Proposta de Manifesto  – 1984 (1 ) Capitalismo em crise

Francisco Martins Rodrigues

Não têm faltado aos operários os apelos à luta contra um e ou­tro governo. Os frutos dessa luta têm sido escassos. A Organização Comunista de Portugal (OCP), ao constituir-se; convida os operá­rios e todos os revolucionários a reflectirem sobre as causas das derrotas sofridas e a procurarem novos caminhos para a classe ope­rária.

Capitalismo em crise

A desorientação domina as massas operárias em Portugal. O desca­labro económico e a corrupção generalizada acumulam a revolta contra os políticos e as instituições. Mas a falta de saída para a situa­ção leva as acções das massas ao desgaste e impede que se forme um real movimento revolucionário. A sorte da situação política na­cional joga-se nesta contradição.

No entanto, apesar do recuo e desorientação no movimento operá­rio, a evolução da situação vai no sentido da agudização de todos os factores de crise e cria por isso condições para a elevação revolucionária da luta de massas.

A miséria dos trabalhadores é hoje de novo uma realidade. Che­gou-se a uma situação em que os discursos sobre o “interesse na­cional” já não conseguem encobrir o abismo entre os interesses do Capital e os do Trabalho. Tudo o que resta das “conquistas de Abril”, que fizeram o povo julgar-se à beira do socialismo, é o desemprego em massa, o galopar dos preços, os salários de fome, quantas vezes pagos a conta-gotas, os contratos a prazo, uma se­gurança social de miséria.

Tudo em nome duma “recuperação económica” que se resume a con­trair hipotecas com o FMI, vender concessões às multinacionais e bases à NATO, pilhar os fundos públicos, traficar subsídios, subornos e especulações.

Desde a queda do fascismo, a burguesia ainda não conseguiu re­constituir um novo modelo de acumulação de capital, adaptado às novas condições. A perda das colónias, o ascenso do movimento grevista e dos salários reais após o 25 de Abril, o fim do proteccionismo à indústria, o desmantelamento dos grupos financeiros pelas nacionalizações, a reforma agrária, deitaram por terra a velha ordem de coisas.

Porém, como o proletariado não estava preparado para destruir o capitalismo, a burguesia pôde recompor-se do abalo sofrido e ence­tar um novo ciclo da sua ditadura, depois de clarificar o quadro político com o golpe de 25 de Novembro.

Até agora, não conseguiu consolidá-la no plano económico nem estabilizá-la do ponto de vista político, porque lhe falta um núcleo de capital financeiro. Por isso, o sentido fundamental da sua ofen­siva tem sido para a reprivatização do capital bancário e industrial com vista a criar uma nova fonte financeira capaz de dinamizar indústrias subordinadas à integração europeia e servir de ponte entre a CEE e as ex-colónias.

Todas as lutas entre as diversas correntes burguesas sobre a po­lítica económica a seguir movem-se no quadro duma dependência ex­trema ao imperialismo. A estagnação da economia nacional, a sua estrutura distorcida, o seu papel de peão da finança internacional, fazem do nosso país um elo fraco do sistema imperialista.

Das grandes frases sobre a democracia pluralista, só ficou a palhaçada parlamentar, a servir de arena às contradições interburguesas. Os interesses operários e populares não têm qualquer possibilidade de aí se fazer ouvir. Os temas da polémica política giram à volta da partilha dos cargos. O parlamentarismo tem a van­tagem de mostrar aos olhos de todo o povo a submissão sem disfarces do governo à burguesia.

O regime está hoje nas mãos de três partidos capitalistas que procuram, através das suas rivalidades, crises e dissidências, en­contrar um programa e uma base social estável. A estes veio juntar-se o novo PRD eanista, partido liberal com tintas nacionalistas e moralizantes, para tentar renovar a confiança da classe operária e das massas nas instituições.

Como apêndice do jogo parlamentar, temos um PCP ordeiro e colaborante, já consagrado como partido de oposição dentro do regime, sempre esforçado na elaboração de propostas para aperfeiçoar e ra­cionalizar o capitalismo.

Dedicado a apoiar a burguesia não-monopolista, como parte da sua estratégia “democrática e nacional”, o PCP vai desenvolvendo uma oposição impotente, no quadro constitucional, amarrando a luta operária aos limites autorizados pela burguesia.

O PCP corporiza a estratégia mais elaborada da pequena burguesia para manter a classe operária na sua dependência. Representa por isso o principal obstáculo a vencer para que o proletariado se li­berte da tutela reformista e adquira independência política.

No actual quadro da ofensiva burguesa, o movimento operário con­tinua a recuar. As lutas de resistência que vai travando são res­postas imediatas em defesa do salário e do emprego contra os ata­ques mais brutais do patronato e do governo.

Desiludidos e amargurados, os trabalhadores sentem que são as vítimas dessa ofensiva mas, sob o peso dominante do reformismo, não vêem no regime a causa da sua situação.

Agrava-se na classe operária a crise política e de confiança nas próprias forças. O sindicalismo paralítico da CGTP perde apoios, os trabalhadores desmobilizam-se, as lutas perdem envergadura. Os quadros e empregados da UGT, apoiados nos favores do governo e dos patrões, conseguem assim ganhar algum ascendente e colher frutos da descrença dos trabalhadores na CGTP.

Há muito que não chegara tão baixo o interesse das massas pela política, a convicção de que valha a pena intervir para mudar de vida.

Contudo, não haverá discursos demagógicos ou cargas policiais, arranjos de governo ou promessas de prosperidade pela CEE, que con­sigam esconder a brutalidade da exploração, travar os efeitos das contradições estruturais do capitalismo, ou amenizar a luta de classes.

O desenvolvimento da ofensiva burguesa provocará o desenvolvi­mento das contradições de classe, o que levará o movimento operá­rio e popular a uma nova fase da sua luta. Sob a apatia e desorien­tação das massas, novas crises económicas e políticas do regime surgirão inevitavelmente.

O que faz a importância das crises que se aproximam é que nelas não será já o fascismo a ser julgado, mas sim o regime democrático burguês instituído em 25 de Abril.

Se os comunistas souberem despertar a vigilância dos operários, e conduzi-los à luta, apoiados nas experiências mais positivas criadas em 1974-75, o regime pode encontrar-se em dificuldades.

Não chegará só prometer liberdade e cumprir tarefas democráticas gerais. Vai ser preciso explicar como pode haver liberdade e bem-estar para os trabalhadores sem acabar com a liberdade do Capital. Vai ser o capitalismo e todas as classes exploradoras que serão julgados.

Mas, para darem à questão do regime a resposta que ela vai exigir, os operários têm que compreender, antes de mais, por que se desfizeram em fumo as grandes esperanças de 75.

(Teses de FMR submetidas à I Assembleia da Organização Comunista Política Operária)