Fidel em entrevista

Francisco Martins Rodrigues

Numa entrevista de mais de cem horas, gravadas em Janeiro de 2003 e completadas em Dezembro de 2005, Fidel dá um testemunho vivo e apaixonante sobre a sua in­fância e juventude, os primeiros passos na acção política, o assalto ao quartel Moncada, a prisão e o julgamento, o encontro com o Che, a Sierra Maestra, a luta armada e a libertação (Fidel Castro, biografia a dos voces, Ignacio Ramonet. Editorial Debate, Madrid, 2006).

Mais escassas são as informações quanto à vida interna do regime depois da tomada do poder. Fidel prefere falar sobre as questões de defesa e política ex­terna: as primeiras conspirações, o desembarque na baía dos Porcos, a crise dos mísseis, a ida do Che para o Congo e depois para a Bo­lívia, o envio de forças militares cubanas para Angola e Etiópia, e, nos anos recentes, os atentados terro­ristas lançados pela máfia de Mia­mi, as prisões, as condenações à morte… (Ramonet quer à viva for­ça que Fidel justifique porquê existe pena de morte em Cuba quando na Europa já foi abolida…). O banditismo da política dos EUA para com Cuba fica abundante­mente documentado, em confron­to com as realizações do regime cubano em matéria de desenvolvi­mento humano, na educação e na saúde (extraordinária a política de envio de médicos para países em catástrofe). O que falta é uma apre­ciação de Fidel sobre as contingên­cias da “construção do socialismo” e as suas perspectivas futuras. Deliberadamente evasivo, fala de “erros de subjectivismo” no passado e afirma a sua confiança nos “jovens talentos criados pela Revolução”, mas praticamente nada diz sobre as relações sociais efectivamente em vigor e a solução política que apon­ta após o seu desaparecimento é a passagem do poder ao irmão Raul. Uma breve referência final aos “roubos e desvios dos novos-ri­cos” revela preocupação quanto ao rumo que se vai perfilando.

Surpreendentes pela sua su­perficialidade e pobreza são tam­bém algumas opiniões de Fidel em matéria de política internacio­nal. Ele confessa a sua admiração pela ética de Jimmy Carter, pela in­teligência e cultura de Clinton e pela família Kennedy, elogia o “cava­lheirismo” do rei de Espanha, e até a firmeza de Franco por se ter recusado a acatar as ordens de Washington para romper relações com Cuba… Pior, afirma a sua convicção de que a união imperia­lista em curso na Europa será “em benefício do mundo”.

Apesar de, logo no início da entrevista, se declarar “socialista, marxista, leninista”, estas confis­sões de Fidel Castro revelam um patriota inflexível mas não um anticapitalista. De qualquer modo, este é um livro imprescindível para os apaixonados pela revolução cu­bana, quando a saída de Fidel da cena política suscita tantas interro­gações.

Política Operária nº 108, Jan-Fev 2007

 

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