro aos comunistas que nenhum expediente pode substituir a difícil luta directa pelas massas operárias e populares. Enquanto o partido não estiver imbuído de confiança nas suas próprias forças e educado na condução independente das lutas de nassas, pode ser fatal transigir com ilusões em acordos e manobras. Esta a nossa opinião geral sobre o assunto, que julgamos ser semelhante à vossa. Estamos a analisar os pontos de vista expostos no vosso artigo de 1982 em torno da polémica entre os partidos de Espanha e da Alemanha, que nos parece ir neste sentido.
- Perspectiva actual
– Deve-se ou não classificar o último meio-século como 50 anos de derrotas? Neste ponto, não estamos de acordo convosco, nem nos parece que se possa falar em “derrotas estrondosas” do imperialismo e da reacção, como fazem na vossa carta.
Se as grandes lutas revolucionárias do último meio-século não “resultaram em avanços da revolução proletária mundial mas pelo contrário ajudaram e consolidar a corrente reformista e revisionista, se neste período as revoluções conduzidas pelos partidos comunistas degeneraram em regimes de capitalismo de Estado; se as revoluções de libertação anti-imperialista foram abortadas pela direcção das burguesias nacionalistas, se a IC foi dissolvida e a corrente ML, lançada nos anos 60, fracassou no objectivo de criar um movimento comunista renovado, apoiado em novos desenvolvimentos do marxismo revolucionário, se, finalmente, a grande burguesia imperialista tem conseguido ultrapassar as crises e ampliar o seu potencial económico e militar – parece-nos que tudo isto nos obriga a classificar o último meio-século como um período de derrotas para a causa do marxismo e da revolução proletária.
Ainda que esta conclusão possa tornar-se desmoralizadora para os elementos vacilantes que receiam encarar de frente as dimensões do desastre sofrido pelo comunismo mundial, ela é, julgamos, absolutamente obrigatória para o relançamento de uma corrente ML capaz de enfrentar as tarefas gigantescas da revolução no nosso tempo.
Naturalmente, nós consideramos que as derrotas sofridas não se podem explicar por noções subjectivistas como a de um “século da traição” (essa sim, desmoralizadora porque nada explica) mas pelo ascenso das novas camadas burguesas e pequeno-burguesas, que soterraram o movimento revolucionário do proletariado e o puseram ao seu serviço em nome de um “marxismo-leninisno” falsificado. Referimo-nos à ascensão da nova burguesia de Estado na União Soviética, China, etc., à ascensão da nova burguesia nos países dependentes, e à ascensão das novas camadas pequeno-burguesas nos países capitalistas (técnicos, aristocracia operária, pessoal especializado de serviços, intelectualidade), cuja conjugação soterrou temporariamente o proletariado e o marxismo. Na parte final do “Anti-Dimitrov”, referimo-nos a essa questão, que nos parece ser um dos fenómenos mais importantes do imperialismo moderno, e acerca da qual gostaríamos de conhecer a vossa opinião.
- Social-imperialismo
Fazem na vossa carta uma observação crítica acerca das investigações do PC do Japão (Esquerda) sobre as diferenças entre o imperialismo americano e o social-imperialismo soviético. Gostaríamos de: debater este problema convosco, porque também nós consideramos necessário, na análise da situação actual, ter em conta as diferenças entre os EUA e a URSS.
Essas diferenças manifestam-se, quanto a nós, em três aspectos principais: 1) a exportação de capitais da URSS está ainda numa fase embrionária, que não tem termo de comparação com o que se passa com os EUA (e com a CEE e o Japão); 2) o ponto de apoio externo da União Soviética situa-se nas burguesias nacionalistas dos países dependentes e em sectores pequeno-burgueses dos países capitalistas, em contraste com os EUA, que se apoiam preferencialmente na grande burguesia dos países capitalistas, e na burguesia “compradora” e nos agrários dos países dependentes; 3) na corrida aos armamentos, a iniciativa pertence aos EUA, os quais forçam a URSS, para manter a paridade nuclear, a um gasto desproporcionado com o seu potencial económico.
Estas diferenças, que resultam da natureza original do social-imperialismo como degeneração burguesa da revolução proletária, ao mesmo tempo que colocam a URSS em desvantagem face aos EUA, permitem-lhe apresentar-se como potência “progressista, manter uma larga influência sobre o movimento operário e o movimento.. de libertação nacional e opor-se à revolução sob slogans “democráticos”, “pacíficos” e “socialistas”. Ignorar estas diferenças e denunciar a URSS como uma superpotência igual aos EUA, como faz o PTA Albânia, pode parecer uma atitude radical mas na realidade oculta o alinhamento de classe da URSS na cena internacional e ajuda a prolongar a sua influência sobre o movimento operário e os povos oprimidos.
No nosso país, fizemos a experiência dos prejuízos causados pela teoria da “igualdade” das duas superpotências. Aplicando essa tese, o PC(R) colocou em pé de igualdade a luta contra a NATO e o Pacto de Varsóvia, afrouxou a campanha contra a agressividade e exploração do imperialismo americano, alinhou no apoio ao “Solidarnosc” polaco e às burguesias nacionalistas de “esquerda” (MPLA, Frelimo, Sandinistas). Deslocou-se assim para uma posição que é, nesta questão, próxima da dos social-democratas de “esquerda”, trotskistas, etc.
A ideia de que os comunistas deveriam equiparar a URSS aos EUA, para manterem a intransigência fade ao revisionismo, revela, quanto a nós, precisamente um corte inacabado com o revisionismo. Em nossa opinião, a corrente ML passou nesta questão de uma fase inicial de ilusões sobre a recuperação da URSS (quando a China esperava convencer pela critica os soviéticos a mudar de política), para o erro oposto de apresentar a URSS como um imperialismo amadurecido, semelhante aos EUA, caracterizá-la como um regime “fascista” semelhante à Alemanha nazi, etc. Isto para já não falar da fase em. que os chineses se aliaram aos EUA para se defender da URSS…
A realidade que a vida tem mostrado é, parece-nos, que a degeneração burguesa da União Soviética deu lugar a um imperialismo com características originais; incapaz de competir com o imperialismo clássico em quase todos os terrenos, pelo menos durante o período actual. O “namoro” de uma série de burguesias nacionalistas e Moscovo (Egipto, Síria, Somália, Angola, Moçambique, ÍIndia, etc.) desfaz-se quando essas burguesias verificam a incapacidade da União Soviética de concorrer eficazmente com o imperialismo ocidental no fornecimento de créditos, equipamentos, etc. Pela mesma razão, as burguesias “comunistas” da Europa de Leste recorrem em proporção cada vez maior aos capitais do Ocidente.
Devemos pois reconhecer plenamente o fenómeno novo do social-imperialismo, dar consciência dele aos operários, lutar contra a sua influência, denunciar as suas agressões (Afeganistão), mas sem permitir que isso nos desvie da luta central contra o imperialismo norte-americano, como principal inimigo do proletariado e dos povos, força mais agressiva e expansionista, bastião da contra-revolução.
Porque foram levados o PC da China, o PT da Albânia, etc., a exagerar a agressividade da URSS face aos EUA? Julgamos que isso se deveu ao seu corte incompleto com o revisionismo: como não havia uma alternativa revolucionária coerente para o movimento operário, tentou-se ganhar a simpatia dos operários, da pequena burguesia, das burguesias nacionalistas que se voltam para URSS, denunciando esta como um inimigo, igual aos EUA.
Hoje, rompendo com o espírito de conciliação com a burguesia que ainda fora herdado pelo PC China, PTA, etc., os comunistas podem finalmente, em nossa opinião, colocar esta questão numa base de princípio e combinar correctamente a luta contra o imperialismo e contra o social-imperialismo.
Esperemos que nos transmitam com toda a franqueza as vossas opiniões sobre este problema, que está em curso de ‘discussão entre nós. (continua)
(Carta ao Comité Executivo Nacional do Marxist-Leninist Party, USA, 18/2/1986)