UDP: Novas desgraças

Francisco Martins Rodrigues

A transformação da UDP em “partido socialista’’ esteve no centro do congresso que se reuniu em 4-5 de Fevereiro. Manobra arriscada que lhe pode fazer perder, não a estratégia revolucionária, de que há muito abdicou, mas a escassa base popular que ainda conserva.

A baixíssima votação obtida pela UDP nas eleições europeias do ano passado cau­sou, como não podia deixar de ser, forte aba­lo interno, depois de tantas esperanças terem sido postas na linguagem “solidária” modera­da e nos acordos com o PC e o PS.

Primeira consequência: a passagem a uma posição mais apagada de Eduardo Pires, criti­cado por demasiada dependência face ao PCP, e a adopção de algumas atitudes mais radicais nas acções populares em curso. Isto contudo não evitou que um núcleo de militan­tes tomasse a iniciativa de reclamar um con­gresso de “refundação” da organização como única via para impedir a sua “morte política”. Não tendo sido atendidos, abandonaram as fileiras, divulgando um texto (assinado por António Queirós, Maria Fernanda Costa, Ma­nuel Rodrigues, Eduardo Costa e alguns ou­tros), no qual se afirma que os “desastrosos resultados eleitorais” e a “perda de identi­dade própria” terão levado a UDP ao “descala­bro”.

Num outro documento, este assinado ape­nas por António Queirós, o quadro traçado é ainda mais sombrio: a UDP “perdeu a sua base popular”, está “em estado comatoso” e “reduzida a um grupo sem expressão social”, é um “grupo residual”. “Estes seis anos de acordos, principalmente com o PCP e em me­nor escala com o PS, nos sindicatos, nas autar­quias e no parlamento, não deram os resulta­dos políticos esperados”. Donde conclui que os males da UDP não eram fruto do seu “tu­tor”, entretanto dissolvido, o Partido Comu­nista Reconstruído. “Exorcizado o fantasma do PCR como causa de todos os males da UDP, verificou-se afinal que sem o PCR a UDP continua a cair a pique”. A origem da crise estaria, em sua opinião, na perda de autonomia, na diluição política e no abando­no da acção revolucionária de massas.

TROCA POR TROCA

Diga-se entretanto que os elementos de­missionários não põem em causa a política “ampla” mas a forma como tem sido aplicada, que consideram pouco hábil. A ideia de que o “realismo político” consiste em parasitar o PC e o PS, indo buscar ao primeiro o deputa­do e ao segundo diversas posições institu­cionais, é hoje aceite com naturalidade pelo conjunto da organização.

Num resumo eloquente, os autores da carta que vimos comentando escrevem: “Des­de o princípio dos anos 80 o PCP alterou a sua táctica face à UDP, oferecendo-nos o lugar de deputado em troca do símbolo e da sigla. Dez anos depois aceitou-se a proposta. Mas não só. Para além de ter abdicado da sigla e do símbolo, abdicou-se dum programa pró­prio (“e isso o PCP nem sequer o exigiu”, observa Queirós, com tocante franqueza).

O que se critica à direcção é não saber regatear, como no caso do apoio dado a J. Luís Judas durante o congresso da CGTP, quando, afinal, “logo a seguir os nossos “alia­dos” “democráticos e independentes” viravam-nos as costas, fechavam acordo com o PCP, e a UDP ficava isolada, sem força para levar o seu representante à comissão execu­tiva da CGTP”.

Acrescentemos que, talvez para demons­trar como se pode fazer render uma política de acordos, o mesmo António Queirós parti­cipou recentemente nos Estados Gerais do PS, em Coimbra, onde foi recebido de braços abertos e, segundo alguns, tratado como “estrela”.

VOZ DISCORDANTE

Rejeitada a proposta da “refundação” e afastados os dissidentes, o congresso vai, de certa forma, recuperar a sugestão destes, fa­zendo da UDP um “partido socialista”, talvez para lhe dar maior peso nas negociações com os dois grandes partidos da “esquerda”.

É uma mudança de que discorda, por exemplo, Licínio Sousa, membro do conselho nacional, antigo operário vidreiro, com quem falámos na Marinha Grande: “A UDP pro­clamar-se socialista é atirar fora uma data de gente válida que ainda lá está”. Em sua opinião a UDP devia manter o carácter de frente e a abertura a activistas de diversas sensibilidades como no início, e mesmo con­sagrar o direito de tendência.

– Haverá uma tendência de diluição da UDP no PC? – perguntámos. “Não creio. Hou­ve, nas relações com o PC, uma espécie de amnistia mútua: todos têm que reconhecer que erraram, ninguém tem autoridade para atirar pedras aos outros, etc. Entretanto, vai- -se aproveitando a colaboração para ir rou­bando militantes uns aos outros”.

Para Licínio Sousa, a pretensão de que nos sindicatos e comissões unitárias os acti­vistas da UDP assumam o objectivo socialista só irá dificultar o seu trabalho. “O socialismo não se defende com atitudes dessas. Havia que fazer um balanço exigente a tudo o que aconteceu, às causas da queda das sociedades do Leste, confirmar o que é e o que não é so­cialismo, demarcar águas com o oportunismo, tudo sem pressas, com ponderação”.

“Para mim, o principal era que os diri­gentes parassem, reconhecessem os erros, o mal que fizeram. Os operários já pagaram a sua parte, com as conquistas que perderam, a defesa das liberdades que falhou, etc. Mas os dirigentes, em vez de prestar contas, vão de jogada em jogada”.

APAGAR AS PEGADAS

Para nós, que abandonámos o PCR e a UDP há dez anos, o sentido da evolução pare­ce claro. O núcleo central da organização (e não falamos apenas dos dirigentes), apavo­rado com a perspectiva do isolamento em fase de refluxo, cedeu à pressão avassaladora para a liquidação do partido comunista mas tentou cobrir-se com uma pequena batota: primeiro, o PCR passou a “associação de co­munistas”; depois, estes “comunistas” passa­ram-se em massa para a UDP; e agora esta passa de frente democrático-popular a “parti­do socialista”. Assim se fez a passagem po» etapas e sem dor da plataforma comunista, considerada insustentável e “desactualizada”, à social-democracia.

Se esta manobra dará ou não dividendos eleitorais, é questão ainda para ver. Uma coisa é porém certa: a UDP corta os últimos laços que poderiam ligá-la ao seu passado popular revolucionário.

Política Operária nº 48, Jan-Fev 1995

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