O corte com o PCP

Francisco Martins Rodrigues

O CORTE COM O PCP [1]

1 – A apreciação do PC(R) sobre os grupos ML só ressaltou os seus aspectos negativos. Para abater os laços grupistas, as barreiras de desconfiança entre os membros dos diferentes grupos e e autori­dade dos seus chefes, apresentou-se esse período como uma aberra­ção pequeno-burguesa. O partido não precisa de denegrir os grupos para se elevar.

Os grupos correspondem em todos os países à difu­são das ideias marxistas na intelectualidade, sobretudo nos estu­dantes. Formam os primeiros contingentes de agitadores e propagan­distas do comunismo junto da classe operária. Devem ser reconheci­dos como uma etapa transitória mas necessária no agrupamento da corrente marxista e na construção do Partido. 0 surgimento do PC(R) em 1975 teria sido impossível sem os 12 anos de actividade dos grupos ML.

2-0 CMLP merca um ponto importante de ruptura entre marxismo revolucionário e revisionismo em Portugal. A sua importância derive de ter demonstrado o oportunismo da política do PCP, até aí aceite sem contestação como comunista: a Unidade dos “portugueses honra­dos” contra o salazarismo, a via do Levantamento Nacional conduzi­do pelos “oficiais patriotas”, o abandono da hegemonia do proleta­riado e da aliança operário-camponesa, a conciliação com o chauvi­nismo colonialista-liberal. A “Revolução Popular” tem um lugar destacado na história da imprensa comunista em Portugal.

  • – Ao minimizar o alcance da ruptura feita pelo CMLP, o PC(R) pre­tendeu não só desacreditar todo o período dos grupos mas rejeitar

a sua atitude de investigação marxista da luta de classes nacional. Os erros políticos do CMLP e a fraqueza de alguns dos seus princi­pais membros perante a PIDE serviram de argumento para apagar os seus contributos e impor a aceitação passiva e acrítica das teses centristas internacionais. O resultado desta deformação foi empobre­cer e base ideológica do PC(R), tornando-a mais recuada do que a que esboçara doze anos antes o CMLP.

4 – A principal origem dos erros e limitações do CMLP está na au­sência de uma ampla luta interna no PCP, única fonte que poderia ter gerado uma forte corrente marxista-leninista. A ruptura envol­veu apenas uma dezena de membros do PCP e o debate travou-se só ao nível do CC e da emigração. A precipitação do corte foi justificada pela necessidade de tomar posição pública a favor do PC da China e do PT da Albânia, na polémica contra a corrente revisionista in­ternacional, e também pela dificuldade em conduzir a luta interna nas condições da clandestinidade. Mas os custos dessa precipitação foram a pequenez do CMLP, a sua falta de raízes no movimento operário comunista e a perda de dezenas de militantes que em 1964-65 romperam com o PCP pela esquerda.

5 – A luta interna inacabada no PCP determinou sobretudo as limitações da plataforma do CMLP: à estratégia revisionista da “revolução democrática e nacional” opôs-se a estratégia centrista da “revolução democrático-popular”; não se questionou a fundo a polí­tica de Frente Popular em Portugal; não se tentou sequer explicar as origens do aburguesamento revisionista do PCUS e do movimento comunista internacional; adoptou-se sem crítica a herança do centralismo monolítico como base da organização do Partido. As críticas correctas da “Revolução Popular” não chegaram assim a consti­tuir-se como alternativa coerente à linha do PCP, deixando o cam­po aberto a uma série de desvios oportunistas.

6- O CMLP mostrou-se incapaz de abordar a sua tarefa central – a reconstrução do Partido. Fechou-se nos limites de um órgão de crítica, na esperança de vir a promover a deslocação do PCP para a esquerda, a pretexto de que a luta contra o fascismo preservaria as suas potencialidades revolucionárias e impediria uma degenera­ção semelhante à do PCF ou do PCI. Esta atitude de pressão críti­ca tinha uma natureza oportunista porque fugia diante da obrigação de reconstituir o partido comunista todo de novo.

7 – A outra manifestação do oportunismo que se infiltrou na críti­ca de esquerda ao PCP foi o guerrilheirismo da FAP. A justa críti­ca ao pacifismo reformista do PCP foi desviada para a tese mecanicista de que o movimento de massas já deixara definitivamente para trás as formas pacíficas de luta e o aproveitamento das possibili­dades legais e semilegais e que o centro do movimento se desloca­ra para as acções violentas. Justificada pela necessidade de prestar solidariedade às insurreições das colónias, esta tese reflec­tia a penetração do guevarismo no CMLP e levou a tentar substituir o difícil trabalho de mobilização política das massas pela via dos atentados “excitativos”.

8 – Atentados em vez de trabalho político de massas, pseudofrente vermelha em vez de partido comunista – foram estes os contornos do oportunismo de “esquerda” do primeiro grupo ML. Em menos de dois anos, o aventureirismo “fapista” levou à liquidação da “Revolução Popular” e ao desmantelamento prematuro pele PIDE do núcleo origi­nal do CMLP. Objectivamente, o radicalismo da pequena burguesia presente no CMLP bloqueou a reorganização do partido do proleta­riado, que era sua missão.

9 – Para compreender a trajectória do CMLP, é necessário situá-la na crise do movimento comunista internacional. A denúncia do revisionismo pelo PC da China e pelo PT Albânia teve um papel decisivo no nascimento do CMLP, mas transmitiu-lhe também os estigmas centristas que levaram à sua falência. Faltou-lhe a crítica às origens do revisionismo e portanto uma base de princípios sólida, sem a qual era impossível o reagrupamento da corrente comunista.

Ao mesmo tempo, as teses trimundistas embrionárias da “Carta em 25 pontos” (1963)[i] alimentavam una atitude seguidista e vacilante face ao guerrilheirismo pequeno-burguês e aos movimentos naciona­listas burgueses. Por último, não houve, por parte do PCChina e do PTA qualquer acção firme e concertada para orientar o CMLP e os grupos semelhantes de outros países na via da reconstrução do par­tido comunista. Só uma acção internacionalista proletária conse­quente, como a do Partido Bolchevique em 1919-1920, teria elevado os grupos ML à altura das suas responsabilidades de reconstrutores do Partido.

Tese apresentada por FMR no “Suplemento ao Boletim Inrterno nº 1” da OCPO, para ser discutida na reunião de 16 de Junho de 1985 sobre “A experiência do PC(R) e da corrente ML em Portugal”.

[1] Tese apresentada por FMR no “Suplemento ao Boletim Interno nº 1” da OCPO,  para ser discutido na reunião de 16 de Junho de 1985 sobre “A experiência do PC(R) e da corrente ML em Portugal”.

[i] “Carta em 25 pontos”: Proposta sobre a linha geral do movimento comunista internacional: carta em 25 pontos enviada pelo Comité Central do PC. da China ao Comité Central do PC da União Soviética em Junho de 1963. PCC, 1963. Está acessível em português em http://www.marxists.org/portugues/tematica/1963/06/14.htm  (Nota de Ana Barradas).