O “novo socialismo” da UDP

Francisco Martins Rodrigues

É bem conhecida a saudável competição cm que se empenham as três forças constituintes do Blo­co de Esquerda, cada uma procu­rando ocupar a dianteira na teori­zação de uma “esquerda moder­na”, à altura do nosso tempo.

A UDP, que até agora fazia fraca figura ao pé do PSR e da Política XXI, vai mostrando que também tem os seus recursos ideológicos. É o que faz neste número de A Comu­na n° 12, Julho. Dir. Carlos Santos. Rua de S. Bento, 698, 1250 Lisboa) Renato Soeiro, com as suas “Três notas sobre a questão da al­ternativa”, redigidas a partir de intervenções por ele proferidas no Fórum Social de Atenas, numas Jornadas de Estudos de Paris e na Conferência Nacional da UDP, em Maio.

A esquerda, observa Soeiro, não está mal de todo na sua fun­ção de crítica do que existe. Tam­bém marca alguns pontos, em­bora menos do que o necessário, no campo da resistência. Onde as coisas vão mesmo mal é no capí­tulo da alternativa. Toda a gente diz: “É claro que há problemas, mas qual é a alternativa? Socia­lismo da pobreza e da falta de li­berdade? Utopias fantasistas? Não, obrigado”. Portanto, se qui­ser dar o salto e tornar-se um actor histórico transformador, a esquer­da tem que ser capaz de oferecer uma alternativa viável e consis­tente à população.

Assim introduzido o proble­ma, Renato Soeiro avança algumas pistas para a nova alternativa. Ela terá que rejeitar de vez o “socia­lismo que existiu e que fracassou estrondosamente” e abandonar a “construção pelas vanguardas de modelos a priori que depois im­poriam ao conjunto do movi­mento”. Deverá determinar, de forma objectiva, até que ponto existem na sociedade as condições materiais que permitam ultrapas­sar as actuais relações capitalistas. E deve regressar a “uma análise materialista histórica que encare a hipótese de desenvolvimento de uma nova formação social a partir dos pressupostos fornecidos pela formação social presente”. Tudo isto coloca muitas interrogações, reconhece, mas, se já não temos Marx nem Lenine, temos em compensação as novas possibili­dades criadas pelas redes de inves­tigadores ligados pela Internet.

E por aqui se ficam as explora­ções de Soeiro em torno da alter­nativa para a esquerda, com o es­clarecimento final de que, embora o conteúdo da alternativa e a estra­tégia para a alcançar sejam “duas questões do máximo interesse”, esse não é o objectivo do seu arti­go. Para que não falte tudo, pro­põe modestamente um nome pa­ra a nova sociedade: será o “novo socialismo”, para se distinguir do “socialismo”, termo associado às experiências desastrosas do século passado, e do “socialismo demo­crático”, conotado com a social-democracia.

A nossa primeira reacção é per­guntar: se Renato Soeiro não tem nada para nos dizer quanto à natu­reza da nova sociedade nem quan­to aos meios para lá chegar, para que diabo escreveu o artigo?

O caso, porém, é que ele diz de facto nas entrelinhas uma por­ção de coisas do maior interesse. Quando deixa a dúvida sobre se existem as condições materiais que permitam ultrapassar as actuais relações capitalistas está a dizer-nos que o actual nível de concentração de riqueza e de poder destruidor nas mãos de um núcleo capitalista e a agonia da esmagadora maioria da população mundial ainda não chegam para encetar a passagem a outra sociedade. Quando defende que a alternativa deve ser dirigida à “população” em geral e não aos explorados e oprimidos, está a di­zer-nos que o quadro da luta de classe contra classe já não serve. Quando idealiza uma alternativa criada por redes de investigadores ligados pela internet e não a partir de “modelos construídos pelas vanguardas” está a recusar o papel de um partido revolucionário co­mo aglutinador da experiência condensada da luta de classes. Quando reclama que a alternativa seja “viável e consistente” está a considerar inviável a via da revolu­ção. Quando rejeita o “socialismo que faliu estrondosamente” está a dizer-nos que as experiências do século passado fracassaram por ter seguido a via revolucionária, não por terem sido insuficientes para instaurar a ditadura do proleta­riado sobre a burguesia. Quando, finalmente, nos acena com a “hi­pótese de desenvolvimento de uma nova formação social a partir dos pressupostos fornecidos pela formação social presente” está a repudiar a ideia de que a esquerda só ganha a sua identidade na me­dida em que avançar na destruição da actual ordem social, e a propor em seu lugar a via da gestação do “novo socialismo” dentro das ins­tituições da sociedade actual.

revolução, sem convulsões, sem subversão da ordem burguesa. Sabem que esse é um assunto ex­plosivo que lhes pode comprome­ter irremediavelmente o progres­so parlamentar. Mas como tam­bém não podem assumir-se co­mo social-democratas, têm que arranjar fórmulas evasivas, obscu­ras, que sugiram uma mudança sem ruptura da ordem estabelecida. É assim que surgem as fór­mulas arquicómicas, como a de José Casimiro, na conclusão de um outro artigo neste número da re­vista: a esquerda tem em vista “uma afirmação do sujeito social na luta por mutações laborais e sociais que afirmem uma globa­lização alternativa”.

Política Operária nº 106, Set-Out 2006

 

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