Cruzada contra Castro

Francisco Martins Rodrigues

Em sintonia com Mário Soares, que acaba de prefaciar o livro dum ex-comunista brasileiro reciclado denunciando Fidel Castro, censura Torcato Sepúlveda, numa crónica no Público de 19 de Fevereiro, “a esquerda bem-pensante, os comunistas e sobretudo a extrema-esquerda”, por fazerem silêncio em torno das denúncias do regime cubano. E cita dois livros, um deles editado em Portugal, que considera “libelo terrível sobre a tirania que Fidel Castro exerce sobre o seu povo”.

Uma vez que a extrema-esquerda é chamada à pedra por T. S., devemos, pela parte que nos toca, como comunistas revolucionários, responder à pergunta: porque se ocupa tão pouco a Política Operária com o movimento de oposição a Castro?

Poderíamos simplesmente observar que o actual amor pelos direitos democráticos dos cubanos não passa dum pretexto para popularizar a campanha que verdadeiramente interessa aos meios governantes mundiais: obrigar o regime castrista a respeitar o “direito humano” à livre iniciativa capitalista e à economia de mercado aberto. É por isso e não por quaisquer razões humanitárias que Cuba está submetida a um bloqueio comercial pelos Estados Unidos, bloqueio que origina privações inauditas ao seu povo e mergulha a economia do país no caos.

Esta infâmia, só por si, é razão suficiente para não querermos nada com os campeões do anticastrismo. Mas não só. Se repudiamos a farsa da “democracia socialista” propagandeada pelo regime de Castro, na qual não existe liberdade de expressão, de reunião, de organização em partidos, etc. – elementos in­substituíveis da democracia -, não perdemos de vista que se trata duma ditadura muito menos repressiva do que os regimes tirânicos e sanguinários implantados em dezenas de países, mas piedosamente poupados pela grande imprensa apenas porque exibem o mérito de uma grande “abertura democrática” aos capitais estrangeiros e aos programas do FMI. Se nos ocu­pássemos a combater a ausência de democracia em Cuba, quantos artigos deveríamos escrever em cada número da P. O. sobre o Peru, a Colômbia, o Equador, a Turquia, a Argélia, o Irão, a Coreia do Sul, a Indonésia ou Taiwan? Devolvemos portanto a censura: porque não se empenha Torcato Sepúlveda na denúncia desses regimes, incomparavelmente mais repressivos do que o de Cuba?

Dir-se-á que o caso do castrismo é diferente, visto que se cobre com uma máscara “socialista” que lhe deve ser arrancada. Parece-nos fraco argumento. Depois que o bloco soviético caiu, o “socialismo” cubano (na realidade um abortivo capitalismo estatal) ficou reduzido a uma curiosidade histórica, agonizante, condenada a vegetar e a desintegrar-se a breve prazo. Pode Torcato Sepúlveda tranquilizar-se; mesmo sem o nosso apoio, a cruzada anticastrista está anteci- padamente ganha.

Mas não é tudo. 0 regime castrista não vem à cabeça nas nossas listas acusatórias porque é também incomparavelmente menos explorador que a maioria das “democracias pluralistas” que lhe reclamam cinicamente “respeito pelos direitos humanos”. Se é verdade que em Cuba há desigualdades sociais crescentes, minorias privilegiadas e corrupção, elas estão longe de atingir as proporções da “livre” França (ou da Suécia, ou de Portugal), onde a voracidade sem peias dos capitalistas lança milhões na pobreza e na decomposição social e reduz as apregoadas liberdades democráticas a uma caricatura (e amanhã, não tenhamos dúvida, a um banho de sangue, se por acaso tentarmos tomá-las à letra).

Com isto, não pretendemos dizer que o regime castrista conserve quaisquer traços revolucionários. Mas, com a sua decadência, corrupção e degeneração actuais, ele não conseguiu ainda suprimir por completo as conquistas populares que instituiu na sua primeira fase revolucionária. Porque houve em Cuba uma autêntica revolução – e é isso que T. S. parece ignorar. Ou será que é isso que ele não tolera em Cuba – os vestígios da revolução?

Confessamos pois o pecado que nos é imputado: não nos apetece entrar no coro anti-Castro, mesmo que isso nos valha ser apontados a dedo pelos comissários políticos de serviço. Gostamos de de­nunciar os regimes que nos parecem mais ferozmente opressores e exploradores e não aqueles que a moda democrático-imperialista a cada momento escolhe como alvos a abater. Embirramos com as pressões para nos fazer erigir em “combatentes da liberdade” os sujeitos que a CIA patrocina, quer se chamem Armando Valadares ou Reinaldo Arenas.

Se T. S. tem pressa em ver o povo cubano “libertado” à maneira do povo das favelas de Bogotá, de Caracas ou S. Paulo, nós não. Temos pressa em ver os trabalhadores cubanos repudiarem Castro pela esquerda e orientarem-se para uma luta de classe independente, o que não tem nada a ver com a “democracia” que lhe cozinham em Washington. Corremos o risco de bater pouco no castrismo? É possível. Antes isso do que fazer de inocentes intencionais ao serviço da campanha dos capitalistas americanos para recuperar a Cuba dos seus sonhos: um casino e um bordel.

Política Operária nº 44, Mar-Abr 1994

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