XX Congresso do PCUS – Ruptura em aberto

Francisco Martins Rodrigues

Passam 50 anos sobre o XX Congresso do PCUS. Com as suas críticas ao “culto da personalidade” e aos “graves erros” de Staline, a oferta ao imperialismo de uma “nova era de coexistência pacífica” e o anúncio da “passagem pa­cífica e parlamentar ao socialismo” nas democracias bur­guesas, o congresso desencadeou um terramoto no já ago­nizante movimento comunista.

Kruchov justificava o seu “leninismo criador” com a “nova situação internacional criada pela força do campo socialista e pelo declínio do imperialismo”. Mas o optimismo aparente disfarçava mal a mudança de campo: em busca de uma trégua na “guerra fria” para enfrentar as crescentes dificuldades do seu sistema económico, a direcção sovié­tica vendia ao imperialismo o que restava do movimento co­munista.

O efeito não se fez esperar: o antagonismo e a vigilância que até aí animara os comunistas face ao inimigo de classe passaram a ser descartados como “sectarismo”. A agressivi­dade do imperialismo devia ser neutralizada com provas de “boa vontade”. A democracia burguesa não devia ser menos­prezada. Os partidos social-democratas deviam ser trata­dos como aliados.

Uma após outra, as obedientes direcções dos partidos fizeram a autocrítica pelos “erros passados”, sanearam os recalcitrantes e lançaram-se num indigno namoro às forças democráticas burguesas. Era aliás o que a maior parte delas desejavam há muito. Nem os países sob ditadura fascista escaparam às “inovações” do XX Congresso. Foi o caso de Portugal, em que o PCP adoptou nesse ano uma solene e vergonhosa declaração sobre a “possibilidade do afastamen­to pacífico de Salazar”.

O ano de 1956 marca assim a morte, depois de uma longa agonia, da corrente internacional surgida ao impulso da revolução de Outubro de 1917. Nas décadas seguintes, enquanto na URSS as reformas económicas e as novas teo­rias do “Estado de todo o povo” e do “Partido de todo o povo” preparavam a libertação final das forças capitalistas, coroada na Perestroika de Gorbatchov, no resto do mundo partidos que de comunistas só conservavam o nome afundavam-se no reformismo e na colaboração de classes.

Em revolta contra o XX Congresso, nasceu, no início dos anos 60, uma nova corrente comunista, que alastrou a todo o mundo sob o impulso das críticas do PC da China. A nova corrente nascia contudo estrangulada por uma con­tradição de fundo: denunciando justamente a traição do PCUS e dos seus seguidores, recusava-se a procurar-lhe a origem, para não ter de questionar a evolução da URSS e da Internacional sob a direcção de Staline. Se Kruchov e comparsas insultavam a memória do líder que tornara a União Soviética poderosa e vencera o nazismo, o dever dos comunistas, dizia-se, era manterem-se-lhe fiéis. A ideia de que a URSS mudara de cor subitamente levou a corrente “marxista-leninista” a defender acriticamente o “patrimó­nio”. Mas esta era uma herança envenenada: exaltava o “so­cialismo” burocrático e policial, o terror dos anos 30, o par­tido “monolítico”, os desvios da Internacional, a desfigura­ção dogmática do marxismo e do leninismo. Aquilo que era essencial para poder avançar – compreender a natureza so­cial das grandes revoluções na Rússia e na China e a base social dos regimes por elas produzidos – continuou oculto.

Enfeudada ideologicamente à China e depois à Albânia, quando esses regimes percorriam uma degeneração em tudo semelhante à que sofrera a União Soviética, a corrente “M-L” perdeu o vigor inicial e foi-se afundando na confusão e no oportunismo. Nem podia deixar de ser quando se recupe­ravam como “leninismo autêntico” as práticas reformistas e nacionalistas dos velhos partidos, o seu eleitoralismo, o clima interno de arregimentação, o papaguear de fórmulas em lugar do debate, o seguidismo face aos partidos no po­der.

O receio de entrar no terreno proibido do questionamento das posições oficiais do MCI, o receio a romper a monstruosa carapaça de preconceitos revisionistas incrusta­dos no pensamento marxista ao longo dos anos, a incapaci­dade para tirar as conclusões das divergências surgidas e levar a cisão até ao fim, causaram a perda do esforço de milhares de militantes da corrente M-L, como já tinha acon­tecido com a anterior.

Com a ruptura que iniciámos em 1984 no nosso país, assumimos aquilo que deveríamos ter entendido desde o princípio: uma corrente comunista para o nosso tempo, dig­na das tradições revolucionárias do passado, não pode ser criada por meio de remendos numa corrente apodrecida.

Porquê então tarda tanto a afirmação de uma nova cor­rente comunista? Ao contrário do que afirmam por vezes os que criticam o nosso trabalho como “demasiado ideoló­gico”, penso que os obstáculos ao nosso avanço resultam da timidez na crítica ao passsado. Muito resta por derrubar. Para constituirmos uma nova corrente comunista interna­cional, há que fazer o enterro teórico da velha corrente comunista e da corrente M-L. O que está no centro dos interesses comunistas não são questões tácticas; é saber se existe um caminho para a revolução e a ditadura do proleta­riado e qual é ele. Só sobre o alicerce de um programa comunista renovado pode construir-se uma estratégia, uma táctica, um partido, e ganhar a direcção do movimento de tnassas.

Política Operária nº 103, Jan-Fev 2006

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