Os novos nazis

Francisco Martins Rodrigues

 OS NOSSOS críticos torce­ram o nariz ao último filme de Kubrick, “Nascido para matar” (Full metal jacket), Stanley Kubrick, 1987. . Outra vez o Viet­name? O que há de novo para dizer sobre o Vietname? Kubrick foi censurado por dar uma visão “neutra” da guerra e houve mesmo quem encontrasse no filme intenções ocultas de reabilitação da suja epopeia americana.

Vejamos: Primeira parte — um instrutor fascista treina fuzileiros para combate. Sadismo, espancamentos, tudo disciplina paranóica, tudo o que é necessário para transformar os homens em máquinas cegas “para matar comunistas”. Sai-se tão bem a tarefa, que um dos soldados, um pobre diabo bonzão, farto de humilhações, acaba por matá-lo n um acesso de loucura, suicidando-se em seguida.

Segunda parte — o batalhão de fuzileiros em acção em Danang, no Vietname. A ferocidade gerada pelo pavor colectivo. O pânico perante a inesperada  a ofensiva do Tet. “Estamos a lutar por estes amarelos e eles não gostam de nós, reflecte um soldado. Um general discursa: “Em cada china há um verdadeiro americano pronto a desabrochar”. Um veterano calejado entretém-se a metralhar, dum helicóptero, ‘homens, mulheres e crianças que fogem pelos campos. E, explica, entre risadas, para os que ainda se chocam com o espectáculo: “Os que fogem são vietcongs; e os que não fogem são vietcongs disci­plinados “.

Terceira parte — um pelo­tão de fuzileiros vagueia entre os restos da cidade de Hué queimada e arrasada. Assalto épico a um edifício donde são alvejados por um atirador oculto. Vitória: o inimigo é abatido e contorce-se na ago­nia. É uma mulher frágil, que mais parece uma criança.

Final: os soldados desfilam por entre as ruínas e o fumo dos incêndios cantando a can­ção do rato Mickey e excla­mando exultantes: “Estamos atascados na merda mas ainda estamos vivos”.

Teremos de concordar que alguma coisa não bate certa quando se acusa Kubrick de “neutralidade”. O filme docu­menta com sobriedade, sem retórica, mas por isso mesmo com uma força esmagadora a barbárie do imperialismo americano. Mostra a engrena­gem que leva homens vulga­res, médios, a comportar-se como animais ferozes, pene­trados de mística anticomunista. Reafirma uma verdade, verificada desde há 40 anos, mas que ultimamente se tornou moda esquecer: o regime político dos EUA não tem nada a ver com o da Ale­manha nazi mas, no exterior, o imperialismo americano copia e excede os crimes do nazismo. E isto porque conse­guiu incutir na massa dos seus cidadãos a ideia de que têm por missão defender o mundo da revolução e do comunismo.

Em “Nascido para matar”, Kubrick não transige com flo­reados desculpativos do geno­cídio, como fez Oliver Stone em “Platoon”, Não tenta convencer-nos de que a guerra do Vietname foi uma luta entre bons e maus america­nos. Alerta, com crueza bru­tal, que os povos de todo o mundo estão sob a ameaça da máquina imperialista dos EUA.

Não será afinal isto que choca e desnorteia os moder­nos admiradores da “demo­cracia americana” e que os leva a pôr tantos defeitos no filme? Julgo bem que sim. Kubrick criticado pela direita pelo “progressismo” europeu — que mais nos faltará ver?

Política Operária nº 12, Nov-Dez 1987

 

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