Proposta de Manifesto – 1984 (3) A crise do comunismo

Francisco Martins Rodrigues

A crise do comunismo

Não é só em Portugal que os operários estão reduzidos a servir de força de apoio dos reformistas e liberais. A crise das ideias comunistas é internacional. A burguesia conseguiu convencer os operários de que no mundo de hoje já não há lugar para a revolução proletária e para o marxismo-leninismo. Argumentos para isso não lhe faltam:

  • as revoluções guiadas pelas ideias do comunismo, a começar pe­la revolução russa, mudaram a face do mundo e arrancaram um quarto da Humanidade ao atraso e à miséria feudais, mas hoje, nos países ditos “socialistas”, a classe operária é explorada e não dispõe do poder nem de liberdade. Daqui a conclusão de que a ditadura do proletariado seria uma utopia, a servir de capa para novos regimes tirânicos. O capitalismo sobrevive a guerras, crises e revoluções e cria um arsenal produtivo cada vez mais poderoso. Portanto, poderia haver esperança em que o avanço tecnológico acabe por fazer entrar a Huma­nidade numa nova era de -abundância e liberdade sem necessidade de revolução.
  • a classe operária moderna é já muito diferente do proletariado a que Marx atribuíra a missão de coveiro do capitalismo, ganhou me­lhores condições de vida e entrelaça-se com a massa crescente dos técnicos e empregados. Isto seria a prova de que está a nascer uma nova classe operária, que poderia conquistar através de reformas os seus direitos essenciais.
  • os camponeses tomam em todo o mundo o caminho das cidades, os povos coloniais ganharam a independência. Teriam portanto desapare­cido as duas grandes forças que Lenine considerava como os aliados revolucionários do proletariado.
  • finalmente, o poder das multinacionais, a ameaça nuclear, os novos meios de comunicação, a revolução nos hábitos sociais, liga­ram estreitamente todos os continentes num mesmo destino comum. Se­ria necessário portanto substituir a ideia marxista da revolução mundial e do internacionalismo proletário pelo entendimento e pelo diálogo entre as nações.

Não é difícil mostrar que a propaganda burguesa se apoia em fac­tos reais para vender conclusões falsas.

Todos sabem que o avanço tecnológico e a estabilidade dos Esta­dos Unidos, da Europa, do Japão, da União Soviética, repousam sobre a miséria, a fome e o terror da África, da Ásia e da América Lati­na. As possibilidades ilimitadas de bem-estar criadas pela indús­tria moderna são canalizadas para a produção de armas de destruição massiva. O progresso acentua a ditadura dos países ricos sobre os países pobres. O fim do colonialismo, louvado como uma grande con­quista, deu lugar a regimes tirânicos de novas burguesias corruptas.

Apresenta-se o quadro duma nova classe operária próspera e culta e privilegiada, para esconder a miséria das grandes massas proletá­rias do mundo inteiro, sujeitas a uma exploração desenfreada e ao desemprego, manipuladas pela nata dos especialistas e burocratas que falam em seu nome.

Condena-se a falta de liberdades nos países de Leste como se no Ocidente não houvesse ainda maior abundância de regimes opressores, sustentados pelas “democracias”. Condena-se o “totalitarismo” do Leste como fruto do socialismo, para esconder que a tirania nesses países se desenvolveu precisamente sobre a decadência do socialismo, da ditadura do proletariado e do poder soviético. Apresentam-se os regimes parlamentares como modelo de democracia para fazer esquecer que servem de instrumento ao poder absoluto do grande capital e à acumulação de lucros fabulosos.

Renova-se a esperança numa via social-democrata de transição gradual para o socialismo, como se os governos social-democratas não tivessem produzido até hoje apenas bons negócios para a finança e massacres de operários. Espalha-se a esperança na paz e igualdade entre as nações através da ONU, como se a ONU não fosse governada pelas grandes potências. Acena-se com o programa de “desarmamento geral e completo”, como se não fosse à sua sombra que tem prosse­guido o armamento geral e completo de todos os países do globo.

Contudo, num ponto há que dar razão aos adversários do marxismo. Não há hoje país nenhum em que exista um partido comunista, auten­ticamente marxista, capaz de conduzir a classe operária à revolução. Os partidos que se dizem comunistas utilizam o apoio operário para praticar um evolucionismo reformista vulgar. A crise do movimento marxista é um facto indesmentível. A crise do pensamento marxista também. As suas diversas escolas, do revisionismo soviético à “or­todoxia” albanesa, encobrem a ausência de respostas para as aspira­ções da classe operária com pedaços duma teoria dogmática e fossilizada. Nada resta do poder crítico e revolucionário que em tempos fez a força demolidora do marxismo.

Donde vem esta crise do movimento operário revolucionário e das ideias do comunismo? Ela vem de facto das novas condições do mundo moderno, sobretudo daquelas que a burguesia procura esconder.

Teses apresentadas por FMR à I Assembleia da Organização Comunista Política Operária (OCPO)