Palavras de amor

Em Marcha, 29 de Dezembro de 1982

PALAVRAS DE AMOR

Atendendo inúmeros pedidos de leitores desejosos de uma trégua no ódio de classes nesta quadra festiva do Natal, troco hoje o “Tiro ao Alvo” por um apelo ao Amor.

Aos operários da Lisnave, Setenave, Messa, etc., que receberam uns escudos por conta dos salários em atraso e que esperam a vez de ser despedidos, aconselho vivamente resignação e paciência. Trabalhai mais e melhor para mostrar ao vossos exmos. gestores e patrões e ao Sr. Presidente da República o vosso desejo de recuperar a economia nacional. Não vos deixeis cair na tentação do protesto, da greve ou da manifestação ruidosa, que semeiam a perturbação na ordem pública. Muito menos vos deixeis arrastar para actos irreflectidos e criminosos como o sequestro dos vossos superiores.

Aos moradores despejados com os seus tarecos pela autoridade, peço moderação e comedimento. Por duro que vos pareça passaras noites ao relento com as crianças debaixo das pontes, lembrai-vos que o direito de propriedade é o mais sólido alicerce desta nossa sociedade democrática.

Aos jovens contratados a prazo, amargurados pela incerteza do dia de amanhã, peço que ponderem as dificuldades dos vossos patrões. Procurai merecer pela vossa diligência o lugar que vos deram e, se tiverdes que ser dispensados, pensai que muitos outros conhecem os horrores do desemprego.

Aos desempregados sem subsídio, forçados a viver à custa de esmolas, aos assalariados do Alentejo, desiludidos dos sonhos vãos na Reforma Agrária, aos camponeses arruinados, a todos exorto a que não se deixem arrastar para marchas da fome e desacatos que ofendem os corações bem formados.

Aguardai serenamente que as instituições democráticas escolham um homem recto para governar o país, seja ele o prof. Victor Crespo, o prof. Mota Pinto ou o prof. Freitas do Amaral. Embora muitos de vós possam descrer, há nesta quadra do Natal quem se debruce com sincera piedade sobre os vossos sofrimentos. Confiai no general Ramalho Eanes e no dr. Álvaro Cunhal.

Por último, pensai que talvez aquilo que hoje sofreis seja a expiação pela vossa soberba e arrogância de 1975, quando julgastes poder ditar a vossa vontade à sociedade estabelecida. Sabei que a voz dos pobres jamais prevaleceu neste mundo. A não ser quando pegaram em armas contra os ricos. Mas isso é um grande pecado. Amén. (Tiro ao alvo, 29 Dez 1982)