O 1o Congresso do Partido

João Braz*

Aparentemente, o 1º Congresso do PCP fora um êxito. O partido foi reunificado, elegeu um Comité Central, aprovou resoluções políticas. “O Con­gresso decorreu às mil maravilhas e provocou forte impressão em todos os assistentes”, escrevia para Moscovo, para o Comité Executivo da Internacional, Humbert-Droz, enviado a Portugal para orientar os trabalhos. O partido, contudo, foi de mal a pior. Que valor teve afinal o 1º Congresso na vida do jovem PCP? É tempo de procurarmos a resposta que os revisionistas escondem.

Em 1923, o PCP naufra­gava, dividido em três cor­pos A cisão rebentara no principio desse ano. O secretário-geral do partido, Caetano de Sousa, no regresso do 4o Congresso da Internacional, onde o PCP fora reconhecido como sec­ção portuguesa da IC, lançara-se a depurar o par­tido com medidas radicais, tentando derrotar a passivi­dade oportunista dominante por meio do entusiasmo da Juventude Comunista

Rapidamente, os descon­tentes agruparam-se à volta de Carlos Rates e formaram um segundo partido, que rei­niciou a publicação de O Comunista.

Havia por último os parti­dários da ISV (Internacional Sindical Vermelha), grupo autónomo de comunistas que se consagravam à activi­dade sindical e se manti­nham alheios à edificação do partido.

“Esquerdismo” e direitismo, sindicalismo anar­quista, terrorismo e parlamentarismo dilaceravam o PCP ao fim de dois anos de existência. Era difícil a tarefa de Humbert-Droz.

 A OBRA DE DROZ

Depois de uma primeira visita a Portugal em Agosto desse ano, Droz voltou aqui em Novembro para assistir ao congresso, que era o resultado do seu esforço de reunificação.

Estavam presentes 118 delegados em representa­ção de 33 “comunas”. Foi eleita uma direcção encabe­çada por Carlos Rates. Cae­tano de Sousa e Pires Barreira, antigo secretário- geral da Juventude Comu­nista, foram expulsos. Outros partidários seus foram suspensos. O con­gresso aprovou os princípios orgânicos do partido, uma “Definição de princípios”, teses sobre o “Governo Ope­rário e Camponês” e sobre “A Questão Agrária”.

Segundo Droz, Rates tinha “uma compreensão muito nítida dos interesses do partido” e grande prestí­gio nos meios sindicais. A Juventude, que fora o princi­pal apoio de Caetano de Sousa, não passava de “um bando de rufiões”. Tudo iria de vento em popa daí por diante, assegurava em rela­tório ao Comité Executivo da Internacional A prática, contudo, desmentiu estas apreciações. O PCP conti­nuou a arrastar uma vida precária. Quando se deu o golpe de 28 de Maio, desmoronou-se por comple­to.

AS IDEIAS DE RATES

Bento Gonçalves escre­veu mais tarde no Tarrafal que Rates e Droz eram “oportunistas sem vergo­nha”. Tudo indica que não exagerou

Vejamos quanto a Rates Desde 1911 ganhara justo prestígio como militante sin­dical abnegado. Contudo, a sua ruptura com o anarco-sindicalismo fizera-se pela direita À medida que se afir­mava como activista político mais se definia o seu pensa­mento oportunista.

Aderiu à Maçonaria, onde pontificavam inimigos im­placáveis do movimento operário.

Arrastado pela maré revo­lucionária que sacudia a Europa, tornou-se “leninista e foi um fundador do Partido comunista (sem abandonar a Maçonaria).Mas o seu pensamento ficou expresso na obra que então publicou A Ditadura do Proletariado. É uma colec­ção de decretos imaginários, oferecidos ao futuro governo operário. Nem sequer aí falta a reorganiza­ção dos serviços de estatís­tica, a regulamentação dos espectáculos públicos e até a nomeação de especialistas para ocupar os cargos!

Utopia inofensiva? Mas não é inofensivo o desabafo que ai se encontra: “Felizmente que a nossa situação particular na Europa nos dis­pensa da preparação de qualquer movimento subver­sivo de carácter violento. Basta aguardar os aconteci­mentos… Em dado momento, o Terreiro do Paço encontrar-se-á devoluto. É ocasião de irmos até lá.”

Rates redigia decretos para provar que estava apto a chefiar  um governo que jul­gava prestes a ser oferecido de bandeja aos “leninistas” portugueses pela revolução europeia. O seu abandono do partido em 1925 não teve pois nada de surpreendente. O governo não vinha e Rates retirou-se.

UM INFILTRADO NA IC

Droz era secretário da IC e tinha larga experiência política Não é crível que se tivesse deixado enrolar por um vigarista bem falante. Droz era da mesma quali­dade de Rates, embora a outro nível. Recordemos apenas alguns factos, do muito que há para estudar.

Em vez de pôr a debate no congresso a crise interna do partido, Droz fez adoptar sem discussão a decisão dis­ciplinar por si redigida em nome da IC. O congresso do PCP não pôde assim pronunciar-se sobre a expul­são de dois dirigentes e a suspensão de oito militantes influentes. Não admira que a crise interna se agravasse depois do congresso. Droz não tinha poderes para tal procedimento.

Droz ocultou à IC os aberrantes projectos de Rates para a venda das coló­nias. Com efeito, Rates fizera publicar na imprensa do Par­tido, entre as teses para o congresso, a proposta de “solução financeira urgente, pela alienação de parte dos bens territoriais ultramari­nos”. “Só com dificuldade consegui que o CC retirasse esta tese”, relataria Droz mais tarde nas suas memó­rias Contudo, no relatório enviado na altura ao CE da IC, limitou-se a referir que “as teses foram melhora­das”. sem tocar na questão colonial Ele sabia que Rates não seria aceite pela IC, na direcção do PCP com tais opiniões.

Droz apresentou sob as piores cores o “esquer­dismo” (real) dos partidários de Caetano de Sousa. Mas omitiu que este tentara a reorganização do partido de acordo com as 21 condições fixadas pela IC e na base das células de empresa. E omitiu também que as teses de Rates não diziam uma palavra sobre a tarefa de pre­parar a classe operária para a conquista do poder e que os seus princípios organizativos mantinham a estrutura descentralizada das “comu­nas”, há muito condenada pela Internacional.

Droz deu carta branca ao oportunismo de Rates e defendeu no congresso a aproximação ao Partido Socialista, com a justifica­ção de que “esse partido é ainda susceptível de repelir o reformismo, aderindo às concepções revolucioná­rias”. Mas Droz não podia ignorar que o PS perdera toda a influência sobre o movimento operário por se opor às greves, apoiar a entrada na guerra mundial, participar em conferências internacionais para a defesa das colónias, colaborar com a ditadura de Sidónio Pais

CAI O PANO

Em Dezembro de 1928, na reunião do Comité Execu­tivo da Internacional, Staline criticava as posições de Droz, afirmando que “ele se enterrara no pântano do oportunismo cobarde”. Era o cair da máscara.

Droz falsificara as justas orientações de Lenine e da IC para a edificação de parti­dos de modelo bolchevique e impulsionara a corrupção oportunista do PCP. Só em Abril de 1929 conseguiu o partido reorganizar-se.

*Pseudónimo de Francisco Martins Rodrigues

Bandeira Vermelha, 9 de Abril de 1981

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