Perguntas ao Bloco

 Francisco Martins Rodrigues

Os promotores do Bloco de Esquerda apostaram em que o anúncio da sua unidade, facto inesperado na área da esquerda, produziria uma corrente de optimismo e de confiança. Para já, as primeiras reac­ções parecem confirmar essa expectativa.

Para muita gente com sentimentos de esquerda, a saudade de um partido em que intervir e votar, em que afirmar a sua identidade face ao PCP, está a produzir um movimento sensível de curiosidade e de adesão. Não é de descartar que o teste eleitoral corra bem ao novo partido.

A questão, porém, é: e depois? Em que área se vai arrumar o Bloco nas questões políticas vitais? Porque, depois de se afirmar de esquerda, ainda restam inúmeras opções a fazer. Como sejam: ficar pela crítica às cumplicidades do bloco central PS-PSD ou ir mais além e desacreditar aos olhos das massas a ficção de democracia em que vivemos? Condenar ordeiramente as agressões da NATO ou alimentar um movimento popular de repúdio por essa empresa de banditismo internacional? Navegar nas ondas da CGTP ou fomentar um sindicalismo revolucionário? Fazer declarações de solidariedade ao Terceiro Mundo ou minar o império Europa? Pre­conizar uma nebulosa Europa dos povos ou estabe­lecer laços com todos os movimentos anticapitalistas europeus? Dirigir-se preferencialmente à camada média alta e aos seus problemas ou à massa inferior dos assalariados? Formular um programa de refor­mas políticas e fiscais ou demonstrar com os factos quotidianos a incapacidade de correcção deste siste­ma? Pôr a acção parlamentar ao serviço da rua ou usar a rua como trampolim para o parla­mento?

Para já, os sinais que surgem são pouco claros e receamos que se orientem para a segunda alternati­va.

 SINAIS DA EUROPA

A iniciativa lançada pelo Bloco não é original. Desde há alguns anos, tem-se processado em diver­sos países europeus a fusão de grupos trotskistas, maoístas, ecologistas, em novos partidos da “esquer­da renovada”, usando a metodologia mais expedita isto é, deixando em suspenso o balanço ao passa­do e a clarificação das encruzilhadas que estão pela frente. E o caso é que estas iniciativas se vão reve­lando pouco a pouco como uma forma de canalizar para dentro da ordem e dos limites parlamen­tares os restos dos grupos revolucionários. Não tenhamos dúvidas de que há quem veja na fusão dos grupos em que se fragmentou a extrema esquerda uma via útil para os recuperar, afastando o perigo de, em qualquer eventual crise social desencadeada pelo desemprego, por uma recessão brusca ou por uma guerra de grande envergadura, surgirem em campo forças radicais, de postura revolucionária.

É preciso dizer que o Bloco agora criado está sujeito a sofrer uma operação semelhante de domesti­cação, não porque essa seja a opção deliberada dos seus promotores mas pela acção espontânea do reformismo dominante na luta de classes. É difícil acreditar que a UDP, o PSR e a Política XXI se trans­figurem apenas porque se unem.

Não somos à partida hostis ao Bloco. Mas para evitar equívocos, propomos aos seus apoiantes duas prioridades:

  • o debate livre das questões em aberto para uma política de esquerda, não deixando que as gran­des opções sejam afogadas numa multidão de pro­blemas laterais ou derivados.
  • o envolvimento em força em todo o tipo deacções populares autónomas das instituições, claramente à esquerda do PCP.

O perigo de queimar etapas

“O Bloco de Esquerda esqueceu que grande parte dos fracassos ocorridos na sua área se deveram à escolha de ‘atalhos’ para queimar etapas”, afirma Paulo Esperança, conhecido activista do Porto, numa carta dirigida ao novo partido, de que recebemos cópia.

Recapitulando as experiências de unificação fa­lhadas na área da extrema esquerda nos últimos anos, Paulo Esperança formula “três avisos”, dizendo a da­do passo que a busca prévia de consensos através da discussão política em reuniões amplas “demora mais tempo, exige mais discussão, obriga a maiores esfor­ços de entendimento e por isso talvez seja mais limitadora da necessidade de cumprimento acelera­do de calendários eleitorais” mas é a única adequa­da a um trabalho comum.

“Este processo de unidade orgânica – prossegue – exigiria uma base sustentada num rol de acções conjuntas que raramente aconteceram no campo sin­dical, cultural, das solidariedades, como não aconte­ceram também nas lutas contra a xenofobia, o serviço militar obrigatório, a Expo 98 ou as comemorações dos 500 anos dos descobrimentos”, embora se saiba que “o trabalho político fora dos sítios institucionais é difícil, pouco reconhecido e impenetrável nos meios de comunicação social”.

Também num programa de televisão, Garcia Pe­reira, do MRPP, criticou a via seguida da unidade de cúpula sem debate prévio.  

Política Operária nº 69, Mar-Abr 1999

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