Viva o S.I.S.!

Francisco Martins Rodrigues

NÃO HAVERÁ ex-pides a trabalhar no SIS, asseguram, de cabeça levan­tada, as autoridades, em resposta às suspeições malévolas de que estaria a ser criada “uma nova PIDE”.

A notícia caiu bem na opinião demo­crática. O SIS, flanqueado pelo SIM e pelo SIED, enquadrado pelo Conselho Supe­rior de Informações, subordinado à autori­dade do Ministério da Administração Interna, surge como um garante da legali­dade, no momento em que o desembaraço insolente dos coronéis da DINFO (colabo­ração com os GAL, apoio à Renamo…) começava a criar algum mal-estar.

Afinal de contas, nenhum Estado de­mocrático pode passar sem um serviço de informações, não é verdade? Só o infantilismo abrilista pode ter alimentado duran­te tanto tempo esse absurdo “complexo da PI DE”, que deixava as instituições à mercê de aventureiros subversivos. A demora em desmantelar as FP-25 serviu de lição. Que avance pois o SIS e que viva a Democracia.

Mas será por purismo democrático ou por meras razões de eficácia que o SIS dispensa os serviços dos ex-pides? Noutras palavras: o SIS não contrata os Barbieris e os Tinocos porque não tem nada a ver com uma PIDE ou porque é uma PIDE moder­na?

Aqui está um ponto em que os democratas não se lembraram de reflectir.

Porque a verdade é que a PIDE era obsoleta. Aproveitaram-se-lhe os ficheiros e pouco mais. Não por culpa dos seus esforçados pioneiros, note-se. O problema é que a PIDE tinha que se ocupar de tudo ir buscar assalariada a Vale de Vargo e tratá-los a sovas de cavalo-marinho porque” pediam jornas de 20 escudos, andar a escutar as conversas pelos cafés, vigiar as fronteiras, censurar os jornais, proibir as sessões públicas, orientar os tribunais…

A PIDE via em todo o lado o papão bolchevista, formava um reduto defensivo do Estado Novo, vivia na paranóia da infil­tração subversiva. Que fraqueza!  Agora o Estado desmultiplica-se em mil e uma ins­tituições especializadas, penetra audaciosamente em todos os recantos da vida social, aplica o remédio adequado a cada doença. A força da Democracia está toda nesse segredo: divisão de tarefas, especiali­zação, flexibilidade.

O custo da mão-de-obra, por exemplo, regulariza-se com a cooperação dos sindi­catos e do Conselho de Concertação Social sem precisar da polícia para nada. E o sistema funciona tão bem que os operários ganham menos em liberdade do que ganha­vam em 1970, com o fascismo. Para as ocupações, sequestros, greves selvagens, lá estão a PSP e a GNR. Para o banditismo armado, com ou sem conotações revolucionárias, há a DCCB, departamento perfeitamente apolítico da Judiciária. Na imprensa como no parlamento, a pene democrática dos regulamentos, dos subsí­dios e das luvas funciona muito melhor do que a tosca lei da rolha do fascismo. Toda a gente pode dizer o que quiser, mas ninguém tem vontade de dizer o que não deve. Tão simples!

E assim a polícia política pode libertar-se das tarefas menores e consagrar-se à sua verdadeira vocação estratégica: recolher informação, fichar os subversivos incorrigíveis, montar pacientes escutas telefóni­cas, analisar a evolução das tendências políticas, coordenar a sua actividade com os serviços estrangeiros, ter tudo discretamente controlado para não haver surpre­sas. É um trabalho de alto nível, que preci­sa de pessoal especializado. O que viriam aqui fazer os ex-pides?

Os parvos que se felicitam pela norma­lização dos serviços de segurança não sabem no que estão metidos. Nem querem saber. Vão fechar os olhos a todos os indí­cios alarmantes, tranquilizar-se com as garantias periódicas de respeito pelas insti­tuições, esquecer os escândalos, comportar-se como avestruzes. Vão proceder assim porque não lhes resta outra alternativa. Apavorados pelos dois infernos à espreita, o fascismo e a revolução, têm que se con­fortar com a crença supersticiosa nas virtu­des da Democracia.

Nós não temos razões para nos iludir­mos. Sabemos que a democracia burguesa pode ser o regime mais favorável para a educação política e a organização da classe operária para a revolução. Pode ser, mas apenas se os operários não tiverem ilusões na legalidade democrática, se os seus re­presentantes políticos lhes revelarem dia­riamente o jogo da ditadura burguesa sob todos os cambiantes, se a sua intervenção na política for orientada por forma a extre­mar os campos, a cercar a burguesia no seu reduto e a preparar o assalto ao poder.

Se isso não for feito — e é o que hoje acontece — a democracia burguesa pode tornar-se um veneno paralisante da cons­ciência operária, uma máquina de dissimu­lação da luta de classes, um instrumento perfeito de ditadura em nome da democra­cia.

Por isso, é tão importante para nós lembrar que o SIS, mesmo sem ex-pides, é uma nova PIDE — a PIDE da Democra­cia. As tarefas e os métodos mudaram. O objectivo é o mesmo de sempre: decapitar a luta operária pela revolução, salvar o Estado burguês.

Política Operária nº 14, Mar-Abr 1988

 

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