A lenta ascensão da nova PIDE

Francisco Martins Rodrigues

Há perigo de uma nova PIDE ou podemos confiar nas instituições democráticas? A pergunta é surrealista, já que a nova PIDE está a ser montada debaixo do nosso nariz, por essas mesmas instituições.

Com a demissão do director do SIS e do seu espião de serviço na Madeira, o governo aliviou a pressão a que estava sujeito desde que começaram a vir a lume os últimos escân­dalos. Mas só pôde livrar-se de maiores estra­gos (nomeadamente a demissão do ministro do Interior, que devia ter sido reclamada des­de o primeiro dia) porque a oposição, e parti­cularmente a bancada do PS, foi colaborante. De facto, bastava a risonha e imbecil desculpa de Cavaco Silva perante as câmaras da televi­são, de que a espionagem na Madeira não merece ser levada muito a sério por ser obra de “um velho caquético”, para se dever exigir a imediata demissão do governo. Se isso não aconteceu foi porque o capítulo da polícia secreta é um daqueles em que funciona a “uni­ão sagrada” dos partidos do sistema. Muito barulho quando rebenta o escândalo mas a “segurança do Estado” acima de tudo.

O próprio procurador geral da República, que se queixou da escuta montada no seu ga­binete, declara num parecer recente que é dever dos serviços de informações “antecipar e prevenir” comportamentos susceptíveis de pôr cm causa a segurança do Estado, o que implicará sempre “uma certa margem de penetração nas estruturas e grupos sociais” (Expresso, 14/5). Está tudo dito.

MILITARES À ESCUTA

O SIS não é o único. Tem um “irmão mais velho”, talvez ainda mais temível, agora de novo em evidência forçada: a DINFO, secção do SIM, Serviço de Informações Militares, em crescimento imparável.

O esquema de segurança previsto pela mafia PSD-PS quando esteve associada no bloco central visava a criação de três serviços de informações, com o argumento de que era preciso “evitar uma concentração perigosa de informação e, por via disso, de poder”: o SIS, o SIM e o SIED. A verdadeira razão era outra: como cada um dos grandes ministérios – Administração Interna, Defesa e Estrangeiros – queria a sua polícia própria, ofereceu-se um serviço a cada um. Aconteceu, entretanto, que o SIED não foi activado e a recolha de informações externas que lhe estava incum­bida ficou nas mãos do SIM, através da DINFO. A tropa acumulou assim um poderoso serviço de informações que, por ser militar, escapa ainda melhor a qualquer forma de controlo. Actualmente, o governo planeia instituciona­lizar esta situação com a criação do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa e Mili­tares; a justificação é agora oposta à ante­rior: convém “concentrar esforços”… Entre­tanto, foi já criada uma Divisão de Informa­ções Militares (DIMIL) que só não entrou em funcionamento por se estar à espera dum clima mais propício à aprovação sem rumor no parlamento.

FOLHA DE PARRA

Tudo o que se diz sobre o “controlo da Assembleia” é pura fantasia. O Conselho de Fiscalização eleito pela Assembleia não tem meios para fiscalizar nada, visto que se limita a apreciar os relatórios que o próprio SIS lhe faculta quando acha que são relevantes… Os deputados têm que acreditar nas garantias dos serviços secretos de que respeitam a lei, não fazem escutas ilegais, não têm ficheiros informáticos… e isto apesar de o exemplo da Madeira ter dado uma amostra de como trabalham.

Justifica-se pois plenamente a afirmação do deputado Mário Tomé, da UDP, de que este Conselho de Fiscalização é uma “folha de parra” usada para cobrir a liberdade total de acção do SIS. A única atitude admissível, ao nível da Assembleia, é exigir, como fez Mário Tomé, a extinção do SIS, como “polícia política de facto”. Proposta que deu origem a um abaixo-assinado, já subscrito por muitos cidadãos, entre os quais intelectuais de prestígio como Mário Viegas, J. Mário Branco, Helder Costa, Baptista Bastos, José Fanha, Maria do Céu Guerra, etc.

Até agora a iniciativa não impressionou os grupos parlamentares, nem sequer o do PCP, apesar da veemência dos seus protestos. 0 mais certo é ficarem-se pelos inquéritos parlamentares. Desiludamo-nos: ou a luta con­tra a nova PIDE é assumida por todos nós, ou quando acordarmos será tarde de mais.

Política Operária nº 45 – Mai-Jun 1994

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