Avozinho Salazar

Francisco Martins Rodrigues

No dia 28 de Maio, 400 fascistas militantes do “Movimento de Acção Nacional” comemoraram o 60° aniversário do golpe militar com um banquete, sob um enorme retrato de Salazar, ladeado por bandeiras da Legião e da Mocidade Portuguesa. No final, ergueram-se, de braço estendido na saudação nazi, enquanto ouviam a gravação de um discurso do ditador.

A imprensa não deu relevo ao facto e as autoridades não se pronunciaram. Com razão, admita-se. Estes pobres diabos destes fascistas têm tanto direito a fazer as suas jantaradas como quaisquer outros cidadãos. E a Democracia, tolerante porque consciente da sua superioridade, encolhe os ombros Fascismo? Quem quer saber disso?

A verdade é que, hoje, para a nossa burguesia, Salazar aparece como uma espécie de avozinho caturra, um pouco cómico no seu puritanismo. Vivia no pavor de que os operários se amotinassem e que o mundo viesse abaixo no dia em que faltassem os seus polícias secretos. Mas a vida provou que há outras maneiras mais elásticas de conseguir os mesmos (ou melhores) resultados.

Vejam o direito à greve. A Ditadura aboliu solenemente a luta de classes e entrava em pânico de cada vez que os operários exigiam aumento de salário. Agora tudo se passa em liberdade, os operários fazem as suas greves e marchas da fome, se forem capazes disso, mas os salários lá vão descendo, o desemprego lá vai subindo, e os negócios, ao fim e ao cabo, correm tão bem como antigamente ou melhor ainda. Luta de classes — porque não, se a balança pende para o lado do mais forte?

Para quê matar a cabeça com Sindicatos Nacionais impostos à força? Basta  deixar que o jogo funcione por si: os patrões controlam a UGT; a UGT aperta a CGTP; a CGTP modera os trabalhadores. Tudo vem a dar certo e o Estado pode lavar as mãos, inocente.

Dantes, o 1º de Maio proibido era uma fonte de conflitos, desordens, ódio ao Estado. Agora, o 1° de Maio legal desagua em tranquilas romarias com uns discursos… e até para o ano! Não é mais barato assim?

No tempo de Salazar, o regime arcava com o odioso de cada despedimento, de cada barraca, de cada criança que morria de fome. Quanto mais fácil é tudo agora! Quem manda são as leis do mercado, o Estado é só o árbitro da legalidade, limita-se a verificar que os patrões e os operários lutem de acordo com as regras. Que ganhe o melhor, como no boxe!

O fascismo era uma estrutura rígida para amparar uma burguesia fraca e insegura de si. Mas, à medida que a burguesia foi crescendo, o colete começou a apertar-lhe, até que se resolveu a deitá-lo fora. Hoje respira livremente e não se dá mal. A Democracia absorve tudo, como um colchão de molas.

A burguesia confia no futuro. Enquanto a CGTP conseguir canalizar a agonia dos operários, como a dos vidreiros da Marinha Grande, para excursões de bicicleta a Genebra, de cravo vermelho ao peito, bem vai a coisa.

E quando isso já não for possível e os operários desesperados saírem à rua a partir tudo? Nessa altura, será a vez de avançarem de novo os gorilas agora na reserva. Só que a história, em geral, não se repete.

Política Operária nº 5, Maio-Junho 1986

Livros disponíveis de Francisco Martins Rodrigues

  • Anti-Dimitrov (2009, 2ª ed., 328 pp, 21 €)
  • Os Anos do Silêncio (2008, 120 pp, 11 €)
  • História de uma Vida (2008, 320 pp, 13,65)
  • Abril Traído (1999, 120 pp, 8,40 €)
  • A Conspiração dos Iguais, Ilya Ehrenburg (186 pp), tradução de FMR (2004, 190 pp, 12 €)
    • Envios à cobrança
    • Pedidos a elaporelaeditora@gmail.com

 

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