Proposta de Manifesto – 1984 (2) A lição de Abril

Francisco Martins Rodrigues

Reaccionários, liberais e socialistas não se cansam de culpar o “gonçalvismo” e a “indisciplina social” pelo descalabro a que che­gámos. Responde o PCP com hinos às conquistas de Abril e lamentações sobre a falta de unidade dos democratas e o radicalismo esquerdizante, que teriam deitado a perder a “revolução”.

Com esta polémica, encobrem uns e outros o significado real de Abril, ainda hoje oculto para as massas. A conquista embriagadora da liberdade funcionou como uma válvula de escape para a recomposi­ção do capitalismo. A mini-revolução dos cravos foi uma fraude. Is­to porque os operários não tinham o seu próprio programa revolucio­nário.

Não basta pois condenar o golpe de 25 de Novembro, é preciso di­zer que o 25 de Abril, com o povo atrás do MFA, trazia já o 25 de Novembro na barriga.

Do princípio ao fim, o MFA, o PCP e as restantes forças “revolucionárias” não se desviaram do objectivo de arranjar uma saída reformista para a crise do fascismo-colonialismo. Guindados ao po­der de Estado deixado vago pela grande burguesia, amorteceram o impulso popular, apresentando as concessões inevitáveis como dádi­vas e promulgando leis “socialistas” para manter a economia capi­talista e o aparelho de Estado em rodagem nas horas mais críticas da crise.

Deram o capitalismo como morto para o salvar; fizeram a oferta do socialismo para que os operários não lutassem por ele. Com a sua vacilação, permitiram que a burguesia ganhasse tempo, esgotas­se as energias dos operários e reorganizasse as forças reaccioná­rias para o 25 de Novembro.

Só podia ser este o resultado dos seus ideais dum “socialismo humano” que queria evitar acima de tudo o ajuste de contas entre explora­dos e exploradores. As suas lamentações posteriores têm tanto de hipocrisia como de estupidez reformista.

Mas esta farsa só foi possível porque a classe operária, politi­camente imatura, comeu o isco da “transição para o socialismo” que lhe era oferecido. Aturdida pelo êxito fácil das ocupações, dos saneamentos, das greves, das manifestações, não se apercebeu de que o principal estava para vir. Impunha-se fazer uma revolução dentro da “revolução de Abril”, pôr à prova o progressismo do MFA e do PCP, assumir directamente o confronto com a direita e, nesse pro­cesso, passar por cima das forças democrático-reformistas, expulsá-las do poder e instaurar um verdadeiro poder revolucionário.

Toda a audácia de que os operários fizeram prova, e que ainda ho­je deixa embevecidos os pequeno-burgueses radicais, era afinal ain­da tímida. Por isso era aplaudida. Porque os operários nunca chegaram a sair debaixo das saias do MFA, mostraram “civismo” quando era pre­cisa rebeldia, aplicaram-se na batalha da produção quando era pre­ciso lançar a batalha pelo poder.

Quando o Verão de 75 revelou que o revolucionarismo do MFA era de opereta e as suas armas de papelão, quando o PCP não teve mais para oferecer do que a promessa oca de que “Abril vencerá”, a clas­se operária ficou desamparada e deixou-se despojar sem luta séria das posições que conquistara. A sua desmoralização actual é o preço da falta de maturidade revolucionária que manifestou nas horas de­cisivas de 75.

Mesmo hoje, quando já se desvaneceram as últimas ilusões num milagroso “renascer de Abril”, o movimento operário ainda não re­conhece que foi enganado na “revolução dos cravos”. Isto significa que os operários estão disponíveis para voltar a cair num novo en­gano se os comunistas não souberem levar-lhes a lição dos aconteci­mentos: nada de novo se fará em Portugal enquanto os operários não puserem de pé o seu próprio partido político para a revolução so­cialista. Só assim ganharão a independência política necessária pa­ra romper a cadeia que os amarra ao reformismo e os torna impoten­tes perante a direita.

Teses apresentadas por FMR à I Assembleia da Organização Comunista Política Operária (OCPO)