Partidos de esquerda gaguejam

Francisco Martins Rodrigues

 Os atentados de 11 de Setembro, obrigando a uma escolha clara de campo, revelaram com crueza o estado comatoso da nossa esquerda parlamentar.

Punição dentro da lei – Veja­mos o voto de pesar proposto na Assembleia pelo Bloco de Esquerda. “A Assembleia condena inequivoca­mente o atentado terrorista”, “gravís­simo crime contra a humanidade”; “apela à punição dos responsáveis deste crime”; “manifesta o seu luto e solidariedade com as famílias”, etc. O texto não dedicou uma palavra se­quer aos crimes do imperialismo que estão na origem dos atentados e com isto alinhou no essencial com a tese do “hediondo crime gratuito” que convém ao governo americano e aos seus cúmplices europeus.

Claro, a moção não se esqueceu de fazer a sua demarcação em rela­ção aos “falcões” da direita ao pedir “o respeito pela lei e pela justiça”. Mas essa demarcação, calculada para satisfazer mentes timoratas, sempre ansiosas por estar bem com deus c com o diabo, ainda põe o compro­misso mais em evidência.

Compromisso aliás confirmado quando a Comissão Permanente do Bloco se associou dias depois ao “luto nacional e europeu” e defendeu que “a justiça norte-americana tem con­dições para julgar e punir os respon­sáveis pelo atentado e existem meios legais que permitem a sua captura envolvendo a cooperação interna­cional” (!).

Para os dirigentes do Bloco era ponto assente que qualquer aprecia­ção política dos acontecimentos seria tomada pela opinião pública como falta de respeito pelas vítimas ou sim­patia pelos terroristas. Foi preciso passarem vários dias para se conven­cerem que não surgia a onda de re­púdio popular que esperavam.

Discursando no parlamento, Louçã fez por fim a tão adiada acusa­ção aos crimes e à hipocrisia do im­perialismo, mas insistiu no absurdo de atribuir a este a legitimidade para uma “acção concertada de resposta”. Assim, a posição “diferente” do Bloco é tomar “o partido da paz contra o partido da guerra” mas aceitando a legitimidade de os criminosos indus­triais punirem os criminosos artesanais… desde que o façam por “meios legais” (provavelmente como o julga­mento de Milosevic…).

Em vez de dizer simplesmente a verdade – o chefe dos bandidos, des­feiteado, vai repor a sua autoridade de forma brutal para manter as víti­mas ajoelhadas e os cúmplices e su­bordinados em respeito; há que fazer tudo para o impedir – o Bloco ador­mece-nos com a lírica exigência de que o chefe dos bandidos faça justiça (!) por meios legais (!).

Dignidade nacional – Subli­nhando o seu “repúdio”, exigindo a “identificação e punição dos respon­sáveis”, apelando à “cooperação in­ternacional na luta contra todas as formas de terrorismo”, para não dei­xar dúvidas sobre os seus sentimen­tos ordeiros, o PCP percebeu contudo que era obrigatório dizer mais al­guma coisa. Logo no dia 12, o comu­nicado da Comissão Política lembrou os “milhares de civis mortos nos ata­ques contra o Iraque, a Jugoslávia e o Povo Palestino” e condenou “o pa­pel dos Estados Unidos como donos e polícias do mundo”.

Isto parecia um bom começo. Mas esta invocação das responsabilidades do imperialismo deve ter soa­do como insuportavelmente esquer­dista aos meios “renovadores”, cada vez mais influentes no partido. João Amaral veio protestar (Expresso, 15/ 9) que “a condenação do terrorismo deve ser feita sem qualquer reserva ou ‘mas’ que mesmo indirectamente possa parecer uma justificação. Por exemplo, as gravíssimas responsabilidades das autoridades americanas em conflitos de vários pontos do Glo­bo não são convocáveis para o acto de condenação do terrorismo.” (Itálico nosso).

Talvez por isso, nas semanas se­guintes, as reacções do PCP tornaram-se mais cordatas, apoiando a “ponderação” de Guterres contra o americanismo de Jaime Gama, valo­rizando o “papel a desempenhar pela União Europeia” e outras inépcias, como a invocação do “sentido de dignidade nacional”.

A vida continua – A única coi­sa defensável que fica das tomadas de posição do PCP c do BE é o seu protesto contra a cedência da base das Lajes aos americanos. E ainda seria preciso que houvesse disposi­ção para transformar este protesto formal num protesto real, nas ruas, o que, pelo andar da carruagem, é difícil de acreditar.

Perguntemos: porque não opta­ram os dirigentes destes partidos por posições firmes de ruptura, justamente para dar o sinal de alarme à popu­lação? Não o fizeram pela mesma ra­zão por que não o fazem nos outros conflitos políticos: para dar uma imagem de “ponderação” e “equilí­brio” que os acredite como uma for­ça “responsável”; para demonstrar o seu desejo de encontrar sempre uma “saída pela positiva”. Mas isto o que é senão caminhar atrás do cor­tejo dos malandros abanando a cabe­ça para mostrar desacordo?

Não ganharam grande coisa com o cálculo. Postos à margem das forças “respeitáveis”, suspeitos de “desleal­dade” para com a “civilização ociden­tal” (não insinuou Teresa de Sousa que a “neutralidade” do Bloco enco­bria simpatias pelo terrorismo?), PCP e BE vão previsivelmente moderar ain­da mais nas próximas semanas a sua oposição à aventura imperialista.

O resultado da pressão da direita será acentuar ainda mais a sua ten­dência para “baixar a bola” e reme­ter-se à política “real”, às questões práticas como as eleições autárquicas que aí vêm. Foi assim que vimos, dez dias depois dos acontecimentos, o candidato do Bloco por Lisboa, impá­vido, a distribuir nas ruas panfletos reclamando: “Tirem os nossos car­ros dos nossos passeios” – pelos vis­tos o problema mais premente para os habitantes da capital.     

Política Operária nº 82, Nov-Dez 2001

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