Francisco Martins Rodrigues
(na sessão de apresentação da Frente da Esquerda Revolucionária na Voz do Operário em 24 de Abril de 1989)
Depois que esta intervenção foi feita, a FER faliu. Por isso mesmo pode ter interesse recordar algumas posições que já então foram definidas em contraponto à tendência dos trotskistas de dar um tom reformista à campanha e de adoçar as posições mais contundentes que a OCPO vinha defendendo.
Várias passagens estão nitidamente desactualizadas. Mas elas são uteis para tornar mais claro duas coisas: o empenhamento que estávamos a pôr neste projecto e a inevitabilidade de o abandonar quando verificámos não ser possível dar-lhe corpo. Reproduzimos a seguir o essencial da intervenção:
UM REGIME QUE METE NOJO
Queremos ocupar um espaço político que não está preenchido por nenhum partido, e que é o dos que não se conformam com o que por aí vai. Neste 25 de Abril 15 anos depois, o que vemos nós? Os burgueses com pressa de enriquecer perdem as maneiras. A onda laranja desaguou no cano de esgoto dos ministros apanhados com a mão na massa. Milhares de trabalhadores vão para a rua para os novos grupos económicos rentabilizarem os seus capitais. O trabalho à jorna enfileira entre as descobertas do patronato lusitano, depois do trabalho a prazo, do trabalho infantil, do trabalho à borla. O Presidente Soares gasta o nosso dinheiro pelo mundo, armado em Américo Tomás da Democracia. Polícias correm polícias à cacetada. Otelo e os amigos estão na cadeia — não é caso para menos, estavam a pôr em risco esta bela ordem democrática. O ministro da Defesa diz que armas nucleares, ora essa, porque não? E assim fazemos a nossa entrada triunfal na CEE.
Porquê então uma candidatura da esquerda revolucionária ao Parlamento Europeu? Será que também queremos tornar-nos eurocratas engravatados a sacar 2.000 por mês e a abrir agências de representações? Que os nossos amigos se tranquilizem. Vamos entrar nesta campanha apenas para poder dizer com mais força, de modo a ser ouvidos por todos, que a CEE é o clube dos empresários europeus, que o Parlamento Europeu é um circo de luxo destinado a dar um ar simpático à ditadura dos capitalistas, que no comboio da CEE os trabalhadores vão de pé, que o chamado “apoio ao desenvolvimento” é o filme dos alegres salteadores do fundo perdido, que Portugal vai ser cada vez mais o bairro da lata da Europa.
E vamos dizer mais: que este regime mete nojo porque nem tem a coragem de assumir o seu reaccionarismo- O chamado restabelecimento da legalidade iniciado com o golpe militar do 25 de Novembro é das coisas mais vergonhosas e mais reles que tem havido em Portugal. 90% das conquistas que os trabalhadores tinham conseguido com a queda do fascismo já lhes foram retiradas e agora querem-lhes tirar o resto. Os legalistas do PS, PSD e CDS que se vêm revezando no poder, há 14 anos que andam a fazer flores à direita e a meter na ordem a esquerda. E o PCP continua a sua longa marcha às arrecuas, a ver se merece ser enfim admitido no governo. Ainda lhe falta recuar mais.
Por isso, há hoje muita gente farta; farta do governo e da oposição, farta dos patrões e do parlamento, farta dos polícias que dão ao gatilho e dos dirigentes sindicais ordeiros. Farta do sistema, que canaliza sempre mais dinheiro e mais poder para quem tem o dinheiro e o poder. Farta da oposição trampolineira do PS e da subserviência enjoativa do PCP.
É a esses que não se conformam que nos dirigimos com a nossa candidatura. Podemos garantir-lhes que a FER vai dizer nesta campanha eleitoral algumas coisas diferentes das outras forças de esquerda. São seis diferenças, pelo menos.
AS SEIS DIFERENÇAS
A principal: não temos respeito nenhum pela ordem estabelecida e vamos dizer aos trabalhadores que é preciso perderem os restos de respeito que ainda têm pela palhaçada pseudodemocrática que por aí se representa, e começarem a exigir muito mais, porque quem produz tem direito a exigir. Não alinhamos no unanimismo sobre as belezas deste regime, nem no consenso em torno do Presidente da República, e dizemos redondamente que não prestam, nem um nem o outro.
Há quem ache que isso não nos dará muitos votos. É possível. Mas, na situação a que chegou o país, não temos tanto medo de ser poucos como temos medo de ser frouxos. É preciso que alguém diga que esta comédia é revoltante.
Segunda diferença: vamos mostrar que a campanha contra o cavaquismo é só fumaça enquanto estiver centrada nos debates na Assembleia da República. Tem que ser a luta dos trabalhadores na rua a conduzir o parlamento. Em vez de pôr água na fervura das lutas, é preciso apoiá-las, coordená-las, fazê-las convergir num grande movimento popular. A campanha para tornar a vida impossível à quadrilha cavaquista tem que ser conduzida de tal modo que enfraqueça a ordem capitalista, enfraqueça os partidos do regime e não sirva de escadote ao PS para voltar mais uma vez a fazer a mesma política da direita com cores socialistas.
Terceira diferença: dizemos que a concertação social, o espírito do diálogo, as negociações de gabinete, as lutas desconvocadas em acordos de bastidores, estão a cortar as pernas aos trabalhadores, como se viu com a greve geral do ano passado, que não foi aproveitada para derrotar o pacote laboral, e com a nova greve geral que esteve quase a haver no outro dia e depois se sumiu por um alçapão. Vamos reclamar como medidas imediatas 10 contos de aumento para todos, a correcção salarial de 88 que nunca mais apareceu, e que no fim deste ano os aumentos sejam indexados à inflação real e não aos cálculos vigarizados do ministro das Finanças. Reclamamos a semana de 40 horas, a revogação do pacote laboral, o fim do trabalho precário.
Quarta diferença: não nos extasiamos perante a tolerância da nossa jovem democracia. Avisamos que os de cima só consentem em ser democratas desde que lhes obedeçam e não os chateiem. Mostramos que a paz social só existe enquanto os de baixo se sujeitam a ser espezinhados. E vamos dizer que o que está em jogo com o processo FUP/ FP-25 não é só a baixeza de condenarem a 18 anos de cadeia o chefe do levantamento contra o fascismo; é saber se travamos ou não a ascensão descarada da direita, se lhe permitimos que se arvore em juiz do nosso comportamento democrático depois de nos ter oprimido durante 50 anos. Por isso, reclamamos o que nenhuma outra candidatura é capaz de dizer: abolição da polícia política, amnistia total e imediata para Otelo e todos os presos políticos.
Quinta diferença: já chega de oposição platónica à NATO e ao militarismo. Com isso podem eles bem. Vamos propor acções na rua para exigir: Fora a NATO, fechem as bases, não às armas nucleares, direitos democráticos para os soldados, sargentos e todos os membros das forças militarizadas.
Sexta diferença: não somos saudosistas, não vamos propor o regresso ao “bom tempo” em que só éramos explorados pelos nossos capitalistas patriotas. Estamos contra a CEE mas não nos mete medo. É um gigante com pés de barro. A luta contra o capitalismo, pelo socialismo, podemos conduzi-la a partir de agora em união com os trabalhadores de toda a Europa. Talvez daqui a uns anos os capitalistas europeus cheguem à conclusão de que o derrubamento das fronteiras não foi assim tão boa ideia…
Política Operária nº 20, Maio-Junho 1989