As comadres

Mário Fontes[i]

ASSIM QUE CAVACO foi derrota­do na Assembleia, aí estava a UDP a apelar ao PS para que forme go­verno. E aos que pudessem ficar chocados com a mensagem, esclareceu que é apenas movida pela preocupação, que se deve sobrepor a todas as outras, de desalojar a direita do poder.

Não era preciso justificar-se. Toda a gente percebeu perfeitamente. A UDP sente que o mais importante é “ter solu­ções” e, para as aplicar, não receia deitar para trás das costas velhas querelas. A UDP quer demonstrar a todo o preço que a sua oposição à direita é realista, sincera, eficaz, responsável, e não declamatória como antigamente. E actua em confor­midade.

Foi inspirada neste espírito novo que a UDP não teve dúvida em saudar publica­mente, há um ano, a eleição de Mário Soares como uma vitória das forças democráticas.

É inspirada nele que apela a “todas as forças políticas e sociais” para que com­preendam os benefícios nacionais que resultariam de uma moratória no paga­mento dos encargos da dívida externa.

É guiada por este nobre objectivo de união de todos os democratas e patriotas que sai a condenar, em comunicado de 8 de Março, a integração na CEE com argu­mentos sensíveis a toda a gente: a adesão “veio tornar a nossa economia ainda mais vulnerável e alienar os grandes interesses nacionais aos interesses dos monopólios europeus

É com este espírito pedagógico que a UDP explica aos mineiros de Aljustrel que a sua tarefa consiste em “defender e valorizar os recursos mineiros do nosso país”, repetindo, palavra por palavra, as directivas do PCP no Encontro Nacional dos Mineiros.

E é dentro do mesmo espírito que o padrinho da UDP, o PC(R), vem lembrar a Mário Soares que é seu dever investir o PS no governo, porque não pode esquecer o sentido dos votos que o elegeram Presi­dente da República.

Tudo tão bem intencionado, tão viá­vel, tão comovedoramente honesto na política da UDP e do PC(R)! Já lá vai o tempo dos apelos aos trabalhadores para desestabilizarem o regime. Era conversa fiada que não dava nada.

Inserindo-se garbosamente no campo da esquerda que existe, a UDP espera abrir espaço, ser ouvida, ver reconhecida a sua dedicação aos ideais democráticos, libertar-se da carga esquerdista de outros tempos, que tanto mal lhe fez.

Contra a direita, democracia. Contra o imperialismo, os nossos sagrados inte­resses nacionais. Contra a guerra, um amor ilimitado pela paz. Haverá ideias mais simples e intuitivas?

Se a UDP, mesmo assim, não conse­guir crescer, a culpa não será dela. A culpa será dos trabalhadores, que enten­dem que o bom senso pequeno burguês reformista já está bem representado pelo PCP, pelo PS, pelo PRD.

É essa, quanto a nós a única falha no hábil cálculo dos srs. Eduardo Pires e Carlos Marques: julgam que podem con­seguir um lugarzinho ao sol da Democra­cia, apoiando ora o PCP ora o PS, criticando aqui, louvando ali, apelando mais além, sem cair na dependência de ninguém. Mas ficam na dependência da burguesia. Que por agora não precisa deles.

Política Operária nº 9, Mar-Abr 1987

[i] Pseudónimo de FMR.

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