Luta de tendências no PCP em 1921

 João Braz*

Porque não pôde o jovem PCP esboçar sequer a resistência de massas ao golpe militar fascistas de 28 de Maio de 1926? Os revisionistas de Cunhal, sempre discretos em questões de história, pouco mais adiantam para além da imaturidade política e ideológica do partido. Não lhes convém falar da dura luta de tendências que se travava no interior do partido, que levou à sua cisão em 1923 e que acabou por dar o domínio da direcção ao grupo direitista de Carlos Rates. Não lhes convém reconhecer que foi o oportunismo de direita que paralisou o PCP nesses anos difíceis. Encobrem os seus antepassados, como é natural.

Para os comunistas, pelo contrário, a comemoração do 60° aniversário da funda­ção do PCP é ocasião para pôr a claro a luta interna que se travou nas suas fileiras e as causas da sua degenera­ção.

Como testemunho dessa acesa luta de tendências que agitava o PCP, recordemos hoje um episódio pouco conhecido, surgido no pri­meiro ano da sua existência.

SALVAR A REVOLUÇÃO RUSSA

Sob o titulo “Revolução imediata? Sim!’’, publicava em Novembro de 1921 O Comunista (1) dois artigos de José de Sousa, dirigente da Juventude Comunista. Eis em resumo os seus argumentos:

Defender a ditadura do proletariado e salvar a revo­lução russa pela revolução imediata no nosso país são as razões de existência do Partido Comunista. Há con­tudo “camaradinhas” que em vez de pensar em incen­diar as multidões, se ocupam em despejar sobre elas bal­des de água gelada. Dizem que a revolução é inviável num país pequeno como o nosso; acham mais inteli­gente esperar que a burgue­sia resolva a actual crise económica, para livrar desse fardo o futuro regime socialista.

Julgam esses camaradas — interroga Sousa — que a crise económica pode ser resolvida pelo capitalismo? Que confiança têm afinal na capacidade do proletariado acabar com as crises? Não sabem que o entrechoque dos interesses das grandes potências não tornará fácil que cheguem a um acordo para a intervenção armada em Portugal? E mesmo admitindo a hipótese de intervenção, será que isso justifica a espera passiva ou mostra a necessidade de unirmos as forças revolucio­nárias e ligarmos a nossa revoluçâo à revolução em Espanha?

A verdade — prossegue Sousa — é que esses “pseudocomunistas” desfrutam de posições cómodas que receiam perder e estão contaminados pelo “bom- tom” que arrastou os chefes anarquistas a caluniar a revolução russa e a acomodar-se à sociedade burguesa.

Que fazer, pois? “O Par­tido Comunista pode e deve obstar a que filiados seus continuem esta propaganda deletéria e criminosa, se qui­ser ser um partido da revolu­ção, como afirmava no seu manifesto de apresentação e como a Internacional Comu­nista lhe exige que seja”. Há que ir “até à irradiação, se tanto for necessário”.

CALMA E SERENIDADE

Se quisermos encontrar os visados pelo rude ataque de José de Sousa bastará folhear mais alguns números do jornal do partido. Tome­mos por exemplo o artigo “Palavras francas”-, saído duas semanas antes, no Comunismo n° 3, de 30 de Outubro. Basta transcrever algumas passagens;

“… Ao proletariado orga­nizado não lhe convém de modo nenhum receber a herança dum país desmoralizado, indisciplinado, enlouquecido por dissensões partidárias. Para a grande obra de regeneração moral, social e económica que se tem de levar a cabo, é necessário calma, sereni­dade e um grande espírito de sacrifício e de abnegação. Não é de bandos alucinados ululando vingança que há a esperar semelhante coisa.

… É certo que nós tam­bém pregamos, que nós tam­bém apelamos com todas as nossas energias para a Revolução social. Mas esta expressão é menos um grito de guerra que um apelo às consciências. Clamamos para a Revolução social como para uma reviravolta reflexiva dos espíritos… Cla­mamos calma, serenidade e disciplina. A hora não soou ainda.”

Este artigo não assinado, muito provavelmente da autoria de Manuel Ribeiro, um dos fundadores do par­tido e redactor principal do jornal (2), exprime bem o ponto de vista dos “camara­dinhas” que José de Sousa criticava. E ele não é um caso isolado, como depressa veri­fica quem ler a imprensa e os documentos da época do PCP.

DEBANDADA

Dum lado, o entusiasmo revolucionário, turvado pela crença ingénua na “revolu­ção imediata” (3). Do outro, o temor pequeno-burguês aos “bandos alucinados ulu­lando vingança”. Isto retrata bem a divisão cavada entre os militantes anarco-sindicalistas que meses atrás se tinham juntado para fundar o PCP. Divisão que os levou em 1923 a criar dois grupos rivais e obrigou à intervenção da Internacional Comunista para reunificar o partido.

O oportunismo de direita era porém a tendência domi­nante e mais ameaçadora. À medida que se saía da crise revolucionária que convul­sionara a Europa e que se esvaíam as ilusões no des­moronamento iminente da sociedade burguesa, mais forte se tornava dentro do PCP a corrente de direita. Dois anos depois da polé­mica que acima recordamos, Manuel Ribeiro convertia-se ao catolicismo e Nascimento Cunha, outro dos fundado­res. passava-se para o Par­tido Radical. Mais um ano a seguir, era Carlos Rates, o secretário-geral do partido, que se tornava jornalista ao serviço da reacção. Uma ver­dadeira debandada.

E o que é pior — o partido não se arma através de uma séria luta interna para se desembaraçar do oportu­nismo e marchar adiante. A conciliação forçada entre as tendências opostas a partir de 1923 encadeou as forças revolucionárias do partido, fê-lo estiolar Quando che­gou o 28 de Maio. a vontade revolucionária do PCP, a sua influência operária e popu­lar, tinham-se afundado. A tolerância com o oportu­nismo produzira os seus fru­tos envenenados. Só em 1929 o partido conseguiu reorganizar-se.

NOTAS

(1) N° 5 e 7, de 13 e 27 de Novembro de 1921.

(2) Numa entrevista ao Diário de Lisboa, poucas semanas depois. Ribeiro pedia, “em nome dos comunistas, tranquilidade para resolver os problemas económicos do país”.

(3) Com uma acção muito positiva na vida do PCP até 1934, José de Sousa nunca superou por completo a mentalidade anarco-sindicalista, o que o levou a abandonar o partido em 1942, no Tarrafal. Aderiu depois ao Partido Socialis­ta.

* Pseudónimo de FMR

Bandeira Vermelha, 18 Março 1981

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